entrevista

El País: 'Congresso não consegue conter todo o avanço autoritário do Governo Bolsonaro', diz Claudio Ferraz

Economista avalia que Governo enfraquece democracia no Brasil e diz que principal falha da equipe de Paulo Guedes é ignorar o debate sobre desigualdade no país

O Brasil voa hoje às cegas com o Governo de Jair Bolsonaro, em que vigoram políticas públicas baseadas em achismos, contrárias à ciência e à evidência empírica. A cada ataque diário à imprensa, às minorias ou a cada recusa a prestação de contas e manipulação de dados, a atual gestão vai minando a democracia. A avaliação é do economista brasileiro Claudio Ferraz, professor da Universidade de British Columbia, em Vancouver no Canadá. Ferraz, que também é professor da PUC-Rio e especialista em medir o impacto da implementação de medidas e programas, diz que, em sua visão, nem o contrapeso do Congresso é capaz de conter todo o avanço autoritário imposto pelo Planalto. “Não acho que estamos em um momento em que você possa acordar e achar que a democracia não sofre perigo nem probabilidade sofrer algo mais drástico”, pontua.

Morando há mais de seis meses fora do país e sem data para voltar, o professor acredita que a visão atual do exterior é que o Brasil hoje é governado por um presidente autoritário com políticas esdrúxulas, o que afugenta os investidores estrangeiros em um momento em que a economia brasileira caminha para sua recuperação em passos lentos. O economista, que se declara como de centro-esquerda, acredita que parte do discurso da equipe econômica vai na direção correta, mas critica a falta de uma discussão sobre desigualdade na pasta comandada pelo Paulo Guedes, que nesta semana chocou mais uma vez o país com suas declarações sobre empregadas domésticas e consumo.

Pergunta. Muito se discute se o Governo de Jair Bolsonaro representa hoje um risco para a democracia brasileira. Qual a sua avaliação?

Resposta. A dificuldade de conversar sobre risco à democracia é conseguir medir o que significa exatamente esse risco. Se levarmos em conta as perguntas que cientistas políticos usam para medir índices de democracia —se há eleições livres, se há liberdade de imprensa, de formar partidos etc.—, o Brasil não está em risco. Mas é uma forma de ver muito ruim e tosca, porque mesmo se você olhar para países onde claramente a democracia já está ameaçada e tem sido deturpada constantemente, como Hungria e Turquia, percebemos que esses índices não capturam esses fenômenos. Muitos analistas e acadêmicos estão chegando à conclusão que, desde que Donald Trump e outros populistas de direita chegaram ao poder ao redor do mundo, a democracia já não se rompe como antes, com um grande golpe de Estado em que chegam militares ao poder ou algum outro grupo. A democracia vai se enfraquecendo devagar, com pequenos desvios, usurpação de poder, com quebras institucionais, que, muitas vezes, você não consegue nem perceber. Em um ano de poder de Bolsonaro há vários quesitos em que isso está acontecendo. Desde ataques contínuos à imprensa, manipulação para quem se dá a informação, negação de prestação de contas, manipulação de quem vai estar à frente da Polícia Federal. Podemos ver ataques a grupos minoritários feitos diretamente pelo presidente e por vários ministros do Governo, sejam ataques diretos ou indiretos que têm efeitos nas políticas públicas. Todos são exemplos de ataques à democracia diários.

P. Mas todos eles representam um perigo real à democracia brasileira ou ela é forte o suficiente para aguentar?

R. As opiniões diferem. Algumas pessoas interpretam, por exemplo, algumas falas do Rodrigo Maia e o papel que o Congresso tem tido em contrabalancear algumas das loucuras do presidente e dos ministros como um sinal de que a democracia está funcionando. Ou seja, que hoje temos uma separação de poderes de forma que o Legislativo consegue conter alguns avanços do Executivo contra a democracia. A minha percepção é que isso funciona em algumas dimensões, principalmente nas políticas grandes, que geram grandes impactos. Mas existem mais políticas e medidas adotadas diariamente que não passam pelo Congresso. Funciona em parte, não controla todo o avanço autoritário. Observar o que está acontecendo agora também não quer dizer que, eventualmente, em algum momento essa corda não vá se romper de uma forma ou outra. Acho que foi o [cientista político] Cláudio Couto que usou essa analogia de você descer a serra de carro e ir freando até que em um dado ponto o freio já não funciona. Acho que o grande perigo é que tudo que aconteceu até agora foi em apenas um ano. São quatro de Governo. Até quando a democracia brasileira sustenta esses constantes puxões? Eu não acho que estamos em um momento que você possa acordar e achar que está tudo ótimo e que a democracia não sofre perigo nem probabilidade sofrer algo mais drástico.

P. Você estuda bastante sobre os impactos de políticas públicas. Uma das que gerou bastante crítica recentemente foi a campanha da ministra Damares Alves que incentiva abstinência sexual para a prevenir a gravidez na adolescência. Quais os efeitos práticos de uma medida como essa?

R. Há algo muito ruim nesse Governo, que é uma visão do mundo onde ciência e evidência empírica não são importantes para a tomada de decisões de políticas públicas. Não estou falando só da Damares. É algo mais amplo, que passa pelo Ministério da Educação, pela forma de combate ao crime, pela posição sobre a Amazônia e a mudança climática, o papel de radares de velocidade de reduzir mortes no trânsito. As políticas públicas deste Governo, com muitas raras exceções, como as do Ministério da Economia, são uma falta completa de diagnóstico de problemas, de estudos do que pode ser feito olhando para outras experiências exitosas, tanto realizadas em municípios e Estados brasileiros como em outros países. No final, há uma falta completa de avaliação para essas políticas públicas. No momento em que você não acredita em ciência e números verdadeiros, não tem porque avaliar uma política pública. O grande perigo é você voar num avião cego, sem nenhum mapa sobre o que fazer. Vira uma política pública de achismos. E o mais grave é que é um Governo conservador, com uma grande influência de ideias religiosas. Em várias dimensões que pode vir desde “a gente não deve ter educação sexual dentro de escola" ou abstinência ou como pensar em Amazônia. A grande gravidade em termos de políticas públicas é essa visão totalmente ideológica em relação ao que fazer.

P. Você elogiou o Ministério da Economia. Acredita que a equipe de Paulo Guedes está na direção correta, apesar da verborragia do ministro?

R. Não sei se correta. Tanta proposta já foi feita e tão pouca coisa implementada no sentido do que se fala e do que se fez. A minha visão de fora é que existem duas coisas, o que acho que o ministro e o Ministério da Economia querem fazer e, por outro lado, o que muita gente já imaginava que ia acontecer, que o presidente não tem muito de liberal. Se você olhar o histórico como deputado e mesmo diversas falas ao longo da história, ele está muito longe de liberal. Acho que esse conflito entre favores para grupos específicos da sociedade vis à vis liberalismo vai estar intrínseco no Governo durante o tempo que existir um ministro como o Guedes e um presidente como o Bolsonaro. No final, vai ser um equilíbrio político, um toma lá, dá cá. Alguma concessão de um lado em troca de outras políticas de outro lado. Eu acho que em termos de algumas ideias e políticas do Ministério da Economia a visão é acertada.

P. Quais?

R. Por exemplo, o aumento de concorrência, no sentido da necessidade de liberalização comercial no Brasil. Hoje o país é um dos mais fechados do mundo. A necessidade de aumento da produtividade na economia, de reduzir má alocação de recurso, de simplificação tributária. Todas essas propostas vão eventualmente na direção correta.

P. A recuperação econômica em curso é a mais lenta da história e oferece um paradoxo. Fatores muito positivos são insuficientes para estimular o crescimento. A inflação e os juros estão baixos, a nova Previdência foi aprovada no ano passado. O desemprego ainda segue alto. Quais políticas faltam para reativar a economia?

R. É complicado. As políticas de criação de emprego muitas vezes no curto prazo podem ser inimigas das políticas de geração de crescimento e desenvolvimento no longo prazo. A desoneração é um exemplo disso. A gente sabe que no Governo de Dilma Rousseff foi tentado, mas não deu certo e continua no menu. Porque existe uma percepção de que se você reduzir a carga tributária de empresas específicas e incentivar a contratar mão de obra, vão contratar gente. No longo prazo, o que a gente precisa são de políticas que aumentem a produtividade da economia brasileira. Nenhum país cresce no longo prazo de forma sustentável sem aumento da produtividade. Uma política que aumente emprego no curto é a melhor para o país crescer no médio. E é onde essa pressão populista de entregar resultado no curto pode ser complicada. Você pode pensar a mesma coisa sobre a discussão de liberalização comercial, ela é complexa. Apesar dos economistas gostarem dessa ideia como um choque na economia pelo aumento da concorrência, por outro lado há evidências bastante concretas que aberturas de mercado criam desempregos em algumas áreas e quebram empresas. Ela pode, inclusive, no curto prazo, aumentar a desigualdade. Então políticas boas no longo prazo têm um custo de transição no curto. Em um momento em que você possui uma alta taxa de desemprego e está saindo lentamente da crise, os incentivos e as pressões políticas para não adotarem algumas dessas políticas é ainda mais forte. Acho que o que falta na verdade na equipe econômica é uma discussão de que a desigualdade importa. Falta comunicação entre Ministério da Economia e da Educação, de proteção social. A princípio você gostaria de ter um Governo em que essas coisas caminhassem juntas.

P. Acredita que desigualdade no país também emperra o crescimento?

R. Essas coisas estão ligadas, porque parte da desigualdade brasileira —e existe um mea culpa a ser feito pelo Governo do PT— é que a política industrial implementada no Brasil desde a crise de 2008 favoreceu grandes empresas. Grandes grupos, campeões nacionais se beneficiaram de forma desproporcional comparado a pequenas e micro empresas que poderiam ter ativado a dinâmica econômica e gerar redistribuições. Apesar das pessoas falaram que a JBS, por exemplo, cria milhares de empregos, proporcionalmente o custo para o Governo da política industrial e de crédito do BNDES para criar esses empregos é altíssimo e ineficiente. Não faz o menor sentido. E outro lado que é uma das grandes causas de desigualdade no Brasil e que, eventualmente, também gera grandes ineficiências é o setor público com alguns salários exorbitantes, como no caso do Judiciário. Mas não é só o Judiciário.

P. O próprio Banco Mundial mostrou em estudo que hoje muitos dos salários públicos não são compatíveis com o da iniciativa privada...

R. Com certeza. Mas o grande perigo é que também não podemos ir para o outro lado. Existe uma grande correlação entre a qualidade da burocracia, a qualidade de implementação de políticas e o desenvolvimento e crescimento econômico. Esse Governo, depois de um ano, é um estudo de caso de diversos ministérios. Não estou só falando da catástrofe do Enem, mas existem vários exemplos que ter gente ruim no Governo tem impacto direto e custosíssimo para a implementação de políticas públicas. Então não adianta dizer que vai cortar salário de todo mundo do Governo. Não é só cortar salário. É gerar responsabilização, criar incentivo dentro do Governo para as pessoas trabalharem, melhorar salário baseado em produtividade e mérito. Mas mais uma vez se entra em choque. Há o que o ministério quer, com proposta de reforma administrativa, mas que politicamente é muito custosa.

Não é só cortar salário. É gerar responsabilização, criar incentivo dentro do Governo para as pessoas trabalharem, melhorar salário baseado em produtividade e mérito

P. O investimento público baixo é inevitável dado o momento crítico das contas públicas?

R. Eu acho que não tem como fugir. Investimento baixo é uma consequência do momento, mas mesmo dentro do investimento público existem escolhas que sempre são feitas. Há como escolher na margem onde colocar o dinheiro. Você ter na cabeça que há restrição orçamentária é importante também, não dá para fingir que ela não existe. Existe uma discussão eterna sobre quanto o investimento público faz a economia girar ou não. Se está investindo pouco ou se você deveria estar investindo mais para gerar emprego, que é uma discussão controversa. Dentro dos gastos públicos existem escolhas e ela deveria ser feita com base em onde na margem seu dinheiro dá mais retorno em termos de política pública. Em vários ministérios, essa escolha não está sendo feita dessa forma.

A polarização dá uma carta branca pra quem está no poder e ela acaba fazendo coisas que em outras circunstâncias não seriam admitidas.

P. Estamos mergulhados em uma polarização gigante no Brasil. O quanto isso afeta o momento político econômico?

R. Acho que afeta muito, é péssimo. A polarização faz com que você se permita fechar os olhos e passar o pano sobre absurdos que acontecem porque caso contrário o outro time chegaria ao poder. Os republicanos passam pano sobre os absurdos do Trump porque senão corre o perigo de chegar um comunista como Bernie Sanders ao poder. A mesma coisa no Brasil. Muitas pessoas que não se consideram bolsonaristas de carteirinha, mas ignoram os absurdos do presidente em relação gênero, LGBTs, indígenas e o que for, porque, caso contrário, Lula, o grande corrupto, irá voltar ao poder e o que será de nós? A polarização dá uma carta branca pra quem está no poder e ela acaba fazendo coisas que em outras circunstâncias não seriam admitidas. E, de certa forma, ela tem um efeito forte na economia, porque gera muito incerteza. O mundo polarizado é um mundo em que quem está no poder importa muito. As políticas variam muito. Se o Trump ganhar ou perder tem um efeito enorme nas políticas públicas e na economia dos EUA.

P. No caso do Brasil é um ingrediente a mais para esse momento de lenta recuperação?

R. Acho que sim. Não sei se a polarização em si, mas certamente essas atitudes autoritárias do Governo elas afugentam investidores estrangeiros. Em geral, as pessoas sentem medo das loucuras do Bolsonaro. Isso afeta a percepção de estrangeiros. Se ele é louco em diversas coisas, como vou saber que amanhã ele não fará algo que irá me afetar. A visão internacional hoje é que o Brasil tem um presidente autoritário com políticas esdrúxulas em relação a várias áreas: educação, passando por meio ambiente e Amazônia, até cultura, minorias.

P. Você defende mais as análises dos dados micro para responder às grande questões da macroeconomia brasileira. O que o país ou os economistas deveriam estar discutindo?

R. Infelizmente, essa revolução da macroeconomia aqui fora de usar dados micros para responder questões macros ainda não chegou no Brasil. São poucos os acadêmicos que usam microdados de empresas de empregos etc. para responder perguntas. Acho que há muitos questionamentos em aberto, desde impacto de políticas implementadas até perguntas como por que o país está demorando tanto para sair da crise. Para isso seria preciso aprofundar em microdados do IBGE de empresas. Quais são as companhias que sobreviveram tanto tempo em épocas de bonança de crédito de bancos públicos? Será que são as mais ineficientes? Será que em parte porque as mais ineficientes sobreviveram elas não conseguem contratar porque não conseguem vender seus produtos? Quem está contratando agora? Maiores ou menores? Há várias coisas da dinâmica de produtividade e dinâmica de emprego no Brasil que não são discutidas. Não é porque o pesquisador brasileiro é pior em nenhuma dimensão, mas sim porque no país temos menos dados e são mais difíceis de acessar. Para ver os microdados do IBGE é complexo, você precisa estar lá, há uma sala de sigilo, você precisa apresentar um projeto, demora. O acesso é mais difícil.

P. Entre economistas heterodoxos e ortodoxos, onde o senhor se posiciona? E no espectro político, esquerda ou direita?

R. Honestamente, essa discussão dos economistas é inexistente aqui fora. No Brasil, ela também é deturpada. O que muita gente chama de economista ortodoxo no Brasil é o que usa modelos neoclássicos e matemáticos e que utiliza técnicas estatísticas e econométricas. Essa coisa do heterodoxo no Brasil surgiu um pouco contra o uso de modelos matemáticos. E as críticas são deturpadas. “Os economistas heterodoxos acreditam que os agentes são racionais e é só isso que você olha” ou “O economista ortodoxo não olha para a desigualdade”. Eu me posiciono como centro esquerda. Acho que existe uma confusão no Brasil que se você é um economista ortodoxo e usa modelos matemáticos, você é de direita, e se você é heterodoxo, você é de esquerda e não usa estatística. Existe uma série de economistas que se consideram ortodoxos no sentido da metodologia que usam, mas podem ser considerados de centro esquerda, no sentido de preocupações sociais e desigualdade. E esse tipo de economista no Brasil é mal visto. As pessoas pedem essa polarização entre esquerda e direita, ortodoxo e heterodoxo. Eu acho que isso é uma deturpação ruim para economistas, onde as pessoas não vêem que você pode usar métodos neoclássicos, estatísticos, econometria e mesmo assim fazer trabalhos importantes para pensar em grandes questões que tem a ver com igualdade de oportunidades, desenvolvimentos e coisas afins.


O Estado de S. Paulo: ‘País gira em círculos, sem lideranças e sem projeto’, diz Aldo Fornazieri

 Para sociólogo, o Brasil sofre com a falta de lideranças, esquerda está desorientada e a direita ‘capturou os deserdados da globalização’ e veio para ficar

Gabriel Manzano, O Estado de S. Paulo / Caderno 2, 27/1/2020

O cientista político Aldo Fornazieri, diretor da Escola de Sociologia e Política, não economiza palavras para definir o quadro político-social do Brasil: “A falta de lideranças é uma coisa trágica”. E não só na política: “Faltam líderes de fato – daqueles que inspiram confiança e apontam uma direção à sociedade, como os definia Maquiavel no século 16 – nos meios empresariais, sindicais, industriais, educacionais, religiosos…”

E não é de hoje, acrescenta. “Episódios decisivos da história – independência, proclamação da República, Revolução de 30, o golpe de 1964, mesmo os 13 anos do PT, a rigor mantiveram o jogo e as elites conservadoras no poder. Em nenhum deles houve inovação e mudança”. Esse olhar deu origem a um livro, Liderança e Poder, que Fornazieri deve publicar ainda este ano, no qual fala do “declínio acentuado das lideranças” à luz dos ensinamentos de Maquiavel.

O País, ressalta o professor, “gira em círculos”. A esquerda “está desorientada, não tem projeto, ignora temas como meio ambiente e revolução tecnológica”. E a direita “capturou os deserdados da globalização e veio para ficar”, afirma nesta entrevista a Gabriel Manzano.

A seguir, os principais trechos da conversa.

Como vê hoje o Brasil, com um ano de governo Bolsonaro, Lula solto e uma campanha eleitoral pela frente?
Vejo o País numa continuidade trágica, que faz parte da sua história. Ele gira em círculos, marcado por injustiças, incapaz de construir sua grandeza. E as responsabilidades cabem aos três grandes atores em campo – direita, centro e a esquerda.

A começar pela direita, que balanço faz do atual governo?
Acho que ele frustrou expectativas. Do ponto de vista do crescimento, não conseguiu reduzir o desemprego. Não há até aqui sinais claros de retomada da economia ou políticas públicas que estimulem a pequena e a média empresa, grandes geradoras de emprego. A desigualdade aumenta: o IBGE nos diz que metade da população vive com algo em torno de 400 reais. No meio político, tivemos ataques sistemáticos à democracia – o mais recente levou à queda do secretário da Cultura, há dez dias. E convivemos com atos hostis à cultura, contestação de dados do INPE sobre desmatamento, descaso com o aquecimento global…

E como vê os outros dois lados, centro e esquerda?
Vejo a centro-direita política dando as cartas no País, centrada na figura de Rodrigo Maia. Ele se projetou como grande articulador em nível nacional, fechando com a centro-esquerda na questão democrática e com o ministro Paulo Guedes na economia. É um centro que tem maioria e consegue barrar as bobagens do presidente nas medidas provisórias.

E quanto à esquerda?
Vejo-a numa situação crítica. Ela entrou num defensionismo político lá por 2015, com as primeiras manifestações contra o impeachment de Dilma, e ali continua até hoje. O que me parece é que ela não achou o seu lugar no atual quadro político. Nas suas pautas, tentou mobilizar alguma coisa e fracassou. Um exemplo, a pauta da reforma da Previdência. Olhe as grandes manifestações em toda a França, pelo mesmo tema. E sabe quanta gente havia no protesto na Câmara, em Brasília, contra essa reforma? Vinte pessoas.

Isso se deve a uma dispersão da esquerda, com Lula preso?
Em parte. Mas durante o impeachment de Dilma o Lula estava livre e não conseguiu fazer grande coisa em defesa dela. A esquerda perdeu a capacidade comunicatória. O PT foi se afastando das massas, quando no governo, e não criou raízes nas bases sociais. Essas bases estão nas periferias das grandes cidades, onde quem tem poder de persuasão, hoje, são as igrejas evangélicas.

• Igrejas que estão contra o PT.
Sim. E o PT tem um problema estrutural de mobilização agravado pelo antipetismo que cresceu com o mensalão e o impeachment. A campanha Lula Livre, por exemplo, só mobilizou a militância.

• Qual o peso real da liderança de Lula hoje?
Ele tem capacidade retórica e de aglutinação, mas não suficiente para promover uma virada de jogo. Não fará o governo recuar dos ataques às liberdades, à imprensa, à ciência, ao meio ambiente.

Podem faltar lideranças no País mas a direita e boa parte do centro estão satisfeitas com Bolsonaro. Entendem que seu governo tem, sim, um projeto de País. Como vê isso?
Embora na política não haja quase nada definitivo, é importante considerar que a extrema-direita veio para ficar. Com o fim da Guerra Fria e o advento da globalização, ela se sentiu desbloqueada de constrangimentos – como a herança negativa do nazifascismo e das ditaduras militares em países periféricos. Então, lançou-se na disputa política e eleitoral com fisionomia própria. Mas não dá pra dizer que o governo Bolsonaro, no caso, tenha um projeto para o País. Pode ter elementos. Dou exemplos. Não se vê projeto de política externa. Há uma desconstrução da educação e da ciência. Não se veem políticas públicas para atacar a pobreza e a desigualdade. Mas com o eleitorado dividido em três fatias – centro, esquerda, direita –, é provável que Bolsonaro chegue competitivo em 2022 se a economia crescer.

Você mencionou a desorientação da esquerda, mas isso não se limita ao Brasil. A da Europa está bem enfraquecida, aparentemente pela mesma razão – não dar respostas aos desafios da globalização e da alta tecnologia.
Sim, de modo geral as esquerdas se mostram desorientadas e sem projeto. Em primeiro lugar, acho que há um consenso entre estudiosos de que a democracia foi capturada pelo grande capital. Este não precisa mais do Estado para impor suas pautas. Num certo sentido, a esquerda virou uma “ala esquerda do centro liberal”.

O que isso significa?
É o que vemos no Partido Trabalhista da Inglaterra, no Socialista da França, no PSOE da Espanha. O PT viveu processo parecido, assumindo o lado de lá do balcão e a visão dos palácios e gabinetes. Eu perguntaria: o PT mudou o Brasil, ou não, em seus 13 anos no poder? Eu diria que não. Houve melhorias nos programas sociais mas a estrutura social e econômica anterior permaneceu. Não vimos reformas profundas que eliminassem as desigualdades, grande desafio global dos nossos dias.

Seria possível criar uma outra agenda nas condições de hoje?
Esse é o desafio. A direita tem a agenda dela. Onde é que a direita navega? Exatamente entre os deserdados da globalização, que são em número crescente. Em cada país ela assume um discurso nacionalista radical e lida com o medo.

E esse fenômeno produziu líderes como Donald Trump nos EUA, Viktor Orbán na Hungria e agora Boris Johnson na Inglaterra. Como analisa esse novo quadro?
Nos países centrais, na Europa e nos EUA, essas lideranças aproveitam o temor das classes médias e pobres quanto a emprego, renda e chegada de imigrantes. Quem votou na candidata Marine Le Pen, de direita, na última eleição francesa foram os trabalhadores. O Trump também teve o apoio dos deserdados da globalização. Ou seja, a direita capturou o público que em tese seria da esquerda. Fez mais. Posicionou-se melhor no uso das redes sociais e recolocou o debate sobre valores – coisa que a esquerda deixou de lado, como fez também com o tema ambiental.

Também não ofereceu respostas aos desafios sociais da da revolução tecnológica.
Não assumiu essa pauta no Brasil nem em lugar nenhum. Tematicamente, vejo na esquerda três sérias deficiências. Uma, essa alergia à questão ambiental. Outra, não abordar a revolução tecnológica – ela não tem receitas contra a escassez de empregos que virá com a revolução robótica. E a terceira, já mencionada, a desigualdade, hoje em nível planetário.

Você deve publicar em breve um novo livro, Liderança e Poder. Pode falar a respeito?
É uma abordagem das teorias de Maquiavel sobre liderança, com um olhar a partir da política brasileira. Entendo que temos no Brasil um declínio bastante acentuado de líderes. O que é um líder? Alguém que inspire confiança e tenha capacidade de dar uma direção à sociedade – é algo diferente de fama ou celebridade. Aqui, até poderíamos mencionar o Lula, mas ele está na fase final de sua vida política, sem condições de disputar uma eleição, pela idade e até por razões judiciais. Acho essa falta de lideranças algo trágico para a sociedade – porque esta, sozinha, não é capaz de dar a si mesma uma direção.

De que modo se enquadram, no modelo de seu livro, as novas lideranças da direita?
Primeiro, entendo que elas se enquadram, todas, no mesmo figurino: surgem com o fim da Guerra Fria, como citei anteriormente. O que Maquiavel nos ensina é o seguinte: em momentos de crise, abre-se campo para a ascensão de líderes que pregam a mudança. E a mudança, no atual cenário, é a democracia liberal sendo sequestrada pelos interesses do capital global.

O que isso acarreta?
Nesse processo, os partidos mais afetados são os do centro liberal e da centro-esquerda. Líderes da direita perceberam essa situação crítica e se lançaram a campo propondo mudanças – conservadoras – e arrastaram trabalhadores e setores médios. Mas como a extrema-direita não é capaz de oferecer soluções para esses grupos que votam nela, no futuro próximo tende a haver um rearranjo político, que pode ser mais para o centro ou a centro-esquerda, dependendo das situações e das lideranças que se apresentarem.


Revista Política Democrática Online || Entrevista: “Apoiar a pesquisa e a inovação é fundamental para o país”, diz Carlos Henrique Brito Cruz

Para o físico e diretor científico da Fapesp, o país precisa mudar a forma como trata a pesquisa científica, acabando com um sistema distorcido de incentivos e recompensas que mata a inovação

Por Caetano Araujo e Aldo Pinheiro da Fonseca 

O mundo inteiro, atualmente, se beneficia de ciência e tecnologia feitas em muitos lugares. O Brasil não foge a essa regra. "Somos um país praticamente autossuficiente em energia para o transporte, gasolina e etanol, porque investiu-se muito em ciência, tecnologia e engenharia para achar petróleo no alto-mar e criar um substituto para o petróleo, o etanol, que vai nos automóveis. Essa história do etanol é uma das maiores realizações que o Brasil logrou no campo da ciência, tecnologia e engenharia. E os brasileiros não valorizam isso", diz Carlos Henrique Brito Cruz, engenheiro eletrônico e físico, diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), entrevistado especial desta 11ª edição da Revista Política Democrática Online.

Ex-reitor da Unicamp, Carlos Henrique Brito Cruz está há 13 anos à frente da Diretoria Científica da Fapesp, instituição de fomento que, em geral, sofre menos com as intempéries de Brasília. Seu orçamento anual corresponde a 1% da receita tributária de São Paulo.

Brito Cruz destaca que, em todos os países onde se consegue criar desenvolvimento econômico e social usando ciência e tecnologia, há parte expressiva de recursos investidos na pesquisa, tanto pela universidade quanto por institutos de pesquisa governamentais e por empresas. "No Brasil, há quem ache que o único lugar onde tem pesquisa é nas universidades; nem é assim nem é para ser assim. Nos Estados Unidos, o laboratório de pesquisa da Google tem mais cientistas de computação do que qualquer departamento de universidade americana. O mesmo ocorre com o laboratório da Microsoft. Na Boeing, Airbus, Embraer, a quantidade de engenheiros é impressionante. É desse jeito que funciona. A empresa está conectada com um mercado e com as demandas do consumidor", diz.

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista de Carlos Henrique Brito Cruz à Revista Política Democrática Online.

Revista Política Democrática Online (RPD): Por que a ciência, a tecnologia são fundamentais para o desenvolvimento de um país?
Carlos Henrique Brito Cruz (BC): Por um lado, porque um número enorme dos facilitadores da nossa vida atual é facilmente conectado com ciência e tecnologia criadas no passado. Telefone celular, vacina, automóvel, drogas e remédios, técnicas usadas nos hospitais, a própria ideia de agricultura eficiente, como se tem no Brasil, a preservação do meio ambiente... Inúmeros exemplos mostram como a ciência e a tecnologia têm ajudado a viver melhor. A gente se beneficia de ciência e tecnologia feitas em muitos lugares do mundo e, também, da ciência e tecnologia feita no Brasil. Por exemplo, hoje o Brasil é um país praticamente autossuficiente em energia para o transporte, gasolina e etanol, porque investiu muito em ciência, tecnologia e engenharia para achar petróleo no alto mar e criar um substituto para o petróleo, o etanol, que vai nos automóveis. Essa história do etanol é uma das maiores realizações que o Brasil logrou no campo da ciência, tecnologia e engenharia. E os brasileiros não valorizam isso.
Todos os países industrializados têm procurado maneiras de substituir a gasolina por algum combustível que produza menos emissão de gás carbônico. O único que conseguiu fazer isso, em escala nacional, grande, é o Brasil, com o programa do álcool. Este é um exemplo de como a ciência e a tecnologia, desenvolvidas pela universidade, pela empresa, pela usina de etanol, pelo agricultor, possibilitaram nossa conquista.
As várias vacinas que são usadas no Brasil: o Butantã e a Fiocruz são entidades que investem pesado em atividade de pesquisa. O Butantã agora vai produzir 90 milhões de doses de vacina contra gripe. Não existe no mundo quem produza 90 milhões de doses de vacina contra gripe, levando-se ainda em conta que, dada a variação constante do vírus da gripe, a pesquisa não pode ser interrompida: uma vacina é boa para um tipo de vírus; se mudar, tem-se de descobrir outra vacina.
A eficiência e a produtividade da agricultura no Brasil também são resultado de ciência e tecnologia, tanto quanto a organização de sistema de saúde, o SUS. Numerosos pesquisadores, liderados pelo saudoso Sergio Arouca, montaram essa ideia: “olha, vamos fazer no Brasil um sistema único de saúde que vai atender a todos os brasileiros”. Os americanos até hoje não conseguem ter um sistema de saúde pública nacional.
Quer dizer, ciência e tecnologia têm sido superimportantes para o Brasil. Não consigo explicar por que certas pessoas no Brasil não entendem isso.

RPD: Há interação entre o setor privado e o governo para se incentivar a pesquisa nos setores de ciência e tecnologia?
BC: Em todos os países onde se consegue criar desenvolvimento econômico e social usando ciência e tecnologia, há parte expressiva de recursos investidos na pesquisa, tanto pela universidade quanto por institutos de pesquisa governamentais e por empresas. No Brasil, há quem ache que o único lugar onde tem pesquisa é nas universidades; nem é assim nem é para ser assim. Nos Estados Unidos, o laboratório de pesquisa da Google tem mais cientistas de computação do que qualquer departamento de universidade americana. O mesmo ocorre com o laboratório da Microsoft. Na Boeing, Airbus, Embraer, a quantidade de engenheiros é impressionante. É desse jeito que funciona. A empresa está conectada com um mercado e com as demandas do consumidor. Sabe, portanto, identificar problemas que precisa resolver para fazer sua economia funcionar melhor, coisa que uma universidade provavelmente não saberia.

A pesquisa na universidade também é importante, fundamental. Primeiro, para manter uma base de conhecimento suficientemente ampla, conseguir tratar dos problemas novos que vão aparecer e que a gente ainda não sabe que vão aparecer. Por exemplo, há 15 anos, as pessoas não sabiam aqui no Brasil que haveria uma epidemia de Zika. Onde estava o estoque de pessoas capazes de tratar disso? Nas universidades. Quando houve a epidemia, existia gente capaz de orientar as ações e contribuir para minorar o problema.

A universidade precisa também treinar as novas gerações de pesquisadores que vão trabalhar na empresa, no governo, na própria universidade e em institutos de pesquisa orientados a problemas ou temas específicos. Estes últimos, no Brasil, seriam os casos da Embrapa, para elevar os índices de produtividade da agricultura; do Instituto Butantã, para melhorar a saúde dos brasileiros, ou do INPE, de observação da terra, da floresta, das atividades espaciais.

Quem financia essas atividades? Empresas, governos e universidades. Em geral, no mundo desenvolvido, o maior financiador são as empresas. Mas elas investem quase tudo em pesquisa delas mesmas. Pouco vai para financiar a pesquisa em universidades ou institutos. Nos Estados Unidos, por ano, as empresas gastam US$ 370 bilhões em pesquisa. Desse total, menos de 1% destina-se a contratar pesquisa em universidades. Olhando de dentro da universidade, esse repasse nunca superou 7% do custo da pesquisa acadêmica. Então, quem financia a pesquisa nas universidades americanas? É o governo federal, o governo estadual e a própria universidade. Não conheço exemplo em lugar nenhum do mundo em que o dinheiro privado financie a totalidade ou a maior parte da pesquisa na universidade. Há dinheiro privado que financia a pesquisa, é bom que haja, só que esse dinheiro sempre é a menor parte do financiamento.

RPD: O que aconteceu com os fundos setoriais concebidos para financiar pesquisas?
BC: Tiveram papel relevante, em termos de volume de dinheiro, mas perderam recursos demais em contingenciamentos. A eficiência do dinheiro federal aplicado em pesquisa acaba sendo diminuída. De um lado, a instabilidade; de outro lado, a falta de autonomia das agências e universidades. Muitas oportunidades, mesmo com quantidades menores de recursos, mas usadas de maneira eficiente, acabam inviabilizadas por causa da maneira como funciona o sistema. Em dezembro aparece dinheiro, e a instrução é: “gastem até o dia 12 ou vão perder tudo”. Aí é uma festa de contratar. Dali a uns meses volta o desespero de como financiar o programa de trabalho.

É o que está acontecendo com as universidades federais, agora, em função do teto de gastos. Se uma universidade federal consegue captar dinheiro de uma empresa, para financiar um pedaço da pesquisa, o Governo Federal tira do orçamento dela a quantidade equivalente do dinheiro extra recebido. É inexplicável e punitivo.

Outra deficiência do sistema de financiamento e definir, de antemão, no orçamento, quanto se poderá gastar com bolsa, fomento, compra de equipamento etc. Se chegar em abril e precisar mudar isso é uma mega complicação para o CNPQ e para a CAPES. Por que não dar autonomia a essas agências? Elas saberão usar os recursos do melhor jeito para fazer o desenvolvimento da ciência e da tecnologia no Brasil.

RPD: Qual é sua avaliação do governo Bolsonaro na área de ciência e tecnologia?
BC: O que se ouve de altos dirigentes, em geral, é horrível. Mesmo que haja um ou outro que fale uma coisa certa – o ministro da Ciência fala que a Terra é esférica. Foi positivo, porque até isso já se punha em dúvida no Brasil. Mas a mensagem geral que passam é que não gostam de educação, ciência e tecnologia. Os atos parecem reforçar essa ideia. Os cortes que anunciaram no orçamento do ano que vem são terríveis. Podem argumentar que o Brasil está falido. Pode ser. Se as coisas que eles dizem fossem mais positivas, se poderia, talvez, ser levado a acreditar que estão tentando fazer o melhor em uma situação difícil. Mas quando se soma o que falam e o que fazem, o quadro é desanimador. Exceções têm sido os presidentes da CAPES e do CNPq, que têm sido prudentes e demonstrado empenho em funcionar de forma republicana.

RPD: O governo deveria ser mais proativo no setor?
BC: O governo tem um papel fundamental. Seja subsidiando P&D em empresas, seja apoiando a pesquisa básica em universidades. Em geral, cabe ao governo investir em pesquisas relevantes e que não serão financiadas pelo setor privado. Projetos de interesse da sociedade, como uma inter-relação entre reforma tributária e desigualdade. É importante, por exemplo, para os brasileiros, entenderem se a reforma do sistema fiscal terá repercussão positiva no combate à desigualdade no país. Tem de haver um equilíbrio no financiamento de pesquisas pelo governo entre aquelas que ajudam a empresa e aquelas que contribuirão para uma sociedade melhor. As duas coisas são importantes.

RPD: Por que a história de êxito da FAPESP não se repete em outros Estados?
BC: O governo paulista segue a Constituição estadual. Disposições semelhantes existem em outras constituições estaduais, mas não se cumprem. No Ceará, o governo local fez um plano de dez anos, para chegar a 100% de cumprimento da Constituição. Resultado: a FUNCAP, a fundação de amparo à pesquisa de lá, está operando favoravelmente e com ideias imaginativas, como a do cientista-chefe nos órgãos do governo. Em Minas Gerais e Rio de Janeiro, as fundações chegaram a operar bem, até que os estados quebraram. A essência do problema é não haver um grau de convicção de que esse recurso é importante para o desenvolvimento. Em São Paulo, de alguma forma, isso se estabeleceu quando o governador Carvalho Pinto criou a FAPESP, em 1962. De resultados em resultados, os paulistas foram entendendo que valia a pena. Tanto que, em 1989, dobraram o percentual.

RPD: Que recomendações o sr. faria para melhorar o gerenciamento do setor de C&T&I?
BC: Em primeiro lugar, cabe reconhecer que o governo atual enfrenta situação econômica extremamente difícil. A economia brasileira está paralisada e o governo enfrenta limites muito claros na capacidade de gasto público. Inclusive por terem gastado ineficientemente em ciência e tecnologia. Para minorar os efeitos da crise econômica, impõe-se uma ação complementar com os estados, buscando-se maneiras de interagir e colaborar, no entendimento de que o sistema de ciência e tecnologia é um sistema nacional, mais do que federal.

Segundo, facilitar a obtenção de financiamento do setor privado, evitando, por exemplo, que o dinheiro repassado pelas empresas implique em corte no orçamento da universidade ou instituto.

Em terceiro lugar, definir e respeitar os recursos de organizações como a CAPES e CNPQ. Isso não significa desconhecer os limites reais, mas garantir que o aprovado em janeiro não se reduza à metade em março.

E quarto, o mais importante: o Governo Federal precisa se dedicar a fazer a economia brasileira voltar a funcionar. Não adianta ficar apenas cortando a despesa – é fundamental aumentar a receita. É preciso reiterar ao mundo que o Brasil é um lugar que pode funcionar, que tem gente bem-educada, para fazer o país progredir. Este seria um caminho para a recuperação econômica, em um prazo médio, tanto quanto do respeito da comunidade internacional. Mas requer que as lideranças do Brasil queiram nos levar a fazer parte do concerto internacional.

Enfim, sejamos otimistas. “Não há mal que dure para sempre”. A conjuntura econômica é difícil, terrível mesmo e não faz sentido estancar as doações ao Fundo da Amazônia que tantas pesquisas poderia financiar sobre a mudança climática global, sobre a Amazônia, buscar formas racionais e efetivas de se evitar desmatamento...

O Brasil abriga uma comunidade científica muito bem qualificada, bem treinada e respeitada mundialmente. Essa comunidade, mesmo nas atuais circunstâncias, consegue extrair e obter resultado das pedras. É desse jeito que a ciência está funcionando no Brasil, mas temo que não consiga funcionar assim por muito tempo.

 


Política Democrática online faz raio-x da pobreza na maior favela do Brasil 

Sol Nascente tem área equivalente a 1.320 campos de futebol do tamanho do que existe no estádio Mané Garrincha 

Cleomar Almeida 

A reportagem especial da sétima edição da revista Política Democrática online faz um raio-x da maior favela do Brasil. Sol Nascente está localizada na cidade-satélite de Ceilândia, a 35 quilômetros do Congresso Nacional e do Palácio do Planalto. Vive uma explosão populacional sem precedentes na história, de acordo com estimativas da administração local.

» Acesse aqui a sétima edição da revista Politica Democrática online 

A revista é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), vinculada ao Cidadania. Sem infraestrutura básica para a população, Sol Nascente abriga 250.000 pessoas, segundo dados da administração de Ceilândia, a maior cidade-satélite de Brasília. Os moradores são castigados pela falta de serviços de segurança, educação e saúde públicas, por exemplo, conforme relata a reportagem.

Apesar de já ser a mais populosa do DF, a comunidade é a que mais recebe novos moradores de outras regiões do país. Em 2010, abrigava 56.483 pessoas e, naquele ano, só tinha menos habitantes que a Rocinha, no Rio de Janeiro, onde moravam 69.161 pessoas, de acordo com o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que deve realizar novo levantamento no próximo ano.

Devido à sua localização em um morro, segundo a reportagem, a favela carioca passou a ter dificuldade para novas explosões populacionais, após registrar surtos de crescimento nas décadas de 1970 e 1980 e no início dos anos 2000. Sol Nascente, que completou 19 anos no dia 11 de maio, tem uma área plana de 943 mil hectares, o equivalente a 1.320 campos de futebol do tamanho do que existe no Estádio Mané Garrincha. Ceilândia, onde fica a favela, terá 448.000 habitantes em 2020, aponta projeção da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) com base em dados do IBGE.

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Raul Jungmann é o entrevistado especial da sexta edição da Revista Política Democrática Online

Elucidar o caso Marielle, diante da captura de partes das instituições do Estado por uma aliança satânica entre o crime organizado, a política e a corrupção no Rio de Janeiro, é fundamental, avalia Raul Jungmann, em entrevista à Revista Política Democrática Online

“É fundamental desvendar o caso Marielle, mas ele pode ser apenas o fio da meada para algo mais amplo. Como imaginar que os dois suspeitos presos, profissionais com possível ligação com o “escritório do crime”, tenham passado três meses planejando o assassinato motivados apenas por “motivo torpe”, uma motivação de ódio?”, questiona Raul Jungmann, o entrevistado especial desta sexta edição da Revista Política Democrática Online.

» Confira a aqui a Revista Política Democrática – Edição 06

Jungmann, um dos fundadores do Partido Popular Socialista (PPS), atual Cidadania (23), já foi vereador, deputado estadual, deputado federal e ocupou diversos cargos importantes nos governos FHC e Temer, tendo sido Ministro da Defesa e Ministro da Segurança Institucional neste último.

Na entrevista à Revista Política Democrática Online, Raul Jungmann também comenta a situação atual do Rio de Janeiro por conta do crime organizado, particularmente as milícias, que dominam de 800 a 830 comunidades da capital fluminense e a sobre a intervenção federal, que durou 10 meses e foi tomada pelo então presidente Michel temer com base em um instrumento da Constituição de 88, que nunca fora testado antes.

A crítica situação da Venezuela também é um dos temas tratados por Raul Jungmann na entrevista. Para ele, “processos de transição de regimes autoritários para regimes democráticos têm de contar com as garantias de quem é oposição que, quando chegar ao governo, não vai punir quem agora é governo e,
efetivamente, vai deixar de ser”, avalia.

“Isso é uma coisa absolutamente central e, no caso da Venezuela, uma debilidade”, completa. De acordo com Jungmann, “nem a oposição tem condições de assegurar a incolumidade, a não perseguição, a integridade, seja o lá o que for, desses que estão no poder, sobretudo o estamento militar, e tampouco, do lado de lá, há a percepção de que quem está hoje fazendo oposição terá condições de assegurar isso”.

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O Estado de S. Paulo: ‘O governo é um deserto de ideias’, afirma Maia

Presidente da Câmara dos Deputados cobra ‘liderança’ e diz que Jair Bolsonaro precisa ser mais ‘proativo’ 

Vera Rosa, Naira Trindade e Renata Agostini, de O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse ao Estado que o governo não tem projeto para o País além da reforma da Previdência. Um dia após ameaçar deixar a articulação política para a aprovação das mudanças na aposentadoria, por causa dos ataques recebidos nas redes sociais pelo vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), Maia calibrou o discurso e assegurou a continuidade do trabalho. Fez, porém, várias críticas e advertiu que o presidente Jair Bolsonaro precisa deixar o Twitter de lado, além da “disputa do mal contra o bem”, e se empenhar para melhorar a vida da população.

“O governo é um deserto de ideias”, declarou Maia. “Se tem propostas, eu não as conheço. Qual é o projeto do governo Bolsonaro fora a Previdência? Não se sabe”. Na avaliação do presidente da Câmara, o ministro da Economia, Paulo Guedes, é “uma ilha” dentro do Executivo.

Ao ser lembrado de que Bolsonaro comparou possíveis dificuldades no relacionamento às brigas de um namoro, Maia disse que, se o presidente ficar sem conversar com ele até o fim do mandato, não haverá problema. "Não preciso falar com ele. O problema é que ele tem de conseguir várias namoradas no Congresso. São os outros 307 votos que ele precisa conseguir. Eu já sou a favor. Ele pode me deixar para o fim da fila", argumentou.

Neste sábado, em Brasília, Maia afirmou que os atritos com o governo são "página virada". "O que a gente precisa é mostrar para a sociedade que a gente tem responsabilidade, que o governo tem responsabilidade, que o governo vai sair de conflitos nas redes sociais e vai para o mundo real."

Por que o sr. decidiu abandonar a articulação da reforma da Previdência?
Apenas entendo que o governo eleito não pode terceirizar sua responsabilidade. O presidente precisa assumir a liderança, ser mais proativo. O discurso dele é: sou contra a reforma, mas fui obrigado a mandá-la ou o Brasil quebra. Ele dá sinalização de insegurança ao Parlamento. Ele tem que assumir o discurso que faz o ministro Paulo Guedes. Hoje, o governo não tem base. Não sou eu que vou organizar a base. O presidente da Câmara sozinho, em uma matéria como a reforma da Previdência, não tem capacidade de conseguir 308 votos.

Mas o sr. continua à frente da articulação?
Dentro do meu quadrado, sim. Agora, acho que quanto mais eles tentam trazer para mim a responsabilidade do governo, mais está piorando a relação do governo com o Parlamento. O governo precisa vir a público de forma mais objetiva, com mais clareza, com mais energia na votação da reforma.

O que o presidente Bolsonaro precisa fazer?
Ele precisa construir um diálogo com o Parlamento, com os líderes, com os partidos. Não pode ficar a informação de que o meu diálogo é pelo toma lá, dá cá. A gente tem que parar com essa conversa. Como o presidente vê a política? O que é a nova política para ele? Ele precisa colocar em prática a nova política. Tanto é verdade que ele não colocou que tem (apenas) 50 deputados na base. Faço o alerta: se o governo não organizar sua base, se não construir o diálogo com os deputados, vai ser muito difícil aprovar a reforma da Previdência. O ciclo dos últimos 30 anos acabou e agora se abre um novo ciclo. Ele precisa saber o que colocar no lugar. O Executivo precisa ser um ator ativo nesse processo político.

E não está sendo?
De forma nenhuma. Ele está transferindo para a presidência da Câmara e do Senado uma responsabilidade que é dele. Então, ele fica só com o bônus e eu fico com o ônus de ganhar ou perder. Se ganhar, ganhei com eles. Se perder, perdi sozinho. Isso, para uma matéria como a Previdência, é muito grave. Porque não é qualquer votação. É a votação que vai dizer o que o Brasil quer. Se é reduzir o número de desempregados, reduzir o número de pobres no Brasil. Se o Brasil quer voltar a poder investir em saúde e educação ou se o Brasil vai ter hiperinflação. Não é uma votação qualquer, para você falar "leva que o filho é teu". Não é assim. É uma matéria que será um divisor de águas inclusive para o governo Bolsonaro. Então, ele precisa assumir protagonismo. Foi isso o que eu falei. Não vou deixar de defender as coisas sobre as quais tenho convicção porque brigo com A, B ou C. Meu papel institucional não é usar a presidência da Câmara para ameaçar o governo.

Mas o sr. ficou bastante contrariado com os ataques da rede bolsonarista na internet...
Não é que eu fiquei incomodado. O que acontece é que o Brasil viveu sua maior recessão no governo Dilma, melhorou um pouco no último governo, só que a vida das pessoas continua indo muito mal. Então, na hora em que a gente está trabalhando uma matéria tão importante como a Previdência, e a rede próxima ao presidente é instrumento de ataque a pessoas que estão ajudando nessa reforma, eu posso chegar à conclusão de que, por trás disso, está a vontade do governo de não votar a Previdência. Não fui só eu que fui criticado. Todo mundo que de alguma forma fez alguma crítica ao governo recebe os maiores "elogios" da rede dos Bolsonaro. Isso é ruim porque você não respeitar e não receber com reflexão uma crítica não é um sinal de espírito democrático correto.

O posicionamento do vereador Carlos Bolsonaro nas redes sociais atrapalha o governo?
O Brasil precisa sair do Twitter e ir para a vida real. Ninguém consegue emprego, vaga na escola, creche, hospital por causa do Twitter. Precisamos que o País volte a ter projeto. Qual é o projeto do governo Bolsonaro, fora a Previdência? Fora o projeto do ministro (Sérgio) Moro? Não se sabe. Qual é o projeto de um partido de direita para acabar com a extrema pobreza? Criticaram tanto o Bolsa Família e não propuseram nada até agora no lugar. Criticaram tanto a evasão escolar de jovens e agora a gente não sabe o que o governo pensa para os jovens e para as crianças de zero a três anos. O governo é um deserto de ideias.

O sr. está dizendo que o governo não tem proposta?
Se tem propostas, eu não as conheço.

Há uma nova versão do 'nós contra eles'?
Eles construíram nos últimos anos o 'nós contra eles'. Nós, liberais, contra os comunistas. O discurso de Bolsonaro foi esse. Para eles, essa disputa do mal contra o bem, do sim contra o não, do quente contra o frio é o que alimenta a relação com parte da sociedade. Só que agora eles venceram as eleições. E, em um país democrático, não é essa ruptura proposta que vai resolver o problema. O Brasil não ganha nada trabalhando nos extremos.

Temos um desgoverno?
As pessoas precisam da reforma da Previdência e, também, que o governo volte a funcionar. Nós temos uma ilha de governo com o Paulo Guedes. Tirando ali, você tem pouca coisa. Ou pouca coisa pública. Nós sabemos onde estão os problemas. Um governo de direita deveria estar fazendo não apenas o enfrentamento nas redes sociais sobre se o comunismo acabou ou não, mas deveria dizer: "No lugar do Minha Casa, Minha Vida, para habitação popular nós estamos pensando isso; para saneamento, nós estamos pensando aquilo".

O presidente minimizou a crise dizendo que vai conversar com o sr. e que tudo é como uma briga no namoro. O que achou?
Se o presidente não falar comigo até o fim do mandato, não tem problema. Não preciso falar com ele. O problema é que ele precisa conseguir várias namoradas no Congresso, são os outros 307 votos que ele precisa conseguir. Eu já sou a favor. Ele pode me deixar para o fim da fila.

E por que o sr. entrou em um embate com o ministro da Justiça, Sérgio Moro, por causa do pacote anticrime?
Certamente, conheço a Câmara muito melhor do que o ministro Moro. E sei como eu posso ajudar o projeto sem atrapalhar a Previdência. O que me incomodou? O ministro passou da fronteira. Até acho que em uma palavra ou outra me excedi, mas, na média, coloquei a posição da Câmara. O governo quer fazer a nova política. Nós queremos participar da nova política.

Há quem diga que a Câmara não quer dar protagonismo a Moro porque ele foi juiz da Lava Jato, algoz de políticos...
Ele foi um ótimo juiz, teve um papel fundamental. Foi um juiz que se preparou para investigar corrupção e lavagem de dinheiro. E fez isso muito bem. Agora, o protagonismo é dos deputados. Isso é óbvio. Nós é que vamos votar.

A prisão do ex- presidente Michel Temer e do ex-ministro Moreira Franco serviu para tumultuar ainda mais o ambiente político para a votação da reforma?
Eu não acho. Agora, quando você tem um problema desse, ele (Bolsonaro) vincula logo à política, ao desgaste do Parlamento. Isso é ruim. As instituições precisam funcionar. Uns gostam da decisão, outros não. Mas ela precisa ser respeitada e aquele que se sentir prejudicado por uma decisão da Justiça tem o poder de recorrer.

Deputados e senadores do PSL, partido do presidente, comemoraram a prisão e atacaram o MDB. Isso também pode ser um problema?
O PSL saiu do zero, foi ao topo muito rápido e acho que ainda falta uma capacidade de articulação interna. Na hora de votar, eles vão ver que precisam do voto do MDB. O problema do ex-presidente é do ex-presidente. É óbvio que contamina o MDB de alguma forma, mas não vamos transformar isso num problema de todos. Vamos deixá-lo responder porque ninguém pode ser pré-condenado. Vamos ter paciência. Não se pode abrir mão de nenhum partido para aprovar a reforma da Previdência. Uma reforma, para ser aprovada, precisa ter uma margem de 350 votos.

E ainda há muita resistência em relação à proposta enviada para os militares...
Os militares têm razão quando falam que foram muitos prejudicados desde os anos 2000. O momento não é simples. Na hora que acalmar essa semana política vai se começar um debate do que é o projeto de lei dos militares. Acho que vai ter mais conflito que a emenda constitucional, mas a gente vai precisar enfrentar porque eles garantem a soberania nacional. Vai ter resistência, mas não podemos jogar no mar a proposta.

Por que o DEM, com três ministérios no governo, até hoje não entrou formalmente na base aliada?
É porque, para o DEM, como para todos os partidos, mais do que essa política que o presidente acha que é prioridade, que são as nomeações, a prioridade é conhecer qual é o projeto do governo. E aí você vai projetar 2022 ou 2032, dizendo "esse projeto para o Brasil vai dar certo, vai reduzir a extrema pobreza de 15 milhões para 5 milhões, o desemprego vai cair de 12 milhões para 5 milhões, a economia vai crescer 5% nos próximos anos". Tirando algumas ilhas, como o Paulo Guedes, a Tereza Cristina (ministra da Agricultura, filiada ao DEM), está faltando, de fato, a gente compreender qual é a política.

O deputado Eduardo Bolsonaro disse que em algum momento será necessário o uso da força para tirar o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, do poder. O sr. concorda?
Respeito o deputado Eduardo Bolsonaro, que é presidente da Comissão de Relações Exteriores, mas acho que a interferência de outros países na Venezuela não é o melhor caminho e que essa não é a posição dos ministros militares do governo. Nós estamos com a estrutura das Forças Armadas desabastecida. Vamos dizer que alguns concordem com isso. O Brasil não tem nem condições de segurar 24 horas de confronto com a Venezuela.

O sr. acha que Bolsonaro deve enquadrar os filhos?
Tenho dificuldade de falar como o presidente deve tratar os filhos dele. Eu sei como tratar os meus.


Paula Cesarino Costa: 'A Folha precisa continuar inquieta', diz diretora de Redação do jornal

Maria Cristina Frias defende jornalismo crítico e tem como meta maior igualdade de gênero e diversificação de conteúdo

Há seis meses na Direção de Redação da Folha, a jornalista Maria Cristina Frias defende que o jornal continue inquieto e em renovação constante, mas sem abrir mão dos valores que o consagraram: jornalismo crítico a todos os poderes instituídos, independente, plural e apartidário.

Mostrou-se serena diante das turbulências políticas atuais. Disse que, em época de polarização, é tentador para alguns tomar partido, mas vê como seu papel a busca do equilíbrio jornalístico.

Após anos de experiência na TV, passou a trabalhar exclusivamente na Folha há cerca de 20 anos.

Assumiu a direção do jornal em momento doloroso, sucedendo o irmão Otavio Frias Filho, morto em 21 de agosto de 2018. Coube a ele próprio indicá-la para o cargo, com orientações específicas para os próximos anos, como ela conta nesta entrevista.

Maria Cristina Frias é a primeira mulher a assumir a Direção de Redação de um grande jornal do país e impôs-se como meta uma maior equidade entre homens e mulheres e uma diversificação dos profissionais e do conteúdo do jornal, com uma mudança de cultura em procedimentos, pautas e pessoas que são entrevistadas.

Define-se como uma leitora voraz, que tem “cabeça de repórter”. Desde que assumiu pedi uma entrevista, concedida agora, para que o leitor pudesse conhecer seus desafios e planos para a Folha.

A sra. assumiu o cargo de diretora de Redação faz seis meses. Já é possível fazer uma avaliação desse período?
Foi um período muito difícil e intenso. A presença e o talento de Otavio Frias Filho, um irmão maravilhoso e amigo, nos fazem muita falta. Ao jornal e a mim, que tive o privilégio de trabalhar ao lado dele diariamente. Foi do próprio Otavio a decisão de que eu assumisse o seu cargo, ratificada em assembleia dos sócios. Atencioso, ele me passou algumas orientações para os próximos anos.

Logo vieram os ataques do então candidato Jair Bolsonaro à imprensa, especialmente contra a Folha.

Publicamos, entre outras reportagens, um texto de Patrícia Campos Mello que revelou a compra ilegal que empresários estavam fazendo de disparos de WhatsApp contra o PT. Teve repercussão inclusive internacional.

Eleito, Bolsonaro disse que, “por si só, a Folha se acabou”. Vimos, então, surgir uma campanha espontânea por assinaturas da Folha, pela democracia, em defesa do jornal.

Não importam as turbulências, minha principal meta é manter o legado do Otavio e continuar a fazer o jornalismo que ele nos ensinou: crítico a todos os poderes instituídos, independente, plural e apartidário.

Em época de muita polarização, ânimos acirrados e de pouco apreço à democracia em parcela da população, é tentador para alguns tomar partido, mas é minha responsabilidade cuidar da observação desses princípios e do equilíbrio entre pontos de vista diferentes nas páginas do jornal.

Não somos um jornal de oposição, mas seremos críticos como fomos com todos os governos desde a redemocratização. A Folha continua a ser a Folha de sempre. E, para ser a Folha, ela precisa continuar inquieta e se renovando a todo momento. O jornal de amanhã precisa ser sempre melhor do que o de hoje.

A sra. é a primeira mulher a ocupar o posto máximo na Folha em 98 anos de existência do jornal. Qual a relevância do aspecto de gênero em sua ascensão?
Até quando ainda vamos valorizar ser a primeira mulher a fazer isso ou aquilo, me pergunto. Infelizmente, porém, há muitas posições às quais as mulheres ainda não ascenderam, como era o caso do cargo de direção de Redação na Folha —um jejum que o jornal quebrou, à frente de seus dois principais concorrentes.

Ser mulher ajuda nessa busca de equilíbrio de opiniões e fontes diversas nas nossas páginas, na elaboração de pautas que interessem a um público mais amplo. Assim como os principais jornais do mundo, a Folha se preocupa em entender como ampliar o leitorado feminino.

Quanto mais diversificada for a nossa Redação, quanto mais vasta for a gama de experiências do nosso reportariado, melhor será a nossa cobertura e maior o público que atingiremos. Nossa Redação tem cerca de 40% de mulheres, em linha com a presença feminina em jornais americanos e ingleses, mas queremos um equilíbrio maior, inclusive entre colunistas.

Fizemos na quinta-feira (7) uma reunião aberta na Redação para discutir o tema e iniciativas nesse sentido. Pretendo que esse fórum se torne periódico porque é desejável uma mudança de cultura em procedimentos, as pautas que destacamos, as pessoas que ouvimos e assim por diante.

O mesmo vale para a presença na Redação de negros, descendentes de asiáticos, pessoas que cursaram o ensino médio em escolas públicas… O nosso próximo programa de trainees, que teve 3.000 inscritos, vai oferecer bolsas com ajuda de custo.

O atual presidente da República e grande parte do seu entorno pessoal e político têm uma atitude hostil e por vezes virulenta contra a imprensa e, em especial, contra a Folha. Qual a influência dessas circunstâncias na prática do jornalismo da Folha?
De certa forma, todo governo é um pouco hostil à Folha pela atitude crítica e independente. Em diferentes graus, colocam-se na defensiva e, quando podem, usam o poder para atacar. Tivemos a invasão do jornal na gestão Collor, e creio que estejamos habituados a uma certa animosidade.

O governo Bolsonaro tem demonstrado uma especial dificuldade em entender o papel do jornal, que é o de iluminar os debates dos problemas coletivos, com informações bem apuradas e embasadas, monitorar o que fazem os políticos, além de se comprometer em defender a democracia e fatores que levem ao desenvolvimento do país.

Ao tratar a imprensa com menosprezo e agressividade, tenta minar esse esforço e estimula em seus seguidores o desrespeito e a violência contra jornalistas, o que é abominável e perigoso —além de inútil, porque continuaremos a fazer o nosso trabalho com perseverança e inquietude.

As Redações no mundo todo têm passado por processo contínuo de redução de pessoal e de corte de investimentos. Ao mesmo tempo, a competição acirrou-se com as novas mídias. Como analisa esse processo e quais os desafios que se impõem a médio e longo prazo?
Difícil pensar em prazos mais distantes para quem, como nós, tem um trabalho que se esgota a cada edição e a cada dia recomeça do zero.

Os tempos são duros, a economia não se recuperou, mas há exemplos bem-sucedidos. O peso das assinaturas no modelo de negócio é cada vez maior. E nós também nos valemos de novas mídias, oferecemos uma cobertura multimídia. Temos tido ótimo resultado em podcasts, por exemplo.

Do ponto de vista pessoal, como se define como leitora?
Sou uma leitora voraz de notícias. Adoro ler o impresso; quando viajo, sou uma compradora compulsiva de exemplares, e leio no celular e no site com a maior frequência possível ao longo do dia e à noite. E não é só por dever de ofício, é por prazer mesmo, apesar do aborrecimento com eventuais erros.

Tenho cabeça de repórter, vibro com nossos furos, admiro a concorrência quando faz as pautas que não nos ocorreram e penso no que podemos fazer melhor, uma lição do sr. Frias (Octavio Frias de Oliveira, fundador da Folha moderna), outra fonte de inspiração.

A sra. acumula a função de diretora com a de titular da coluna diária Mercado Aberto. Como se divide entre uma e outra?
Gosto muito de fazer a coluna, mas considerei a princípio que as duas tarefas seriam inconciliáveis. Com o tempo, além da reação positiva de colegas e fontes de que seria importante continuar a escrever, eu me senti estimulada a prosseguir.

Assim como diretores de hospitais que seguem na prática como médicos, percebi que a presença na Redação ajuda no trabalho da direção: é o que me permite manter o contato com os colegas, observar de perto suas necessidades, os fluxos, como as coisas estão funcionando, ou não, permanecer atualizada na prática do nosso ofício.

Acabei tendo de me dedicar bem menos à coluna nos meses iniciais no cargo de diretora, o que foi possível graças à equipe talentosa e dedicada de Mercado Aberto, mas vou equilibrar melhor os dois papéis.

*Paula Cesarino Costa é jornalista, foi secretária de Redação e diretora da Sucursal do Rio. É ombudsman da Folha desde abril de 2016.


O Estado de S. Paulo: 'Os políticos têm de controlar 100% do orçamento', diz Paulo Guedes

Segundo Paulo Guedes, governo articula a tramitação no Senado de proposta que acaba com os gastos obrigatórios

Por Adriana Fernandes, José Fucs e Renata Agostini, de O Estado de S.Paulo

Em plena guerra para aprovar a reforma da Previdência, o ministro da Economia, Paulo Guedes, diz que o governo articula a tramitação de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) no Senado para mudar o chamado pacto federativo, acabando com as despesas obrigatórias e as vinculações orçamentárias. Em entrevista ao Estado na sexta-feira, a primeira para um veículo de comunicação nacional desde que tomou posse no cargo, realizada na representação do Ministério da Fazenda no Rio, ele afirma que a proposta dará aos políticos 100% do controle sobre os orçamentos da União, Estados e municípios, e não deverá prejudicar a aprovação da reforma da Previdência.

Pronto há mais de seis meses, o projeto chegou a ser anunciado como Plano B de Guedes caso a reforma da Previdência não fosse aprovada, mas acabou ganhando vida própria, diante do rombo registrado nas finanças de prefeitos e governadores em todo o País. “Os políticos têm de assumir as suas responsabilidades, as suas atribuições e os seus recursos”, diz. A seguir, os principais trechos da entrevista, que se estendeu por quase três horas:

O governo está completando 70 dias, a reforma da Previdência foi encaminhada ao Congresso e há muito o que falar sobre isso. Agora, nós vamos entrar também em alguns temas que não são ligados à economia, mas estão na ordem do dia e podem afetar a agenda econômica.
Vamos tentar fazer um negócio de um nível bacana, mexendo em tudo. Mas, antes de a gente começar, gostaria de falar uma coisa introdutória, que é um rastro do Fórum Econômico Mundial, em Davos. Ao contrário da percepção que prosperou lá fora, de que o Brasil e a democracia corriam perigo, para mim o que estava acontecendo era isso: a dinâmica de uma grande sociedade aberta. Para mim, o fenômeno que estava ocorrendo no Brasil era algo virtuoso. Depois de 30 anos de hegemonia da social-democracia, finalmente estava aparecendo a outra perna. Você precisava de uma liberal democracia, como uma aliança de conservadores com liberais. Em Davos, um pouco do trabalho que tive foi mostrar o que estava acontecendo aqui, porque acho que a paixão que vigorou durante a campanha eleitoral projetou uma imagem inadequada do Brasil lá fora.

O sr. se surpreendeu com a imagem negativa do governo lá fora?
Não, eu sabia que teria duas etapas. A primeira etapa, aqui dentro, era “desalckmizar” o mercado. Não adiantava ficar indo lá fora, porque quem vota estava aqui dentro. Só tinha de mostrar que haveria um programa consequente, que havia mesmo uma aproximação da ordem com o progresso. Ideias liberais de um lado e uma agenda de costumes, de valores, de família, do outro. É uma democracia rica quando você tem essas possibilidades. Acho que seríamos uma democracia pobre se tivesse só o outro lado.

Qual a sua opinião sobre a fala do presidente Jair Bolsonaro de que a democracia no Brasil depende dos militares?
Quem deu a interpretação do que eu acho que ele pensa foi o (vice-presidente) Mourão. Ele falou o seguinte: os militares não querem democracia na Venezuela. Pronto, acabou, não tem. Os militares no Brasil querem a democracia. Acabou, tem. Foi isso que ele falou, que é uma obviedade.

Esse tipo de coisa não atrapalha seu projeto para a economia?
Acredito num processo virtuoso. Não posso deixar uma frase derrubar tudo. Tem uma democracia funcionando, com uma agenda de costumes de um lado. O presidente ganhou a eleição dizendo “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” e o Paulo Guedes dizendo que vai privatizar. Foi essa agenda que ganhou a eleição.

Essa é a questão. O sr. está focado na sua agenda econômica. Mas nesses pouco mais de dois meses a impressão é de que o presidente está focado em outra coisa.
Minha visão: nós vamos aprovar essa reforma da Previdência. Na quinta-feira, estava conversando com meu time e me correspondendo com parlamentares, com o Rodrigo Maia (presidente da Câmara dos Deputados), com todo mundo, e falando: “O presidente vai fazer a parte dele”. Tenho segurança disso, porque acredito na dinâmica de uma sociedade aberta.

Nesses dois meses, houve muito vai e vem do governo, recuo de nomeação, ministro envolvido em suspeita de operações ilegais na campanha, ministro demitido. As reformas não ficam em segundo plano?
É um governo que veio de fora do establishment. Não é uma transição suave. Esse barulho é natural. O governo está se comportando bem politicamente? É claro que uma agenda econômica é mais delineável que a agenda política, porque a velha política perdeu o eixo. O eixo era compra de voto mercenário no varejo e ele se esfacelou com a Lava Jato. Agora, são dois novos eixos. O primeiro é temático, que foi muito explorado na campanha: bons costumes, família, segurança. O lado de lá fala que o presidente está distribuindo vídeo pornográfico. O lado de cá diz que o presidente está dizendo à tribo dele que continua atento aos costumes e à turma que usa dinheiro público para expressar “arte”. É uma disputa temática válida. Ele está mobilizando os temas que aqueceram sua campanha.

Só que o outro lado parece que não mudou. O governo está recebendo pedidos de cargos, pedidos de emendas. Isso não é o velho toma lá dá cá?
Tive total liberdade para montar o meu time. Agora, o parlamentar eleito tem direito de pedir participação nos orçamentos. Mais até do que isso: estamos articulando a apresentação da PEC (proposta de emenda constitucional) do pacto federativo no Senado. Queremos devolver o protagonismo orçamentário da classe política. O que não é normal é o parlamentar falar “me dá um cargo aí porque quero pegar um dinheiro para mim”. Agora, pedir dinheiro para educação, para fazer saneamento, esgoto nas comunidades, é absolutamente normal.

O governo então não dará cargos ou emendas em troca de apoio?
Calma. Vocês estão notando que o eixo está mudando? Vai acabar tudo num dia só ou isso é um processo, no qual novos eixos são criados e os mais sérios vão aderindo? Pelas contas do ministro Onyx Lorenzoni, que é responsável pela coordenação política, temos 260 votos para a reforma da Previdência. Explicitamente a favor são 160 votos, e mais 100 que dizem que estão juntos do governo (nos bastidores). Isso sem nenhuma negociação espúria. Faltam 48 votos. Dizem aí que estão pedindo isso e aquilo. Claro que tem quem peça. Agora, há pedidos que são legítimos - e acho até que é pouco. Uma classe política que tem um orçamento da União de R$ 1,5 trilhão para alocar e supostamente está contente em sair com R$ 15 milhões para cada um, para favorecer suas bases eleitorais? Acho que esses caras estão fora da realidade. Se fosse um deputado na Alemanha, ele estava disputando R$ 1,5 trilhão, e não R$ 7,7 bilhões (R$ 15 milhões para cada um dos 513 deputados).

O sr. traça um quadro otimista para a reforma da Previdência, mas alguns parlamentares, incluindo o Rodrigo Maia, têm dito que não haveria condições de aprová-la hoje, porque a articulação está com problemas.
Isso é avaliação dele. O Rodrigo Maia é o especialista. Aparentemente, eu não entendo de política. É claro que a nova política terá de valorizar os partidos. Política é feita por partidos. Agora esses partidos não podem ser mercenários. Têm de ser temáticos e programáticos. É um choque do antigo com o novo e não adianta acusar o governo de não querer fazer política como antigamente. Claro que não! Fomos eleitos para não fazer. Aquele jeito de fazer política está na cadeia e está perdendo eleição. Qual o jeito novo? Não sabemos. Vamos aprender juntos. Vamos valorizar os partidos? Está certo o Rodrigo Maia ao dizer isso. Vamos negociar cargos? Não está certo se for isso. E dinheiro? Vocês deveriam ter todo o dinheiro do orçamento. Aliás, a principal função política é controlar os recursos públicos. É aí que entra a PEC do pacto federativo.

Que PEC é essa?
Os políticos vão entender que, em vez de discutir R$ 15 milhões ou R$ 5 milhões de emendas, vão discutir R$ 1,5 trilhão de orçamento da União, mais os orçamentos dos municípios e dos Estados. A classe política hoje está sob opinião pública desfavorável: muitos privilégios, aposentadoria, salários, estabilidade, assessoria, moradia, uma porção de coisas, e não tem atribuições nem obrigações. É inequívoco isso. A eleição do Bolsonaro foi uma crítica à velha política. Essa classe política brasileira vai se reinventar, porque eles são capazes, são inteligentes. Estão percebendo que o caminho mudou. Pergunte à classe política se em algum lugar do mundo o sujeito é eleito para comandar 4% ou 100% do orçamento? Se a proposta é menos Brasília e mais Brasil, preciso do pacto federativo para fazer o dinheiro chegar lá. Todo mundo com quem a gente conversa está entendendo que o caminho é esse.

No ministério, a gente ouve que o senhor mandou dizer para não falar nada das outras medidas agora, por conta da reforma da Previdência.
Não, não. Nós vamos falar das outras medidas, sim. Por exemplo: vamos lançar o pacto federativo já. Os governadores e os prefeitos, que estão todos quebrados, dizem “pelo amor de Deus, pelo amor de Deus, faz alguma coisa”. Eles estão devendo para o funcionalismo, para fornecedores. Não estão pagando dívidas. Está caótico o quadro financeiro de Estados e municípios. Isso significa que o timing político é já. Então, nós vamos mandar o pacto federativo também para o Congresso agora, mas pelo Senado.

Quando?
Por mim, é sempre o mais rápido possível. Mas quem manda é o presidente, o Onyx e o Congresso.

Se o governo federal vai perder recursos (com o pacto federativo), como sobrará dinheiro para pagar as contas, que já estão no vermelho?
Aí é que está. Está tudo arrumadinho. Vocês vão entender. Durante toda a campanha fizemos uma porção de coisas. Agora, tem o timing político das coisas. Ao contrário do que parece, existe um relacionamento harmônico dos Poderes hoje. Vocês podem dizer que não. Mas eu estou vendo isso.

O que é, afinal, esse pacto federativo?
São os representantes do povo reassumindo o controle orçamentário. É a desvinculação, a desindexação, a desobrigação e a descentralização dos recursos das receitas e das despesas. Isso chegou até a ser veiculado como plano B, caso não fosse aprovada a reforma da Previdência, lá atrás, mas são dois projetos diferentes.

Isso não vai concorrer com a tramitação da Previdência, que é a prioridade?
São dois projetos grandes e importantes. Um entrando pelo Senado, outro pela Câmara. Eu até achava que a gente iria segurar um pouco para fazer uma coisa de cada vez. Só que a situação político-financeira de Estados e municípios está pedindo isso já.

O senhor quer acabar com todas as despesas obrigatórias?
Claro. A desvinculação eu quero total. Aí vamos ver quanto dá, mas vou tentar. Os políticos têm de assumir as suas responsabilidades, as suas atribuições e os seus recursos. Eles são gestores públicos e sabem o desafio que têm. Hoje o cara está sentado lá numa prefeitura, no governo do Estado, vendo subir isso, subir aquilo, sendo obrigado a fazer isso, fazer aquilo, e percebendo que ele não manda nada. Eles têm de mudar isso, assumir o protagonismo.

O pacto federativo vai dar dinheiro imediato a Estados e municípios?
Ele vai ter duas dimensões importantes. Uma é de curto prazo, sim. Tem de vir um balão de oxigênio, mas ele é condicionado às reformas em nível estadual e municipal. Estamos chamando de Plano Mansueto (em referência ao secretário do Tesouro, Mansueto Almeida), que é um especialista nisso. É uma antecipação de receitas para quem fizer o ajuste. Por isso é que preciso desamarrar, desindexar, desvincular os orçamentos. Se você devolver o poder de decisão para os prefeitos e governadores, eles vão poder fazer o que é mais urgente para cada um.

Como vão funcionar esses adiantamentos?
Vou dar um exemplo que já está sendo analisado. Um Estado está fazendo um programa de ajuste que parece que vai assegurar a ele R$ 4 bilhões. Então, em vez de ele ter os R$ 4 bilhões lá na frente só, ele poderá ter uma antecipação entre R$ 1 bilhão e R$ 2 bilhões, para sobreviver enquanto seu pacote não funciona.

O senhor já conversou sobre esse projeto com o presidente?
Claro. A campanha toda foi mais Brasil, menos Brasília. Esse é o pacto federativo. Eu espero total apoio do presidente. Até agora recebi apoio total para fazer as equipes e estou recebendo apoio para a reforma da Previdência. Todo mundo sabe que o presidente tem lá as suas preferências. Agora, ele está muito consciente das suas responsabilidades - e para ele não é fácil. Antes da reforma, ele falava que a idade mínima de aposentadoria para as mulheres deveria ser 60 anos. Não obstante, ele apoiou a reforma com 62.

Mas na primeira semana falou do nada que podia baixar para 60, sem ninguém pedir.
Como cidadão, ele pode achar isso, mas como presidente mandou com 62. Por que ele não bateu na mesa conosco e mandou abaixar para 60? Bastava ele fazer isso. Ele não é político convencional que fala que quer 65, para depois o pessoal falar que quer 60 e no final fechar com 62. É transparente. Ele diz que a sua preferência é essa mas entendeu que a sua responsabilidade exige que a idade mínima seja 62 e deixa isso ser negociado.

E como vai passar 62 se o presidente diz que aceita 60?
É ele quem vota ou os 500 deputados?

No plano federal, como o governo vai equacionar suas contas?
Vou privatizar, reduzir dívida. Todo mundo bateu palma quando a Petrobrás vendeu ativos, reduziu a dívida e passou a valer dez vezes mais. Eu quero fazer isso com os ativos do Estado, inclusive os imóveis. Nós temos metas.

Quais são as metas de sua equipe?
O Joaquim Levy, no BNDES, por exemplo, tem de devolver R$ 126 bilhões para o Tesouro neste ano, sendo pelo menos a metade no primeiro semestre. Não sei se ele quer, mas vai ter de devolver. A mensagem para o BNDES é que ele tem de despedalar e ir para uma atuação qualitativa. Ele vai ajudar o Programa de Parcerias de Investimento (PPI), refazendo a infraestrutura nacional com empréstimos internacionais e investimentos privados. O Levy vai ajudar também as privatizações e a reestruturar Estados e municípios com a venda de estatais.

No governo federal, qual vai ser a lista de prioridades da privatização?
De novo, eu gostaria de vender tudo e reduzir dívida. Agora, quem tem voto não sou eu, é o presidente. Aí ele diz: “Não vai vender a Petrobrás, não vai vender o Banco do Brasil...”

Correios, Eletrobrás...
Não sei, não.

O sr. ainda mantém a meta de zerar o déficit do governo neste ano?
A minha função é essa. Há dois tipos de mentalidade. Não vou dar nome aos bois. Uma é assim: se você acha que o buraco vai dar uns R$ 160 bilhões, coloca R$ 160 bilhões na meta. Aí qualquer coisa que conseguir a menos que isso vai deixar o mercado muito feliz e dizer que nós somos muito bons. A minha é a gente dizer que vai ser zero e, se disserem que é impossível, nós falamos que vamos tentar o impossível. Se der tudo errado e o déficit ficar em R$ 60 bilhões ou R$ 70 bilhões, é menos da metade do que os caras que diziam ter feito um belo trabalho.

Onde entra o crescimento econômico? O PIB fechou 2018 com crescimento de apenas 1,1%. O que o governo está fazendo para alavancar o crescimento?
O modelo acabou. Não existe alavanca. Você tem de fazer as reformas. Quer fazer o que a Dilma fez? Não tem mágica. Tem de fazer a coisa certa. Isso significa a classe política assumir suas responsabilidades orçamentárias. Não é ficar escondido atrás de um documento escrito há 30 anos e jogar a culpa nele. Como um político pode dizer que a culpa é da Constituição? Então, faça uma Proposta de Emenda Constitucional.

Tem muita gente que fala que o governo não está fazendo nada pelos pobres e a esquerda está deitando e rolando com isso.
A primeira coisa que estamos fazendo pelos pobres é assegurar todas as aposentadorias dos pobres, que iriam acabar com esse regime de privilégios. A segunda coisa que vamos fazer é dar um choque de emprego no País. Vamos reduzir e simplificar os impostos.

Quando?
Já. Nós estamos indo por ordem de timing político. Se a Previdência vai quebrar o Brasil, enfia a Previdência. Ah, os governadores e prefeitos estão desesperados. Enfia o pacto federativo. Aprovamos os dois? Aprovamos. Começa a simplificação dos impostos. Aliás, nós vamos começar a disparar tudo ao mesmo tempo. Vem uma pauta positiva aí: PEC do pacto federativo, simplificação e redução dos impostos, aceleração da privatização, desestatização do mercado de crédito, abertura da economia. Tem coisas que vocês não estão vendo. Vem aí o choque da energia barata em mercado. Isso vai permitir uma redução do custo de energia de quase 50%. É tanta coisa boa que tem que fico com pena do Brasil de ficar discutindo sexo dos anjos, ser tão pequenininho.

Como vai ser esse choque de energia?
É algo semelhante ao que foi o shale gas (gás de xisto) nos Estados Unidos. As conversas envolvem diversos órgãos do governo, alguns Estados, além da Petrobrás, e já estão avançadas. O grande problema é que hoje o gás que está sendo tirado dos campos todos não é aproveitado como deveria. Com o estímulo para a iniciativa privada investir no transporte por dutos e com o fim do monopólio de distribuição das estatais de gás, criando maior concorrência, o preço deverá cair, tanto para uso doméstico como industrial. Queremos um choque de reindustrialização com energia barata.

Quando o governo vai mandar ao Congresso o projeto com a reforma da Previdência dos militares?
Agora. Está tudo acertado. Vai dia 20. Todo mundo tem de estar dentro. Se os militares ficarem fora da conta, ninguém vai entender. Estamos indo para o sacrifício.

Até onde o governo admite negociar a reforma da Previdência?
A economia de R$ 1 trilhão é o piso. A reforma tem duas dimensões importantes. Quer reduzir a idade mínima das mulheres para 60 anos? A economia cai R$ 100 bilhões. Se cair a idade mínima das mulheres, não poderá mexer nas regras do rural, no BPC (Benefício de Prestação Continuada, pago a idosos de baixa renda). Se quer reduzir a idade da mulher, tira do militar. Se quer dar para o militar, tira do rural. No total, tem de dar R$ 1 trilhão.

Por quê?
Se não der uma economia de R$ 1 trilhão, estaremos assaltando as futuras gerações. Vamos deixar os pequenininhos pagando para a gente de novo. Vai estourar o regime e eu não consigo lançar a carteira verde amarela, para os jovens. Tem um custo de transição. Tem de ter potência fiscal.

O que acontecerá se o Congresso desidratar a reforma?
Derruba toda a pauta positiva. Eu terei muita dificuldade de lançar a capitalização (sistema de previdência em que cada um poupa para sua própria aposentadoria).

O senhor vai desistir da capitalização?
Não vou dizer que desisto. Mas é uma ameaça séria.

A proposta do fim da multa de 40% do FGTS para quem já está aposentado foi muito criticada.
Pareceu uma medida fraterna. O Rogério Marinho (secretário especial de Trabalho e Previdência) me disse que o cara depois que aposenta já atravessou o “corredor polonês”. Aí, ele quer arrumar um emprego e você ainda vai colocar um FGTS, uma multa. Esse cara já se aposentou. Deixa esse cara sossegado. É difícil para os velhinhos aumentarem a empregabilidade. Foi esse raciocínio que ele falou para mim. Parece razoável. Que ganho tem? Nenhum. O que ele vendeu para mim é isso e eu confio no bom senso dele.

E a mudança do BPC?
A mesma coisa. É ideia dele. Eu tinha as minhas exigências. Quero uma reforma com potência fiscal suficiente para eu poder bancar a transição para o regime de capitalização. Como eu resolvo isso? Só com os jovens - e tem de ter uma potência de R$ 1 trilhão para alavancar. A segunda exigência para viabilizar o sistema é acabar com os encargos trabalhistas. Essa reforma é só o começo. Vamos mexer mais. Já, Já. Mas primeiro eu preciso de uma potência fiscal para ter fôlego.

O BPC foi um bode na sala?
Não. Eu confio no Marinho. Cada medida tem uma razão. Se quem não contribuir ganhar a mesma coisa daquele que contribuiu, ninguém vai contribuir. O BPC tem de ser o seguinte: o cara não contribuiu, ganha um pouco menos do que quem contribuiu. Em compensação, o governo dá o benefício antes. Tem de ter uma diferença. Eu acho que, se em vez de fazer 60 anos (idade para começar a receber o benefício) e 70 anos (para ter o salário mínimo) colocar 62 anos e 68 anos, passa no Congresso. Além disso, se o valor de R$ 400 for para R$ 500 ou R$ 600, passa. O Marinho botou coisas porque só ele sabe o que é para negociar.

O senhor aceita subir o valor do BPC?
Sim. Tranquilo. Mas eu preciso é do R$ 1 trilhão.

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IHU On-line: Entrevista com Maria Alice Rezende de Carvalho

Militarização no Brasil: a perpetuação da guerra ao inimigo interno.

Por Ricardo Machado, do IHU On-line

É muito próprio da cultura brasileira a noção de que as forças militares – Forças Armadas e Polícias Militares – têm como prerrogativa ser o braço armado do Estado, em detrimento de um serviço de proteção aos cidadãos. A perspectiva adotada, em sua forma hegemônica, remonta ao Brasil Império e à manutenção de um elemento estruturante na participação dos militares na formação política de nosso país. “Tal princípio implicou a existência de um corpo militar como ‘braço do Estado’, capaz de garantir, internamente, a preservação de extensas faixas de terra, a identificação etnográfica de suas populações, a afirmação da presença do ‘rei’ perante súditos das mais longínquas regiões. De fato, o exército brasileiro cumpriu esse percurso – o que lhe deu uma feição histórica específica, livre das influências civis e dos interesses de classes ou grupos externos à corporação”, pontua Maria Alice Rezende de Carvalho, professora doutora e pesquisadora da PUC Rio, em entrevista por e-mail à IHU On-line. “Enfim, em nosso regime legal, a polícia é definida como instituição militar, o que a obriga a um tipo de organização semelhante à do exército. Mas será essa a sua forma adequada?”, questiona.

Permeada por uma disputa narrativa polarizada, os debates em torno do papel das instituições militares no Brasil tendem a descambar para simplificações de ambos lados, o que, via de regra, não favorece o debate sobre os efeitos da militarização na política nacional. “A cultura da guerra ao ‘inimigo interno’, tão presente durante a ditadura militar. O efeito dessa cultura sobre as corporações policiais, sobretudo militares, é inegável no nosso tempo, o que acaba por combinar, de um lado, esse repertório bélico, que valoriza a coragem física e o confronto; e, de outro, aquilo que é mais caro em sociedades democráticas: um repertório técnico, que entende a segurança como um serviço público prestado universalmente a cidadãos.”, explica a professora. “Para que assim ocorresse seria necessária uma mudança profunda na própria sociedade, levando a que a democracia não seja mais entendida apenas como o ato de votar, mas como uma cultura de direitos e liberdade”, complementa.

Apoiada no estudo de Adriana Marques e Jacintho Maia sobre o Exército chileno, Maria Alice salienta que a mudança de paradigma organizacional pode ser um caminho interessante para as corporações militares no Brasil. Os pesquisadores destacam que no Chile houve uma mudança de paradigma em relação ao Exército, especialmente, e às forças armadas no geral, o que pode ser um caminho interessante em uma nova caracterização das corporações no Brasil. A pesquisadora destaca que no Chile, o Exército tem migrado para um modelo profissional, assumindo uma “concepção ‘empresarial’ de gestão de seus recursos materiais, tecnológicos e humanos, com a diminuição de seus efetivos”. Maria Alice, entretanto, pensa que esse modelo não será o do Brasil.

Diante dos inúmeros desafios à salvaguarda dos bens naturais e das populações nativas no país, o Exército brasileiro, atuando como defensor dos interesses republicanos, podia ocupar um papel chave nesse processo. “Um discurso público que expressasse a política de gestão ambiental do Exército brasileiro e o comprometimento da Força Terrestre com a melhoria da qualidade ambiental, seria talvez, uma forma de substituir o nacionalismo dos séculos XIX e XX por um propósito nacional compatível com os atuais interesses preservacionistas do planeta. Essa era uma perspectiva plausível há três anos. Vejamos o que 2019 nos reserva, nesse âmbito”, adverte.

Maria Alice Rezende de Carvalho é licenciada em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC Rio, mestre em História Social pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp e doutora em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ, onde trabalhou entre os anos de 1987 e 2007, tornando-se Professora Titular. Atualmente é Professora Associada II do Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Entre outras publicações, é coautora do livro Para pensar o Exército Brasileiro no século 21, que deve ser lançado em breve.

A entrevista em tela tem como pano de fundo a pesquisa realizada no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC-Rio, de autoria da professora Maria Alice Rezende de Carvalho, do professor Eduardo Raposo e da professora e Sarita Schaffel a ser publicada no livro citado acima.

Confira a entrevista:

IHU On-Line – Qual é o papel histórico da corporação militar no Brasil e como ela influenciou a formação das polícias no país?
Maria Alice Rezende de Carvalho – Durante o século 19, no contexto da formação brasileira, a perspectiva territorialista era dominante, isto é, havia a preocupação em manter unificado o território, sob o domínio centralizado da Coroa. Essa característica foi herdada dos nossos colonizadores. Há um historiador português do direito, Antonio Manuel Hespanha, que afirma que nos acostumamos a pensar a conformação dos Estados modernos a partir do paradigma de Thomas Hobbes, atribuindo a centralização do poder monárquico à destruição dos direitos senhoriais do mundo feudal. Mas na Península Ibérica, segundo Hespanha, o Estado moderno não se erigiu sobre os escombros do poder local. Ao contrário. O monarca absolutista português manteve a função do rei medieval de garantir o equilíbrio natural dos corpos políticos e de defender os direitos estabelecidos. Isso lhe trouxe uma dificuldade, pois ao preservar o dominium dos súditos, a monarquia precisava criar novas fontes de soberania, agregar novos espaços materiais e simbólicos que não pudessem ser questionados ou disputados pelas casas senhoriais. Qual foi a solução? A conquista colonial. Com ela, novas terras da África, da América e do Oriente eram submetidas ao domínio real e passavam a emprestar prestígio e poder ao monarca, sem que ele precisasse disputa-las com seus barões. Portanto, território e poder estão na base da aventura colonial lusa.

A existência de um corpo militar como “braço do Estado”, capaz de garantir, internamente, a preservação de extensas faixas de terra – Maria Alice de Carvalho

Ora, podemos pensar que esse princípio estruturante da política portuguesa foi reiterado no Brasil mesmo após a independência e ainda mais sob o Império. Tal princípio implicou a existência de um corpo militar como “braço do Estado”, capaz de garantir, internamente, a preservação de extensas faixas de terra, a identificação etnográfica de suas populações, a afirmação da presença do “rei” perante súditos das mais longínquas regiões. De fato, o exército brasileiro cumpriu esse percurso – o que lhe deu uma feição histórica específica, livre das influências civis e dos interesses de classes ou grupos externos à corporação. Esse é o modelo interpretativo desenvolvido por José Murilo de Carvalho e Edmundo Campos Coelho, que pensam o fenômeno militar com ênfase na sua autonomia organizacional e institucional.

Quanto à influência da corporação militar na formação das polícias é preciso pensar que a organização do exército, nos moldes em que ela tradicionalmente se dá, visa à defesa do território e a soberania nacional – o que não é caso das polícias, cujos objetivos são (ou deveriam ser) garantir os direitos dos cidadãos, prevenindo e reprimindo violações a eles. Ora, para desempenhar o seu papel, o exército precisa se organizar de modo a mobilizar grandes contingentes humanos com rapidez e eficiência, o que requer centralização decisória e uma estrutura verticalizada. Mas será esse o caso das polícias? Atuando na rua, tendo que decidir sobre como agir, gerindo seus próprios recursos, interagindo com cidadãos no espaço público, os policiais necessitam de um treinamento específico e outro tipo de organização, distinta da que tem o Exército. Enfim, em nosso regime legal, a polícia é definida como instituição militar, o que a obriga a um tipo de organização semelhante à do exército. Mas será essa a sua forma adequada?

IHU On-Line – Que tipo de mudanças ocorreram na corporação militar desde a reabertura? Quais passaram a ser as atribuições e práticas dos militares sob o Estado democrático de direito?
Maria Alice Rezende de Carvalho – As mudanças ainda estão em curso e correspondem à longa passagem de uma instituição afinada com um Estado modernizador e desenvolvimentista dos séculos XIX e XX, para uma instituição do século XXI, isto é, afinada com uma Sociedade que almeja a paz e a garantia dos direitos e liberdades dos cidadãos.

A criação do Ministério da Defesa, em 1999, por exemplo, que unificou as Forças e as submeteu a uma liderança civil, se inscreve nessa nova normatividade, assim como o Programa PRO-DEFESA, que pouca gente conhece, mas que tem como objetivo promover a aproximação entre a opinião pública e o esforço de autorreforma das Forças Armadas. Trazer ao debate público nacional algumas questões tidas, até então, como de interesse exclusivamente militar e conhecer os pontos de vista de segmentos sociais representativos do país acerca da atuação das Forças Armadas são evidências dessa mudança. O Ministério da Defesa, com recursos da CAPES, tem lançado editais para que instituições universitárias civis e militares realizem conjuntamente projetos de ensino e pesquisa voltados a questões estratégicas de defesa e segurança do país. Portanto, não é difícil perceber a relevância do PRÓ-DEFESA no contexto da democratização brasileira, quando se espera uma repactuação da sociedade em torno dos objetivos e práticas das Forças militares.

A autorrreforma das instituições militares, repito, visa ao desenvolvimento de novas capacidades para responder a demandas contemporâneas e democráticas por defesa – Maria Alice de Carvalho

Unificação das Forças, comando civil, aproximação do campo científico – tais mudanças não foram uma guinada exclusiva dos militares brasileiros. Nas últimas décadas do século XX, a maioria dasForças Armadas latino-americanas, os Exércitos em particular, passaram ou estão passando por um processo de transformação estrutural, tendo em vista as mudanças na configuração da ordem internacional e o restabelecimento da democracia na região.

A autorrreforma das instituições militares, repito, visa ao desenvolvimento de novas capacidades para responder a demandas contemporâneas e democráticas por defesa, principalmente em operações para garantia da lei, em desastres naturais, na segurança de grandes eventos e na defesa das/nas fronteiras. E o controle dessa capacitação por agências civis, como já ocorre na Argentina e vem sendo ensaiada, aqui no Brasil, pela CAPES, pode ser um sinal interessante do processo de transformação do Exército brasileiro.

IHU On-Line – Qual é o perfil das instituições militares e dos militares no país hoje?
Maria Alice Rezende de Carvalho – A pesquisa Para pensar o Exército Brasileiro no século XXI, que realizei juntamente com Eduardo Raposo e Sarita Schaffel, com recursos provenientes do PRÓ-DEFESA, dedicou uma de suas seções à caracterização socioeconômica da Força Terrestre. E dessa caracterização se extraem seis pontos principais.

O primeiro diz respeito a convergências entre aspectos verificados na população pesquisada e na população brasileira em geral, com duas exceções:

(a) o índice de oficiais brancos em relação aos oficiais negros e pardos se encontra bem acima do verificado proporcionalmente na população nacional; e (b) o perfil religioso dos respondentes aponta para um número de espíritas superior ao de evangélicos, quando, na população brasileira, os evangélicos constituem a segunda maior adesão religiosa, abaixo apenas dos católicos.

O segundo aspecto notável é a centralidade do mundo urbano brasileiro no recrutamento dos militares, principalmente de cidades das regiões Sudeste e Sul do país, com tudo o que essa geografia sinaliza em termos de maior acesso à educação pública, à informação, aos bens de cidadania etc. – fatores que, afinal, são indissociáveis do sucesso em exames vestibulares.

Outro aspecto a merecer destaque é a natureza socialmente mista do Exército, que atualmente combina oficiais cujos pais e mães são superiormente escolarizados, com cursos de pós-graduação completos – o que denota o pertencimento a uma classe média estabilizada há, pelo menos, duas gerações – e oficiais cujas conquistas escolares não recuam à geração de seus pais, o que sugere serem fruto de setores sociais populares ou de uma classe média de extração mais recente.

O quarto aspecto diz respeito ao elevado grau de endogenia institucional, embora essa característica esteja mais presente entre oficiais antigos, em postos mais elevados. Há, contudo, um interessante viés de gênero, que pode ampliar a endogenia, caso cresça o número de mulheres no Exército, pois quase 40% delas disseram que sua escolha pela carreira militar foi influenciada pela existência de outros militares na família.

Aspecto determinante na estruturação do Exército é também o cultivo da família nuclear como agência integradora do oficial à corporação e como valor associado à ordem e à solidariedade entre seus membros.

Finalmente, o sexto aspecto a ser destacado é a potencial permeabilidade do Exército a práticas inovadoras como resultado de uma estrutura institucional em que convivem diferentes classes sociais, crenças e formas de ingresso na corporação. Se, por um lado, essa feição fragmentada do Exército pode ameaçar sua autodefinição como instituição homogênea e resiliente, por outro lado tem o mérito de espelhar as transformações em curso na vida brasileira e se apresentar como instituição compatível com os novos tempos democráticos.

IHU On-Line – Por que a desmilitarização das polícias estaduais encontra tanta resistência?
Maria Alice Rezende de Carvalho – Pois é. Apesar de tantas mudanças importantes terem ocorrido no Brasil desde a Constituição de 1988, as instituições de segurança pública, dentre as quais as forças policiais, não foram significativamente modificadas, tendo sido preservada, por exemplo, a cultura da guerra ao “inimigo interno”, tão presente durante a ditadura militar. O efeito dessa cultura sobre as corporações policiais, sobretudo militares, é inegável no nosso tempo, o que acaba por combinar, de um lado, esse repertório bélico, que valoriza a coragem física e o confronto; e, de outro, aquilo que é mais caro em sociedades democráticas: um repertório técnico, que entende a segurança como um serviço público prestado universalmente a cidadãos.

A cultura da guerra ao “inimigo interno”, tão presente durante a ditadura militar. O efeito dessa cultura sobre as corporações policiais, sobretudo militares, é inegável – Maria Alice de Carvalho

Essa dualidade gera um grande imobilismo e está longe de ser resolvida a favor do aperfeiçoamento técnico da segurança pública.

Para que assim ocorresse seria necessária uma mudança profunda na própria sociedade, levando a que a democracia não seja mais entendida apenas como o ato de votar, mas como uma cultura de direitos e liberdade. Como disse, certa vez, Luiz Eduardo Soares, ex-Secretário Nacional de Segurança do primeiro governo Lula e estudioso do tema, “se as polícias agem de modo francamente racista e adotam nítido viés de classe, se territórios são estigmatizados, os problemas não estão nessas instituições e em seus profissionais apenas, mas na sociedade, em sua história”. Daí o extemporâneo apelo social que se observou durante a greve dos caminhoneiros, quando segmentos numerosos da sociedade clamaram por uma “militarização da política”; ou quando, em contextos de violência urbana exacerbada, o tema da ordem imposta por militares volta a habitar corações e mentes dos urbanitas.

IHU On-Line – A partir das suas pesquisas é possível identificar um discurso comum entre os militares acerca do nacionalismo ou do que eles considerariam um projeto de país para o Brasil?
Maria Alice Rezende de Carvalho – Em 2016, quando teve início a análise das respostas obtidas com o questionário, se podia dizer que havia fortes motivações para o processo de autorreforma do Exército brasileiro. Elas decorriam, em primeiro lugar, das grandes transformações mundiais, exemplificadas, nesse caso, pelo final da Guerra Fria e a vitória da agenda dos direitos e da igual-liberdade em escala planetária; em segundo lugar, do novo marco legal ao qual as Forças Armadasestão submetidas, especialmente a Estratégia Nacional de Defesa- END, lançada em 2008; e, por fim, das alterações observadas na percepção que os oficiais têm de si, da sua atividade e da sua cultura organizacional.

De fato, a pesquisa detectou alguns sinais de mudança orientados não apenas pela inteligência militar, mas também “de baixo para cima”, isto é, por um anseio que talvez se origine de desajustes cotidianos experimentados pelos militares e suas famílias: um deles a progressiva democratização das práticas sociais e, paralelamente, a permanência de um padrão organizacional centralizado e hierárquico que produz efeitos até mesmo na esfera familiar, sobretudo nas famílias residentes em vilas militares. É como se os militares tivessem a sua observação do mundo vazada por novos critérios, valores, juízos que não podem ser replicados em sua atividade e em sua domesticidade.

Portanto, parece que, até 2016, o que se percebia entre os militares era um desejo de atualização de suas práticas e de sua organização em face de um mundo em transformação. Penso que a pesquisa capturou esse desejo, presente nas repostas dos oficiais ao questionário.

Assim ocorresse seria necessária uma mudança profunda na própria sociedade, levando a que a democracia não seja mais entendida apenas como o ato de votar – Maria Alice de Carvalho

Há estudos comparativos, como o de Adriana Marques e Jacintho Maia Neto, que apontam que o Exército chileno migra velozmente para o modelo profissional, enquanto o brasileiro ainda preserva muitas das características de uma instituição total. Tais autores apontam que o Exército vizinho se desprende de uma feição territorialista, substituindo-a por uma concepção “empresarial” de gestão de seus recursos materiais, tecnológicos e humanos, com a diminuição de seus efetivos; e que, no Brasil, se observaria a adesão a algo parecido com esse horizonte estratégico, embora implementado de forma muitíssimo mais lenta e resguardando as nossas especificidades – a principal delas, a Amazônia, um imenso território de que o Exército não descuidará.

Mas, talvez, o aspecto importante a ser frisado seja a ausência de um novo discurso público de legitimação do Exército brasileiro perante a sociedade – algo que substitua o discurso nacionalista que acompanhou o desenvolvimentismo do século XX, e se afine com o atual processo de aggiornamento institucional. Não será, como no caso chileno, em que o ex-comandante Juan Emilio Cheyre Espinosa, em aula magna na Universidad Adolfo Ibáñez, classificou o Exército chileno como “la empresa más querida de Chile”. No caso brasileiro, tal representação dificilmente encontraria eco na corporação e na sociedade, pois seria difícil traduzir o esforço de atualização organizacional do Exército, tradicionalmente identificado com o Estado, sob a perspectiva da racionalidade empresarial.

Porém, um discurso público que expressasse a política de gestão ambiental do Exército brasileiro e o comprometimento da Força Terrestre com a melhoria da qualidade ambiental, seria talvez, uma forma de substituir o nacionalismo dos séculos XIX e XX por um propósito nacional compatível com os atuais interesses preservacionistas do planeta. Essa era uma perspectiva plausível há três anos. Vejamos o que 2019 nos reserva, nesse âmbito.


El País: “Eu e Bolsonaro nos complementamos”, diz Mourão

Ao EL PAÍS, vice-presidente diz que militares estarão na reforma da Previdência e que crê que o termo "ditadura" será revisto pelos historiadores. Para ele, Governo não propõe " aliança cega com EUA"

Por Afonso Benites e Naiara Gallaraga Gortázar, do El País

O vice-presidente Hamilton Mourão (Bagé, 1953), general da reserva do Exército, recebe cordialmente em um amplo gabinete em um dos anexos do Palácio do Planalto. É direto. Não faz rodeios. Pouco altera o tom de voz. Faz piadas sobre um antigo comandante, que diz ter “fumado maconha” quando avaliou que Mourão assumiria a Presidência por um longo período antes de 2022. E quase não foge de perguntas, mesmo quando tratam de assuntos que os militares pouco gostam, como a ditadura brasileira ou torturas ocorridas naquele período. O único assunto que não quis comentar detidamente foram as críticas feitas pelo guru do bolsonarismo, o escritor Olavo de Carvalho. “(Ele) está nos Estados Unidos, que aproveite o inverno", diz, depois de afirmar que nem vê essas queixas.

Na entrevista que concedeu ao EL PAÍS nesta quinta-feira, o vice-presidente disse que ele e o presidente Jair Bolsonaro(PSL) se complementam – ainda que reajam de maneiras bem distintas quando sob pressão da imprensa. Afirmou que os militares estarão na reforma da Previdência, mas não na mesma proposta de emenda constitucional elaborada para os civis, e que as Forças Armadas da Venezuela acabarão por abandonar Nicolás Maduro. Diante de uma repórter espanhola e de um brasileiro, ele preferiu responder aos questionamentos em um castelhano fluente, fruto de sua passagem como adido militar pela embaixada do Brasil em Caracas, entre os anos de 2002 e 2004.

Pergunta. Este Governo tem um mês e o senhor já assumiu a presidência duas vezes, por causa da viagem a Davos de Bolsonaro e a operação do presidente. Isso é muito incomum. O senhor se sentiu confortável nessa posição?
Resposta. Sim, tranquilo porque o presidente Bolsonaro e eu somos parceiros há muito tempo. Nos formamos na academia militar do Brasil com dois anos de diferença. Eu em 75, ele em 77. Há uma visão muito comum de muitas coisas. Uma das razões pelas quais ele me escolheu para ser seu vice-presidente foi porque eu sabia que ele teria paz de espírito todas as vezes que deixasse o Brasil, porque ele teria aqui uma pessoa de sua mais íntima confiança.

P. O senhor disse que não seria um vice-presidente decorativo. Qual é a sua função?
R. O papel do vice-presidente é muito peculiar no Brasil, é um baluarte da democracia. Por que digo que é o baluarte da democracia? Porque se toda vez que o presidente tiver que deixar o país, se não houvesse vice-presidente, o presidente da Câmara dos Deputados estaria em seu lugar. E isso muda a cada dois anos. O vice-presidente garante a continuidade do pensamento do Governo. Eu acho que isso é importante. A outra coisa é que estou aqui para aconselhar o presidente em todas as questões que ele considera necessárias, e para ser um companheiro, um amigo, que ele pode dividir suas ansiedades e aflições.

P. E ele o tem procurado frequentemente?
R. Sim. Ele me procura quando necessário.

P. O senhor foi adido militar na Venezuela. Certamente conhece bem esse estabelecimento militar. Agora eles apoiam o presidente Nicolás Maduro, mas acha que eles continuarão a apoiá-lo? E por quanto tempo?
R. O que acontece é que os militares venezuelanos se envolveram tanto com o bolivarianismo que hoje é um pouco difícil ficar longe disso. Mas acho que, por pior que seja a situação, em algum momento terão o que todos nós, militares, temos, que é [o compromisso de] o nosso país estar acima das paixões. Isso vai emergir e então eu acho que eles vão abandonar o senhor Maduro.

P. Acha que deveria haver uma mudança de regime? E como você acha que deveria ser feita?
R. O que acontece é que a Venezuela precisa recomeçar. O processo que aconteceu lá destruiu a economia, dividiu a população do país, um país que tem um enorme potencial por causa de suas riquezas naturais e sua posição geográfica e uma população que não é muito grande. Então tem todas as capacidades e esse processo acabou por derrubar a economia venezuelana. E quando a economia vai mal, o país vai mal. E é óbvio que a forma como as coisas foram conduzidas, a maneira como os instrumentos da democracia foram usados, em que um grupo toma o poder por tanto tempo, não é bom.  Eu acredito firmemente que uma das condições básicas para um país avançar e para uma democracia ser forte é fazer uma alternância no poder. E estão no poder desde 1999, são 20 anos do mesmo grupo no poder. Isso não é bom.

P. Essa mudança tem que ocorrer via eleições?
R. Sim, essa mudança ocorrerá através do processo eleitoral. O movimento que eu acho que precisa para que a coisa seja resolvida na Venezuela é que Maduro e seu grupo deixem o país.

P. Em quanto tempo?
R. Eu não sei, você não pode colocar tempo para isso, mas eu acho que tem que sair. Eles deixam o país e esse rapaz que agora é presidente da Assembleia Nacional (Juan Guaidó) convoca novas eleições em três meses, seis meses, em um momento em que as coisas são consertadas e depois a Venezuela recomeça porque a economia precisa ser reconstruída no país. As pessoas têm que aprender a se relacionar umas com as outras, parar de ter ódio umas pelas outras, que o país seja unido novamente.

P. Com relação à Venezuela, a mudança na política externa do Brasil é notável. Também em relação aos Estados Unidos. O que o Governo de Bolsonaro espera conseguir com essa mudança radical, da nova aliança que está sendo forjada com os EUA e Israel?
R. Eu não acho que haja uma aliança, acho que o que acontece é que o nosso Governo tem uma ideia muito próxima e muito clara dos valores que caracterizam a democracia americana, então há uma identidade com esses valores. Este é o ponto principal porque os últimos Governos não foram muito claros sobre isso. Eu não vejo hoje como uma aliança cega do Brasil com os EUA, eu vejo isso como uma aproximação para os valores que eu acredito serem importantes para a América como um todo. A América surgiu com as ideias da Revolução Francesa, com as ideias do Iluminismo. A América era uma terra de liberdade, a América como um todo.

P. Direito a voto, liberdades, separação de Poderes.
R. Sim, isso mesmo.

P. Falando disso. Em setembro de 2018, o senhor declarou, segundo a Folha de S. Paulo, de que o Brasil precisava de uma nova Constituição, que não precisa ser redigida pelos eleitos pelo povo, que preferia que fosse redigida por um conselho de notáveis. Ainda mantém essa opinião?
R. Sim, minha opinião pessoal é que nossa Constituição é muito grande. Sou defensor de uma Constituição menor que é apenas sobre os valores da democracia e do Brasil como país. Mas a forma como é redigida, pode ser pelo próprio Congresso, por uma Assembleia Constituinte eleita para isso ou, como me arrisquei na época, por um grupo de pessoas que tem muito conhecimento para escrevê-la e submetê-la a uma votação do Congresso ou da população.

P. E que seja votada?
R. Sim, que seja votada.

P. Mas que seja votara a posteriori, que os deputados não participem de sua redação.
R. O que aconteceu com nossa Constituição que temos hoje? Foi feita pelos deputados, que foram eleitos para representar o povo e, ao mesmo tempo, para serem constituintes. Eles tinham dois papéis nisso. E o que aconteceu? Os diferentes grupos de pressão colocam suas pequenas coisas na nossa Constituição, então temos essa Constituição por tanto tempo. Você imagina, em 30 anos você tem cem emendas. A Constituição americana tem mais de 200 anos e possui 27 emendas. Então, algo não está certo nisso.

P. As Forças Armadas estão comprometidas com a democracia no Brasil?
R. Não há dúvidas sobre isso. Se existe uma instituição que é democrática no Brasil são as Forças Armadas devido às suas próprias características. São as Forças Armadas que não constituem um grupo especial, as pessoas que estão nelas vêm de todos os pontos de todas as classes sociais. Eu acho até que a maioria delas vem da classe média baixa, são pessoas que conhecem muito bem o país e com ideais muito firmes de que a democracia é a melhor coisa para o país.

P. Alguns observadores nacionais e internacionais o consideram uma pessoa mais moderada do que o presidente. O que acha? É mais moderado?
R. Eu não acho que seja uma questão de moderação. Acho que o presidente e eu tivemos trajetórias diferentes em nossas vidas. O presidente é um político há 30 anos. Eu fui um soldado a vida toda. Então, com isso, temos visões um pouco diferentes sobre a maneira como nos conduzimos, mas há uma identidade de pensamento entre os dois. E obviamente há uma maneira de se expressar.

P. É natural?
R. Acho que sim, que é natural.

P. A maneira de tratar a imprensa…
R. É a minha maneira natural de tratar. O presidente tem a sua. Eu acredito que nós nos complementamos.

P. O senhor entrou no Exército durante a ditadura militar. Como classifica esse período de 1964 a 1985?
R. Sou um crítico de chamar de ditadura esse período. Sou um crítico muito forte porque, chamar de ditadura um período que, a cada quatro anos, mudava o presidente é uma ditadura muito diferente. Eu costumo dizer que foi um período autoritário, de um Governo que tinha instrumento de exceção, que foi o ato institucional número cinco. Se vocês olharem, esse foi um instrumento que vigorou de 1968 a 1979. Nos últimos seis anos do período, no Governo do presidente [João] Figueiredo não havia nenhum instrumento de exceção em suas mãos. Não pode, de nenhuma maneira, ser qualificado como um período ditatorial. E, no período inicial, do presidente Castelo Branco até a morte do presidente Costa e Silva, não havia esse instrumento. Isso a história, no futuro, vai estudar de uma maneira melhor. Naquele período houve um grande progresso econômico no país. O Brasil foi levado adiante. Éramos uma economia rural, uma indústria precária e, em dez anos, avançamos para um país industrializado. Ao mesmo tempo, houve um enfrentamento fruto da Guerra Fria, que havia naquele período. Os grupos marxistas e leninistas que existiam no Brasil diziam que estavam enfrentando a ditadura, mas na verdade estavam lutando para impor outra ditadura, a ditadura do sistema comunista. Foi uma guerra muito pequena para um país de 90 milhões de habitantes [na época]. Dos dois lados, somando, morreram pouco mais de 400 pessoas. Hoje, matam 60.000 no Brasil por ano e ninguém fala sobre isso.

P. Mas as pessoas não podiam votar. Não era uma ditadura?
R. As pessoas não votavam para presidente, mas elegiam seus representantes para o Congresso. Nas eleições do ano de 74 a oposição, o MDB, venceu as eleições. Que ditadura é essa? Depois, no período do presidente Figueiredo, quando se voltou a eleger os governadores dos Estados, a maioria dos Estados caiu nas mãos da oposição.

P. Pode-se, ao mesmo tempo, admirar a democracia dos Estados Unidos e dizer que esse período do Brasil foi bom?
R. O período teve seus erros, como tudo na vida. Mas era um momento diferente, uma geração diferente. Há que se perguntar isso desde os primórdios da República no Brasil. A minha visão, como uma pessoa que estudou um pouco a história é que, 1964 foi o ponto final das intervenções militares no Brasil. Foi a intervenção última. A transição do período de 64 para o atual período foi a única pacífica, ou sem golpe, de nossa história republicana. A República se inicia no ano de 1889, em 1930 há uma revolução, em 1945 Getúlio [Vargas] cai por outro golpe, depois há a mudança pela tomada de poder pelos militares, mas em 1985 os militares entregam o poder de forma pacífica e ordeira aos civis. Então, foi um regime que se auto-extinguiu.

P. E quais foram esses erros?
R. Creio que foi uma estatização excessiva no período do presidente [Ernesto] Geisel, quando se criou uma quantidade de empresas estatais muito grande. Deixamos de ter um sistema econômico mais liberal, como vinha do período do presidente Castelo Branco, para um momento de intervenção do Estado na economia que depois nos mostrou que não era a melhor forma de conduzir o país.

P. E a tortura?
R. A tortura é uma questão de guerra. Na guerra, a primeira vítima é sempre a verdade. Há muita gente que diz que foi torturada e não foi. E outros que foram e não falam nada.

P. Não nega que tenha havido.
R. Que houve, sim. Mas era guerra. Guerra é guerra. E houve dos dois lados. Ninguém fala do tenente da Polícia Militar assassinado por chutes em sua cabeça por [Carlos] Lamarca e seu grupo. Ninguém fala disso. Há que colocar os dois lados de sua história.

P. No conselho de ministros sentam-se vários militares e ex-militares [são sete]. Qual é o papel dos militares em um Governo civil?
R. Eles estão como civis. São ministros e atuam como civis. Óbvio que trazem sua bagagem, todo o seu conhecimento que tiveram no decorrer da vida das Forças Armadas. Mas há uma visão um tanto distorcida. O General [Augusto] Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional ocupa um cargo que é de militar, sempre foi. Quem são os diferentes? O general Santos Cruz, na secretaria de Governo, o almirante Bento [Albuquerque], no ministério de Minas e Energia, o senhor Tarcísio [Freitas, da Infraestrutura] foi militar, saiu do Exército há muito tempo. O Wagner [Rosário, da Controladoria Geral da União] também. Ele saiu como capitão. Então não são aquelas pessoas que tiveram toda a sua vida dedicada às Forças Armadas. Eu os considero distintos. Já eram civis e estavam nessa situação há algum tempo.

P. Acredita que os militares devam estar na reforma da Previdência?
R. Sim. E eles estarão.

P. Mas já nesse primeiro momento?
R. Está havendo uma confusão porque não há um sistema de previdência dos militares nos moldes do sistema bismarckianos, como conhecemos. São regimes distintos. O que acontece é que as mudanças para os militares podem ser feitas por meio de um projeto de lei, normal. É diferente da emenda constitucional que precisa ser feita para o regime geral. A visão do grupo militar é essa: uma vez que alguma coisa tem mais dificuldade, como uma emenda constitucional, ela tem de avançar. Quando ela for aprovada em primeiro turno, entra o projeto de lei dos militares, para que cheguem os dois juntos ao final.

P. Porque na prática esse projeto de lei é mais simples de se aprovar.
R. Sim, mais simples. Então, a preocupação dos militares é que se aprove o projeto de lei dos militares e a emenda constitucional, não é. Aí, só eles ficam nessa situação. Essa é a visão que eles têm e eu concordo com eles.

P. E haverá uma idade mínima para os militares?
R. Não. Para os militares não é o caso. Haverá o aumento do tempo de permanência no serviço ativo.

P. Pergunto porque, para nós, civis, soa estranho ver uma pessoa com 47, 48 anos se aposentando.
R. São situações distintas porque a carreira militar também impõe alguns tipos de dificuldades para a vida da pessoa, tem uma carga de trabalho que cada um tem de cumprir. Mas também não sou defensor que uma pessoa se aposente aos 47, 48 anos porque hoje um homem ou uma mulher com essa idade, ainda tem muito para fazer. Inclusive na parte física. Eu creio que, em um primeiro momento, vai avançar até os 35 anos de idade de serviço ativo e, talvez, em um futuro próximo, até mais. Quanto mais vivamos.

P. O que falhou para que, em três anos, acontecessem duas catástrofes similares como a de Brumadinho e a de Mariana? No caso de Brumadinho com um dano humano muitíssimo maior porque, agora há 110 mortos.
R. Vai ter mais de 300. O que acontece é que nós somos muito bons em legislação, mas péssimos em fiscalização. Há que fiscalizar, é isso. Não há muito o que argumentar. A lei existe, então, há que impor a lei. Na reunião do Conselho de Ministros, na terça-feira passada, eu citei uma frase do general [George] Marshall, que foi o chefe do Estado Maior do Exército americano na Segunda Guerra Mundial. Ele dizia que para cada dólar de soldo de um militar profissional, dez centavos correspondem às ordens dadas. E noventa centavos, à fiscalização. No Brasil é isso. Tem de fiscalizar.

P. Como vê as críticas de Olavo de Carvalho aos militares que atuam no Governo Bolsonaro?
R. Não as vejo (risos).

P. Mas ele é tido como o guru do presidente Bolsonaro.
R. Nãaaao. Olavo de Carvalho não é... Deixa ele. Onde ele está? Na Pensilvânia que ele vive?

P. Não sei ao certo, sei que é nos Estados Unidos.
R. Está nos Estados Unidos, que aproveite o inverno.

P. O programa de governo não inclui propostas para a minorias, como as mulheres, os negros, os indígenas, a comunidade LGBT. Acredita que esses grupos não precisam de políticas específicas?
R. Acredito que é preciso ter políticas específicas para tirar as pessoas da pobreza. Existem pobres brancos, pobres negros, pobres indígenas. Então, se você tem políticas para tirar as pessoas da pobreza, que lhe dê empregos, que lhes dê educação, acesso à saúde e melhores condições de vida.  Que tenham uma habitação segura, com água, com tudo o que é necessário, independentemente da cor da pessoa. Há muito essa questão dos negros, há brancos e negros nesta situação. Se você vai em qualquer favela de nossas grandes cidades vai ver pessoas de todos os tipos. Óbvio que nas regiões de Sudeste e Nordeste há mais pessoas negras. Mas os pobres da região Sul são brancos. Há que tirar as pessoas da pobreza.

P. Uma vez que elas saiam da pobreza, entende que a igualdade está garantida?
R. Na minha visão de igualdade você tem de colocar todos juntos na linha de partida. E para colocá-los juntos você dá educação, saúde e segurança. A partir daí, você sabe que todas as pessoas são distintas. Umas vão correr a maratona toda e outras vão ficar pelo caminho porque essa é a natureza humana. O grande papel do Governo é que todas as pessoas comecem da mesma maneira. E não umas que conseguirão começar porque outras ficaram para trás porque não têm acesso a nada.

P. O ponto de partida em diversos países há quase cinquenta anos é quase igual ao dos homens. Todas recebemos a mesma educação que nossos irmãos, ou nossos namorados e maridos, mas não chegamos ao mesmo ponto. Somos mais da metade da população e estamos pouco representadas neste Governo, por exemplo. Isso porque não corremos bem a maratona ou porque o sistema não ajuda?
R. As mulheres são diferentes em todos os países. Aqui se fala muito disso, da representação política das mulheres. Olhe o Parlamento. Há uma legislação que obriga o partido político a ter três mulheres candidatas para cada dez homens. É difícil. Onde estão as mulheres que querem participar da política? Há muitas que não desejam. É complicado isso. As mulheres brasileiras têm outros interesses. Há grupos em que você vai encontrar pessoas que estão olhando para a política, mas a grande maioria não está. Esse é um avanço que o país terá de viver. Acredito que hoje a força da mulher no Brasil é muito ampla. Porque um grande número de mulheres administra suas casas sozinhas, por si próprias, um grande número de mulheres ocupa posições importantes em empresas privadas, em empresas públicas. Então, acredito que é um processo. E eu tenho toda a tranquilidade para falar isso porque minha mãe era uma mulher nascida nos anos 1920 e era uma pessoa que trabalhava, foi diretora de escola. Ela era uma pessoa à frente do seu tempo. Aprendi isso em minha casa.

P. Por que recebe tantos diplomatas? Em um mês foram quase dez.
R. Acho que eu os encanto (risos). Acredito que eles vêm aqui para fazer visitas de cortesia, para apresentar suas ideias de intercâmbios que podemos ter e manter o que há. São coisas de cortesia.

P. Seu amigo e ex-comandante, o general Paulo Assis, que foi o responsável por sua filiação ao PRTB, disse ao site Intercept que o via ocupando a presidência antes de 2022 de uma maneira mais longa do que ocupou recentemente. Como se sentiu ao saber disso?
R. Uma coisa que se fala na Venezuela... o general Paulo Assis, quando disse isso, fumou uma “lumpia” [um termo coloquial para dizer que “fumou maconha”]. (Risos). Quando cheguei ao PRTB disse ao presidente do partido Levy [Fidelix] que entrava no partido por uma única situação. Caso Bolsonaro necessitasse de nós, na posição de vice-presidente, nós iríamos com ele. Somente isso, nada mais.

P. Não tem pretensão de se tornar presidente?
R. Jamais tive. Minha pretensão foi a que logrei, de ser presidente do Clube Militar [no Rio de Janeiro]. Eu estaria tranquilamente na praia, sem problemas.

P. Quando diz nós, em quem estava pensando?
R. Nós, somos o partido. Eu e o PRTB.


Correio Braziliense: 'Ninguém consegue milagre sem o Congresso', diz Temer

A 17 dias de terminar o mandato e passar a faixa para Jair Bolsonaro, emedebista afirma, em entrevista exclusiva ao Correio, que apenas a conversa com lideranças não garante a aprovação de projetos

Por Ana Dubeux, Denise Rothenburg, Luiz Carlos Azedo e Leonardo Cavalcanti, do Correio Braziliense

Há um ditado nos gabinetes de Brasília de que o café servido pelos garçons aos presidentes nos últimos dias de mandato vem frio. É como se a desimportância dos políticos ficasse evidente para todos os funcionários do Palácio do Planalto. “O meu café continua quente”, afirma, em tom de brincadeira, Michel Temer. Em seguida, sério, ele emenda: “Há um reconhecimento em áreas”. E passa a citar algumas homenagens que recebeu nos últimos tempos, citando inclusive o “Fica Temer”, uma brincadeira que viralizou depois das eleições. “Mesmo sabendo do tom, foi algo positivo, simpático.”

Ao fazer a avaliação dos dois anos e meio de governo, Temer acredita que a relação aberta com o Parlamento está entre os principais legados. “Ninguém consegue milagre sem o Congresso”, diz ele, que acredita que o próprio presidente eleito, Jair Bolsonaro, apesar do discurso contra negociações com partidos e parlamentares, está mudando a posição. “Ele já chamou bancadas partidárias para conversar. E o depoimento de todos que vêm aqui é de que ele fala que precisa do Congresso.”

Ainda sobre o substituto, Temer parece esperançoso. “Ele tem uma grande vantagem, interessante e muitas vezes criticada, que é a história do recuo. O recuo é algo democrático”, diz Temer, que conversou com Bolsonaro, sendo capaz de elogiar a equipe ministerial e os projetos propostos. Confira os principais trechos da entrevista de quase 90 minutos feita na manhã de ontem no gabinete presidencial. A bebida servida, cappuccino com chocolate, estava quente.

Como a história vai tratar o senhor?
Sem ser otimista, mas realista, acho que vai ser de maneira muito positiva. Até positivo por indicativo do presente momento. Percebo que o número de homenagens que tenho recebido de 15 dias para cá — até tenho procurado evitar muitas delas porque não há espaço —, vejo que as pessoas estão com um reconhecimento muito acentuado. E eu até brinco. “Olha, quando você chega no último mês, o café esfria. E o meu café está quente ainda.” Na verdade, as pessoas me homenageiam muito, pessoal da indústria... Há um reconhecimento em áreas. Agora, se me perguntar a popularidade, até podia dizer que aumentou 100%: de 4% para 8%. Mas, evidentemente no grande público, ainda não há popularidade. O reconhecimento está começando agora e vai prosseguir. Tive uma homenagem da Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão) em que eles falaram maravilhas. Eu disse: “Até agradeço muito, fiz as coisas que fiz em nome da liberdade de imprensa, que faz parte de outro direito, a liberdade de informação”. E não é em nome do empresário, mas em favor do povo. Na Constituição, você tem o poder da resposta, para completar a informação. Hoje, até os jornais colocam “o outro lado” para dar a informação completa. Então, eu disse: “Isso realmente aconteceu em homenagem à Constituição. Eu trabalho por essas instituições, porque nós passamos e as instituições ficam. Agora, com muita franqueza, alguns setores tentaram me derrubar durante um ano e pouco e não conseguiram.

Quais os setores?
Vocês sabem quais são.

Qual foi o maior legado nestes dois anos?
Na economia, eu serei até repetitivo se disser o que aconteceu. Peguei um PIB negativo, em maio, de menos 5,9%. Pegamos em meados de maio de 2016 e, quando chegou em dezembro, o PIB era negativo em 3,6%. Quando chegou em dezembro de 2017, era positivo em 1%. Portanto, caminhamos 6,9 pontos percentuais no PIB brasileiro. Segundo ponto: basta pegar a inflação, o que fizemos com os juros, com as empresas estatais. Há quatro anos, a Petrobras perdeu muito a credibilidade nacional e internacional, hoje recuperada. O Banco do Brasil, quando entramos aqui, a ação valia R$ 15. Hoje, vale R$ 45. Isso foi há quatro meses. Ou seja, o patrimônio público aumentou três vezes. Se valia R$ 35 bilhões, passou a valer cento e tantos bilhões. Correios, só dava prejuízo. Quando houve balanço positivo? No primeiro semestre deste ano. Eletrobras, todas as empresas. Então, sob o enfoque econômico, tudo isso melhorou muito. À parte, a história das concessões e das privatizações, que estão dando um resultado extraordinário. Não exatamente para o meu governo, mas vai se projetar para o futuro. Nas relações internacionais, progredimos muito, porque universalizamos as nossas relações, ou seja, não nos pautamos por critérios ideológicos. Pode até se tomar o caso da Venezuela. Temos relações com o governo? Temos. Mas com o Estado venezuelano. Não temos a melhor impressão do regime venezuelano, que é outra coisa. Tempos atrás, tive uma reunião em Lima, na Cúpula das Américas. E eu disse lá para o Peña Neto, presidente do México, para o Macri (da Argentina), para o presidente Piñera (Chile), que no Brasil temos uma regra constitucional que determina que toda política pública deve visar a uma comunidade latino-americana de nações. Temos o Mercosul. Precisa criar a Aliança do Pacífico. Acho que nós devemos fazer um entrosamento desses dois setores. O presidente Peña Neto marcou uma reunião no México e chamou o Mercosul. Foi fruto dessa conversa. Fizemos uma declaração conjunta e recentemente fizemos um grande acordo com o Chile. Estamos ampliando essas relações. Na área do meio ambiente, nós duplicamos a área de preservação ambiental do Brasil.

Como o senhor avalia, então, os movimentos do futuro governo na política internacional?
O presidente Bolsonaro tem uma grande vantagem, interessante e muitas vezes criticada, que é a história do recuo. Eu, muitas vezes, fui criticado: “Ah, o Temer recuou disso ou daquilo”. O recuo é algo democrático. Quando você vai tomar um caminho e percebe que não é o melhor, você muda de direção. Primeiro, que ele está formando uma equipe econômica da melhor qualidade. Segundo, ele está acertando na escolha dos ministros. E, aqui, eu puxo um pouco para o meu lado. Vejam quantos ministros nossos estão sendo aproveitados.
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Especialmente São Paulo.
Lá foram seis ministros, aqui (no Distrito Federal), foram três ou quatro. Mais secretários executivos. O presidente Bolsonaro, tendo essas questões, vai modificando sua forma de ver o mundo em termos internacionais. Eu tive oportunidade, quando conversei com ele aqui. Como ele é muito litúrgico, ele disse: “Presidente, que conselho o senhor me dá?” Eu disse a ele que não dou conselho para presidente eleito, mas, se quiser, palpite eu dou. Aí, tive a ocasião, como fiz uma ótima relação com a China, com o presidente Xi Jinping, disse que aquele país é nosso principal parceiro comercial e que se a China fechar as portas para nós, imagina o que acontecerá com minério, carne, soja... Eu sempre universalizei as nossas relações, mesmo com os países árabes. São 54 países que importam 40% da nossa carne e carne de frango também. Não podemos fechar nossos mercados. Nossa relação é político-comercial.

E ele (Bolsonaro) falou o quê?
Disse que realmente estava revendo todas essas coisas. O fato de dizer que poderia rever essas questões, como de resto tem falado nos últimos dias, eu acho que ele vai primeiro fazer uma coisa interessante: dar sequência ao que nós fizemos. Porque a campanha do outro candidato do segundo turno (Fernando Haddad) dizia que ia destruir tudo: a reforma trabalhista, o teto dos gastos. Ao contrário: o Paulo Guedes, que esteve comigo também, é adepto do teto dos gastos. Acho, então, que o governo Bolsonaro vai dar sequência ao nosso governo, especialmente no tocante às reformas. Eu falava sempre que a reforma da Previdência, num determinado momento, saiu da pauta legislativa, mas não saiu da pauta política do país. Eu acho que se fará logo no primeiro semestre do ano que vem. A reforma é fundamental, no país, para reduzir o deficit público. E veja que não é improvável que eles acabem utilizando, senão a nossa reforma, a maior parte.

Os princípios do texto?
Sim. No geral, as pessoas não têm projeto. Porque o nosso projeto é de uma suavidade extraordinária. Para o sujeito chegar a 65 anos, leva 20 anos. A cada dois anos, aumenta um ano. E de igual maneira no caso da mulher. Para chegar a 62 ou 63, leva 20 anos. A cada 2 anos, um ano. O outro ponto da reforma é a abolição dos privilégios, até pautados pelo princípio da igualdade, que é uma determinante constitucional. Então, não tem cabimento o trabalhador do setor privado ganhar aposentadoria máxima de R$ 5.645 e quem está no setor público poder se aposentar com R$ 33 mil. A pessoa pode se aposentar com R$ 33 mil? Pode. Mas vai ter que dar uma colaboração maior. Se ele paga R$ 1 mil de Previdência, talvez vai ter que pagar R$ 2 mil, R$ 2,5 mil. Uma espécie de capitalização. Você acaba igualando os sistemas. Você pega idade de um lado e queda dos privilégios de outro lado. Segundo ponto: não se atinge a pobreza. Não pegamos os trabalhadores rurais, não pegamos o benefício de prestação continuada. Isso está tudo liberado. No geral, aqueles que não querem a reforma dizem: “Ah, vai acabar com os pobres, idosos, coitados, vão perecer.” Não é nada disso.

É o discurso das corporações.
Claro. Mas foi um discurso equivocado. Para não dizer falso.

Mas a reforma de Bolsonaro também vai poupar os militares, como a do senhor poupou. Isso torna a mudança incremental, não?
Não. Nós articulamos muito bem isso e, na oportunidade que nós providenciamos a reforma da Previdência, os setores militares, juntamente à Casa Civil, estavam providenciando uma lei especial para os militares, que também os colocava no sistema previdenciário. Tem na Constituição o princípio da igualdade, que não é apenas tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Toda vez que se vai fazer uma discriminação, você precisa ter uma espécie de correlação lógica entre a razão que leva a discriminar e a própria discriminação. Um exemplo muito concreto: não tem cabimento colocar carcereira mulher na penitenciária masculina. Isso não é violar o princípio da igualdade. Como de resto, os militares têm todo um tratamento especial e uma conduta especial de natureza funcional. Então, é razoável que haja uma discriminação nessa base da correlação lógica. Eu acho que, promovida a reforma da Previdência, já com o estudos que foram feitos, pode conduzir o novo governo também a fazer uma reforma (para os militares) fora do projeto principal.

Quem participou desses estudos entre os militares?
O general Etchegoyen, do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), (Eliseu) Padilha e os comandantes.

Qual é a grande frustração que o senhor tem em relação a esse período em que exerceu o cargo mais importante do país?
Foram os ataques de natureza moral, porque os ataques políticos não me preocupam minimamente. Ao longo do tempo, convenhamos, não foram poucas as tentativas até de inviabilizar o governo. E veja que nós não nos inviabilizamos. Vocês se lembram do tal “Abril vermelho”, que tinha todo ano? Sabe por que não houve abril vermelho? Porque distribuímos mais de 250 mil títulos de regularização fundiária que não eram entregues, porque havia um interesse ideológico em manter o estoque. Nós tivemos greves, movimentos de rua que paralisaram o país, fora a dos caminhoneiros? Não. Porque agimos corretamente aqui no governo. Então, volto a dizer que uma das minhas frustrações foi ataque de natureza moral, porque vou precisar sair daqui e vou precisar trabalhar para sobreviver. Hoje, mais do que nunca, verifica-se que os meus detratores foram presos. Em face de uma gravação equivocada, acabaram sendo presos. Um procurador que trabalhava, enquanto procurador, para uma empresa, não quero nominar ninguém, acabou sendo denunciado pelo próprio Ministério Público Federal. Havia uma trama para derrubar o presidente da República. O tempo ajuda a resolver essas questões. Os dados são extremamente positivos. A única frustração é essa.

Como isso afetou a família?
É um horror. A gente tem uma longa trajetória. E eu tive, graças a Deus, uma trajetória advocatícia, na Procuradoria do Estado, na advocacia privada, na universidade, livros publicados — um que vendeu mais de 400 mil exemplares. Quando cheguei à Presidência, eu falei: “Poxa vida, se não tivesse chegado aqui, não teria esses problemas”. Alguns desses, até de natureza processual. A família ficou muito abalada, o tempo todo. As minhas filhas diziam que eu tinha que resistir, porque não foram poucos que naquela ocasião falavam para renunciar. Renúncia seria me autodeclarar culpado. A Marcela ficou abalada, mas muito corajosa, graças a Deus. Então, ela sempre me deu muita força, muito apoio, mas é claro que é desagradável. As notícias (que) aparecem na televisão: parece que eu sou um bandido, um corrupto.

Quais os erros o senhor cometeu nesse período?
Talvez, eu não tivesse que trazer para cá um hábito que me acompanhou a vida toda, um hábito próprio que também deriva um pouco da educação, que é atender as pessoas com muita atenção e o hábito parlamentar de atender as pessoas fora de agenda. Até hoje é assim. Eu recebo as pessoas, e isso me criou problemas. Mas, se de um lado me criou problemas, de outro, solucionou problemas. Por exemplo, como eu cheguei até aqui? Por causa do apoio do Congresso. E não foi só por lideranças. Eu tinha um apoio pessoal. Eu crio contatos pessoais com deputados, senadores. Convenhamos, fui vítima de dois pedidos de impeachment. E, com maior tranquilidade, foram recusados.

O presidente Bolsonaro está querendo mudar esse tipo de relação com o Congresso. Ele quer fazer o contato via bancadas temáticas. Isso funciona?
Eu acho que ele está mudando um pouco. Ele já chamou bancadas partidárias para conversar. E o depoimento de todos que vêm aqui é de que ele fala que precisa do Congresso. Isso de bancada temática, talvez, tenha nascido muito em função da escolha da deputada Tereza Cristina para a Agricultura. Mas a Tereza, eu sou testemunha disso, tem uma atuação na área da agricultura muito intensa. Então, é muito natural que isso aconteça. Agora, eu reconheço os hábitos parlamentares. Não basta você falar com líder hoje. Antes, você falava com o líder, ele transmitia para a bancada, e as coisas caminhavam. Hoje, é preciso muito contato individual. Recebia sempre 20 deputados, 10 senadores. Eles querem um contato pessoal. Para a surpresa minha, eles diziam que nunca entraram nesta sala. E eu acho que recebi, pelo menos da base parlamentar, todos.

O senhor buscou a relação com o Congresso...
Eu exerci um governo, até vocalizei isso, próximo do semipresidencialismo, porque fui três vezes presidente na Câmara dos Deputados, e eu me recordo que o Congresso sempre foi um apêndice do Poder Executivo. Porque nós temos uma cultura política muito centralizadora. Eu trouxe um Congresso para participar do governo. Eu sempre digo, o Congresso governou comigo e eu acho que esta relação com o Congresso é uma relação importante para a democracia, não só para o governo. É pra você mostrar que ninguém consegue chegar aqui, sentar aqui nesta cadeira e fazer milagre no país, se não tiver apoio do Congresso e também apoio da sociedade, não basta ter um dos apoios. Por exemplo, na modernização trabalhista, eu tinha apoio do Congresso, mas nós fomos buscar apoio da sociedade, porque o ministro do Trabalho, na ocasião, visitou centrais sindicais e federações de indústria e comércios, passou oito ou nove meses para formatar a reforma trabalhista. Quando lançamos, nós tivemos aqui discursos de seis, sete centrais sindicais e seis ou sete federações trabalhistas. Então, acho que este diálogo é fundamental.

O apoio popular não basta, então?
Eu acho que ele não supre a necessidade legislativa. O que pode ocorrer com as redes sociais é que elas influenciam o Legislativo, é isso que vai acontecer. Dizer que você vai substituir o Congresso pela vontade popular, eu acho até um pouco problemático.

O que seria uma democracia direta…
Eu acho que ainda não é possível. Pelo seguinte: a vontade popular é fundamental, mas há momentos em que ela se manifesta. O momento correto para a manifestação popular é quando há as eleições. Na eleição, ele vai lá e escolhe quem acha que deva governar. Agora, que ela possa superar a vontade do Congresso não é bom, porque o Congresso, queiramos ou não, é a representação de vários setores da sociedade. O Congresso é uma coisa importante para a democracia. O povo absolveu Barrabás e condenou Cristo, estou dizendo o óbvio. Então, essa história é muito perigosa para você contar as coisas na mão do povo, você tem que ter o povo para influenciar aqueles que legislam.

O que o senhor pretende fazer a partir de 1º de janeiro?
Devo viver comigo mesmo. Nunca tive tempo até hoje, e vou voltar para o meu escritório em São Paulo.

Não pretende viajar, passar um período no exterior?
Não vai dar, vai ser difícil fazer.

A história de embaixada é conversa?
É conversa, eu nunca falei nisso e nem ninguém me falou nisso.

Por que essa eleição quebrou tantos paradigmas, foi tão diferente?
Isso não me surpreende e não deve nos surpreender. Pelo seguinte: há um momento em que o povo quer mudar tudo, e o que houve nesta eleição foi isso. Este é um fenômeno inédito. Mas foi a primeira vez? Não é verdade: no tempo do Lula, a coisa funcionou do mesmo jeito e, por isso, elegeram o PT e o Lula… Então, são momentos da democracia e nós temos que compreender isso, porque se nós formos fixar apenas em parâmetros nossos, nós vamos sempre usar o “não, isso aqui deu tudo errado”. Vem uma nova concepção. Ela será testada e será aprovada ou não aprovada.

A eleição do Bolsonaro é um teste para a democracia?
É uma comprovação da existência do sistema democrático. Já houve um governo mais de centro, mais de esquerda, agora pode vir um mais conservador. Eu sou um pouco contra essa história de rótulos. Para o povo, não interessa. Interessa para nós que achamos gracioso esse negócio de direita e esquerda. O povo quer saber de resultado. Por exemplo, se o governo Bolsonaro mantiver a economia num ritmo adequado, ninguém vai perguntar se é de direita ou de esquerda. Se algum dia vier um chamado de esquerda, também você com dinheiro no bolso e sobrevivendo… Mais do que um teste para a democracia é a revelação da democracia…

Não tem muito general nesse governo?
Você sabe que eu não tenho nenhuma objeção. Precisa acabar com essa separação entre militares e civis. Porque os militares são brasileiros e brasileiros muito bem preparados. Eu reconheço que, aqui, eu tive muito apoio de setores militares. Claro, isso é fruto da nossa história. Tivemos, recentemente, aquela questão de 1964 que traumatizou muito o país. Nos Estados Unidos, as pessoas têm militares à vontade nos governos e ninguém faz essa separação .

Essa questão na avaliação do senhor está superada?
Está superadíssima. Até porque, se chegaram ao poder, chegaram pela via da eleição.

O senhor foi mudando a posição sobre o impeachment ao longo do tempo. Alguns o acusam de falta de lealdade.
Em primeiro lugar, ela (Dilma Rousseff) não me incluía em nada. E quando eu digo que não me incluía em nada, eu não estou me conduzindo pela minha própria visão, pela visão que até a própria imprensa tinha. Não era sem razão que, muitas vezes, se publicava: presidente fez reunião com o seu núcleo duro. No meu governo, não teve núcleo duro, não é? Porque eu universalizei tudo. Porque ela fazia isso e não me dava a mínima, nunca deu. Aliás, uma única vez ela me chamou para fazer articulação política. E eu disse: “Olha, presidente, eu não posso fazer isso, porque eu sou vice-presidente. Só se a senhora transferir as competências de relações institucionais para a vice-presidência”. Ela disse: “Faço isso hoje”. E daí fez. Realmente, eu comecei a exercitar e foi quando, convenhamos, nós conseguimos aprovar algumas medidas importantes, que havia grande dificuldade no relacionamento com o Congresso, mas eu fiquei três meses.

Quais as medidas?
As medidas provisórias em relação ao abono salarial. Eram questões relativas à Previdência e uma relativa à desoneração tributária, eram duas ou três, três medidas, eu acho. Mas, evidentemente, eu assumi compromissos de participação com esse pessoal no governo, e paguei com meu cartão de crédito político. Quando vieram me cobrar, eu disse a ela: “Olha, presidente, eu tenho encaminhado uns pleitos lá dos ministérios e os ministérios não fazem. Eu posso ligar e falar com os ministros? Eu tenho que fazer isso, porque isso é compromisso”. Daí, ela disse: “Não faça isso, não. Isso é muito ruim”. E eu falei: “Opa, está meio complicado. Eu não posso ficar nessa situação.” E, aí, eu percebi a dispensa que ela fez quando disse: “Não, está bom, então, você fica na macropolítica”. Como a macropolítica não é nada, eu percebi e, de fato, daí o distanciamento dela foi muito grande em relação a mim. Agora, meu trato com ela sempre foi muito cerimonioso, não era um trato de presidente e vice-presidente. Eu me lembro até de uma fotografia muito expressiva do (Barack) Obama, quando houve aquela operação contra o Bin Laden. Quem é que estava naquela saleta lá era o Obama, o John Biden (vice-presidente) e a secretária de Estado, que era a Hillary Clinton. Aqui, eu não tinha função nenhuma.

Esse distanciamento foi criando uma situação ainda mais desagradável?
O distanciamento foi natural. Agora, quando surgiu o problema do impeachment, sabe o que eu fiz? Eu fui para São Paulo, porque o vice é sempre o primeiro suspeito, não é? Só voltei nos últimos quatro dias que antecediam a votação.

E aquela carta?
A carta foi bem antes. Eu até usei a expressão: “A senhora me trata como vice decorativo”.

E por que o senhor não saiu entre o primeiro e o segundo mandato?
São circunstâncias políticas. Quando eu fui para a vice-presidência na primeira eleição e levei o PMDB comigo, eu fui porque eu não poderia mais ser candidato a deputado federal. Eu tinha sido seis vezes deputado federal e três vezes presidente da Câmara. E aconteceu o seguinte: quando eu ia na região do estado de São Paulo, alguém dizia: “Aqui é a região do deputado fulano”. E eu começava a ficar constrangido. Tanto que, na última eleição, eu quase não visitei o estado. Então, quando surgiu a oportunidade de ser vice, eu falei: “Bom, vou lá!”. Depois veio a segunda campanha. Na primeira aliança PMDB/PT, a votação que nós tivemos no PMDB foi de 80%. Na segunda, foi pouco mais de 50%. E só houve aliança porque, convenhamos, eu era candidato a vice. Então, fui para o segundo mandato nessas condições.

A classe política está muito desacreditada ainda. Como se recupera essa credibilidade?
Eu acho que o descrédito pode gerar crédito, porque chega um determinado momento em que o descrédito é tão grande que as pessoas se apercebem disso. Eu acho que o Congresso vai se aprimorar cada vez mais. Eu até não faço críticas ao Congresso, eu acho que houve uma campanha de desvalorização da classe política. E como todo corpo institucional, você tem gente boa e gente que não se comporta adequadamente.

A irreverência das redes falava em #FicaTemer. Como é que o senhor analisa essa situação de um momento crítico, doloroso, para outro um pouco mais agradável?
É um certo reconhecimento, não é? Embora em tom de brincadeira, nós tivemos milhares de pessoas falando isso. Então, é uma certa brincadeira que gera um certo reconhecimento.

O senhor vai continuar na luta política?
Eu acho que não.

Conversando com as pessoas, recebendo…
É natural. Eu já estou me preparando psicologicamente para o dia 2 de janeiro, pois será um corte. Trabalho aqui das 8h à meia-noite, diariamente. Então, não é brincadeira isso. É uma coisa que, aqui, no Jaburu, no Alvorada, onde quer que seja e, de repente, não vai ter. O que fazer, não é?

O senhor pretende escrever um livro?
Ah, isso eu vou fazer.

E sobre esses processos que continuam contra o senhor no Supremo?
Vão para o primeiro grau.

Então, o senhor vai ter de separar um período do dia para cuidar disso.
Eu vou contratar um advogado. Eu vou voltar a ler tudo. Claro, agora, eu não tenho muito tempo. Agora, é o advogado que cuida.

O senhor mesmo vai cuidar dos seus processos?
Não, eu vou acompanhar.

Passa pela cabeça do senhor uma situação mais extremada?
Eu não creio, porque a coisa sairá do foco político para o foco jurídico. E, no foco jurídico, estou tranquilo. No foco político, é muito bom falar mal do presidente, percebe? Eu não acho que ninguém vai querer, tipo assim, exibir um troféu. Colocar a cabeça do presidente na parede.

E a rua?
Você sabe que eu vou a restaurante em São Paulo? Você vai e as pessoas vêm te cumprimentar. Eu posso andar, não tenho nenhuma dificuldade.

"Dilma não me incluía em nada. E quando eu digo que não me incluía em nada, eu não estou me conduzindo pela minha própria visão, pela visão que até a própria imprensa tinha"
O Sérgio Moro acertou ao aceitar o cargo de ministro?
Acho que cada um tem as suas concepções. Acho que ele achou que era bom para ele. Aí, entra muito a questão individual. Vou dar o meu exemplo. Eu quando fui nomeado secretário de Segurança, eu até resisti, mas o (Franco) Montoro insistiu, então, eu fui. Na primeira semana, pensei: “Meu Deus do céu, o que eu vim fazer aqui, eu não entendo nada disso e eu vou me dar mal aqui.” Eu estava assistindo a um programa de televisão, e Gianfrancesco Guarnieri tinha sido nomeado secretário da Cultura. E o entrevistador perguntou para ele: “Como é que vai ser agora de terno e gravata?” Ele respondeu: “A vida também é uma interpretação. Você tem de interpretar bem aquilo que a vida te entrega”. Você sabe que eu ouvi aquilo e falei comigo mesmo: “Poxa vida, a vida me entregou essa função de secretário. Fui na segunda-feira lá no gabinete, chamei o delegado-geral, o comandante da PM e exerci o papel que a vida me entregou. Então, no caso do Moro, a vida entregou para ele esse papel, e ele acolheu.

Integrantes do seu governo estão compondo a equipe do Ibaneis. Ele também já fala em candidatura do MDB. Já está na hora para isso?
Eu acho que cada um age como acha que deve agir. Acho que Ibaneis vai fazer, pelo entusiasmo que ele mostrou. Eu acho que ele será um bom governante e todo bom governante pode aspirar à Presidência da República, não tenho dúvida disso. Basta ser um bom governante para naturalmente (se candidatar)... Fizemos junta comercial, região metropolitana (do Entorno).

 


Política Democrática: Prioridade do próximo presidente deve ser agenda fiscal, diz Monica de Bolle

Economista avalia que nem Bolsonaro nem Haddad têm “a menor noção do que fazer com as exigências econômicas do país”

Por Cleomar Almeida

Ajustes de curto prazo nas contas públicas, acompanhados da reforma da previdência, devem ser prioridade do novo presidente. A avaliação é da economista Monica de Bolle, 46 anos, em entrevista exclusiva à revista Política Democrática digital, lançada nesta quarta-feira (24), com conteúdo que pode ser acessado de graça pelos internautas. “Eu acho que a agenda prioritária é a agenda fiscal”, afirma ela. “Não tem outra”, enfatiza.

Monica é a única mulher latino-americana a integrar a equipe do Peterson Institute for International Economics, nos Estados Unidos, e diretora do Programa de Estudos Latino Americanos da Johns Hopkins University, em Washington. Segundo ela, é preocupante a forma como os mercados e os investidores estão reagindo diante da hipótese de vitória do candidato do PSL à Presidência da República, Jair Bolsonaro, no segundo turno, no próximo domingo (28).

Confira aqui a entrevista na versão digital de Política Democrática

De acordo com a economista, a perspectiva de vitória de Bolsonaro carrega, entre alguns setores da sociedade, de forma equivocada, a noção de que tudo no país estará resolvido, como a aprovação da reforma da previdência no congresso e o novo ajuste fiscal. No entanto, acrescenta, não é isso que o candidato vem dizendo.

Se não houver um ajuste fiscal logo no primeiro trimestre ou quadrimestre de governo, conforme avalia Mônica, “o Brasil vai de novo passar por um momento de extrema turbulência”. “E não acho improvável que a gente tenha alguma recessão pela frente em algum momento”, diz a economista, que, na entrevista, também ressalta a urgente necessidade de o país também ter reformas política e tributária.

Na avaliação de Monica, tanto Bolsonaro quanto o candidato do PT à Presidência da República, Fernando Haddad, não sabem o que fazer com as demandas econômicas do Brasil. “É um país que está começando a sair de uma crise extremamente severa, com uma taxa de desemprego nas alturas, que hoje corre o risco de não reduzir essa taxa de desemprego e de até conseguir aumentá-la, porque os dois candidatos que estão aí não têm a menor noção do que fazer com as exigências econômicas do país”, analisa.

 

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