especial

Jorge Caldeira e os 199 anos da Independência do Brasil

Escritor analisa as conquistas históricas da Declaração de Independência e defende a economia sustentável para o futuro do país

João Rodrugues, da equipe da FAP

O Brasil completa hoje 199 anos da Independência, marcada pelo grito Dom Pedro I, às margens do Rio Ipiranga, em 7 de setembro de 1822. Neste episódio extra, o podcast da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) conversa com o escritor Jorge Caldeira. Ele analisa as conquistas desses 199 anos da Declaração de Independência, os fatos históricos do período e o que esperar para os próximos anos do nosso país. Além de escritor, Jorge Caldeira é historiador, jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP).

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As lições da colônia, império, ditadura militar e o negacionismo do atual governo brasileiro também estão entre os temas do podcast. O episódio conta com áudios da telenovela Novo Mundo, da TV Globo, programa Roda, UOL (entrevista de Natalia Pasternak) e do site História em Meia Hora.

Além de eventuais edições extras, o Rádio FAP é publicado semanalmente, às sextas-feiras, em diversas plataformas de streaming como Spotify, Google Podcasts, Youtube, Ancora, RadioPublic e Pocket Casts. O programa tem a produção e apresentação do jornalista João Rodrigues. A edição-executiva é de Renato Ferraz.

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El País: O Brasil de Bolsonaro, segundo cinco famílias

O presidente acaba de entrar no terceiro mês de Governo. O EL PAÍS entrevistou, em cinco cidades, vários de seus eleitores e uma família que não o apoia para saber o que pensam de seus primeiros passos no Governo e sua expectativa para o futuro sob o mandatário

Por Joana Oliveira, Naiara Galarraga Gortázar, Afonso Benites, Liege Albuquerque e Naira Hofmeister, do El País

Há muitas décadas o Brasil não tinha um presidente como ele. Ultradireitista, militar da reserva, nostálgico da ditadura, linguarudo, abertamente homofóbico, racista e misógino. Mas também fazia anos que um chefe de Estado não gerava tanto entusiasmo (e tantos temores) no país. Jair Messias Bolsonaro completou dois meses no cargo, incluindo os 17 dias em que esteve hospitalizado, com uma aprovação pessoal de 57% e uma avaliação positiva do Governo de 39%, números que empalidecem em comparação com os 83% do Governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em sua despedida, mas que representam um aumento de otimismo depois do desencanto e do ceticismo que marcaram o período anterior.

Para sondar o Brasil de Bolsonaro, o EL PAÍS viajou a cinco cidades(Salvador, São Paulo, Manaus, Porto Alegre e Brasília), onde entrevistou famílias que encarnam os quatro pilares de seu programa de Governo (segurança, valores, economia e combate à corrupção) e uma quinta que representa o eleitorado que não votou nele nas eleições —Bolsonaro foi eleito com 55% dos votos contra 45% do adversário, Fernando Haddad (PT).

Salvador

Governo Jair Bolsonaro
O casal Rita Paim e Sérgio Pretto, de Salvador. RENATO ALBAN

SEGURANÇA | FAMÍLIA PAIM-PRETTO

Rita Paim, 52 anos; Sérgio Pretto, 60 anos.
Residência
: Salvador.
Prioridades: "Primeiro tem que colocar ordem e depois buscar o progresso. Isso é o mais importante para o Brasil agora"

Quando a Rita de Cássia Paim, representante farmacêutica de 52 anos, escutou pela primeira vez Jair Bolsonaro falar sobre segurança pública durante a campanha eleitoral, lembrou-se imediatamente do assalto à mão armada que sofreu na porta de sua casa, em Salvador. “Levaram meu carro, levaram tudo. Foi uma experiência horrível. Por isso votei no presidente: pensando em segurança”, conta, em seu apartamento de um bairro de classe média-alta de Salvador, a poucos metros da orla da capital baiana.

Em 2017, o Brasil bateu um novo recorde de mortes violentas, com 63.880 homicídios (sete por hora), e houve um aumento também no número de estupros (60.000). A Bahia é um dos Estados mais perigosos: detém o recorde de mortes violentas de jovens entre 15 e 29 anos, segundo o último Atlas da Violência. Somente em Salvador, com 2,6 milhões de habitantes, houve 80 latrocínios (roubo com morte) —um aumento de 27%— e cerca de 2.000 assaltos a ônibus, segundo as autoridades.

Rita e o namorado, o designer gráfico Sérgio Pretto, de 60 anos, fazem parte da minoria soteropolitana que votou em Bolsonaro no ano passado. Em Salvador, o então candidato do PSL perdeu em todos os colégios eleitorais e obteve apenas 31% dos votos válidos, contra 68% do candidato petista, Fernando Haddad. O agora presidente obteve seus melhores resultados nos bairros mais nobres da cidade, entre eles, a Pituba (onde vive o casal), e onde a crescente violência preocupa os moradores. “Somos nós que vivemos presos. Os comerciantes estão atrás de grades, nós trancados dentro de casa, temos medo de sair. Meu filho tem um comércio e vive assustado, deixa de abrir a loja no carnaval por medo do aumento de assaltos”, lamenta Sérgio, em uma sala com um grande oratório barroco, onde tem destaque a figura de um Cristo crucificado.

Ambos votaram no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante anos, até ele ser eleito, acreditando que “ele iria salvar o mundo”. Hoje, dizem-se decepcionados com o “desastre que foram os Governos Lula” e evitam até mesmo mencionar o nome do ex-presidente e do Partido dos Trabalhadores. Bolsonaro ganhou a confiança e admiração deles com suas propostas como a redução da maioridade penal (de 18 para 16 anos) e promessas de endurecimento das penas para criminosos. O casal, entretanto, ridiculariza o uso do termomito.“O cara tinha umas tiradas meio de doido, quando dizia que ‘tem que matar mesmo’, mas hoje ele expressa melhor essas ideias”, avalia Sérgio.

Ele e sua companheira celebraram a assinatura do decreto que facilita o posse de armas —a Bahia é o Estado com o maior número de mortes por arma de fogo (5.450, em 2016), de acordo com o Atlas da Violência—. “Bolsonaro está certo, porque o pessoal já tem arma, agora só vai legalizar isso. Você estará munido para defender-se”, diz Rita, que não se considera “capacitada” para ter uma arma de fogo. “As pessoas que são contra até falam que a violência contra a mulher aumentaria, mas as mulheres que são espancadas, que são vítimas de feminicídio, infelizmente continuarão morrendo com ou sem uma lei de posse de armas. É uma questão cultural, de educação da sociedade”, acrescenta o designer.

O casal também avalia positivamente o projeto de lei anticrime apresentado pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro (o primeiro juiz a condenar Lula por corrupção), que altera 14 legislações e endurece o combate à corrupção, ao crime organizado e a crimes praticados com violência.

E discordam dos opositores que, em defesa dos direitos humanos, discordam do presidente. “Esse negócio de ser bonzinho não dá certo. Direitos humanos para marginal? Bolsonaro está extremamente correto quando diz que vai ter tolerância zero e que os policiais poderão agir”, diz Rita. “Os direitos humanos são uma coisa que não sei para quê existe, sinceramente”, acrescenta Sérgio.

São Paulo

O pastor evangélico Marcelo Galdino com seu filho Levy em São Paulo.
O pastor evangélico Marcelo Galdino com seu filho Levy em São Paulo. LELA BELTRÃO

VALORES | FAMÍLIA GALDINO

Marcelo Galdino, 34 anos; Liliana Galdino.
Residência: São Paulo.
Prioridades: Que o Governo "desideologize as escolas"

O pastor evangélico Marcelo Galdino Júnior logo soube que Bolsonaro era seu candidato. Gostou dos valores que ele defendia, de seu discurso e suas promessas.

Galdino, de 34 anos, e sua mulher, Liliana, tinham vinte e poucos anos quando começaram a formar uma família que hoje inclui três filhos. Para eles, é prioridade que o novo Executivo se concentre na educação. E que, como dizem os bolsonaristas, "desideologize as escolas", explica ele no templo da Igreja Assembleia de Deus, em um bairro no sul de São Paulo, onde lidera 100 mil paroquianos. E isso significa que a escola dê a Giovanna (12 anos), Marcelo Levy (4 anos) e o bebê Pedro (18 meses) educação básica, mas não os eduque em valores. Esse capítulo da formação tem de permanecer em casa. E se forem falar sobre sexualidade na escola, que falem sobre biologia, não de ideologia, ele diz. "Nós educamos nossos filhos em valores cristãos. Se outras famílias querem educar os seus em outros, tudo bem, mas que façam isso em casa", enfatiza.

Este pastor explica assim qual é a primeira coisa que se espera do Governo de Bolsonaro em matéria de valores: "acabar com a ideologia implementadas pelo Governo anterior, que pretendia ocultar da mente de nossos filhos o que está na Constituição, que diz que a família é a união de um homem, uma mulher e seus filhos". Assim consta no artigo 226.3 da Lei Fundamental, mas há seis anos o Poder Judiciário legalizou as uniões gays. É precisamente por causa de decisões como essa que incomoda a Galdino que "o Supremo Tribunal legisle" sem que o Congresso se pronuncie. Ele argumenta que, se o Estado quer falar sobre "a questão de gênero" ou famílias com duas mães ou dois pais, deve fazer isso na universidade, "onde os alunos já têm discernimento", não com crianças como seu pequeno Marcelo Levy.

Galdino e seus fiéis encarnam o voto evangélico no Brasil, a pujança de uma comunidade que não para de alcançar novos patamares de poder social e político. Eles apoiaram Bolsonaro em massa até colocar os valores, a moral, no topo da agenda política. Se em 1991 representavam 9% dos brasileiros, duas décadas depois já eram 20%, segundo o último censo.

O templo de Galdino impressiona mesmo vazio. Pode abrigar até 2.700 pessoas. O pastor explica que este distrito de Santo Amaro é de comerciantes, "o que chamamos de classe B, mas pessoas de classes C e D vêm até aqui", porque a igreja está estrategicamente localizada ao lado da estrada, em um ponto de fácil acesso para muitos lugares da metrópole.

Este líder evangélico (e muitos outros como ele) encontrou na Internet um púlpito para falar sobre política a quem quiser ouvir (incluindo seus fiéis), sem infringir a lei. Galdino dedicou nada menos que 17 transmissões ao vivo de sua página no Facebook (que tem mais de 10 mil seguidores) a Bolsonaro e suas propostas eleitorais. Foram 17 porque esse era o número da candidatura do ex-capitão, que cresceu como candidato na rede social.

"Eu realmente gostei que no início deste Governo o ministro da Educação tenha anunciado que voltarão a dar português, matemática ...". Mas, agora, esses assuntos não são ensinados? "Sim, são, mas as escolas reforçaram o ensino da ideologia", insiste.

O pastor não tem urgência em mudar as leis que amparam o casamento homossexual ou o aborto (permitido em três casos). É tradicional, mas não fundamentalista. "Sou contra o aborto. Acredito que a lei atual já serve muito bem à sociedade", explica. Acha que seria bom que a norma fosse abolida, mas, para ele, é mais urgente no momento estimular a economia e combater o crime.

Galdino enfatiza que ele e sua mulher ensinam os filhos "que devemos respeitar todo mundo, seja qual for sua opção sexual, se são ricos ou pobres, se são negros ... somos todos iguais". O respeito pelos outros e à lei vigente são inegociáveis para ele. Também não se incomoda que Bolsonaro seja católico. Está animado que ele tenha transformado famílias como a sua em uma bandeira da mudança.

Porto Alegre

A família Prado Neves em sua casa, em Porto Alegre.
A família Prado Neves em sua casa, em Porto Alegre. TANIA MEINERZ

ECONOMIA | FAMÍLIA PRADO NEVES

Ereni (57), Gessian (29) e Anriel (24 anos)
Residência: Porto Alegre
Prioridades: Crescimento econômico e estabilidade de emprego para a família. Só a matriarca tem um emprego com carteira assinada na família

A família Prado Neves vive na periferia de Porto Alegre. “É a última travessa da Rua 9 de Junho antes de ela virar chão batido”, explica Anriel, 24 anos, referindo-se a uma das poucas vias que cortam a comunidade de cima a baixo. Partilham do mesmo otimismo com o que a maioria dos brasileiros encaram o início do Governo que acaba de começar, segundo as pesquisas. O que os Prado Neves realmente querem é que a economia brasileira cresça nos próximos anos. Esse é o grande desafio do novo presidente e os últimos dados foram piores que o esperado.  A economia brasileira cresceu 1,1% em 2018 em relação ao ano anterior, e a pífia expansão do Produto Interno Bruto (PIB) no último trimestre do ano anterior não refletem o otimismo do mercado e do setor privado com o presidente.

A matriarca, Ereni, é a única com contrato de trabalho registrado. Cuidadosa de idosos, lembra que já atendeu pacientes com bolsa de colostomia, como a que o presidente utilizava o final de janeiro, e se comove pensando que o presidente manteve a rotina de trabalho mesmo com essa limitação. “Não é fácil”, assegura. Seu filho, Anriel, dirige Uber. E sua filha, Gessian, 29 anos, foi mãe pela terceira vez e ainda não voltou a trabalhar. Somando os salários dos três, incluindo a ajuda social que Gessian recebe pelo Bolsa Família, este lar de seis pessoas se mantém com uma média de 3.000 ao mês.

Gessian espera sua filha Lara, de 10 meses, completar um ano, a idade mínima exigida pelas creches municipais de Morro da Cruz, para buscar emprego.“Se eu for pagar uma creche privada são 800 reais, vale mais a pena ficar em casa com ela”, diz. Ainda assim, está animada. Acha que a era Bolsonaro será positiva para encontrar uma colocação. Gessian tem experiência como vendedora no comércio local e em uma loja de departamentos, mas não faz questão de voltar para essa área. Pensa em fazer um curso que lhe abra portas em outro segmento com demanda, talvez técnica em enfermagem ou outra profissão na área da saúde, seguindo os passos de dona Ereni. E também espera que seu filho mais velho, Gabriel (14 anos), consiga começar a trabalhar pelo programa Jovem Aprendiz.

O que a matriarca da família Prado Neves quer para este ano é que a reforma da previdência —prioritária para o Governo controlar os gastos públicos— não atrapalhe seus planos de aposentadoria. Somando o tempo de juventude em que trabalhou na lavoura, plantando milho, soja e aipim, conseguiria se aposentar dentro de dois anos. “Vi que agora querem que as mulheres trabalhem até os 62, eu pretendo me aposentar com 57, mas acho que não vai dar problema para mim. Vai mudar mesmo para quem está começando”.

Anriel, o caçula de dona Ereni, foi um dos mais ativos defensores da candidatura de Bolsonaro em seu bairro na capital gaúcha. Contrariando as orientações da Uber de não mencionar suas preferências políticas aos passageiros, colocou um adesivo com a cara do agora presidente na traseira do seu automóvel —o que lhe rendeu algumas avaliações ruins por parte dos passageiros. Influenciada pela vitória do capitão reformado, o preço do dólar baixou desde as eleições. E isso é importante para Ariel, porque agora ele pode sonhar em comprar um kit multimídia para o carro e porque, supõe Anriel, isso pode ajudar a diminuir o custo de vida da família. “Com o diesel mais barato, a pessoa consegue fazer uma comida decente, porque tudo no Brasil é a base de caminhão".

Já não usa mais o adesivo no carro. O episódio da facada, que feriu o agora presidente gravemente, e a animosidade eleitoral o motivou Anriel a silenciar os gruposde WhatsApp pró-Bolsonaro.“A gente vê que não está em um país normal”, lamenta. Apesar das polêmicas e as suspeitas de corrupção envolvendo pessoas ligadas ao Governo, Anriel se mantém confiante. “Ele mesmo avisou que o começo seria ruim, duro, que poderia até piorar a situação, porque a dificuldade era muito grande”, justifica.

Brasília

Adalcyr Luiz da Silva em Brasília.
Adalcyr Luiz da Silva em Brasília. CADU GOMES

CORRUPÇÃO | ADALCYR LUIZ DA SILVA

Adalcyr Luiz da Silva (54), dentista e professor
Residência: Brasília
Prioridades: reformular o sistema político corrompido pela corrupção

Há quase quatro anos o ortodontista e professor universitário Adalcyr Luiz da Silva Júnior, de 54 anos, morador de Brasília, só liga a TV para assistir Netflix ou alguns poucos jogos de futebol. Antes, via pelo menos três telejornais diários. Agora, sua principal fonte de informação é a internet, além, é claro, as mensagens que chegam diariamente pelo WhatsApp – muitas das quais ele desconfia. Eleitor convicto do presidente, Adalcyr Júnior escolheu votar no capitão reformado principalmente por acreditar que estava no momento de alterar o sistema político que julgava estar corroído pela corrupção. “A maneira que eu encontrei de mudar esse mecanismo foi escolhendo um novo candidato. E, necessariamente, o candidato que estava mais distante do PT, que era o Governo então vigente, era o Bolsonaro”.

E o que ele espera do homem que, há pouco mais de dois meses despacha com sua caneta BIC no Palácio do Planalto? “O que eu quero de um presidente é que ele não tenha rabo preso. Eu não tenho presidente de estimação. Não tenho político de estimação”. Para os próximos anos, Adalcyr diz esperar uma melhora no combate à corrupção devido às propostas do presidente para a área. Mas ainda é um tanto cético. Afinal, na sua avaliação, a corrupção não acaba do dia para a noite, já que está arraigada na sociedade brasileira, sacudida pela Operação Lava Jato, que afetou vários partidos e empresas. Segundo a Transparência Internacional, a sociedade brasileira tem uma das piores percepções em relação à corrupção no país: ocupa a posição 105 entre 180 países, o pior resultado em anos.

“A corrupção no Brasil é um processo que está em todas as instituições. Não é só no Governo. No meu meio, mesmo, alguns colegas recebem um incentivo para poder estar indicando um determinado produto ou determinado medicamento. Isso não deixa de ser uma corrupção, porque você está tentando enganar as pessoas para que isso seja algo vantajoso”, disse. E resumiu: “Eu não acho que vá mudar, em quatro anos, toda uma cultura que já existe. Eu avalio que é um processo lento”.

Seu apoio a Bolsonaro, contudo, não é irrestrito, tampouco cego. Por exemplo, quando indagado qual nota (de 1 a 5) daria para as propostas de Bolsonaro no combate à corrupção ele foi relutante: “nota 3”. E explica a razão, dizendo que essa é uma média aritmética: “Se pegar sob o aspecto que corresponde o combate à corrupção e proposta, eu daria nota 5. Agora, quando eu vejo, situações relacionadas às atitudes de nosso presidente, principalmente no caso do [ex-ministro Gustavo] Bebianno eu daria nota 1”. Bebbiano, que foi chefe de sua campanha, foi demitido por Bolsonaro sob a suspeita de ter patrocinado um esquema de candidaturas laranjas do PSL no ano passado. A lógica de Adalcyr Júnior é que a mesma medida valeria para os filhos do presidente, caso se comprove alguma irregularidade cometida por eles.

Para a reportagem chegar ao ortodontista Adalcyr foi preciso percorrer uma espécie de périplo. Duas entrevistas antes da dele foram desmarcadas por razões semelhantes. Um dos eleitores que falaria com o EL PAÍS era um segurança de uma empresa particular que presta serviço para órgãos públicos. O outro, um gestor público da área de saúde. Ambos alegaram que seus chefes pediram para não tratarem de “assuntos espinhosos”.

O clima quase bélico das eleições do ano passado, em que o país se dividiu entre eleitores do PT e anti-petistas – ou bolsonaristas e anti-Bolsonaro – causaram um certo desconforto na família de Adalcyr. Ele, sua atual mulher, sua ex-mulher (com quem dois filhos) e seus cunhados votaram convictamente em Bolsonaro. Seus filhos, não. “Até hoje tenho uma relação um pouco estremecida com um dos meus filhos, que não concordava com a minha escolha”.

Manaus

Ana Claudia e Allan com suas filhas e a cachorrinha, em Manaus.
Ana Claudia e Allan com suas filhas e a cachorrinha, em Manaus. ALBERTO ARAÚJO

OS QUE NÃO VOTARAM | FAMÍLIA FILHO-CHAVES

Allan Kardec Filho (37 anos) e Ana Cláudia Chaves (38)
Residência: Manaus
Prioridades: Para o casal, quem conhece o passado de Jair Bolsonaro não teria votado nele. Casal não vê com otimismo o Governo

São empresários e votaram na contramão do Brasil e de Manaus, capital do Amazonas que detém 50% do eleitorado do Estado, onde vivem. Allan Kardec Filho, de 37 anos e Ana Claudia Chaves, de 38 anos, casados desde 2010, ex-vizinhos e namorados há mais de 20 anos, o casal tem origens diferentes, ele filho de empresários, ela filha de professor universitário, que convergiram num pensamento uno de esquerda. Ambos votaram em Fernando Haddad.

“Costumo dizer que Ana Claudia não é só a mulher que eu amo, é a que me salvou de um pensamento umbiguista”, diz Allan Kardec. Eles têm duas filhas: Ana Luiza, Raquel, uma cadela boxer (Greta) e seu filho Lula (em homenagem ao ex-presidente), e três gatinhos. O casal diz que não votou em Bolsonaro por considerar que qualquer pessoa que tenha estudado sua vida vida não votaria nele.

Para Ana Claudia, o discurso de Bolsonaro revela preconceitos contra as mulheres negras, algo que ela sentiu e combateu em sua vida. Toda suas expectativas em relação ao Governo são ruins. Só divergem entre eles em relação a quanto tempo irá durar. “Não vejo como esse Governo com decisões em WhatsApp e que usa Damares para distrair da reforma da Previdência possa durar mais que até o fim deste ano”, considera Ana Claudia. Já Allan Kardec acha que ele vai até o fim dos quatro anos. “A classe que o elegeu é teimosa e vai continuar apoiando seus atos, inclusive seu despreparo travestido em simplicidade tosca”.

Ex-chefe de gabinete em Brasília do então presidente da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Jecinaldo Cabral, em 2012, Ana Cláudia estava no plenário quando Jecinaldo cuspiu no então deputado Bolsonaro, quando este lhe disse que deveria "comer pasto fora [do Congresso] para manter suas origens". "O que ninguém imaginaria àquela época é que ele pudesse ser o presidente da República um dia", disse a empresária.


O Estado de S. Paulo: Ato Institucional número 5 completa 50 anos

Por Marcelo Godoy, de O Estado de S. Paulo

Cinquenta anos depois, o AI-5 ainda divide opiniões no País – se os juristas e a imprensa são unânimes no repúdio ao arbítrio, muitos militares ainda consideram que o contexto da época justificava a sua imposição. O decreto do Ato Institucional que contou com a  assinatura de 16 ministros e do presidente, o general Costa e Silva, marcaria profundamente a Nação. Não apenas em razão das cassações de mandatos de parlamentares, pela censura de 500 filmes, 950 peças de teatro, 200 livros, 500 letras de música, mas pela suspensão de garantias fundamentais, como o habeas corpus para crimes contra a Segurança Nacional e a Ordem Econômica e Social. Uma década depois, quando foi suspenso, a repressão do regime militar já havia feito mais de 400 mortos, provocado o exílio de cerca de 7 mil brasileiros e submetidos outros 20 mil a sevícias e maus-tratos nas cadeias e porões da ditadura.

Desde que as eleições foram suspensas, os jornais do grupo Estado fizeram oposição ao regime. A consequência foi perseguição, prisões de jornalistas e a censura de suas páginas. Neste especial, o Estado mostra como enfrentou a ditadura e defendeu a liberdade. Revela ainda que uma armadilha feita por integrantes de um órgão de informação do regime esteve por trás da cassação do emedebista Marcos Tito (MG), abrindo a crise que resultaria ainda na cassação do também deputado Alencar Furtado, líder do MDB na Câmara, em 1977. Seria o último expurgo no Parlamento feito com base no AI-5.

Leia aqui ainda a íntegra do editorial Instituições em Frangalhos, que levou à instituição da censura prévia ao jornal e veja abaixo a galeria "50 anos de AI-5 em 50 fotos", uma seleção do nosso acervo com cenas sobre a crise política que culminou na decretação do Ato Institucional.

Reação ao AI-5 leva à democracia e à Constituição

Ato institucional suspendeu garantias legais e fechou Congresso; oposição lutou contra autoritarismo

Marcelo Godoy e Pablo Pereira, O Estado de S.Paulo

Os brasileiros tomaram conhecimento do Ato Institucional de número 5 pelo anúncio do ministro da Justiça, Luis Antônio da Gama e Silva. Era noite de sexta-feira, 13 de dezembro de 1968. Fora Gama e Silva que redigira o documento, suspendendo garantias constitucionais e fechando o Congresso por tempo indeterminado. Ele assim permaneceria até outubro do ano seguinte, quando reabriria – expurgado pela cassação de 98 deputados e 5 senadores – para referendar uma nova Constituição com mudanças, como a adoção da pena de morte.

Um dia antes, a Câmara dos Deputados negara por 216 votos a 141 a licença para o governo processar o deputado Márcio Moreira Alves, do MDB, por seus discursos, considerados ofensivos às Forças Armadas. Vindo da casa da namorada, na Água Branca, na zona oeste, o professor de Direito Constitucional da USP José Afonso da Silva dirigia seu Fusca com o rádio ligado quando um locutor começou a ler o texto. “Fiquei tão horrorizado com aquilo, porque é o instrumento mais violento que o País já teve, de certo modo, mais violento do que a Constituição do Getúlio Vargas. Dava um poder tão grande para o presidente fazer o que queria. E eles fizeram o que queriam, usaram e abusaram do Ato largamente, praticando os mais absurdos atos de autoritarismo.” Horas antes, o prédio do Estado, no centro, fora invadido por policiais que aprenderam sua edição em razão da recusa de Julio de Mesquita Filho de se submeter à ordem de trocar o editorial Instituições em Frangalhos. Começava a censura ao jornal.

Vinte anos depois, José Afonso estaria entre os assessores do senador Mário Covas, líder do PMDB, que ajudaram a sistematizar e redigir a Constituição de 1988. Para ele, a atual Carta é um “espelho invertido” do AI-5. A visão de que o arbítrio da ditadura militar engendrou a luta que se concluiu na promulgação da nova Constituição é compartilhada por outros juristas que lutaram pela redemocratização do País.

“Ela é o grande reverso do arbítrio. Garantiu direitos e valorizou como nenhuma outra no mundo os operadores do direito”, diz o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal(STF) Francisco Rezek. Estudante de Direito, ele estava no meio do Atlântico, no navio Augusta, voltando ao Brasil após a primeira fase do doutorado na Sorbonne, em Paris, quando o comandante anunciou aos brasileiros a novidade. Eram quatro homens e três mulheres. “Alguns pensaram em não desembarcar.” Rezek seguiu para Minas. “O AI-5 desvelou por completo a face do regime, inaugurando uma ditadura escancarada.”

O que tornava o AI-5 diferente dos Atos anteriores não era a licença para cassar mandatos e direitos políticos ou para aposentar compulsoriamente magistrados, professores, militares, mas a suspensão de garantias, como a do habeas corpus, para acusados de delitos políticos e econômicos, além de retirar da Justiça a possibilidade de apreciar quaisquer atos do governo baseados no AI-5. Dezesseis ministros assinaram o documento, além do presidente Costa e Silva. Era a reação de um governo acuado por protestos estudantis, greves operárias e críticas da imprensa.

Ao aumento da oposição, o governo reagia com prisões, como a dos 720 estudantes no congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), em Ibiúna, no interior paulista. Alunos do Mackenzie vinculados ao Comando de Caça aos Comunistas enfrentavam estudantes de esquerda da Faculdade de Filosofia da USP, na Rua Maria Antonia, no centro. A batalha começou em 2 de outubro e acabou no dia seguinte, com o incêndio da prédio da Filosofia, atacado por coquetéis molotov lançados do Mackenzie. Dias depois, homens da Ação Libertadora Nacional (ALN) e da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) executaram o capitão americano Charles Chandler, em São Paulo. Parte da esquerda pegava em armas contra o regime.

No Rio, a agitação estudantil crescera após o assassinato do estudante Edson Luis, quando a polícia invadiu um restaurante estudantil. No dia seguinte, 50 mil marcharam contra o regime. Em 21 de junho, nova manifestação terminaria com 4 mortos – um era policial. Cinco dias após, 100 mil sairiam às ruas em protesto. “Nossos alunos têm razão”, dizia uma das faixas. No mesmo dia, em São Paulo, a VPR lançou um carro-bomba contra o quartel do 2.º Exército, matando o soldado Mário Kozel Filho.

Belisário dos Santos Junior era um jovem estudante de direito quando ouviu com amigos a decretação do AI-5. Estava em um bar na Rua Iguatemi, no Itaim Bibi, na zona oeste, tomando um sorvete. O Ato fez dele um defensor de presos políticos. Ele mesmo acabaria detido pelo Destacamento de Operações de Informações (DOI), do 2.º Exército, por causa de um documento que denunciava torturas impostas aos criminosos comuns do Presídio Tiradentes. Os interrogadores não lhe perguntaram nada sobre a petição assinada com outros sete advogados e enviada à Justiça Militar. “Só queriam saber quem nos pagava para fazer aquilo.”

A denúncia contra os advogados partira do juiz auditor Nelson Machado Guimarães, que recebera a petição. O grupo compareceu diante do Superior Tribunal Militar (STM), ainda no Rio, defendido pelo advogado Heleno Fragoso. “Senhores, em São Paulo, terrorista é a Justiça Militar”, disse Fragoso aos ministros do STM, que confirmaram a libertação de todos. Belisário se juntaria à luta pela anistia e pela Constituinte. “A Constituição é o momento de afirmação dos direitos e garantias. Antes, estavam no artigo 153. Com a nova carta passaram a ocupar o artigo 5.º, o que mostra a prioridade que receberam.”

Outro advogado que conheceu a prisão após o AI-5 foi Eros Grau. Era 1970 quando ele foi preso pela segunda vez – a primeira fora pouco após o golpe de 1964. Durou três dias. Grau era suspeito de ligações com o Partido Comunista Brasileiro, crime previsto na Lei de Segurança Nacional (LSN), que podia ser punido com até 2 anos de cadeia.

O empresário Dilson Funaro, então secretário de Planejamento do governador Abreu Sodré (Arena) pediu ao chefe a libertação do amigo. “Ele disse que ‘ou me soltavam ou se demitiria.’” Eros foi solto. “Perdi a chance de viver na França...” O então advogado da classe teatral se tornaria ministro do STF. “A Constituinte de 1988 rasgou tudo o que existia antes. Como no poema de Álvaro Moreyra: ‘A vida está toda errada/Vamos passá-la a limpos?’ Ela passou a limpo o passado. Virou aquela página. Ela significa o nascimento do novo.”

Vencidas as organizações que se opunham pelas armas, o regime iniciou a abertura. O AI-5 acabaria revogado em 1978 pelo presidente Ernesto Geisel. O último presidente do ciclo militar, João Figueiredo, assumiu prometendo “prender e arrebentar” quem fosse contra a redemocratização. Não fez uma coisa nem outra. Governaria até entregar o poder aos civis. “A Constituição (de 1969) estava comprometida com o autoritarismo. Um remendo não daria a ela a visão que se tinha de adotar para a democratização do País. A eleição do Tancredo Neves, com seu discurso de Maceió, da Nova República, era a proposta para liquidar com os tais entulhos autoritários”, diz José Afonso. Com a morte de Tancredo, caberia ao vice, José Sarney convocar a Constituinte. Quatro anos depois, em 1988, estaria pronta a nova Constituição.


Generais eleitos pelo PSL afirmam que AI-5 ‘foi necessário’ para o país

Roberto Sebastião Peternelli Junior e Eliéser Girão Monteiro Filho foram eleitos para a Câmara dos Deputados pelo partido do presidente eleito, Jair Bolsonaro

Os dois generais eleitos em outubro pelo PSL para a Câmara dos Deputados – Roberto Sebastião Peternelli Junior e Eliéser Girão Monteiro Filho – afirmaram que a adoção do Ato Institucional-5 (AI-5) foi necessária diante da conjuntura da época. “A conjuntura, infelizmente, com os movimentos revolucionários armados, fez com que Brasil precisasse do AI-5 para manter a democracia e se contrapor ao comunismo. Vivemos hoje um momento diferente, não há mais o risco de implantação de um regime comunista”, diz Girão.

Peternelli também culpa as ações armadas contra o regime. “Para aquele contexto, talvez, tenha sido uma medida necessária. O governo não tinha opção.” Ele afirma que o Exército “ao longo da história sempre defendeu a defesa da democracia”. “O compromisso com a democracia nos levou à Câmara pelo voto.” Cinquenta anos atrás, o Congresso também tinha dois oficiais generais quando foi fechado pelo AI-5: os marechais Amaury Kruel (MDB-GB) e Mendes de Moraes (Arena-GB).

O general Girão, no entanto, disse concordar com a crítica feita nos anos 1970 pelo general Peri Constant Bevilacqua, para quem o AI-5 “comprometeu os ideais de 31 de Março”. Ministro do Superior Tribunal Militar, Bevilacqua foi cassado pela ditadura, em 1968. “A terapêutica revolucionária agrava os males do doente – a democracia – quando não o mata”, afirmara.

“A prática da República é que vai aperfeiçoá-la. Para isso acontecer, os Poderes devem agir de forma independente. Infelizmente, a Nova República foi sepultada – com a causa mortis corrupção –, por partidos políticos formados por derrotados pela revolução de 1964, quando da tentativa de se implantar um regime comunista”, disse Girão.

 


Amordaçado pela ditadura, jornal luta pela liberdade

Editorial faz general apreender edição; regime impõe censura prévia ao ‘Estado’

Por José Maria Mayrink, O Estado de S.Paulo

A edição do Ato Institucional-5 (AI-5) marcou, em 13 de dezembro de 1968, o início da censura sistemática à imprensa, que só acabaria dez anos depois. Houve pressão, ameaças e atentados contra O Estado de São Paulo desde o golpe militar de 31 de março de 1964, mas os censores não frequentavam a Redação nesse período. A repressão chegou para valer quando a Câmara negou a licença para o governo processar o deputado Márcio Moreira Alves.A censura no Estado começou, aliás, em 12 de dezembro, véspera do anúncio do AI-5. O chefe da Polícia Federal em São Paulo, general Sílvio Correia de Andrade, telefonou para a Redação para saber qual seria a manchete do dia seguinte. “Câmara nega; prontidão”, informou o editor-chefe Oliveiros S. Ferreira. O general deu-se por satisfeito, mas o jornal foi apreendido ao chegar às bancas, na madrugada seguinte. O general liberou o noticiário, mas não gostou do editorial Instituições em Frangalhos, no qual o diretor do jornal, Julio de Mesquita Filho, o Doutor Julinho, criticava o presidente Costa e Silva. “Era um texto duro e corajoso, que refletia a tradicional independência do jornal em relação aos governantes”, diz o jornalista Miguel Jorge, na época repórter do Jornal da Tarde, vespertino da empresa.Foi o último editorial do Doutor Julinho. Ele deixou de escrever na seção Notas e Informações, na página 3, em protesto contra a censura. Revoltado com a apreensão do jornal, mandou seu filho Julio de Mesquita Neto dizer ao governador Roberto de Abreu Sodré e ao general Correia de Andrade que não faria autocensura. Se o governo quisesse proibir alguma notícia, pusesse censores na Redação. Sua resistência custou caro. “O preço que pagamos foi, em primeiro lugar, a vida de meu pai”, disse o jornalista Ruy Mesquita em março de 2004, referindo-se à morte de Julio de Mesquita Filho. Ele caiu doente quando parou de escrever o editorial e morreu em julho de 1969, sete meses após a edição do AI-5.Os censores se instalaram na Redação na noite de 13 de dezembro, ao lado dos jornalistas atônitos que se agrupavam em frente da TV para assistir ao anúncio do AI-5. O locutor oficial Alberto Curi leu o texto do ato, ao lado do ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, ex-reitor da USP.Recusa. Os jornais da família Mesquita não faziam autocensura. “Façam as reportagens e escrevam, os censores que cortem”, era essa a orientação. Os censores permaneceram no prédio da Rua Major Quedinho, sede do Estadono centro da cidade, até o dia 6 de janeiro de 1969. Depois se retiraram e só voltaram em agosto de 1972. Nesse intervalo, a censura prévia era feita por telefonemas da Polícia, bilhetes e listas de assuntos proibidos. Como não se permitia deixar espaços em branco, recorria-se a textos aleatórios para mostrar aos leitores o que estava ocorrendo. Cartas inventadas pelos redatores, despachos judiciais, orientações de cultivo de flores interrompiam com destaque o noticiário nas páginas nobres, para cobrir o vazio de editoriais e reportagens que o lápis vermelho do censor havia riscado.

Apesar do cerco policial, milhares de exemplares do Estado chegaram às ruas no dia 13. O pessoal da expedição armou uma operação de guerra. “Improvisamos uma canaleta de madeira e escoamos uns 60 mil exemplares em caminhões-caçamba, que saíam de trás de um tapume, enquanto os policiais barravam os caminhões-baú da frota de distribuição”, lembra o arquiteto Hagop Boyadjian, então responsável por obras de reforma no prédio da Rua Major Quedinho, onde funcionava o jornal, no centro.

Também o JT foi proibido de circular e apreendido. Seus diretores se recusaram a trocar textos considerados “mais exaltados”, depois de terem publicado, no dia 12, um editorial sobre a crise política com o título "Mais uma demonstração de inviabilidade do regime". Repórteres e editores fizeram um esquema semelhante ao do Estado para garantir a distribuição. Enquanto a Polícia vigiava a Rua Major Quedinho, 84.900 exemplares escaparam pela Rua Martins Fontes, do outro lado do prédio.

O general Sílvio Correia de Andrade ficou furioso. Percorreu as bancas do bairro de Higienópolis para recolher o JT pessoalmente. “Esse jornal traiu a Revolução”, gritava sem parar, conforme lembra Fernando Mitre, atual diretor de jornalismo da Rede Bandeirantes.

Reação. O escritor e jornalista Ivan Ângelo, então secretário de Redação do JT, lembra a reação dos jornalistas. “Quando o censor entrou na sala, logo nos primeiros dias, todos nós nos retiramos, em sinal de protesto. O censor perguntou se o pessoal estava saindo por causa dele e eu disse que certamente sim, pois isso nunca havia ocorrido antes.”

Os jornalistas faziam o que podiam para infernizar a vida dos censores. “Contrabandeando informações que seriam censuradas no meio de outras matérias, em linguagem pouco usual – e não apenas isso, mas também esvaziando os quatro pneus do carro de um deles apenas para vê-los, da janela, suando a camisa num trabalho mais digno que aquele a que se haviam habituado ”, disse Carlos Brickmann, repórter político.

Proibido de publicar a notícia da demissão do ministro da Agricultura, Cirne Lima, que havia entrado em choque com o ministro da Fazenda, Delfim Netto, a primeira página do Estado substituiu em 1973 uma foto por uma peça publicitária da Rádio Eldorado, emissora do Grupo Estado. “Agora é samba”, dizia o anúncio, com grande impacto. Repetiu-se a dose no dia seguinte, quando foi publicada, no lugar de outra foto de Cirne Lima, uma ilustração com uma rosa branca. Legenda: “A rosa, louvada por poetas desde tempos imemoriais, continua simbolizando o amor”.

Os editores publicavam também poesias no lugar do material cortado. O primeiro poema, Y – Juca Pirama, de Gonçalves Dias, saiu em destaque na página dos editoriais, em 29 de junho de 1973. Nem todos os leitores entenderam o recado. Muitos telefonaram ou escreveram para cumprimentar o Estado pelo apoio à literatura e ao cultivo de flores. Diante dessa reação, Julio de Mesquita Neto determinou que se publicasse alguma coisa constante e continuada, de modo que o leitor identificasse a censura.

O redator Antônio Carvalho Mendes, responsável por uma coluna sobre cinofilia e pela seção de falecimentos, sugeriu a publicação repetida de versos de Os Lusíadas, de Luís de Camões. O poeta português apareceu 655 vezes no jornal. Segundo a pesquisadora Maria Aparecida Aquino, da USP, foram cortados 1.136 textos no Estado, de 29 de março de 1973 a 3 de janeiro de 1975, quando acabou a censura. No JT, Ruy Mesquita optou pela publicação de bolos e doces, em substituição às matérias cortadas.

Repórteres e correspondentes do Estado foram perseguidos por causa do seu trabalho. O chefe da sucursal de Recife, Carlos Garcia, foi preso e torturado em março de 1974, na véspera da posse do presidente Ernesto Geisel. “O Estadão se posicionou firmemente contra a ditadura e alguns de seus jornalistas foram torturados, como foi o meu caso, por defenderem a liberdade de imprensa”, disse Garcia. Em outubro de 1975, Luiz Paulo Costa, correspondente em São José dos Campos, foi preso e torturado no Destacamento de Operações de Informações (DOI), do 2.º Exército, na mesma semana e local em que o jornalista Vladimir Herzog foi morto sob torturas.

Julio de Mesquita Neto resistia à censura e protestava contra a ditadura. “Meu pai aproveitava suas viagens para denunciar no exterior a falta de liberdade de imprensa no Brasil”, disse Júlio César Mesquita, lembrando discursos e pronunciamentos feitos na Europa e nos Estados Unidos. Pela sua coragem, Julio Neto ganhou o Prêmio Palma de Ouro da Liberdade, concedido pela Federação Internacional dos Editores de Jornais. No JT, o diretor Ruy Mesquita também não deixava de protestar contra a arbitrariedade. Foi memorável, de extraordinária repercussão, um telegrama que mandou a Alfredo Buzaid em 19 de setembro de 1972, quando a PF baixou novas normas de censura à imprensa. Dizia o texto:

“Senhor Ministro, ao tomar conhecimento dessas normas emanadas de V.Sa. o meu sentimento foi de profunda humilhação e vergonha. Senti vergonha, sr. Ministro, pelo Brasil, degradado à condição de uma republiqueta de banana ou de uma Uganda qualquer por um governo que acaba de perder a compostura...Todos os que estão hoje no poder dele baixarão um dia e então, sr. Ministro, como aconteceu na Alemanha de Hitler, na Itália de Mussolini ou na Rússia de Stalin, o Brasil ficará sabendo a verdadeira história deste período em que a Revolução de 64 abandonou os rumos traçados pelo seu maior líder, o marechal Castelo Branco, para enveredar pelos rumos de um caudilhismo militar que já está fora de moda, inclusive nas repúblicas hispano-americanas...”

Os militares ficaram furiosos, recorda Mitre, por terem sido chamados de nazistas e fascistas.

“Meu pai lutou contra a censura e contra todas as barbaridades do regime militar”, disse Ruy Mesquita Filho, o Ruyzito. Ainda adolescente na época, ele se lembra hoje de Ruy Mesquita falando aos berros, pelo telefone, com um general. “Meu pai defendia os jornalistas que eram presos e perseguidos. Os diretores do Estado e do Jornal da Tarde sabiam e denunciavam o que estava acontecendo. O prédio do Estadofoi alvo de três bombas em atentados terroristas, de esquerda e de direita, em represália à sua posição em defesa da democracia”, acrescentou Ruyzito.

Missão. Correspondente em Buenos Aires, onde era exilado político e assinava seus textos com o pseudônimo de Julio Delgado, Flávio Tavares lembra como iludiu a censura, quando os Mesquitas não se dobraram à “inquisição” militar. “Usávamos todos os estratagemas para driblar a censura.” Em 1977, Flávio foi preso e torturado no Uruguai, acusado de espionagem, após ter entrevistado Leonel Brizola no exílio. Foi libertado por pressão do Estado, que enviou Júlio César Mesquita e advogados do escritório de Gerson Mendonça Neto a Montevidéu para resgatá-lo.

A censura só acabou em 3 de janeiro de 1975, véspera da comemoração do centenário do Estado. Era o cumprimento de um compromisso assumido pelo general Ernesto Geisel, ao assumir a Presidência em março de 1974. As dificuldades, porém, continuaram, até o fim do AI-5, em 1978.

 


 

O complô para cassar o deputado

Oficiais revelam como armaram a crise que fez Marcos Tito e Alencar Furtado perderem os mandatos

Por Marcelo Godoy, O Estado de S.Paulo

A crise que levou à cassação dos dois últimos mandatos de deputados federais com base no AI-5 em 1977 foi o resultado de uma conspiração montada por integrantes da comunidade de informações da ditadura militar. O objetivo inicial era decapitar um parlamentar do MDB – Marcos Tito. Ele denunciara a ação da extrema-direita, que se alinhara em torno da ideia de impor o general Silvio Frota, então ministro do Exército, como candidato do governo à sucessão do presidente Ernesto Geisel (1974-1979).

As eleições eram indiretas e o presidente, eleito pelo Colégio Eleitoral em 1978. Quarenta e um anos depois, um ex-integrante do Centro de Informações da Aeronáutica (Cisa) revelou a trama ao Estado. A entrevista, feita no Clube da Aeronáutica, no Rio, durou cinco horas e foi gravada. O coronel pediu anonimato. A história foi confirmada por outro oficial, que trabalhou 28 anos no Cisa.

“Realizamos algumas operações fundamentalmente de contrainteligência muito produtivas. Nenhuma com violência, mas foram operações que você faz para expor o inimigo a uma situação ridícula, que ele não contribuiu para aquilo, para desmoralizá-lo e acabar com ele”, diz o coronel. Entre essas operações, estava a que levou à cassação de Tito. “Ele estava assumindo uma posição que estava nos incomodando muito.”

Integrante da contrainteligência do Cisa, ele estava no setor desde sua criação como Núcleo do Serviço de Informações de Segurança da Aeronáutica, chefiado pelo então coronel João Paulo Moreira Burnier. Era julho de 1968. Permaneceu ali até 1979 como o agente Paulo Mário.

Na época, o emedebista havia discursado na Câmara afirmando: “Há evidentes sinais de que a extrema-direita articula-se para promover as condições necessárias a um novo surto de violência política”. Tito era vinculado ao grupo mais incisivo do MDB, conhecido como “autêntico”. Desde 1964, 171 mandatos de parlamentares haviam sido cassados pelos governos militares, dos quais 104 foram com base no Ato Institucional-5. Para retirar do caminho o parlamentar de Minas – eleito em 1974 com 61.386 votos –, a Aeronáutica montou uma armadilha. Os oficiais da inteligência da Força apanharam a edição especial do jornal Voz Operária, de abril de 1977. Órgão oficial do Partido Comunista Brasileiro (PCB), então na ilegalidade, ele era impresso na Europa e despachado por correio para o Brasil.

A edição trazia uma decisão do partido e um editorial sobre o Pacote de Abril, por meio do qual Geisel fechou o Congresso e aprovou reformas, como a ampliação do Senado com a nomeação de senadores – os biônicos –, garantindo maioria no Colégio Eleitoral. Também continha o Manifesto à Nação.

O texto afirmava: “No momento em que o Brasil atravessa uma crise cujas consequências e alcance são reconhecidos por todas as correntes políticas nacionais, os comunistas dirigem-se à nação com o objetivo de, ao lado de todos aqueles interessados na conquista da democracia, propor uma alternativa para a situação político-institucional em que o regime resultante do golpe de 1964 colocou o País”. Reescrito pelos militares, o texto perderia a palavra “comunistas” e teria “golpe” substituída por “movimento”. Dos 24 parágrafos, cinco foram suprimidos. As alterações, porém, ainda deixavam clara a origem do texto sem, no entanto, alertar o alvo da armadilha: Tito.

O próximo passo foi entregar o texto ao gabinete do parlamentar, que mantinha relações com estudantes e sindicalistas. “Levamos como se fosse coisa de estudante inconformado, pedindo para ele ler no plenário da Câmara. E ele caiu e leu.” O papel foi recebido por um assessor, que o repassou ao deputado. Em 24 de maio, o parlamentar subiu à tribuna e leu o discurso sem saber que era quase cópia da Voz Operária. Acusava o regime de ter como métodos o “medo e o arbítrio”. Sua fala atraiu a resposta do deputado Cantídio Sampaio (Arena-SP), que o chamou de “atrevido”.

Tudo parecia se encerrar ali. Dois dias após o discurso, os militares fizeram chegar ao deputado Silval Boaventura (Arena-MG) a informação de que Tito lera da tribuna o manifesto do PCB. Sinval denunciou o colega. Estava aberta a crise. “E acabou levando uma ferroada, acabou cassado e posto na rua”, conta o coronel. De fato, 21 dias depois, Geisel anunciou a cassação de Tito. “Na época, não havia desconfiança de que o texto tivesse sido plantado. Pareceu o plágio de um assessor. As forças mais radicais do regime criaram uma crise artificial”, diz o deputado Miro Teixeira (Rede-RJ), então no MDB.

Necessário. A ação da comunidade de informações atendia ainda a outro motivo: provar que a infiltração comunista aumentava com a abertura e, assim, reforçar a “necessidade” de Frota ser o candidato do regime à sucessão de Geisel. “Queriam mostrar que tudo aquilo (o aparato do regime) era necessário”, disse o Doutor Pirilo, do Cisa. Entrevistado em julho de 2017, Pirilo morreu neste ano.

Treze dias depois, em 27 de junho de 1977, o MDB teria seu programa de TV. O presidente do partido, Ulysses Guimarães, foi duro com o governo e o líder da legenda na Câmara, Alencar Furtado (PR), protestou contra a cassação de Tito e outras e denunciou a chaga dos desaparecidos. “Para que não haja esposas que enviúvem com maridos vivos, talvez; ou mortos, quem sabe? Viúvas do quem sabe ou do talvez”, disse.

O desafio ao regime foi punido por Geisel. Em 30 de junho, Geisel anunciaria a decisão de processar Ulysses. “Ulysses não foi cassado porque sua figura tinha mais respaldo, por seu histórico. Vinha do PSD, presidia a legenda e tinha uma postura mais moderada. Alencar era mais duro, incisivo e acusador. Geisel usou as cassações porque precisava enfrentar os radicais entre os militares e mostrar que não era mole”, diz Alberto Goldman, então líder do MDB na Assembleia Legislativa. Furtado se tornaria o 173.º – e último – parlamentar cassado no País com base no AI-5.

 

PERGUNTAS PARA: Marcos Tito

1. Oficiais do Cisa disseram que fizeram uma armadilha para que o sr. fosse cassado, plantando em seu gabinete o discurso com trechos da Voz Operária...

Eu fazia uma oposição muito dura à ditadura. Denunciava torturas e mortes. Eu recebia muitas solicitações de pronunciamentos, discursos e manifestações. Fiz vários. E fazia parte do grupo autêntico do MDB, com o Lysâneas Maciel, o Nadyr Rossetti, o Amaury Müller. Fui acusado pelo Geisel de ter sido apoiado pelo partido comunista. Os comunistas não iam apoiar a Arena, não é mesmo? Eles apoiavam quem? Apoiavam quem lutava contra a ditadura. Eles (os militares) usaram esse pretexto para me cassar. Não me arrependo nada do que fiz. Podem vasculhar minha vida; não tem nenhum ato de desonra.

2. O senhor tinha ideia de que foi vítima de uma armação?

Não tinha conhecimento, não. Eu supus que isso pudesse ser, sim, porque era uma forma de me caracterizar como representante do partido comunista.

3. De que forma a cassação afetou a sua vida?

Eu era jovem. Tinha 37 anos, um mandato e um cargo no Estado. Fui aposentado com 10% do salário – eu era fiscal de rendas – e tive de ir morar na casa da minha mãe, pois estava sem condição de sobreviver. Voltei à advocacia, mas as pessoas tinham medo de procurar meu escritório, porque naquela época o medo intimidava as pessoas. Morei dois anos com minha mãe para reorganizar minha vida.


Política Democrática: Prioridade do próximo presidente deve ser agenda fiscal, diz Monica de Bolle

Economista avalia que nem Bolsonaro nem Haddad têm “a menor noção do que fazer com as exigências econômicas do país”

Por Cleomar Almeida

Ajustes de curto prazo nas contas públicas, acompanhados da reforma da previdência, devem ser prioridade do novo presidente. A avaliação é da economista Monica de Bolle, 46 anos, em entrevista exclusiva à revista Política Democrática digital, lançada nesta quarta-feira (24), com conteúdo que pode ser acessado de graça pelos internautas. “Eu acho que a agenda prioritária é a agenda fiscal”, afirma ela. “Não tem outra”, enfatiza.

Monica é a única mulher latino-americana a integrar a equipe do Peterson Institute for International Economics, nos Estados Unidos, e diretora do Programa de Estudos Latino Americanos da Johns Hopkins University, em Washington. Segundo ela, é preocupante a forma como os mercados e os investidores estão reagindo diante da hipótese de vitória do candidato do PSL à Presidência da República, Jair Bolsonaro, no segundo turno, no próximo domingo (28).

Confira aqui a entrevista na versão digital de Política Democrática

De acordo com a economista, a perspectiva de vitória de Bolsonaro carrega, entre alguns setores da sociedade, de forma equivocada, a noção de que tudo no país estará resolvido, como a aprovação da reforma da previdência no congresso e o novo ajuste fiscal. No entanto, acrescenta, não é isso que o candidato vem dizendo.

Se não houver um ajuste fiscal logo no primeiro trimestre ou quadrimestre de governo, conforme avalia Mônica, “o Brasil vai de novo passar por um momento de extrema turbulência”. “E não acho improvável que a gente tenha alguma recessão pela frente em algum momento”, diz a economista, que, na entrevista, também ressalta a urgente necessidade de o país também ter reformas política e tributária.

Na avaliação de Monica, tanto Bolsonaro quanto o candidato do PT à Presidência da República, Fernando Haddad, não sabem o que fazer com as demandas econômicas do Brasil. “É um país que está começando a sair de uma crise extremamente severa, com uma taxa de desemprego nas alturas, que hoje corre o risco de não reduzir essa taxa de desemprego e de até conseguir aumentá-la, porque os dois candidatos que estão aí não têm a menor noção do que fazer com as exigências econômicas do país”, analisa.

 

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El País: Vida e ascensão do capitão Bolsonaro

Saído de Eldorado, interior paulista, aos 18 anos, o deputado que está a um passo de ser presidente foi um lobo solitário que navegou na insatisfação exposta pelas jornadas de 2013, e foi se ajustando para sua corrida ao Planalto

Ambicioso, ultradireitista, misógino e nostálgico da ditadura. O capitão retirado do Exército Jair Bolsonaro é o candidato com mais probabilidade de se tornar o futuro presidente do Brasil após o segundo turno eleitoral, no dia 28 de outubro. Uma equipe do EL PAÍS investigou a trajetória do aspirante: onde se criou, como entrou no Exército e no mundo da política, como começou do nada e foi, pouco a pouco, tecendo apoios dos principais setores.

A INFÂNCIA

Dona Narcisa, de 63 anos, aponta a escola de paredes azuis. “Foi aí”, conta. “Estávamos todos os alunos aí quando de repente: pum, pum, pum.” Era 8 de maio de 1970. Carlos Lamarca, um guerrilheiro que lutava contra a ditadura brasileira (1964-1985), refugiou-se nesta cidade de 15.000 habitantes, 180 quilômetros ao sul de São Paulo. Houve um tiroteio. Um policial morto. Estradas fechadas pela polícia, revistas generalizadas. Ao final, o guerrilheiro conseguiu fugir e levou sua luta para outro lugar. Mas aquela sexta-feira ficou na memória dos habitantes da cidade como um dos mais emocionantes na história de Eldorado Paulista. Impressionou a todos seus habitantes, sobretudo as crianças. Mais do que a ninguém, a um adolescente teimoso, ambicioso e desengonçado chamado Jair Bolsonaro.

Até esse dia, Bolsonaro, que tinha então 15 anos, destacava-se na cidadezinha por ser turrão e astuto. Também por sua facilidade para se enturmar com os outros meninos. Mas depois da visita do guerrilheiro, descobriu a capacidade do Exército para organizar a sociedade civil. Começou a ter algo claro na vida. “Dizia para a gente, para todo mundo, o tempo todo”, conta Narcisa. “Ia sair de Eldorado porque ia se alistar no Exército.”

Os Bolsonaro tinham chegado a Eldorado liderados pelo patriarca, Percy Geraldo Bolsonaro, depois de perambular durante anos por várias cidadezinhas do sertão paulista. O pai era dentista prático. Assim sustentava sua família de seis filhos, e chegou a ser célebre na cidade. Agora, o filho daquele dentista sem diploma está prestes a se tornar presidente do Brasil. Todas as pesquisas o mostram como favorito no segundo turno da eleição, no domingo que vem.

Para cumprir sua obsessão e entrar no Exército, o jovem Bolsonaro necessitava de duas coisas que não possuía na época: dinheiro e estudos. Para o primeiro, contava com um sócio: seu melhor amigo, Gilmar Alves. “Compramos uma vara e fomos pescar para vender: todo dia a gente ia para o rio, com frio ou calor”, recorda Alves, hoje com o cabelo completamente grisalho, sentado num bar de Registro, cidade próxima a Eldorado, onde vive.

Bolsonaro com companheiros do Exército; em uma competição esportiva; e pescando.
Bolsonaro com companheiros do Exército; em uma competição esportiva; e pescando.

“E enquanto isso, estudávamos. Precisávamos nos esforçar muito porque naquela época Eldorado não tinha bons professores: o de História dava aulas de Química, sem saber muito”, afirma. “Mas o Jair é uma das pessoas mais obstinadas que conheci. Estudava 24 horas por dia. Todo mundo ia aos bailes dos clubes e nós ficávamos estudando. Ele me dizia para que eu fosse para o Exército com ele, porque os presidentes eram todos militares e ele iria ser presidente”.

O plano deu certo. Gilmar chegou a estudar Agronomia em Curitiba, e Jair entrou no Exército. Durante anos, os dois amigos mantiveram o contato. “Ele me ligava de vez em quando para pedir minha opinião”, lembra. “Escuta Gilmar, o que achamos da prostituição?’ ‘Olha Jair, é a profissão mais antiga do mundo e é preciso apoiar as trabalhadoras. É preciso repudiar os que exploram a mulher’. ‘Tá, tá. Mas é que eu estou me aproximando dos evangélicos e isso não fica bem”.

A amizade acabou se rompendo. Em abril de 2015, cada vez mais convencido de que poderia se tornar presidente, durante uma entrevista televisionada, Bolsonaro falou de seu amigo de infância, de seu companheiro de pesca. Após décadas falando bobagens homofóbicas e racistas, talvez para contrastar, dessa vez disse algo diferente: “Eu tenho um amigo gay, Gilmar, que vive em Registro”. Gilmar ficou atônito ao escutá-lo. “Eu não sou gay”, diz. A suposta revelação teve como consequência uma campanha de assédio: por WhatsApp, nos bares, na rua. “Não importa onde, alguém se aproximava e me dizia com um sorriso: ‘Como você escondeu bem isso, frutinha’, e: ‘Bom, onde tem fumaça, tem fogo”. “Eu telefonei para ele para que me desse explicações”, lembra Alves. “E ele me respondeu: ‘Mas eu não te chamei de gay”. Gilmar sabe muito bem como definir seu antigo amigo: “É um desequilibrado, que não pensa antes de falar. Primeiro faz e depois conserta, se puder. É assim que quer chegar à presidência, mas não de um sindicato e sim de um país. Revelou um caráter que eu não conhecia. O de um mentiroso”.

A aparência de Eldorado mudou desde os anos setenta. Onde existiam casas de barro e madeira, agora se erguem casas de concreto e tijolo. Surgiram parabólicas sobre os telhados. Mas continua sendo um pequeno pedaço de urbe no meio da mata. A rotina é a mesma: trabalhar, o bar, a casa. E os problemas também: um deles, como no restante do Brasil, é a desigualdade. O dono do maior restaurante do local é partidário de Bolsonaro; as duas funcionárias de sua cozinha (negras), não.

“Se esse homem vencer, os primeiros a sentir seremos nós”, diz Ditão, um homem gigante, negro, de óculos de metal. Está na plantação de bananas que é seu ganha-pão. “Nós pobres somos os mais expostos à opressão militar. Eu tinha nove anos quando a ditadura começou em 1964; um dia a polícia prendeu meu pai sem nenhum motivo. Nenhum. Sabe por que ele não foi liberado? Porque não era o dono da terra em que trabalhava. O branco”.

O MILITAR

Bolsonaro saiu de Eldorado para entrar na escola de cadetes da cidade de Resende, no Estado do Rio de Janeiro, nos anos 70. O país vivia à época a etapa mais sangrenta da ditadura. Centenas de jovens de esquerda que se opunham aos militares foram torturados, assassinados. E enterrados em valas comuns. Muitos familiares ainda não encontraram seus restos apesar de procurá-los durante anos. Foram várias as campanhas de busca. Em seu gabinete de deputado do Congresso, em 2009, Bolsonaro tinha um cartaz em que se referia depreciativamente a uma dessas campanhas: “Quem procura osso é cachorro”.

Em seus tempos de tenente novato, Bolsonaro já revelava sua personalidade. Documentos publicados pelo jornal Folha de S. Paulo no ano passado mostram que, nos anos 80, os oficiais consideravam que o jovem Bolsonaro tinha “excessiva ambição financeira e econômica”. O que o levou, entre outras coisas, a procurar ouro ilegalmente com outros militares sob seu comando.

Jair Bolsonaro com sua primeira esposa, Rogéria Braga, no dia do casamento. ampliar foto
Jair Bolsonaro com sua primeira esposa, Rogéria Braga, no dia do casamento.

Foi, entretanto, outro episódio que o tornou conhecido. Em 1986, com 31 anos, escreveu um artigo na revista VEJA em que se queixava dos baixos salários dos militares, o que, segundo ele, incentivava muitos cadetes a deixar a Academia. Foi detido pelo texto, preso durante 15 dias e sofreu um processo militar por indisciplina. Também recebeu 150 telegramas de solidariedade de todo o país e o apoio de oficiais e suas esposas.

Entusiasmado com esse apoio, elaborou um plano revelador de seu temperamento. Ainda de acordo com a VEJA, um grupo de oficiais do Exército sob seu comando planejou, em 1987, a operação “Beco Sem Saída”, que consistia em explodir bombas de baixa potência em quartéis e academias militares para protestar pelos baixos salários. O assunto foi resolvido discretamente. O Tribunal Militar absolveu Bolsonaro em 1988 de todas as acusações de indisciplina e deslealdade. Mas o à época capitão precisou deixar o Exército. E começou a mirar na política. Ele nega o episódio.

O PARLAMENTAR

Aproveitando a fama adquirida por defender as causas dos militares, conseguiu um mandato de vereador pela cidade do Rio de Janeiro nas eleições municipais de 1988. “Tinha o respaldo das patentes mais baixas, mas os generais em sua maioria eram contrários a ele. Hoje dá a impressão de que sempre teve o respaldo de todos. Mas muitos militares de patente alta o chamavam de oportunista. Quando iniciou sua carreira política muitos quartéis proibiam sua entrada”, diz um coronel sob a condição de anonimato.

Dois anos depois conseguiria ser eleito pela primeira vez para um cargo nacional, como deputado pelo Rio de Janeiro, para o Congresso. Lá permaneceu durante outros seis mandatos. “Sempre foi um político individualista que consegue sua cota de popularidade graças ao seu caráter peculiar”, diz o cientista político Eurico Figueiredo, diretor do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF). Muitos de seus discursos e algumas de suas entrevistas ficaram famosos. Nos anos 90 foi contrário às privatizações feitas pelo Governo de Fernando Henrique Cardoso e declarou que o à época presidente deveria ter sido fuzilado pela ditadura. Repetia que o regime havia errado ao não matar mais de 30.000 pessoas e que somente uma guerra civil, e não o voto, mudaria algo no país. Também apoiou grupos policiais violentos, defende a pena de morte, é partidário da redução da maioridade penal e da legalização do porte de arma. Afirma que está disposto a abarrotar ainda mais as prisões brasileiras.

Mas, em Brasília, onde exerce o cargo de deputado há 28 anos, nunca se destacou. Nunca esteve entre os cem principais parlamentares brasileiros avaliados por instituições independentes. De fato, em todos os seus anos de deputado conseguiu aprovar somente duas propostas: uma para aplicar o imposto sobre produtos industrializados também aos produtos de tecnologia e outra em que autorizava a utilização de um comprimido para curar o câncer. Do que Bolsonaro realmente gostava não era da obscura vida de um parlamentar e sim da de um político especialista na criação de polêmicas.

Imagem de vídeo feita após Bolsonaro levar uma facada no dia 6 de setembro em Juiz de Fora.
Imagem de vídeo feita após Bolsonaro levar uma facada no dia 6 de setembro em Juiz de Fora.

Seus colegas raramente o escutavam. Ele mesmo dizia que não tinha prestígio. Quando disputou a presidência da Câmara, em 2017, contra o atual presidente, Rodrigo Maia, do Democratas (DEM), só obteve quatro votos dos mais de 500 possíveis. “Eu não sou ninguém aqui. Nunca tive a honra sequer de ser o vice-líder de meu partido. Não tive porque não vou me alinhar às orientações partidárias”, afirmou em um discurso no plenário da Câmara, em 2011.

LOBO SOLITÁRIO

Era um lobo solitário que passou por sete partidos diferentes – entre os mais de 30 que agora dividem a Câmara no Brasil – e, eleição após eleição, se preocupava quase exclusivamente em defender os interesses dos seus. Dos 190 projetos de lei apresentados por Bolsonaro, 32% eram relacionados aos militares, 25% à segurança pública e somente três a assuntos econômicos, dois à saúde e um à educação. Costuma dizer que, em todos esses anos, foi mais importante evitar que certas medidas fossem votadas do que conseguir ganhar suas batalhas. Aí mistura o verdadeiro e o falso. Entre esse último, cita o “kit gay”, termo pejorativo que usa para um material que considera uma tentativa para estimular a homossexualidade, mas que, na realidade, era um projeto parlamentar desenvolvido por ONGs sob a tutela do Ministério da Educação. A pasta à época era comandada por Fernando Haddad, seu atual rival no segundo turno, e visava lutar contra a homofobia nas escolas: acabaria rejeitado pela pressão das igrejas evangélicas. “Se um menino tem um desvio de conduta quando ainda é jovem, é preciso colocá-lo de volta ao caminho certo, mesmo que seja com uma surra”, disse em 2010.

Passou por louco, por histriônico, um militar que se tornava uma piada em plena democracia. A virulência de seus discursos antigos, entretanto, é a mesma de agora. Não mudou. Propôs em plena campanha o fuzilamento dos militantes do Partido dos Trabalhadores (PT). Anos antes insultou uma deputada do PT dizendo que ela não merecia ser estuprada. Chegou a afirmar que é partidário da implantação de um sistema de controle de natalidade à população pobre. “Não podemos conviver com essa taxa de natalidade. É algo que, logicamente, beneficia os governos corruptos e populistas: existem mais pessoas que ajudam a se perpetuar”.

Sua participação em comissões parlamentares foi quase nula. Mas sua presença no plenário está acima da média. Nas últimas quatro legislaturas, esteve em pelo menos 90% das sessões. Quase não falta, de acordo com os registros oficiais da Câmara. Seu gabinete é uma ode aos militares. Há imagens dos ditadores do período de 1964 a 1985 e, nos últimos anos, se transformou em uma espécie de atração turística em Brasília. Não é raro encontrar admiradores fazendo fila somente para tirar uma selfie com o parlamentar – preferivelmente fazendo o gesto de atirar com as mãos – e com seu nome escrito na porta.

Tenta passar a imagem de um outsider, alguém que não possui padrinhos políticos e não tem protegidos enquanto constroi sua própria dinastia política. Três de seus cinco filhos foram eleitos para cargos legislativos: Flávio Bolsonaro é deputado estadual e senador pelo Rio de Janeiro com votação maciça. Eduardo Bolsonaro foi reeleito deputado federal por São Paulo. E Carlos é vereador pelo Rio de Janeiro.

Nas eleições de 2010 e 2014, Bolsonaro já chegou a pensar em concorrer ao Planalto, com um discurso anticorrupção e principalmente anti-PT, o que se mostraria um motor ímpar. Nunca esteve (como não está agora) entre os políticos envolvidos nos grandes escândalos de corrupção que assolaram o Brasil nos últimos anos, ainda que não escape ileso de faltas disseminadas, como explicar a incongruência de seu patrimônio e dos filhos, o uso de auxílio moradia destinado aos parlamentares mesmo tendo imóvel, por exemplo. Quando dizem que é homofóbico, misógino, machista e fascista, responde de maneira brusca: “Me chame de corrupto!”.

Mas à época não encontrou nenhum partido que o recebesse. Ele se contentou em concorrer mais uma vez para uma cadeira na Câmara dos Deputados. No dia seguinte à sua eleição, em 2014, analisou a composição do Congresso Nacional e notou que o conservadorismo havia avançado. Os representantes da bancada BBB (bala, boi e bíblia, ou seja, os que pedem a legalização das armas e que centram seus discursos na segurança, os que representam os latifundiários e pecuaristas e os deputados religiosos evangélicos). Era o momento de se aproximar ainda mais deles. Apesar de ser católico, voltou a se juntar aos evangélicos, se afiliou ao Partido Social Cristão e foi batizado por um pastor [que seria acusado de receber propina tempos depois] no rio Jordão, em Israel.

No ano passado, mudou outra vez de partido. Entrou no Partido Social Liberal, uma legenda pequena e quase desconhecida até então. Ocupou os cargos principais da sigla e tomou para si o controle do dinheiro e das subvenções. Na primeira reunião em sua casa para incorporar deputados a sua campanha, em dezembro de 2016, estavam dez colegas. Na última, em abril desse ano, mais de uma centena. “Vários deputados esperavam na calçada para poder entrar. Com tanto apoio e esse ambiente anti-PT nas ruas e nas redes sociais, me juntei a eles. O mais importante é tirar o PT do poder. O resto vemos depois”, afirmou um deputado do DEM que entrou no grupo nessa última reunião.

A IGREJA

Bolsonaro a bordo de um avião em setembro.
Bolsonaro a bordo de um avião em setembro. REUTERS / O GLOBO

Ter se casado três vezes e ter filhos desses três casamentos diferentes não o impediu de sempre elogiar o modelo de família tradicional e sua moralidade ultraconservadora para receber o apoio crucial dos eleitores evangélicos. Sabe do que fala. Sabe como falar com eles. Em 2006, em plena efervescência da era Lula, quando a economia do país crescia sob o governo daquele que foi o presidente mais popular do Brasil, um desanimado Bolsonaro conversava nos corredores do Congresso com o senador evangélico Magno Malta. Ambos lamentavam a aprovação da que ficou conhecida como “lei anti-homofobia”, que estabelecia uma série de penas para quem discriminasse outra pessoa por sua orientação sexual. “Não temos outra alternativa, precisamos criar uma candidatura”, acertaram os dois naqueles corredores. Ali nasceu a ideia de uma candidatura e de um lema hoje utilizado pelo ex-capitão: “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos”.

Estavam quase sozinhos à época. Mas conforme a candidatura de Bolsonaro se consolidava, acabou atraindo quase todos os líderes religiosos. O fenômeno de bola de neve tomou forma. O mundo econômico decidiu se inclinar ao seu lado à medida que as pesquisas engordavam. E os empresários que antes se afastavam dele por vê-lo como grosseiro e vulgar, decidiram atravessar a linha encorajados pelo Governo liberal e a diminuição de impostos que ele promete. Os mercados também fazem campanha para Bolsonaro: a bolsa de valores de São Paulo sobe a cada pesquisa vencedora.

Seu interesse religioso estratégico conquistou apoios importantes entre o empresariado. Meyer Nigri, dono da importante construtora Tecnisa, foi um dos primeiros a declarar publicamente seu apoio a Bolsonaro em fevereiro desse ano. Justificou em uma entrevista à revista Piauí que eram cinco as razões para apoiá-lo: ser honesto, não ser de esquerda, entender de segurança pública, apoiar Israel e ser bem assessorado. Outro empresário que se uniu a ele é o controvertido Luciano Hang, dono de uma rede de lojas no sul do país, investigado por aparecer em vídeo reunido com seus funcionários alertando-os de que se o PT ganhasse ele fecharia seu negócio. O EL PAÍS mostrou em agosto que Hang usou dinheiro para ampliar o alcance de um vídeo de apoio no Facebook, o que é ilegal - ele acabou punido pelo TSE. A Folha de S. Paulo afirma que Hang faz parte do grupo que comprou serviços digitais para distribuir maciçamente mensagens falsas através do WhatsApp contra o PT.

O REI DO FACEBOOK

Bolsonaro é o rei das redes sociais em um país viciado em redes sociais. Tem sete milhões de seguidores no Facebook, página que estreou em plena jornada de protestos de 2013 e que ele faria crescer no embalo da campanha de rua e de redes contra o impeachment –enquanto a Operação Lava Jato preenchia o noticiário exibindo a elite da classe política envolvida no escândalo, que acabaria por tirar o então líder das pesquisas Luiz Inácio Lula da Silva da corrida presidencial. A cifra é o dobro dos que possui, por exemplo, o centenário jornal O Estado de S. Paulo (3.740.028 seguidores). Sua campanha ocorre em boa parte pelo WhatsApp. De acordo com o Instituto Datafolha, 66% dos eleitores brasileiros consomem e compartilham notícias e vídeos sobre políticos por meio dessa rede. Muitos contratam planos de celular apenas com o serviço de mensagens por aproximadamente dez reais por mês. Recebem a notícia, mas não há Internet para checar se é verdadeira. Muitos especialistas dizem que não há nada que se encaixe tão bem com os algoritmos das redes sociais como o tribalismo, o radicalismo e o histrionismo. O estilo arrogante e insolente de toda a sua vida encontrou o caminho para se expandir. A vitória de Bolsonaro passa por aí. Por se indignar diante de todos contra os monstros que ele mesmo inventa.

Informação elaborada por Afonso Benites, Felipe Betim, Fernanda Becker, Regiane de Oliveira, Talita Bedinelli e Tom C. Avendaño.