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Alberto Aggio: Sob o espectro da crise institucional
Lula sempre foi um admirável construtor de frases. Uma delas, que vem sendo relembrada nos últimos dias, proferida em 1988, é a que afirma que “pobre quando rouba, vai para a cadeia, rico quando rouba, vira ministro”. A frase é relembrada para indicar que se antes Lula queria dizer que ele se identificava com o ‘pobre’, hoje, ao contrário, a sua identificação só poderia ser com o ‘rico’ que, para fugir da Justiça, seria alçado à condição de ministro do governo Dilma. Hoje, portanto, o conteúdo da frase vai além das intenções originais de seu formulador.
A justiça não deve e não pode funcionar como Lula profetizava e nem como o seu inverso. O Brasil mudou: ‘rico’, em certos casos, sofre ações de investigação, julgamento e condenação, em outros, não viram ministros, como estamos vendo acontecer. O juiz Sérgio Moro e os jovens promotores da Lava Jato se especializaram no combate ao ‘crime de colarinho branco’ e têm atuado inteiramente dentro da legalidade, cumprindo sua função com rigor e transparência.
Nos últimos dias, especialmente depois da ‘condução coercitiva’ de Lula para dar depoimento e todos os acontecimentos que se sucederam, as decisões da Lava Jato têm sido duramente questionadas por apoiadores do governo. As críticas falam de ‘golpe’ ou da implantação de um ‘Estado de exceção ou policial’. Ora, se estamos num suposto ‘Estado policial’, como dizem alguns petistas ou filopetistas, a extensão e a agudeza das determinações da Lava Jato atingiriam uma feição inconstitucional que deveria ser reprovada sumariamente pelo STF, mas isso até o momento não ocorre. Isso é fato.
Entretanto, claro está que desde que o lulopetismo assumiu o poder, a sociedade brasileira está submetida a governos do crime. Desde 2005, com ‘mensalão’, e depois ‘petrolão’, se impôs ao País uma sucessão de governantes que hoje são alvo de operações policiais. Não há, quanto a isso, polêmica alguma, em função de tudo o que a PF e o MPF têm revelado. Esta única certeza motivou, no domingo, dia 13 de março, a presença de mais de 4 milhões de pessoas nas ruas de todo o País.
Frente às maiores manifestações da história do Brasil, o governo Dilma deu como resposta a intensificação da defesa do ex-presidente Lula, nomeando-o ministro da República. As manifestações de protesto, inclusive nas ruas, foram imediatas. Tal ato desnudou a intenção do governo em proteger Lula da Lava Jato. Isso foi entendido como um escárnio, tanto mais porque as gravações das conversas entre Dilma e Lula, Lula e Jacques Wagner apontavam claramente para a tentativa de ‘fraude processual’.
O ataque ao Estado Democrático de Direito era visível, com ameaças à Justiça. Estava claro que a República estava nas mãos de criminosos ameaçadores. As gravações jogaram Dilma para dentro da crise que, a partir de agora, pode ser enquadrada em crime de obstrução da Justiça. A nomeação de Lula como ministro foi a gota d’água que instalou um verdadeiro turbilhão na conjuntura política do País.
A questão não é apenas a tática de chicana jurídica adotada pelo governo Dilma. O problema maior advém do fato de que Lula, desde o início, politizou sua inserção na grei de investigados na Lava Jato, promovendo um quadro propício à contestação à Justiça e inclinado à convulsão social. A crise econômica, política e ética vivenciada pelo governo Dilma estaria sendo deslocada e o centro da conjuntura passaria a ser o problema judicial vivenciado por Lula. Duas coisas distintas estão sendo erroneamente identificadas, introduzindo um desequilíbrio que pode ser catastrófico, abrindo espaço para uma crise institucional. Com a ‘posse’ de Lula no Ministério, o poder Executivo passou a estar inteiramente condicionado pelo poder Judiciário. Abre-se uma guerra de liminares, contra e a favor da nomeação de Lula como ministro, o que certamente irá complicar mais ainda as ações governamentais. Do outro lado da Praça dos Três Poderes, a Câmara dos Deputados aprovou a comissão que examinará o pedido de impeachment da presidente da República. Em meio a tudo isso, o povo desceu à rua e dá demonstração de que de lá não pensa em sair.
Não haverá golpe, porque não se cogita lançar mão dele. Mas o espectro da crise institucional nos envolve perigosamente. Estamos entrando num cenário extraordinário que demandará pessoas extraordinárias. A notícia ruim é que, há tempos, sentimos falta delas. (O Estado de S. Paulo – 18/03/2016)
Alberto Aggio é historiador e professor titular da Unesp de Franca