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RPD || Reportagem Especial | Covid-19 pode se tornar endemia e continuar entre pessoas em menor escala

Especialistas fazem alerta sobre possibilidade de nova situação da doença no Brasil e no mundo

Cleomar Almeida, da equipe da FAP

Classificada ainda como pandemia principalmente por causa da baixa cobertura vacinal da população do Brasil e do mundo, com menos da metade das pessoas imunizadas, a infecção pela covid-19 pode evoluir para um quadro de endemia, com a circulação do vírus em escala menor e de forma sazonal. A situação gera alerta de pesquisadores e profissionais da saúde sobre a necessidade de atenção contínua em torno da doença.

O alerta já havia sido feito lá atrás, em maio de 2020, pela própria Organização Mundial da Saúde (OMS), que sinalizou que o fim da pandemia não significaria necessariamente a erradicação da covid-19, já que poderia passar a se comportar como mais uma entre as várias enfermidades endêmicas com as quais os seres humanos tiveram que aprender a conviver em seu cotidiano.

Vacinação em massa de, ao menos 90% da população, possibilitará a volta de certa normalidade, avaliam especialistas
Foto: Breno Esaki/Agência Saúde

 
Membro titular da Academia Nacional de Medicina e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), o médico José Augusto da Silva Messias ressalta que a covid-19 tem grandes chances de evoluir para situação de endemia, assim como a dengue, principalmente no nordeste, e a febre amarela, na Amazônia Legal.

“Não podemos dizer ainda que o Sars-CoV-2 já é uma endemia, mas tem grande chance de se tornar, apesar de ainda ser problema mundial”, afirma Messias, que também é diretor do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente (Nesa) da Uerj. “Como é vírus de transmissão respiratória, tem grande chance de poder ficar endêmico”, assevera.

Professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC-UFBA) e pesquisadora do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs) do Instituto Gonçalo Moniz (Fiocruz Bahia), Maria Glória Teixeira diz ser possível que a covid-19 ainda permaneça entre as pessoas.

“No caso do novo coronavírus, quando se fala que ela [covid] vai ficar endêmica, quer dizer que, possivelmente, ela vai continuar circulando entre as pessoas, mas em níveis bem mais baixos do que no início ou quando todo mundo estava suscetível à doença”, destaca a pesquisadora do Cidacs em alerta publicado pela Fiocruz.

A diretora da Associação Brasileira de Saúde Coletiva e professora de medicina da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Ana Cláudia Fassa, alerta que a vacinação, apesar de eficiente para prevenir casos graves, não tem o mesmo desempenho para evitar casos leves, o que mantém o vírus circulando.

Em situação endêmica do coronavírus, de acordo com Ana Cláudia, será necessário manter algumas medidas preventivas e aprimorar os serviços de vigilância sanitária e epidemiológica para barrar eventuais novos surtos.

Vacinação
A presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações do Distrito Federal, Cláudia Valente, também acredita que o mais provável é que a pandemia evolua para uma endemia. Ela acredita que a vacinação em massa possibilitará a volta de certa normalidade, mas, conforme acrescenta, é necessário que ao menos 90% da população esteja plenamente vacinada.

Os principais fatores apontados por especialistas que tornam ainda incerto o futuro da pandemia são as dúvidas sobre o tempo em que permanece alta a imunidade das pessoas já vacinadas ou que tiveram a doença; a necessidade ou não de uma dose de reforço para o conjunto da população; e o risco de novas variantes resistentes às atuais vacinas.

Todos os reflexos do coronavírus podem impactar ainda mais no sistema de saúde, para além da falta de leitos que marcou a falta de assistência a pacientes desde o início da pandemia, tanto em hospitais públicos quanto em privados, no país. Isso pode fazer com que as unidades se sobrecarreguem por novas demandas pós-covid.

“Tem potencialmente um número [de doentes] que pode impactar no sistema de saúde nos próximos meses ou anos. Essa é a preocupação de resiliência do sistema de saúde, no público ou no privado”, afirma o médico Mário Dal Poz, professor titular do Instituto de Medicina Social (IMS) da Uerj, um dos autores da revista Política Democrática impressa que tem como título Impactos da pandemia no SUS e será lançada neste mês pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP).

Médica infectologista e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Sylvia Lemos destaca a necessidade de incorporar ao cotidiano algumas práticas adotadas em meio à pandemia do novo coronavírus que podem contribuir em um possível cenário em que a doença se torne endêmica.

Aprendizado na prática: prontuário afetivo prioriza pacientes intubados sob efeito de sedação no Hospital do Guará, em Brasília
Foto: Breno Esaki/Agência Saúde

 “Eu acho que teremos que nos habituar com o uso de máscaras em algumas situações pelos próximos anos, mas ela, sozinha, não adianta. Ela não pode ser tocada com as mãos sujas, então precisa haver um estímulo para que as pessoas passem a higienizar as mãos com água e sabão com mais frequência, assim como a utilizar o álcool gel”, diz a médica em texto da Fiocruz.

Por outro lado, segundo a médica, as pessoas precisam ter mais cuidado onde tocam. “A gente sabe que o vírus pode ficar no plástico, na madeira, no papelão. E outra coisa é o distanciamento físico, que é muito importante, mas é difícil, principalmente em comunidades periféricas”, acentua.


Cleomar Almeida é graduado em jornalismo, produziu conteúdo para Folha de S. Paulo, El País, Estadão e Revista Ensino Superior, como colaborador, além de ter sido repórter e colunista do O Popular (Goiânia). Recebeu menção honrosa do 34° Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos e venceu prêmios de jornalismo de instituições como TRT, OAB, Detran e UFG. Atualmente, é coordenador de publicações da FAP.


Gil Alessi: No auge da pandemia, Governo Bolsonaro censura professores e acelera desmonte ambiental e de direitos humanos

Após facilitar acesso a armas e munições no começo do ano, gestão volta a fragilizar fiscalização ambiental e coloca em xeque o futuro do Programa Nacional de Direitos Humanos. Na última sexta, ofício circular constrangeu servidores do IPEA

Em meio a recordes de morte pela covid-19 no Brasil, atraso na vacinação e resultados pífios no desempenho econômico, o Governo de Jair Bolsonaro continua centrando sua artilharia em algumas de suas principais bandeiras desde o início do mandato, em acenos claros à sua base eleitoral mais ideológica. Após uma série de decretos ampliando acesso e compra de armas de fogo e munições no início do ano, agora a gestão investe na desregulamentação ambiental —a “passada da boiada” antecipada pelo ministro do Meio Ambiente, Ricado Salles—, e em medidas que, na visão das ONGs do setor, atacam os direitos humanos. Na última semana, dois episódios também acenderam o alerta: a Controladoria Geral da República, subordinada à Presidência, abriu procedimento contra dois professores que haviam criticado Bolsonaro enquanto uma circular constrangeu pesquisadores do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), ligado à pasta da Economia, a não divulgar nada sem a estrita supervisão da cúpula.

Na área ambiental o novo golpe veio com a nomeação, feita pelo ministro Salles e publicada no Diário Oficial da União na quarta-feira, da advogada Helen de Freitas Cavalcante como superintendente do Ibama no Acre, um Estado-chave para a preservação da floresta amazônica. As credenciais da indicada para o cargo, no entanto, contrariam a finalidade do órgão, que é o responsável pela fiscalização e preservação dos ecossistemas brasileiros. Cavalcante fez carreira advogando em prol de infratores ambientais que eram autuados não apenas pelo Ibama, mas também pelo Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio).

A defensora divulga vídeos em suas redes sociais nos quais vende seus serviços como uma maneira de evitar que os produtores rurais sejam alvo de multas e outras sanções por parte da fiscalização. “Com uma assistência jurídica especializada não será a Justiça que lhe citará como um executado em (...) multa do Ibama, mas você como autor de uma ação anulatória do auto [de infração] do Ibama, mandará citar o Ibama”, diz Cavalcante. Em outro trecho, ela indaga: “Você que já recebeu aquela multinha do Ibama, aquela que vai de 100.000 reais pra frente? E pensa que é só isso? Mas esse é só o início da sua saga. Você se vê respondendo aqui: na Justiça Federal. Se você tiver um bom advogado, você vai ser autor [de um processo contra o órgão]”.

Após ter a nomeação criticada por ambientalistas e partidos de oposição, a nova superintendente divulgou nota afirmando que sua atuação à frente da entidade se pautará pelos “ditames da legalidade observando as leis e diretrizes ambientais pertinentes ao órgão”. Ainda segundo o texto, Cavalcante diz que sua experiência na área “só acrescentam lisura aos atos perpetrados, pois é necessário um pessoa tecnicamente preparada para a condução do órgão”.

A nomeação de uma advogada que defendia infratores ambientais é mais um capítulo na novela do desmonte e flexibilização de políticas conservacionistas pelo Governo Bolsonaro, que já o colocou em rota de colisão com diversos países europeus e mais recentemente com o recém-empossado presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. O mandatário americano já havia afirmado durante a campanha que a preservação da Amazônia é um ponto central de sua política. Ainda não está claro quais mecanismos ele deve usar para pressionar o Planalto a mudar suas diretrizes na área, mas existe a expectativa de que a floresta deve entrar na pauta das relações bilaterais entre os países.

O outro front de embate do Governo é ideológico, e envolve a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves. Ela criou em fevereiro um grupo de trabalho com a finalidade de rever e analisar as políticas da pasta, e em especial o Programa Nacional de Direitos Humanos 3 (PNDH-3). O documento foi aprovado em 2009 durante o segundo mandato do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e é considerado um plano progressista. Ligada a grupos evangélicos e com uma atuação marcada por acenos à base conservadora do bolsonarismo, Damares foi criticada por entidades da sociedade civil por excluí-los das discussões sobre o tema. Como pano de fundo existe o temor de que pontos do programa ligados a diversidade, gênero e até mesmo educação sexual sejam excluídos ou alterados pelo ministério sem o devido debate.

Em um vídeo de quatro minutos publicado na última segunda-feira, Damares se defende e ataca “a esquerda” e ministros de Governos anteriores. “Sabe por que deu esse barulho [confusão]? Porque os ex-ministros e a esquerda, que já deixaram o poder, disseram que vamos mexer no Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). É claro que vamos rever e avaliar esse plano”, afirma a ministra. De acordo com ela, a avaliação será “tão transparente e participativa que será conduzida pela Escola Nacional de Administração Pública’'. “E nessa avaliação todos vocês vão participar!”. Até o momento, o grupo criado pela ministra conta com 14 integrantes, todos de sua pasta.

Human Rights Watch divulgou nota na qual insta o Governo de Bolsonaro a “garantir que quaisquer discussões sobre mudanças das políticas de Direitos Humanos no país ocorram de forma transparente, com amplo debate e participação da sociedade civil e dos grupos envolvidos”. A diretora da entidade no Brasil, Maria Laura Canineu, destacou também que o Planalto “vem promovendo uma agenda antidireitos”, e que agora planeja mudar o PNDH-3 “em segredo absoluto e sem a participação de qualquer um que discordar de suas políticas”.

Por fim, dois episódios acendem alerta para táticas do Governo para silenciar seus críticos. Nesta semana, a Controladoria Geral da União, subordinada à Presidência, lançou uma ofensiva contra dois professores da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), no Rio Grande do Sul. Na linha pregada pelo movimento Escola Sem Partido, que visa monitorar e tolher a liberdade de expressão dos docentes nas escolas, o órgão subordinado ao Planalto fez com que o epidemiologista e ex-reitor da Universidade Pedro Rodrigues Curi Hallal e Eraldo dos Santos Pinheiro tivessem que assinar um termo de ajustamento de conduta. Ambos haviam criticado Bolsonaro durante uma transmissão ao vivo em janeiro. O deputado federal Bibo Nunes (PSL-RS) acionou a CGU pedindo a exoneração dos dois —o que ainda não conseguiu. Agora eles terão que ficar dois anos seguindo à risca a lei 8.112, que veta a funcionários públicos ”promover manifestação de apreço ou desapreço no recinto da repartição”, sob pena de sofrerem sanções mais graves.

Eu sua conta no Twitter, o professor Hallal resumiu nesta quinta-feira seu ponto de vista sobre o ocorrido. “Existe um ditado alemão que diz: ‘Se há dez pessoas numa mesa, um nazista chega e se senta, e nenhuma pessoa se levanta, então existem onze nazistas numa mesa. Não se pode tolerar o intolerável”, escreveu. Ao EL PAÍS, o ex-reitor que coordenou o maior estudo epidemiológico do país sobre a covid-19, disse: “Não me lembro de nada do tipo partindo diretamente do Governo Federal. Processos disciplinares acontecem com frequência, envolvendo acusações de assédio, prestação de contas errada e uso inadequado de recursos. Agora um processo disparado por um deputado ligado ao presidente da República diretamente contra um professor, é a primeira vez que eu vejo”.

Nesta sexta, os pesquisadores do IPEA foram surpreendidos por um ofício assinado pelo presidente do órgão, Carlos Von Doellinger, que lembra a todos que os estudos e pesquisas “são direito patrimonial do Ipea” e que a divulgação “pode ocorrer após sua conclusão e aprovação definitiva, devendo serem seguidos normais, protocolos e rotinas internas, inclusive quanto à interação com os órgãos de imprensa”. O texto lembra que, caso a ordem não for seguida, pode haver punições. Ainda que a normativa se baseei em regras internas do órgão, subordinado ao Ministério da Economia, o ofício foi visto como intimidatório pelos funcionários. Circula internamente que o detonador do ofício, classificado de “lei da mordaça” e “censura prévia” pelo sindicato do IPEA, foi a publicação de um trabalho ainda em andamento do economista Marcos Hecksher pela BBC Brasil. Segundo a estudo, “o risco de morrer de covid-19 no Brasil foi mais de 3 vezes maior que no resto do mundo. Constrangimentos no órgão não são exatamente novidade ―em 2014, pesquisadores relataram ter sofrido pressão do Governo Dilma Rousseff para não publicar um estudo que falava sobre a alta da pobreza extrema―, mas a percepção é de que a atual cúpula foi além com a determinação de que as pesquisas são “propriedade” do IPEA.


O Estado de S. Paulo: Para os EUA, descontrole da pandemia no Brasil e variante ameaçam o mundo

Autoridades da saúde e do governo americano estão em estado de alerta e afirmam que nenhum país estará seguro enquanto a disseminação do coronavírus continuar a crescer, pelo risco de surgirem novas variantes, mais transmissíveis e também agressivas

Beatriz Bulla* e Giovana Girardi, O Estado de S. Paulo
*Correspondente em Washington

Uma ameaça para o mundo. É assim que a imprensa americana retrata a atual situação da pandemia de coronavírus no Brasil, ecoando a preocupação de cientistas, autoridades da área de saúde e do governo americano sobre os efeitos do descontrole da propagação de uma nova variante do Sars-CoV-2 no País.

Nos EUA, a população já discute quando a vida poderá voltar ao normal, diante da aceleração do ritmo de vacinação e da indicação de que até o fim de maio o país terá doses de imunizante para todos. Depois de um ano como epicentro da pandemia, os EUA agora veem uma luz no fim do túnel e a ameaça do lado de fora. Mais especificamente no Brasil.

“Há uma sensação de alarme sobre a natureza não controlada da pandemia no Brasil e o ritmo lento da vacinação – especialmente agora que o Brasil é a fonte de uma nova e preocupante variante da covid-19”, afirma Anya Prusia, do Brazil Institute do Centro de Estudos Wilson Center, em Washington. “A atenção aqui está voltada para a disseminação dessa cepa mais contagiosa, a P.1, que se originou em Manaus.” 

Os primeiros dois casos da variante P.1 foram registrados nos EUA em janeiro, horas depois de o presidente Joe Biden revogar uma decisão de Donald Trump e recolocar a restrição de viagens do Brasil aos EUA.

Duas pessoas que estiveram no Brasil foram diagnosticadas com a nova cepa em Minnesota. Até agora, os EUA registraram 13 casos da mutação, em ao menos sete Estados. Mas ainda não há transmissão comunitária, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Mas não foi a chegada nos EUA da cepa de Manaus que alarmou os americanos e sim a recente situação da pandemia no Brasil, que tem batido recorde de mortes. “Enquanto a pandemia continuar a crescer, ninguém estará a salvo”, disse o porta-voz do Departamento de Estado americano, Ned Price, em coletiva de imprensa.

Em pronunciamentos e entrevistas recentes, o principal infectologista do governo americano, Anthony Fauci, tem ressaltado que a cepa P.1 está associada a uma maior transmissibilidade e à preocupação de que a mutação possa interromper a imunidade induzida naturalmente e pela vacina.

Há cerca de um mês, Fauci afirmou que isso preocupa os americanos, que não devem derrubar tão cedo o bloqueio de passageiros que estiveram no Brasil. Nesta semana, ele voltou ao tema. “O Brasil está numa situação muito difícil. A melhor coisa é vacinar o maior número de pessoas o mais rápido possível”, disse Fauci, que chegou a dizer que os EUA poderiam ajudar os brasileiros.

O ritmo de vacinação nacional, porém, não anima. O Washington Post descreveu a vacinação brasileira como um processo de “escassez e atrasos”, enquanto o The New York Times reporta uma vacinação lenta e sem sinalização de melhora.

“O país atingiu o pior momento. Surgiram variantes que parecem mais mortais para pessoas saudáveis, e os cientistas documentaram coinfecção por múltiplas variantes”, escreveu Kevin Ivers, vice-presidente da consultoria americana DCI Group, em relatório. “A preocupação é que a disseminação acelere essas coinfecções no Brasil e leve a uma explosão de novas variantes mais agressivas.”

A situação brasileira foi definida pelo Washington Post, no dia 4, como “terreno fértil” para outras variantes. O risco foi mencionado também por cientistas, como Bill Hanage, epidemiologista da Faculdade de Saúde Pública da Universidade Harvard (leia a entrevista aqui).

Nas redes sociais, o também epidemiologista e economista da área da saúde Eric Feigl-Ding, membro da Federação de Cientistas Americanos, postou que o Brasil precisa da ajuda de líderes estrangeiros. “A epidemia descontrolada do Brasil será uma ameaça ao mundo, mas ainda não é muito tarde”, disse ao Estadão. “Mas é preciso ter sequenciamento genético, controle de fronteiras, quarentenas e testagem em massa.”

Para a epidemiologista brasileira Denise Garrett, vice-presidente do Sabin Vaccine Institute, com base em Washington, se o Brasil não for capaz de controlar a situação, os bloqueios de viajantes devem se intensificar. 

O neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, pesquisador da Universidade Duke, que nos últimos dias ganhou espaço em jornais estrangeiros pedindo uma pressão de outras nações sobre o Brasil, chama a atenção para a “geopolítica da pandemia”. “É a diplomacia do século 21. Já tem países trocando mercadorias por vacinas”, afirmou. “Se o fluxo ficar desimpedido, a doença desse país vai migrar para os outros.”

Falta de liderança

Na imprensa e entre analistas americanos, Jair Bolsonaro é o presidente que propaga desinformação, é cético sobre a vacina e está em choque com governadores. “Como aconteceu com Trump, o vácuo de liderança de Bolsonaro deu ao vírus abertura para se espalhar”, disse o Washington Post. Um dia antes, o The New York Times colocou a preocupação com o Brasil em sua capa.

A crise no País já chamou a atenção no ano passado, com as imagens de cemitérios lotados em Manaus e São Paulo. Desta vez, a preocupação é diferente, porque o que acontece no Brasil, segundo os americanos, pode colocar em xeque os avanços do resto do mundo.

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Vinicius Torres Freire: A epidemia volta a atacar o varejo

Donos de restaurantes, salões de beleza e academias sentem o baque em novembro

Donos de restaurantes, do comércio de comida e bebida em geral, de salões de beleza e de academias de ginástica sentiram um baque em novembro, ouve-se na cidade de São Paulo e do Rio de Janeiro.

São “evidências anedóticas”, como dizem economistas, casos, porque ainda não há estatísticas da situação geral dos negócios no mês passado. Mas não deu para encontrar empresário desses serviços animado com o faturamento, seja em restaurantes caros ou do trivial do almoço do dia a dia. Ao contrário, há gente que viu retração forte, em contraste agudo com outubro.

Muitos atribuem a queda às notícias de que mais gente foi parar nas UTIs por causa da Covid. Alguns dizem que “o povo” voltou a ficar sem dinheiro. Outros observam que não se sabe o que vai ser da economia na virada do ano, pensando também na própria atitude como consumidores. Melhor jogar na retranca.

Os empresários ouvidos não mencionaram o possível efeito da alta de inflação, que na média não parece significativa, mas foi de quase 20% de um ano para cá quando se trata do preço de comer em casa.

A inflação da comida continuará ruim pelo menos até o primeiro bimestre do ano que vem. A inflação média para o consumidor, medida pelo IBGE, deve chegar a 5,5% ao ano, em meados de 2021, segundo as projeções atuais.

Os números mais gerais e objetivos do desânimo já apareceram nas pesquisas de confiança do consumidor e do setor de serviços, que caiu pelo segundo mês seguido em novembro, segundo a FGV. O levantamento nacional da Associação Comercial de São Paulo também registrou baixa nos ânimos em novembro.

As expectativas pesam: o medo de perder o emprego cresce, o medo de perda de renda é ainda mais forte no caso de quem foi remediado pelo auxílio emergencial. Pela primeira vez desde o início da epidemia, a população ocupada aumentara ligeiramente em setembro e outubro, dizem as pesquisas do IBGE (Pnad), mas o desemprego e o medo de ficar sem trabalho parecem estar falando mais alto.

Se a epidemia não foi o determinante do desânimo em novembro, certamente o será pelo menos neste início de dezembro. O repique do número de doentes e de mortes é inegável, confirmando o alerta inicial dos médicos de hospitais privados. No que diz respeito à confiança econômica, não importa muito se o nome seja o incorreto “segunda onda” (pelo menos por ora) ou repique.

Em um mês, o número de internados em UTIs na cidade de São Paulo por causa da Covid-19 cresceu mais de 30%. No estado de São Paulo, 33%.

Na Grande São Paulo, quase 48%. O número estadual de mortes é cerca de 40% maior do que no início de novembro (na média móvel de sete dias). No Rio Grande do Sul ou no Paraná, as autoridades falam de medidas mais duras de restrição; há discussões assim em Brasília. A situação é ruim em Santa Catarina e no Rio.

Como era de esperar, ainda assim revoltante, os alertas mais sérios e as medidas de controle estão sendo anunciados depois da eleição municipal. Muitas são suaves, não se sabe se providências mais drásticas teriam resultado e não há notícia de estratégia mais inteligentes de limitação dos contágios (baseadas em dados, testes, restrições duras localizadas).

Se o relaxamento de fins de outubro e começo de novembro for além e maior nas festas de fim de ano, em “baladas” e em aglomerações gerais de férias, teremos muito mais do que quedas de confiança no janeiro de 2021, que será também o primeiro mês do fim dos auxílios.


Luiz Carlos Azedo: O tsunami

“Mesmo que a pandemia avance, Bolsonaro mantém litígio com governadores, prefeitos e autoridades de saúde, que defendem a permanência de Mandetta”

A epidemia de coronavírus é um tsunami invisível que varre o mundo. No momento, seu epicentro é Nova York, nos Estados Unidos, o que obrigou o presidente Donald Trump a mudar completamente o discurso no domingo, quando pediu para a população ficar em casa até 30 de abril. Trump vinha defendendo o afrouxamento das medidas de isolamento e chegou a declarar no sábado que uma quarentena não seria necessária em Nova York, New Jersey e Connecticut. Mudou de ideia no dia seguinte, quando admitiu que o pico da epidemia será daqui a 15 dias. Já são mais de 2 mil mortos e mais de 100 mil casos confirmados, segundo levantamento da Universidade Johns Hopkins, na economia mais poderosa do mundo. O sistema de saúde de Nova York está à beira do colapso.

Ao contrário de Trump, aqui, no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro aproveitou o domingo para contestar a política de isolamento social e deu um rolé pelo comércio do Sudoeste, de Ceilândia e de Taguatinga, defendendo que as pessoas precisam trabalhar para sobreviver. Depois do périplo, devidamente registrado no Twitter — que apagou duas de suas postagens por colidirem com a orientação das autoridades de saúde pública —, Bolsonaro disse que era preciso enfrentar a situaçao como homem e não como moleque, porque as pessoas um dia vão mesmo morrer. Não se sabe a quem ele se referia, mas o fato é que desautorizou a orientaçao do seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, o que aumentou as especulações de que ele seria demitido.

Não foi o que aconteceu, porém, apesar de Mandetta estar visivelmente constrangido na entrevista coletiva concedida no final da tarde de ontem pelo comitê de crise do Palácio do Planalto, que coordena as ações do governo contra a epidemia, sob comando do ministro-chefe da Casa Civil, general Walter Souza Braga Netto. Quando Mandetta foi indagado pelos jornalistas sobre as divergências com Bolsonaro e se sairia do governo, foi interrompiodo por Braga Netto, que matou a pergunta no peito e respondeu: “Está fora de cogitação”, “Não existe essa ideia”. Também participaram da entrevista os ministros Tarcísio Gomes (Infraestrutura), Onyx Lorenzoni (Cidadania) e André Mendonça (Advocacia Geral da União), além de um representante do Ministério da Defesa.

Na sua entrevista, Mandetta desconversou sobre o assunto e reiterou que a orientaçao do Ministério é focada no combate à epidemia, em termos técnicos e científicos. Justificou a decisão de mudar o formato das avaliaçoes diárias, que agora serão feitas por todos os ministros, não sob seu comando, mas o de Braga Netto, com o argumento de que a pandemia transbordou a esfera de sua pasta e exige engajamento de todo o governo, o que é verdadeiro. Bolsonaro vem defendendo o relaxamento das medidas de isolamento adotadas nos estados e a retomada da atividade econômica, com a reabertura do comércio e volta dos estudantes às escolas. As recomendações de especialistas, da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do próprio Mandetta são de que o isolamento é necessário para evitar a expansão da pandemia.

Tensões
Ontem, o diretor executivo da Organização Mundial de Saúde (OMS), Michael Ryan, fez nova advertência quanto à expansão da pandemia. Disse que o coronavírus ultrapassou as ruas e está sendo levada para “dentro das famílias”, o que reforça a necessidade de isolamento social, sobretudo onde há transmissão comunitária e faltam testes, como é o caso do Brasil. “O ideal é que a quarentena ocorra em um lugar que não seja a casa [do infectado], porque esse doente pode infectar sua família. Mas isso não é sempre possível”, disse. No Brasil, já houve 159 mortes, com 4.579 casos confirmados, uma taxa de letalidade de 3,5%. A epidemia ainda está concentrada no Sudeste, com 2.507 casos, 55% do total. São Paulo é o epicentro, com 1.451 casos. O aumento do número de mortos de ontem para hoje no estado foi de 17%, sendo 7,9% o de casos.

Mesmo que a pandemia avance, Bolsonaro mantém seu litígio aberto com os governadores, prefeitos e autoridades de saúde pública, que defendem a permanência de Mandetta no cargo. O ex-ministro da Cidadania Osmar Terra(MDB-RS), que é deputado federal e médico, se movimenta para substituir Mandetta e faz coro com as teses de Bolsonaro. As relações de Mandetta com Bolsonaro vão de mal a pior e somente não houve uma ruptura porque o ministro já avisou que não pede demissão. Demiti-lo agora seria a implosão da equipe de sanitaristas do ministério e uma porta aberta para a articulação do impeachment do Bolsonaro, por crimes de responsabilidade. O Congresso está fazendo seu dever de casa, mas cobra um comportamento mais responsável do presidente da República.

Ontem, o Senado aprovou o chamado “corona voucher”, a ajuda de R$ 600,00 para os trabalhadores informais sem atividade, que se soma ao pacote de medidas econômicas anunciadas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. É fundamental para garantir uma renda básica aos que ficaram sem nenhuma outra fonte e evitar uma situação de caos social. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, articula a aprovação do que está sendo chamado de “orçamento de guerra”, as medidas necessárias para o país atravessar a pandemia sem um cenário de tragédia social e reativar a economia logo depois. De certa forma, o foco na pandemia e nessas medidas econômicas é um elemento estabilizador do processo, em meio às tensões criadas por Bolsonaro, que ameçam transformar a pandemia num tsunami político.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-tsunami/


El País: Com projeção de 460.000 infectados no Estado de São Paulo, Brasil endurece combate ao coronavírus

RJ e SP, com transmissão comunitária da Covid-19, suspendem aulas e proíbem eventos em massa. Ministério da Saúde projeta que, sem ações de distanciamento social, casos podem dobrar a cada três dias no país

Embora num patamar menos enérgico que outros países, o Governo brasileiro subiu o tom no combate ao coronavírus nesta sexta-feira (13) e passou a recomendar que prefeitos e governadores adotem ações mais duras de distanciamento social para frear a incidência da covid-19. Sem essas ações, projetam as autoridades de saúde, o número de infectados pode dobrar a cada três dias no país ―aumentando rapidamente a incidência de casos que podem evoluir para quadros graves e sobrecarregar o sistema de saúde. Por enquanto, apenas 12 dos 98 casos oficialmente confirmados na esfera federal estão sendo tratados em hospitais e o SUS tem dado conta da demanda. No entanto, São Paulo e Rio de Janeiro já apresentam transmissão comunitária da doença, quando já não é possível identificar a origem da infecção e o contágio ganha velocidade. No Rio, as aulas já começam a ser suspensas na semana que vem. Em São Paulo, onde o Governo do Estado projeta que ao menos 1% da população (ou 460.000 pessoas) possa ser infectada nos próximos meses (mesmo que boa parte deles assintomática), a paralisação será gradual. Em ambos há proibição ou restrição de realização de eventos em massa.

O Governo estima que, a cada três dias, o número de casos de infectados (há 98 casos confirmados oficialmente nesta sexta) pode dobrar sem a adoção dessas medidas, embora reconheça que cada município deve ter uma curva epidemiológica diferenciada de acordo com o início da transmissão local. Por isso, as ações de restrição mais pulverizadas pelas gestões locais. “O Brasil é muito grande e temos diferenças profundas. As medidas não farmacológicas são recomendações. Não estamos mais orientando, estamos recomendando. Ainda não chegamos à fase de determinação”, pondera o secretário de Vigilância em Saúde, Wanderson de Oliveira.

No âmbito federal, a ação mais enérgica foi proibir cruzeiros turísticos por tempo indeterminado. E estabelecer regras mais claras sobre qual é o momento adequado para que prefeitos e governadores decretem quarentena em locais específicos com o objetivo de retardar o pico de transmissão da doença. A orientação é de que os gestores locais publiquem atos para isolar áreas quando os leitos disponíveis para tratar casos graves da doença atinjam 80% de ocupação. A ideia é ganhar tempo para a recuperação do sistema de saúde num contexto em que pacientes graves demoram mais tempo nas UTIs. Nesta sexta-feira, houve uma mudança no status de enfrentamento da doença. Se antes o Governo apenas orientava esse tipo de ação mais restritiva, passou a recomendá-las e adiantou que a qualquer momento pode passar a determinar medidas obrigatórias, dependendo da evolução da pandemia. Nas duas maiores cidades do país, São Paulo e Rio de Janeiro, essa fase definitivamente já chegou.

O Governo de São Paulo, Estado que lidera o número de casos da doença, recomendou que eventos com mais de 500 pessoas sejam cancelados. Também decidiu suspender gradativamente as aulas na rede pública de ensino a partir da próxima segunda-feira. Durante a semana que vem, as aulas ainda ocorrerão, mas faltas não serão contabilizadas. A ideia é que as famílias tenham tempo de se planejar e evitar que crianças fiquem com idosos, público de maior risco de complicações em caso de infecção. Também não haverá férias para os profissionais de saúde, uma forma de manter o sistema de saúde operante com a maior capacidade possível. O Estado mais populoso do país, com 46 milhões de habitantes, usa a experiência epidemiológica de outros países com a Covid-19, além dos números de epidemias respiratórias com outros vírus, para traçar cenários. O mais conservador deles é de que entre 1% e 10% da população será infectada, com 20% deles precisando de assistência médica hospitalar. “Cenários são estimativas. Pode acontecer 1%, 2%, 5%, 10%. Tem um fato novo que nós precisamos aprender: como é que esse vírus vai se comportar em um país tropical no verão. Daqui a pouco, estaremos no outono. Eu não consigo dizer hoje se vai ser 1% ou 10%”, disse David Uip, que coordena o combate da doença no Estado, ao jornal O Estado de S. Paulo.

Já o Rio de Janeiro ―que tem um dos sistemas de saúde mais frágeis, segundo o ministro Luiz Henrique Mandetta― também decidiu suspender aulas tanto da rede pública quanto da rede privada. O prefeito Marcelo Crivella cancelou aulas na rede municipal por uma semana, enquanto o governador Wilson Witzel decidiu antecipar as férias escolares e suspender aulas em escolas estaduais e privadas por 15 dias. Também proibiu eventos em massa e deu uma declaração controversa de que, caso haja grande aglomeração nas praias, a Polícia Militar poderia agir. “Embora as praias sejam área federal, numa situação como essa a Polícia Militar, os bombeiros, a guarda municipal podem agir para evitar aglomerações”, afirmou. Witzel também suspendeu a visitação de presos.

Ações de distanciamento social também foram determinadas pelo Distrito Federal nos últimos dias, embora ainda não tenha casos de transmissão sustentada da doença. Em alguns Estados, Governos começam a limitar atividades em órgãos públicos e evitar viagem de servidores a trabalho. Ceará e Pernambuco decidiram, por exemplo, proibir que cruzeiros turísticos já em curso atraquem em seus territórios depois que o Governo Federal proibiu que novos cruzeiros (sejam nacionais ou internacionais) iniciem atividades no país. “Os cruzeiros turísticos historicamente são ambientes de confinamento. Muitos deles têm turistas internacionais”, afirma Wanderson de Oliveira, citando o caso dramático do Japão. No Brasil, há ao menos dois casos suspeitos de um cruzeiro em Pernambuco, cujos turistas estão isolados.

Há recomendações gerais do Ministério da Saúde sobre as medidas que devem ser implantadas para frear o coronavírus, mas cabe aos Estados e municípios decidirem suas próprias ações, conforme suas especificidades. Para áreas de transmissão sustentada, o Governo Federal recomenda ações que envolvem reduzir o fluxo urbano com horários alternativos para trabalhadores, estimular o home office e monitoramento diário de ocupação de leitos de UTI. Há uma preocupação maior sobre a evolução do coronavírus no país com a chegada do outono na próxima sexta-feira, quando as temperaturas caem em diversas regiões do país e também há um retorno de viroses sazonais que já circulavam anteriormente no Brasil. As mudanças climáticas devem interferir na propagação do vírus, já que favorecem um comportamento de maior aglomeração de pessoas.


El País: Coronavírus acende alerta sobre preparo de hospitais no Brasil para tratar infectados graves

Governo Federal orienta Estados a reverem suas redes hospitalares diante do provável crescimento de pacientes gravemente afetados no país. Declaração de pandemia provoca medidas mais enérgicas de enfrentamento em várias esferas

No mesmo dia em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que o coronavírus é uma pandemia global, o Brasil dobrou o número de casos confirmados da doença ―aos 52 infectados contabilizados pelo Ministério da Saúde somam-se outros 16 confirmados pelo hospital paulista Albert Einstein, em São Paulo, e outro na Bahia, todos divulgados após a atualização do balanço federal. O país ―que até então trabalhava no sentido de evitar a propagação do vírus e apostava no tratamento de casos leves na Atenção Básica― entra em um novo patamar de enfrentamento da doença. Na fase atual, já não é possível identificar quem transmitiu o vírus. E tanto especialistas quanto autoridades de saúde avaliam que a disseminação da doença pode acontecer rapidamente e que, embora tenha uma letalidade relativamente baixa, é preciso preparar as redes hospitalares para receber uma alta demanda de pacientes em estado grave. As ações, apontam, são cruciais para evitar que o Brasil reproduza um colapso no sistema de saúde semelhante ao da Itália. Em três semanas, o país passou de três para 10.000 infectados e tem enfrentado um caos na assistência diante da escassez de insumos e da infecção de profissionais de saúde.

“Temos que estar preparados caso soframos um ataque como o que a Itália viveu”, defendeu o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, durante audiência pública no Congresso. Enquanto pedia mais recursos para ações emergenciais relacionadas ao coronavírus —o ministro falou, depois, em 5 bilhões de reais—, Mandetta afirmou que o Governo Federal voltará a prover médicos para capitais e regiões metropolitanas por meio do Mais Médicos e ampliará o número de postos de saúde com funcionamento em horário extendido para reforçar a Atenção Básica, onde os casos leves deverão ser tratados. Pediu, porém, que todos os Estados reorganizem suas redes hospitalares, inclusive remarcando cirurgias eletivas (ou seja, as que não são urgentes, como intervenções plásticas) e rediscutindo os critérios de permanência em leitos de CTI como medidas de antecipação para o caso de o quadro se agravar no país. "Esses leitos são preciosos e temos que estar preparados”, defendeu.

Gatilho para medidas de restrição
O aumento agudo da doença no Brasil tem levado autoridades públicas a adotarem medidas mais enérgicas, e até controversas, com relação ao enfrentamento da doença. O Rio de Janeiro, que tem 13 casos confirmados, publicou um decreto que permite a internação compulsória de casos graves da Covid-19. O Congresso Nacional anunciou que estão suspensas as visitações públicas na Câmara e no Senado e que os servidores com histórico de viagem ao exterior entrarão em quarentena. O ministro da Educação, Abraham Weintraub, publicou um vídeo em suas redes sociais no qual sugere que instituições de ensino se preparem para realizar atividades escolares a distância por causa do coronavírus. Também avalia a possibilidade de antecipar as férias escolares. Algumas universidades começaram a testar plataformas de ensino à distância, e o Distrito Federal já decidiu suspender aulas em escolas públicas e particulares nos próximos cinco dias. Não há unanimidade sobre esse tipo de medida. O próprio ministro Mandetta pondera que a suspensão de aulas pode agravar riscos para avós das crianças, que integram o grupo de risco mais alto da doença por conta da idade. “O maior grupo de risco são nossos idosos e doentes crônicos. Este é o grupo que nós queremos superproteger”, argumenta.

Ainda não há muitas respostas sobre a performance do novo coronavírus em clima tropical, e o Governo Federal diz trabalhar com o comportamento apresentado até agora no hemisfério norte. Com a caracterização de pandemia pela OMS, o Brasil não terá mais uma lista de países suspeitos e passará a monitorar qualquer pessoa que venha do exterior e apresente sintomas. Não considera, porém, restringir o trânsito de pessoas, como Donald Trump acaba de fazer suspendendo voos para os EUA vindos da Europa, ou impor quarentenas. “Nós estamos na fase de recomendações. Podemos passar para determinação. Vamos andando de acordo com o que vai acontecendo aqui”, disse Mandetta a parlamentares nesta quarta-feira.

Na semana passada, o Ministério da Saúde já havia mudado a metodologia para testagem do coronavírus. A nova orientação tirou a exclusividade de testes para pessoas com histórico de viagem ao exterior para incluir também os que apresentam quadro respiratório grave, o que permite a identificação de possíveis casos transmitidos no Brasil e oferece maior precisão ao monitoramento de circulação da doença no país. Um sistema robusto de testagem tem mostrado êxito no enfrentamento do novo coronavírus em países como a Inglaterra, por exemplo. Lá, o paciente que apresentar sintomas pode ser testado em casa. No Brasil, o caminho neste sentido ainda é longo. Atualmente, nem todos os Estados conseguem fazer os testes em seu próprio território, e a previsão é de que ainda demorem uma semana para estarem aptos a fazê-lo. “A previsão é de que todas as unidades da federação estejam aptas, até dia 18 de março, com equipamento, com kit pronto para fazer o teste dentro do seu estado”, informa Mandetta. O ministro prevê que as próximas semanas serão duras e que, num país continental como o Brasil, é difícil mensurar o nível de preparação de cada Estado para o aumento da demanda. “Vamos viver umas 20 semanas duras”, disse o ministro ao Estadão.

O vice-presidente do Conselho Federal de Medicina, Alexandre de Menezes Rodrigues, chama atenção para a necessidade de pensar não apenas na prevenção, mas no tratamento da Covid-19. “Grande parte das mortes no mundo foi por despreparo do suporte”, destaca. Ele defende, por exemplo, a necessidade de rediscutir as regras sobre a quantidade de médicos por leitos de UTI. E que o país precisa se preparar para um aumento da demanda de pacientes, já que a permanência de infectados por coronavírus nos hospitais costuma ser prolongada. Para proteger seu corpo médico, hospitais particulares começaram a orientar seus profissionais que evitem viagens. Na esfera pública, ainda não há orientações nesse sentido. Por enquanto, o Governo Federal afirma ter conseguido comprar material de proteção, como máscaras e outros insumos, e orienta que os próprios Estados se organizem para reforçar suas redes hospitalares.

Na ponta, as mudanças ainda começam a ser desenhadas de forma pontual num contexto em que nem o sistema público nem o privado têm grandes margens em relação à disponibilidade de leitos de UTI, onde poderão ser tratados casos graves da doença. “Isso porque esses leitos são caros, e você precisa racionalizar para as necessidades. Os Estados têm que se adequar para essa demanda que virá. São modificações que temos que fazer hoje porque não dá pra esperar o número de casos aumentar para começar”, diz o infectologista da Diretoria de Vigilância Epidemiológica do Estado da Bahia, Antônio Carlos Bandeira. O médico diz que a Bahia tem reativado UTIs pediátricas para receber pacientes graves por conta do coronavírus e que o Estado está hierarquizando o sistema para transferir pacientes a hospitais de referência. “Estamos preparando uma rede com gestores para que possa haver esse fluxo rápido”, explica.

No Hospital das Clínicas, em São Paulo, há um protocolo estabelecido para tratar casos de Covid-19, e profissionais que antes se reuniam semanalmente passaram a discutir diariamente estratégias. Mas não há ainda implementação de medidas antecipando uma fase mais aguda da doença. “A gente prevê a possibilidade de realocar profissionais, adiar eletivas, bloquear uma UTI só para isso. Está previsto, mas ainda está longe de ser implementado”, diz Izabel Marcilio, médica epidemiologista do núcleo de vigilância epidemiológica do hospital. Nesta quinta-feira, o Governo de São Paulo, Estado que mais concentra os casos no Brasil, informará novas ações para enfrentamento da doença. A grande questão será a partir de que momento estabelecer medidas de restrição de circulação.

O fato é que o Brasil tem redes hospitalares muito distintas em cada Estado, o que dificulta prever o limite de atendimento do SUS, conforme ressaltou o próprio ministro Mandetta em entrevista ao Estadão. “O Rio de Janeiro aguenta muito pouco. São Paulo aguenta um pouco mais. O Paraná é nosso melhor sistema, a melhor rede de distribuição. O Acre não tem nenhum caso. O Brasil é um continente”, declarou.


Fernando Reinach: Coronavírus veio para ficar

Entramos em uma fase da epidemia em que o objetivo não é mais exterminar o vírus

Fernando Reinach, O Estado de S.Paulo

Já é consenso entre os epidemiologistas que o coronavírus se espalhará por todo o planeta e seremos obrigados a conviver com ele por muitas décadas. A grande dúvida é com que velocidade e intensidade ele se espalhará. É difícil acreditar, mas hoje é mais fácil prever o futuro distante (daqui 3 ou 4 anos) do que o futuro próximo (1 a 2 anos). Entender a causa dessa inversão é essencial para evitar pânico.

Daqui 3 ou 4 anos teremos uma relação com o coronavírus semelhante à que temos hoje com o vírus de sarampogripe e poliomielite. O vírus estará entre nós, mas terá dificuldades de se espalhar. Em 3 ou 4 anos, as vacinas muito provavelmente estarão disponíveis. E nessas condições, o vírus vai aparecer ocasionalmente, em pequenos surtos localizados. É claro que esse cenário não é certeza absoluta, mas é o mais provável dado o que conhecemos sobre epidemiologia, sobre vírus e as doenças que eles causam. Agradeça à ciência.

Agora vejamos por que o cenário de curto prazo (12 a 24 meses) é mais difícil de prever. Como ficou claro na China e agora na ItáliaIrã e Coreia do Sul, esse vírus se espalha rapidamente e infectados, mesmo com poucos sintomas, são capazes de transmiti-lo. E o mais importante é que toda a população mundial nunca teve contato com esse vírus. Em outras palavras, qualquer pessoa é uma vítima potencial. A grande incógnita é o quão rápido o vírus vai se espalhar. A boa notícia é que a humanidade, graças a séculos de investigação científica, é capaz de interferir na velocidade de propagação.

Vejamos possíveis cenários para os próximos 24 meses. No pior deles, o vírus infecta toda a população nos próximos 12 a 24 meses. Nesse cenário, 85% da população terá uma espécie de gripe forte que poderá ser tratada em casa, estará curada e ficará parcial ou totalmente imune ao vírus após uma ou duas semanas. Os 15% restantes terão de ser tratados em hospitais. Aproximadamente 10% da população terá complicações e algo como 2% morrerá.

Nesse cenário, quando a vacina estiver disponível, grande parte da população já estará imune. O principal problema nesse cenário, além de 2% de mortes, é o colapso do sistema de saúde como ocorreu em Wuhan, na China. Em ambientes onde o sistema médico não existe ou colapsa, a taxa de letalidade pode ser muito maior do que 2%.

Os outros cenários envolvem um espalhamento mais lento do vírus. Vamos imaginar o melhor cenário possível. Propriedades intrínsecas do vírus, associadas a variações climáticas e medidas de contenção, garantem que o número de casos por mês nos próximos meses não passe de, por exemplo, 40 mil (cerca de 50% do que tivemos nos últimos 30 dias). Nesse caso teríamos 6 mil hospitalizações por mês e aproximadamente 800 mortes por mês. Após 2 anos, a vacina estaria disponível e entramos em uma nova fase tendo convivido com um número menor de mortes e com um número de hospitalizações administrável. Nessas condições, é possível que a letalidade seja menor do que 2% pois os sistemas de saúde não serão sobrecarregados.

Nesse caso a imunidade contra o vírus no longo prazo vai depender de uma vacinação generalizada mais adiante, pois somente uma pequena parte da população terá sido infectada. Este também é um cenário extremo, difícil de acontecer, pois provavelmente exigiria medidas globais semelhantes às adotadas na China. Os outros cenários estão entre esses dois extremos e, em todos eles, o que determina a velocidade de espalhamento são medidas adotadas pelos governos, a disposição da população de aceitar essas medidas, e o custo para a economia global.

Essas minhas previsões são extremamente rudimentares. Os epidemiologistas que trabalham com modelos matemáticos estão quebrando a cabeça para produzir modelos mais precisos, enquanto outros cientistas tentam desenvolver a vacina. Em todos os cenários, o crucial é ganhar tempo, não deixando o vírus se espalhar rapidamente.

Agora estamos entrando em uma fase da epidemia em que o objetivo não é mais exterminar o vírus. Essa foi a batalha perdida na China nos últimos dois meses. Estamos no início da segunda, que será mais longa e difícil - seu objetivo é atrasar o espalhamento do vírus pelo planeta diminuindo ao máximo sua velocidade de propagação. E nela todos podemos e devemos nos envolver.

*É BIÓLOGO


Folha de S. Paulo: Genoma do novo coronavírus que infectou brasileiro é sequenciado

Cepa encontrada no país se aproxima de patógeno transmitido na Alemanha

Gabriel Alves, da Folha de S. Paulo

O Instituto Adolfo Lutz, em conjunto com o Instituto de Medicina Tropical da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e com a Universidade de Oxford, sequenciou o genoma do novo coronavírus que atingiu um brasileiro.

A pesquisa contou com apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e do Medical Research Concil, no Reino Unido. O projeto Cadde, uma parceria entre os dois países para o estudo de arboviroses, desenvolve técnicas para monitorar epidemias em tempo real.

Ao "soletrar" as letras que compõem as "frases" do genoma do Sars-CoV-2, é possível aprender sobre como o vírus se espalhou e até mesmo detectar mutações que podem aumentar ou atenuar sua transmissibilidade.

O primeiro caso de coronavírus foi primeiramente testado pelo Hospital Israelita Albert Einstein e confirmado pelo Instituo Adolfo Lutz em 26 de fevereiro. O paciente esteve no norte da Itália, região que registrou um surto da doença na última semana.

A análise, preliminar, está disponível no fórum de discussão Virological.org, que é acessado por cientistas de todo o mundo.

Para Ester Sabino, diretora do Instituto de Medicina Tropical da USP, é importante ressaltar que quanto mais rapidamente as sequências dos vírus forem publicadas, mais se saberá sobre a trajetória da epidemia.

As mutações identificadas eventualmente também podem implicar na necessidade de adaptação dos testes diagnósticos, que buscam idealmente devem identificar regiões do DNA que não mudem tanto. Esses dados também são importantes para a produção de vacinas, já que os anticorpos produzidos têm idealmente que se ligar a todos os vírus daquela espécie, independentemente das cepas.

"A Itália ainda não tem nenhuma sequência enviada. Quando eles começarem a colocar as sequências deles, podem ter uma ideia de onde o surto do país começou. Digamos que apareça um novo caso em São Paulo; um sequenciamento pode ajudar a saber se pessoa pegou o vírus no avião, no aeroporto ou se veio de outro lugar", diz Sabino.

"O feito científico que os pesquisadores do Instituto Adolfo Lutz concluíram hoje é grandioso e merece todos os nossos agradecimentos. O sequenciamento genético do coronavírus é um trabalho inédito e absolutamente fundamental para que novas vacinas sejam desenvolvidas. Isso mostra o comprometimento do Governo de São Paulo com o combate ininterrupto ao coronavírus e nosso apoio total à comunidade de pesquisadores em saúde", diz em nota o governador de São Paulo, João Doria.

O sequenciamento foi feito por meio de um dispositivo portátil. “Desde a década de 1970 se faz sequenciamento genômico, e a ideia era fazer sequenciamento em campo e trabalhar em tempo real. Esse sequenciador é menor que um celular e conectado a um computador por meio de um cabo USB. Consegue fazer um sequenciamento da célula de fluxo, como se fosse um chip onde estão os nanoporos. Dentro dele, colocamos as sequencias da amostra que vai ser lida ao passar pelos poros”, explica Jaqueline Goes de Jesus, do Instituto de Medicina Tropical.

Análises preliminares indicam que o genoma identificado no Brasil tem diferenças em relação ao de Wuhan, epicentro da epidemia e que duas mutações se aproximam da cepa da Alemanha, diagnosticada em transmissão em Munique, região da Bavária.

“Grupos internacionais têm demorado em média 15 dias para gerar e submeter as suas sequências relativas a casos de covid-19, o que destaca a relevância científica da pesquisa brasileira e o pioneirismo do Estado de São Paulo. Essa conquista certamente contribuirá para aprimorarmos as políticas públicas de vigilância e prevenção da doença”, afirma o Secretário de Estado da Saúde, José Henrique Germann.

Colaborou Cláudia Collucci


Fernando Gabeira: Política em tempos de vírus

Para que resposta a uma epidemia funcione na plenitude, é preciso que democracia ande a pleno vapor

Antes que venha o carnaval, aproveito para especular sobre a política e o coronavírus. Ficou um pouco no ar um debate sobre que tipo de governo consegue lidar melhor com a epidemia.

Os chineses fizeram um hospital em dez dias, e alguns analistas acharam que isso era uma vantagem de um governo autoritário: não precisava de trâmites burocráticos da democracia.

Acontece que a própria democracia tem meios de suprimir sua lentidão quando se trata de uma emergência nacional. Os japoneses, por exemplo, demonstraram rapidez na recuperação do país dos estragos provocados pelo tsunami.

Um outro argumento, em muitos textos ocidentais, afirmava que só um país como a China tinha o poder de isolar 12 milhões de pessoas.

Possivelmente, muitos países falhariam em isolar tantas pessoas. No entanto, a própria China falhou de uma certa forma em Wuhan. Cinco milhões de pessoas deixaram a cidade, segundo o prefeito demissionário, antes que ela fosse isolada.

Um dos fatores que dificultaram Wuhan reconhecer a expansão do vírus era precisamente o medo da burocracia local de comunicar à burocracia nacional um fato tão grave. A tendência é esconder. O medico Li Wenliang, que chamou a atenção para a propagação do coronavírus, foi visitado pela polícia política e forçado a admitir que propagava fake news.

Depois de sua morte, tornou-se um herói popular. Mas o que aconteceu com ele mostra a fragilidade maior dos regimes autoritários ao lidar com esta questão: a falta de transparência.

Há um elo entre transparência e cooperação. O modelo democrático que valoriza a transparência tem melhores condições de atrair a energia popular e avançar com o seu consentimento.

Uma resposta a uma epidemia nunca será perfeita. Entre o viés autoritário e o democrático, continuo achando que o segundo tem mais eficácia.

Mas, para que a resposta funcione na plenitude, é preciso também que a democracia ande a pleno vapor. As autoridades brasileiras, por exemplo, não escondem as grandes tragédias urbanas provocados pela chuva .

No entanto, não assumem suas consequências. Não reconhecem a fragilidade da infraestrutura, não admitem seu longo descaso, muito menos começam a adotar as medidas quase que consensuais entre os que estudam o impacto desses eventos extremos.

Espera-se muito das eleições municipais. Para se desfazer da complicação do tema, diz-se: é um ano de eleição, é preciso escolher bem.

Mas os candidatos pouco podem fazer sem uma compreensão de que o tema transcende ao âmbito municipal. Seria preciso que todas as dimensões do poder se dessem conta. E, é claro, que a própria sociedade se envolvesse na sua autodefesa.

Outro dia vi a história repetida por Bolsonaro sobre a troca de povos, japoneses para cá, brasileiros para lá. O sonho de trocar de povo tem sido recorrente. Na visão onírica, o povo deveria trabalhar e ser disciplinado como os japoneses. E não gastar dinheiro na Disney.

Os dados inquietantes sobre a crise ambiental passam um pouco em branco, como a temperatura de 20 graus na Antártica.

Os acontecimentos na China nos estimulam a buscar saídas para essas armadilhas circulares: o governo sonha com outro povo, o povo sonha com outro governo.

Assim como nas cidades, a resposta transcende à escolha eleitoral. Pede mudanças mais amplas. Na verdade, uma adaptação à nova realidade.

Não pretendo esgotar o tema, muito menos diminuir a importância das eleições. Mas só uma grande transformação cultural dará conta dessas mudanças que alteraram as bases da vida no planeta.

Mesmo sem mitificar a ciência, já no princípio do século, achava que o caminho de uma política adequada dependeria de uma sólida aliança com os cientistas.

Hoje, ao ver um governo que se distancia deliberadamente da ciência, não creio que o obscurantismo triunfou. Ele apenas torna mais difícil uma tarefa que, mesmo ao lado do melhor conhecimento científico, é uma das mais complexas que a imaginação política já enfrentou.