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Escritores da periferia estão entre selecionados para lançamento na Bienal de Brasília
Bienal do livro*
Dezoito escritores da periferia do Distrito Federal e do Plano Piloto tiveram suas obras inéditas selecionadas para lançamento na 5ª Bienal Internacional do Livro de Brasília (Bilb). O resultado foi divulgado nesta segunda-feira (3/10). O evento, que tem entrada gratuita, será realizado de 21 a 30 de outubro, no Pavilhão do Parque da Cidade.
No total, o público da bienal terá acesso a uma programação com mais de 60 escritores nacionais e internacionais. Entre os selecionados no edital específico para o DF, estão escritores de Ceilândia Sul, Planaltina, Gama, Arniqueira, Jardim Botânico, Granja do Torto, Cruzeiro, Sudoeste, Asa Sul e Asa Norte.
Os livros deles disputaram as vagas entre 71 obras inscritas no edital que visa incentivar ainda mais a criação literária, depois de serem produzidas e registradas durante a pandemia A diretora-geral da Bilb, Suzzy Souza, diz que a ideia é garantir visibilidade a autores do DF que não conseguiram lançar seus livros por causa do distanciamento imposto como medida de combate ao coronavírus.
“A bienal é plural. É por isso que também abre as portas para que autores de diversas regiões dentro do próprio DF possam lançar suas obras durante a programação, que também tem presença confirmada de vários escritores nacionais e de outros países. Vai ser uma experiência inesquecível”, afirma a diretora-geral da Bilb, Suzzy Souzza.
A seguir, veja a lista das obras selecionadas e seus respectivos autores
- Além do olhar: poesias vividas | Adelaide Ribeiro Jordão (Asa Norte)
- Sob a magia da taifa | Almeria Machado Godoi (Jardim Botânico)
- A Macoxi e o segredo das sementes | Caroline Barroso da Silva (Asa Sul)
- Eterna Primavera | Eustáquio J. Ferreira Santos (Asa Norte)
- O balãozinho azul | Fáuston da Silva (Arniqueira)
- Minha pele cor de pele | Francisco de Assis Olinda da Silva (Ceilândia Sul)
- Desencantares para o esquecimento | Geraldo Ramiere Oliveira Silva (Planaltina)
- Ruídos: confissões prematuras | Giovane Munhoes Perina (Águas Claras)
- O Menino que tinha medo de criança | Gisele Garcia (Sudoeste)
- Como as sementes viram árvores | Letícia de Queiroz Magalhães Sousa (Planaltina)
- Aziza: a preciosa contadora de sonhos | Luciana Palmeira da Silva Cardoso (Granja do Torto)
- Mayra e a floresta viva | Marcos Aurélio Branco Linhares (Cruzeiro)
- Era só brincadeirinha! | Maria Aparecida Chagas Ferreira (Asa Sul)
- Um Pouco | Maria Cecilia de Queiroz Aprigliano (Asa Norte)
- Sua Primeira Casa | Rafaela Kalaffa Sergio e Silva (Arniqueira)
- O dia em que nasci | Rebeca Danielle Prado de Andrade (Asa Sul)
- SobreVoar ou A Imanência da Leveza | Valdério Soares da Costa (Asa Norte)
- Preta de greve e as sete reivindicações | Zenilda Vilarins Cardozo (Gama)
A Bilb também será realizada como comemoração à Semana Nacional do Livro e da Biblioteca, que é celebrada tradicionalmente de 23 a 29 de outubro. O evento oferecerá encontros com autores, homenagens, lançamentos e espaços especiais, apresentações teatrais, exibições de filmes, contação de histórias, shows musicais em pequeno e grande formato, seminários e oferta de vale-livro.
A 5ª Bilb é uma realização da InterCult Produções e do Instituto Levanta Brasil, com direção-geral de Suzzy Souza e Henrique Senna. O evento também tem trabalho articulado com os curadores nacional, Paulliny Tort; internacional, José Rezende Jr.; e de HQ, Pedro Brandt.
A entrada na bienal é gratuita. No entanto, todas as pessoas devem acessar o site da Bilb, clicar na parte de ingressos eletrônicos para retirar seu voucher. Para ter acesso à área do palco BILBeats, onde artistas realizarão suas apresentações, os interessados devem obter ingresso pago, na parte de shows musicais. A cantora e compositora Céu é uma das que já confirmaram presença na atração.
RPD || André Amado: Há espaço para a criatividade
André Amado nos mostra, em seu artigo para a Revista Política Democrática, como os escritores discordam entre si quando atuam como críticos literários
A exemplo dos economistas e políticos, os críticos literários – ou, pior, os escritores que se debruçam sobre as obras de seus colegas – raramente concordam entre si. A maior evidência disso é a discussão entre a imaginação e a realidade como fonte alternativa da criação.
Julio Cortázar afirma nunca ter escrito conto ou romance que se pudessem considerar exclusiva e totalmente realistas, porque, mesmo que assim fosse, o tema teria nascido da fantasia dele, inventado por ele. De sua parte, Julio Ramón Ribeyro iria mais longe e reconheceria que, ao descobrir a razão, se sentiu como um louco, pois foi quando abandonou os delírios e as fantasmagorias da imaginação, tornando a realidade insuportável. Não é outra a interpretação de Rosa Montero que elabora para a morte de Dom Quixote. Segundo ela, quando o fidalgo enfermo vislumbrou a luz da razão, isto é, raciocinou e concluiu que teria de renunciar à imaginação transbordante que o acompanhara toda a vida até então, preferiu morrer.
Stephen King exploraria outro ângulo, mas na mesma linha. Comentaria que John Grisham escrevera sobre a Máfia, mas nunca trabalhou para ela, tudo não passando de pura invenção, na verdade o maior deleite do escritor de ficção. Vargas Llosa sofisticaria o debate ao identificar como o aspecto fundamental do método de Flaubert o roubo consciente da realidade real pela construção da realidade fictícia. E Jorge Luiz Borges encerraria este capítulo da discussão, com a sentença de que, em literatura, a realidade é o imaginado, na mesma toada, aliás, de Haruchi Murakami, que defenderia não ser o visível a única realidade.
Mas, se, de um lado, Ernest Hemingway viria em apoio dos escritores acima citados, oferecendo a confissão de que inventara inventado cada palavra, cada incidente, de Adeus às armas e 95% de O sol também de levanta, Garcia Márquez, de outro, muito se divertia quando lhe dirigiam elogios por sua imaginação, porque, segundo o escritor colombiano, linha alguma de sua obra jamais deixou de basear-se na realidade.
Contemporizam esse confronto entre defensores da imaginação e do realismo aqueles que atribuíam ao escritor uma espécie de mediunidade. Rosa Montero chegou a afirmar que somos muitos dentro de nós, aforismo que P. D. James traduziria como a sensação de que os personagens e tudo que acontece com eles existem em algum limbo da imaginação, não cabendo, portanto, tentar inventá-los; antes, entrar em contato com eles e registrar sua história em preto e branco, um processo de revelação, não de criação.
Stephen King terminaria, também, compartilhando à sua maneira desse ponto de vista. Para ele, não existe um Depósito de Ideias, uma Central de Histórias, uma ilha de Best-Sellers Enterrados. As boas histórias, segundo King, parecem vir quase literalmente de lugar nenhum, navegando até o escritor do vazio do céu, ideias, que, até então, podiam ser até dissonantes, mas que se juntavam e viravam algo sob o sol, faltando apenas não encontrar essas ideias, mas reconhecê-las quando aparecessem.
Henry James simplifica a questão: a realidade já existe de antemão na consciência do criador, e Murakami poetiza: escondidas em uma tela branca, congelam-se várias possibilidades à espera daquele momento em que a mão e o talento do pintor haverão de reunir a existência e a não-existência. O nobelista espanhol acreditava que os livros se escrevem às vezes sozinhos, antes mesmo de serem escritos e até depois de receberem o ponto final. Como poeta, Mario Quintana poupa argumentos e considera que o verdadeiro criador se limita a mostrar tudo aquilo que os outros olhavam sem ver. E Michelangelo, embalado pela modéstia típica dos gênios, desmistifica: não faço esculturas, apenas retiro o excesso de pedras.
Ah se os economistas e os políticos discordassem e convergissem com tamanha criatividade!
*André Amado é embaixador aposentado e diretor da revista Política Democrática Online
RPD || André Amado: Os grandes escritores e o término de suas obras
André Amado analisa, como os grandes autores garantem, por meio da técnica literária, o interesse do leitor até o fim das tramas de suas histórias
Se dependesse de consenso, obra alguma dos grandes escritores terminaria. Vejam só.
Com a autoridade de ter sido o autor de A Room With A View (1908) e Howards End (1910) e reconhecido como o decano dos críticos literários, E. M. Foster estimava que as histórias devessem ter começo, meio e fim. Ilustrava com As Mil e Uma Noites, em que a narrativa seguia a cronologia de o jantar vir depois do almoço; a terça, depois da segunda; e a decadência, depois da morte.
Henry James (1843-1916) chamava o último capítulo de um livro de wind-up (arredondamento), quando se distribuíam prêmios, pensões, maridos, esposas, filhos, milhões, parágrafos acrescentados e comentários alegres. Já Italo Calvino (1923-85) dribla a ironia de James e distingue tipos diferentes de término das narrativas: quando o herói supera as adversidades, morre ou amadurece; e, no caso dos romances policiais, quando se descobre o culpado. De maneira geral, para Calvino, o final de um romance deveria ocorrer sempre que contribuísse para evitar a repetição, na mesma linha do que dissera Jane Austen (1775-1817): o romancista não tem como ocultar o momento em que a história acaba.
Outros escritores seriam até mais contundentes. Atribui-se a Flaubert (1821-80), por exemplo, a sentença de que é burrice querer concluir uma história. Para Ricardo Piglia (1941-2017), sem finitude não há verdade, declaração quase idêntica à de Stephen Koch (1968-): se não houver final, não há história. Carlos Mastronardi (1901-76) arrematou: Não temos uma linguagem para os finais; talvez uma linguagem para os finais exija a total abolição das linguagens.
Alberto Manguel (1948-) acrescenta um complicador. Resgata a Divina Comédia para revelar o truque de Dante – o propósito da peregrinação é contar as aventuras. Vale dizer, a narrativa da viagem consiste em situar no final o começo. É o que também pensa Allan Poe. Em “Assassinatos na Rua Morgue” (1841), o desfecho da história determina a ordem e a causalidade dos eventos narrados no começo. Trata-se da técnica do closure (fechamento), pela qual o escritor se fixa no desfecho e constrói a narrativa de trás para frente, buscando, assim, assegurar-se do controle completo do desenvolvimento da trama e da santidade do mistério, que só poderá ser revelado no último momento, tornando-se quase um personagem invisível da trama.
Tudo bem. Enfim, o consenso parece formar-se: a retenção do segredo da história garante o interesse do leitor. Melhor técnica para o fechamento da obra, impossível. Só que Patricia Merivale e Susan Sweeny (1999) exploraram outras opções que batizaram de história metafísica de detetives, segundo a qual o objetivo da investigação não seria mais encontrar uma resposta clara para o enigma perfeito dado a priori, mas decifrar o sentido do próprio texto. Em “La Muerte y La Brújula”, Jorge Luiz Borges reforçaria a transgressão: desafia a estrutura da narrativa fechada, ao não resolver os mistérios e a suscitar outros mistérios igualmente impenetráveis.
Garcia-Roza (1936-2020) admirava Allan Poe e Borges e, por isso, convidou ambos para enriquecer sua visão da literatura. De um lado, recusou que o autor pudesse sozinho desfazer as intrigas e decodificar a trama das histórias. Para ele, existiriam tantos autores de uma obra quanto leitores. Daí não ser mais possível uma única interpretação. Ao leitor, a tarefa, portanto, de produzir sua própria interpretação. De outro, Garcia-Roza citava Poe (A essência de todo crime permanece oculta, “O homem da Multidão”, 1940) para ressaltar o conceito de inescrutabilidade, significante que não permitia simplificação. Em uma palavra, mistérios podem ser explicados, mas a interpretação de um enigma requer nova interpretação e, assim, sucessivamente, sem fim. Não há, pois, solução para o enigma. Nunca.
Como todo escritor de gênio, Ian McEwan não chega a celebrar o consenso sobre o término de uma obra, mas, de alguma maneira, nos explica porque a alternativa é até mais convincente. Em Atonement (2001), Briony demora a vida toda para entender que não tem como chegar a final algum para a história que está contando, o que, por sua vez, acaba afetando a própria forma final da obra que o leitor tem em mãos, na qual ele tampouco encontra um fim satisfatório, bem fechado, como aqueles das histórias fabulosas em que a Briony acreditava tão piamente, quando criança (Tatiana Souza, tese de doutorado apresentada à Universidade Estadual da Paraíba).
Podem-se encerrar as provocações reunidas neste artigo com a reflexão de Leyla Perrone-Moisés, segundo a qual um livro sobre a literatura contemporânea não pode ter conclusão, porque o contemporâneo é o inacabado, o inconcluso. Pode-se, ainda, recorrer ao bruxo do Cosme Velho e reviver o final inesquecível de Memórias Póstumas: Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.
*André Amado é embaixador aposentado e diretor da revista Política Democrática On-line
RPD || André Amado: Os grandes escritores e o término de suas obras
André Amado analisa como os grandes autores garantem, por meio da técnica literária, o interesse do leitor até o fim das tramas de suas histórias
Se dependesse de consenso, obra alguma dos grandes escritores terminaria. Vejam só.
Com a autoridade de ter sido o autor de A Room With A View (1908) e Howards End (1910) e reconhecido como o decano dos críticos literários, E. M. Foster estimava que as histórias devessem ter começo, meio e fim. Ilustrava com As mil e uma noites, em que a narrativa seguia a cronologia de o jantar vir depois do almoço; a terça, depois da segunda; e a decadência, depois da morte.
Henry James (1843-1916) chamava o último capítulo de um livro de wind-up (arredondamento), quando se distribuíam prêmios, pensões, maridos, esposas, filhos, milhões, parágrafos acrescentados e comentários alegres. Já Italo Calvino (1923-85) dribla a ironia de James e distingue tipos diferentes de término das narrativas: quando o herói supera as adversidades, morre ou amadurece; e, no caso dos romances policiais, quando se descobre o culpado. De maneira geral, para Calvino, o final de um romance deveria ocorrer sempre que contribuísse para evitar a repetição, na mesma linha do que dissera Jane Austen (1775-1817): o romancista não tem como ocultar o momento em que a história acaba.
Outros escritores seriam até mais contundentes. Atribui-se a Flaubert (1821-80), por exemplo, a sentença de que é burrice querer concluir uma história. Para Ricardo Piglia (1941-2017), sem finitude não há verdade, declaração quase idêntica à de Stephen Koch (1968- ): se não houver final, não há história. Carlos Mastronardi (1901-76) arrematou: Não temos uma linguagem para os finais; talvez uma linguagem para os finais exija a total abolição das linguagens.
Alberto Manguel (1948- ) acrescenta um complicador. Resgata a Divina comédia para revelar o truque de Dante – o propósito da peregrinação é contar as aventuras. Vale dizer, a narrativa da viagem consiste em situar no final o começo. É o que também pensa Allan Poe. Em “Assassinatos na rua Morgue” (1841), o desfecho da história determina a ordem e a causalidade dos eventos narrados no começo. Trata-se da técnica do closure (fechamento), pela qual o escritor se fixa no desfecho e constrói a narrativa de trás para frente, buscando, assim, assegurar-se do controle completo do desenvolvimento da trama e da santidade do mistério, que só poderá ser revelado no último momento, tornando-se quase um personagem invisível da trama.
Tudo bem. Enfim o consenso parece formar-se: a retenção do segredo da história garante o interesse do leitor. Melhor técnica para o fechamento da obra, impossível. Só que Patricia Merivale e Susan Sweeny (1999) exploraram outras opções que batizaram de história metafísica de detetives, segundo a qual o objetivo da investigação não seria mais encontrar uma resposta clara para o enigma perfeito dado a priori, mas decifrar o sentido do próprio texto. Em “La muerte y la brújula”, Jorge Luiz Borges reforçaria a transgressão: desafia a estrutura da narrativa fechada, ao não resolver os mistérios e a suscitar outros mistérios igualmente impenetráveis.
Garcia-Roza (1936-2020) admirava Allan Poe e Borges e, por isso, convidou ambos para enriquecer sua visão da literatura. De um lado, recusou que o autor pudesse sozinho desfazer as intrigas e decodificar a trama das histórias. Para ele, existiriam tantos autores de uma obra quanto leitores. Daí não ser mais possível uma única interpretação. Ao leitor, a tarefa, portanto, de produzir sua própria interpretação. De outro, Garcia-Roza citava Poe (A essência de todo crime permanece oculta, “O homem da multidão”, 1940) para ressaltar o conceito de inescrutabilidade, significante que não permitia simplificação. Em uma palavra, mistérios podem ser explicados, mas a interpretação de um enigma requer nova interpretação e, assim, sucessivamente, sem fim. Não há, pois, solução para o enigma. Nunca.
Como todo escritor de gênio, Ian McEwan não chega a celebrar o consenso sobre o término de uma obra, mas, de alguma maneira, nos explica porque a alternativa é até mais convincente. Em Atonement (2001), Briony demora a vida toda para entender que não tem como chegar a final algum para a história que está contando, o que, por sua vez, acaba afetando a própria forma final da obra que o leitor tem em mãos, na qual ele tampouco encontra um fim satisfatório, bem fechado como aqueles das histórias fabulosas em que a Briony acreditava tão piamente, quando criança (Tatiana Souza, tese de doutorado apresentada à Universidade Estadual da Paraíba).
Podem-se encerrar as provocações reunidas neste artigo com a reflexão de Leyla Perrone-Moisés, segundo a qual um livro sobre a literatura contemporânea não pode ter conclusão, porque o contemporâneo é o inacabado, o inconcluso. Pode-se, ainda, recorrer ao bruxo do Cosme Velho e reviver o final inesquecível de Memórias Póstumas: Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.
*André Amado é embaixador aposentado e diretor da revista Política Democrática Online