ensino público
Bloqueio de verbas do MEC afeta alimentação e até hospitais universitários
O bloqueio de ao menos R$ 2,4 bilhões feito pelo MEC (Ministério da Educação) dois dias antes do primeiro turno das eleições vai afetar a rotina de estudantes, funcionários e até o funcionamento de hospitais ligados a universidades e institutos federais.
A avaliação foi feita por reitores e pró-reitores ao UOL, que temem não honrar os compromissos até o fim deste ano. Ontem, estudantes da Ufba (Universidade Federal da Bahia) protestaram pelas ruas do centro de Salvador contras as medidas anunciadas pelo MEC.
- Luz e água, inclusive para hospitais;
- Restaurantes universitários; Pagamentos de terceirizados, como seguranças, vigilantes e profissionais de limpeza;
- Contratação de profissionais de atenção à saúde mental de alunos;
- Auxílios estudantis; Editais para bolsa.
Bloqueio pode gerar riscos para alunos e hospitais sem água ou luz
Eduardo Raupp, pró-reitor de Planejamento, Desenvolvimento e Finanças da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), definiu a situação como "trágica". Ele explica que, no caso da universidade, não é possível fazer novos empenhos ou pagar contratos que estejam em andamento. "Qualquer tipo de operação orçamentária está praticamente zerada", diz.
Na prática, as despesas de funcionamento estão sendo afetadas. Raupp elenca contas de luz, água e gastos com limpeza e funcionários como os principais afetados.
No caso da UFRJ, este corte impacta diretamente na segurança: a Cidade Universitária tem 5 km², é permeada pela Baía de Guanabara e já teve alguns casos de violência nas áreas mais desertas.
"Sem limpeza e segurança, todas as atividades, tanto de aula quanto de pesquisa e extensão, estão ameaçadas." Eduardo Raupp, pró-reitor na UFRJ
O pró-reitor explica que isso afeta também o complexo hospitalar da universidade, que conta com o Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, a maternidade escola e outras sete unidades de saúde.
"Os hospitais têm parte de seu funcionamento pagos com recursos do SUS [Sistema Único de Saúde], conforme chegam os atendimentos, mas uma parte é paga com o orçamento da UFRJ. Os contratos de funcionamento, que são limpeza, segurança, luz e água, estão dentro desse orçamento da UFRJ", explica.
Auxílio estudantil para alunos de institutos está ameaçado
Os cortes afetam também os institutos federais, responsáveis pela formação técnica e profissional de jovens alunos.
Deborah Santesso Bonnas, reitora do IFTM (Instituto Federal do Triângulo Mineiro), explica que, por isso, os gestores de institutos federais podem se ver diante de uma situação triste, que é escolher quais contas serão pagas.
"Impacta o aluno em editais de bolsa, por exemplo. A gente pensa em não prejudicar o estudante e manter a assistência de forma integral, mas como vou deixar sem luz, sem limpeza, sem estrutura? Deborah Bonnas, reitora do IFTM." Deborah Bonnas, reitora do IFTM
Deborah, que também é vice-presidente do Conif (Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica), avalia que o diferencial dos institutos federais é a educação de qualidade.
"Defendemos propiciar ao estudante tudo que a educação profissional e tecnológica precisa, mas não conseguimos fazer isso com orçamento reduzido e limitado", diz a gestora, lembrando que pode não conseguir pagar insumos, aulas práticas e visitas técnicas necessárias à formação dos estudantes.
No caso do IFB (Instituto Federal de Brasília), a reitora Luciana Massukado teme que o bloqueio se torne um corte — a exemplo do que o MEC fez em junho deste ano — e impacte até a saúde mental dos alunos.
"Com o limite de movimentação, não podemos seguir com processos já previstos, como a contratação de psicopedagogos, necessários porque muitos estudantes voltaram da pandemia com problemas relacionados à saúde mental e emocional. São contratos que antes não existiam e agora são necessários", afirma.
Profissionais e alunos ficam ansiosos, diz reitora
Massukado explica que a incerteza sobre liberação ou não da movimentação em dezembro causa ansiedade em profissionais.
"Esse bloqueio ainda não é corte, mas traz instabilidade e ansiedade para a comunidade acadêmica. Os terceirizados [limpeza e segurança, principalmente] ficam sem saber se os contratos vão avançar ou não. E se eles ficam na esperança de o valor ser desbloqueado, mas no final não é? Não é possível planejar assim", lamenta.
A reitora ainda explica: o bloqueio indica que pode ou não haver manutenção, contratações. "Bloqueio nos deixa no escuro: não consigo dizer que sim nem que não. Os gestores e estudantes ficam com isso na cabeça, porque às vezes o auxílio [estudantil] também impacta os gastos das famílias."
Para Ricardo Fonseca, que também é reitor da UFPR (Universidade Federal do Paraná), o cenário obriga escolhas difíceis.
"Eu tenho dito que não existe gordura nem carne a ser queimada, agora nossos cortes são no osso. E são escolhas que afetam um conjunto de pessoas com muita vulnerabilidade nesse momento que vivemos", avalia, citando alunos e funcionários terceirizados.
"É um risco de colapso institucional. Não há quem funcione sem porteiro, vigilante, sem limpeza, sem insumos básicos, banheiros." Ricardo Fonseca, reitor da UFPR e presidente da Andifes
Corte ou contingenciamento? O que dizem MEC e reitores
O MEC fala em liberar os valores em dezembro "sem prejuízo a universidades e institutos federais", mas não há garantias.
A explicação oficial da pasta é que houve um ajuste do limite de empenho para não descumprir a lei de responsabilidade fiscal, mas como o orçamento é maior do que o de 2021, "houve aumento e não redução" do que é disponibilizado.
Na prática, parte do limite disponível para as unidades de ensino pagarem suas contas está bloqueado sob promessa de ser liberado no último mês do ano.
Ontem, o ministro da Educação, Victor Godoy, afirmou que os reitores fazem "política" com o fato.
"É normal. Programação financeira orçamentária do governo. Temos alguns casos de algumas universidades que já têm uma execução mais avançada. Estamos tratando caso a caso", disse Godoy. "Ao invés de o reitor ficar fazendo política, venha aqui até o MEC e vamos ver de que maneira pode auxiliar."
Os reitores argumentam, contudo, que cada universidade opera seus valores de um jeito. Há aquelas que pagam suas contas de consumo —água e luz— mês a mês, enquanto outras fazem a gestão financeira de outra forma, graças à autonomia. As que se encaixam no primeiro caso podem não conseguir fechar as contas já em outubro.
Ricardo Fonseca, presidente da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior), afirmou ontem à imprensa que "contingenciamento existe em todos os anos, em todos os governos, mas não é comum termos um decreto nessa fase do ano".
Ao UOL Notícias, ele afirmou que não quer discutir semântica —se é bloqueio, corte ou contingenciamento: "Na prática, estamos sem dinheiro agora".
*Colaborou Ana Paula Bimbati, do UOL, em São Paulo.
Texto publicado originalmente no portal do UOL.
Dia Mundial dos Professores alerta para falta de profissionais nas salas de aula
ONU News*
Neste 5 de outubro, a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura, Unesco, e a Organização Internacional do Trabalho, OIT, celebram o Dia Mundial dos Professores.
Como tema “A transformação da educação começa com os professores”, as agências da ONU ressaltam que a falta de mestres agravada com a pandemia de Covid-19, vem afetando especialmente áreas mais pobres, mulheres e meninas e populações mais vulneráveis.
Celebração global
Em mensagem conjunta, os líderes da Unesco, OIT, Unicef e Internacional da Educação, revelam que serão necessários mais 24,4 milhões de professores no ensino primário e cerca de 44,4 milhões de docentes no nível secundário para alcançar a educação básica universal até 2030.
O documento foi assinado pela diretora-geral da Unesco, Audrey Azoulay, o diretor-geral da OIT, Gilbert F. Houngbo, a diretora executiva do Unicef, Catherine Russell, e o secretário-geral da Internacional da Educação, David Edwards.
Eles lembraram que a crise sanitária revelou que “os professores são os motores no centro de nossos sistemas educacionais” e ressaltam que a menos que as condições dos professores mudem, a promessa da educação permanecerá fora do alcance daqueles que mais precisam.
Segundo os representantes, isso requer o número certo de professores e pessoal educacional capacitados, motivados e qualificados no lugar certo com as habilidades certas.
No entanto, eles adicionam que em muitas partes do mundo, há escassez de professores, as salas de aula estão superlotadas e os profissionais sobrecarregados, desmotivados e sem apoio.
O resultado é o número crescente de mestres deixando a profissão e uma queda significativa daqueles que estudam para se tornarem professores.
Os líderes das agências alertam que, se essas questões não forem abordadas, a perda do corpo docente “pode ser um golpe fatal para a realização do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 4”, que trata da educação de qualidade.
Qualidade da educação pelo mundo
De acordo com os dados, a África Subsaariana e o Sul da Ásia precisam de mais 24 milhões de professores, o que representa cerca de metade da necessidade de novos profissionais nos países em desenvolvimento.
Com algumas das salas de aula mais superlotadas do mundo, a África Subsaariana também abriga docentes mais sobrecarregados e sistemas com falta de pessoal, com 90% das escolas secundárias enfrentando sérias carências de ensino.
Segundo os representantes das agências, globalmente, 81% dos professores do ensino fundamental e 78% dos que trabalham no ensino médio são professores treinados. No entanto, na África Subsaariana, com poucas exceções de países, esses números são de 65% e 51%, respectivamente.
As entidades pedem que no Dia Mundial dos Professores o papel crítico deles na transformação do potencial dos alunos seja celebrado garantindo que tenham as ferramentas necessárias para assumir a responsabilidade por si mesmos, pelos outros e pelo planeta.
Eles ainda fazem um apelo para que os países garantam que os professores sejam confiáveis e reconhecidos como produtores de conhecimento, profissionais reflexivos e parceiros políticos.
Evento da Unesco
A Unesco está organizando comemorações que abordam os compromissos e apelos à ação feitos na Cúpula da Educação Transformadora, em setembro de 2022.
São três dias de celebração na sede da Unesco em Paris incluindo a cerimônia de entrega do Prêmio Unesco-Hamdan para o Desenvolvimento de Professores.
Outros eventos devem debater como garantir condições de trabalho decentes aos professores, acesso a oportunidades de desenvolvimento profissional e um status profissional reconhecido é a primeira passo em direção a sistemas educacionais mais resilientes.
A data é comemorada globalmente desde 1994 e marca a adoção da recomendação da Unesco e da OIT sobre o status dos professores em todo mundo.
O documento, que foi aprovado em 1966, estabelece padrões de referência em relação aos direitos e responsabilidades dos professores e padrões para sua preparação inicial e educação continuada, recrutamento, emprego e condições de ensino e aprendizagem.
Texto publicado originalmente no portal da ONU News.
Revista online | E agora, Darcy?
Cristovam Buarque*, especial para a revista Política Democrática online (48ª edição: outubro/2022)
Quando Darcy nasceu, o Brasil acabara de criar sua primeira universidade, a população ainda era quase toda analfabeta, fazia apenas 34 anos da abolição, raros brasileiros estavam na escola, quase nenhum terminava a educação de base. Darcy dedicou sua vida para mudar isto, como professor e político. No seu centenário, o Brasil tem 50 milhões de crianças matriculadas em 200 mil escolas, 8 milhões de estudantes universitários, 150 mil deles em cursos de pós-graduação. Foi um longo caminho, mas ainda temos 3 milhões que não se matricularam, 10 milhões de analfabetos, apenas metade de nossos jovens terminaram o ensino médio, poucos deles com o conhecimento necessário para o mundo contemporâneo. Avançamos, aumentando as brechas educacionais entre os ricos e os pobres e entre o que ensinamos e o que o mundo atual exige que uma pessoa saiba para estar plenamente integrada nele.
Confira, a seguir, galeria de imagens:
Se estivesse vivo, Darcy teria como tarefa ajudar o Brasil a garantir a alfabetização de todos os brasileiros para o mundo contemporâneo e eliminar a desigualdade que divide nosso sistema educacional em “escolas casa grande” e “escolas senzala”. Transformar o sistema com qualidade média entre os piores do mundo, e provavelmente o mais desigual, conforme a renda e o endereço da criança. Deveria lutar para colocar nossa educação entre as melhores do mundo, adaptada à realidade destes tempos, e para quebrar esta desigualdade: construir um sistema no qual o filho da mais pobre família tenha acesso a uma escola com a mesma qualidade que o filho da família mais rica. Que se diferenciassem depois pelo talento, persistência e vocação, mas não conforme a renda dos pais ou a sorte de uma rara escola pública, em geral federal.
Todos concluindo o ensino médio sabendo falar, ler e escrever muito bem nosso idioma; sendo fluente em pelo menos um idioma estrangeiro; conhecendo as bases da geografia, história, filosofia, ciências, matemática; informado sobre os problemas da atualidade; capazes de usar as modernas técnicas digitais e lidar com a inteligência artificial; tendo consciência solidária com a humanidade e a natureza; dispondo de um ofício profissional que lhe assegure as ferramentas para ter emprego e renda e mudar nosso país e o mundo, fazendo-os melhores e mais belos.
Confira a versão anterior da revista Política Democrática online
Para tanto, Darcy, que foi o relator da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), deveria ir além desta e de outras leis homeopáticas e ajudar a criar um Sistema Único Nacional Público de Educação de Base. Levaria o Brasil a tratar a educação de suas crianças como uma questão nacional, não mais municipal; criar um ministério próprio para a educação de base, uma carreira federal para os professores, com os maiores salários do setor público, bem formados e avaliados regularmente; construir prédios escolares com a máxima qualidade entre as edificações governamentais; equipar as escolas com os mais modernos instrumentos pedagógicos; adotar horário integral em todas as escolas, assegurando que todo aluno concluirá o curso médio com um ofício profissionalizante.
Ele nos deixou sua inspiração e desafio. Para levarmos adiante esta “Missão Darcy”, o governo federal precisa definir uma estratégia durante a qual federalizaria paulatinamente os sistemas municipais. Ao ritmo de 100 a 200 cidades por ano, em 25 a 30 anos, comemoraríamos os 130 anos de Darcy Ribeiro com todo o Brasil dispondo de um Sistema Único Nacional Público de Educação de Base, com todas as escolas de mesma qualidade, não importando a renda ou o endereço do aluno, cada uma com a mesma qualidade das melhores do mundo.
Sobre o autor
*Cristovam Buarque foi reitor da Universidade de Brasília (UnB) de 1985 a 1989. Foi governador do Distrito Federal de 1995 a 1998 e eleito senador pelo DF em 2002. Atuou como ministro da Educação de 2003 a 2004, no primeiro mandato de Lula. Foi reeleito em 2010 para o Senado pelo DF, com mandato até 2018.
** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de outubro de 2022 (48ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.
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Bienal do Livro de Brasília abre inscrições para visitação escolar
A Redação*
Escolas das redes pública e privada do Distrito Federal interessadas em levar alunos à 5ª Bienal Internacional do Livro de Brasília (Bilb) têm até o dia 30 de setembro para se inscreverem. Mais de 20 mil estudantes são esperados na nova edição da feira da literatura, uma das maiores do setor no Brasil e na América Latina, de 21 a 30 de outubro, no Pavilhão do Parque da Cidade Sarah Kubitschek.
Todas as escolas das redes pública e particular de ensino do Distrito Federal podem agendar sua visita à bienal para o período de 24 a 28 de outubro, por meio do cadastro no site oficial do evento. Após o preenchimento dos dados, é necessário aguardar e-mail da organização da 5ª Bilb com a confirmação do agendamento. Mais de 200 mil alunos já foram beneficiados pelo programa de visitação escolar desde a primeira edição.
Para garantir conforto, segurança e comodidade, a bienal disponibiliza, ainda, um serviço de excursão para as escolas interessadas em levar seus alunos ao evento em ônibus oficial, com kit lanche e diversas atrações. As instituições interessadas nesse serviço deverão enviar solicitação, pelo e-mail oficial (escolas@bilb.com.br), para cotação de preço. O pedido também pode ser feito por telefone (61 981673312 ou 61 37021611).
“Durante a visitação escolar, os estudantes terão oportunidade de contato com escritores nacionais e internacionais, além de acesso a uma vasta programação de atividades artísticas e culturais, por meio de espetáculos teatrais, contação de histórias, espaço de HQs, cinema e música, além de experiência virtual”, afirma a diretora-geral da 5ª Bilb, Suzzy Souza.
Confira, abaixo, galeria de imagens:
Formato das visitas
De acordo com a organização do evento, as visitas escolares serão organizadas em grupos de 40 até 43 alunos, com dois professores responsáveis, obrigatoriamente. Elas poderão ser realizadas de manhã e à tardee terão duração de até duas horas.
No período matutino, segundo os organizadores, os grupos de alunos podem visitar todas as atividades da bienal das 9h às 11h ou, então, das 10h às 12hrs. Já no período vespertino, a visitação escolar será das 14h às 16h ou das 15h às 17h. Os horários foram definidos para garantir a melhor experiência e manter o fluxo de estudantes de várias escolas no evento, de forma organizada.
“O objetivo é aproximar os estudantes das escolas públicas e privadas do DF ao universo dos livros e da literatura nacional e internacional, colaborando para a criação do hábito da leitura e conscientizando os jovens de sua importância, possibilitando novos horizontes intelectuais e culturais”, afirma Suzzy.
*Texto publicado originalmente no portal A Redação.
Revista online | As implicações da educação domiciliar
Maria Auxiliadora Lopes*, especial para a revista Política Democrática online (44ª edição: junho/2022)
No dia 19 de maio deste ano, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei (PL) 1.388/2022, que autoriza a educação domiciliar, conhecida como homeschooling no Brasil, e, se aprovada pelo Senado e se tornar lei, irá alterar às Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB).
Segundo o texto aprovado e enviado ao Senado, os critérios para quem optar pela educação domiciliar exigem, por exemplo, que o estudante esteja regularmente matriculado em uma instituição de ensino, que deverá acompanhar a evolução do aprendizado.
Além disso, pela proposta, pelo menos um dos pais ou responsáveis deve ter escolaridade de nível superior ou em educação profissional tecnológica em curso reconhecido pelo Ministério da Educação (MEC).
A outra exigência é a comprovação dessa formação, que deverá ser apresentada à escola no momento da matrícula, quando também ambos os pais ou responsáveis pelo aluno terão de apresentar certidões criminais da Justiça Federal e estadual ou distrital.
No entanto, diante dessa proposta, é imprescindível repensarmos alguns conceitos de educação que socialmente construímos:
“Ato ou processo de educar(-se), aplicação dos métodos próprios para assegurar a formação e o desenvolvimento físico, intelectual e moral de um ser humano; pedagogia, didática, o ensino conjunto desses métodos; pedagogia, instrução, ensino” (Educação | Michaelis On-line).
“A educação pode ser definida como sendo o processo de socialização dos indivíduos. Ao receber educação, a pessoa assimila e adquire conhecimentos. A educação também envolve uma sensibilização cultural e de comportamento, onde as novas gerações adquirem as formas de se estar na vida das gerações anteriores.” (Conceito de educação - O que é, Definição e Significado)
“Denomina-se educação o processo em que se adquirem competências e habilidades.” (Brasil Escola)
Veja, abaixo, galeria de imagens:
Visionárias, as comunidades tradicionais entendem que existem educação e educação escolar.
Educação é aquela compreendida dentro de um processo mais amplo e cotidiano, que faz parte de todos os grupos sociais, incluindo relação com a família, entre pessoas, as gerações, as relações de trabalho e com o meio ambiente. É a educação própria de determinados povos/comunidades.
Educação escolar é um recorte do processo educativo mais amplo. Ela implica na necessidade de organização de uma ação educacional de construção de processo de escolarização específico e diferenciado, voltado fundamentalmente para o fortalecimento e valorização das comunidades
Existe uma relação intrínseca entre educação e escola, que é um espaço privilegiado da construção coletiva do conhecimento, da socialização dos indivíduos, do preparo para o exercício da cidadania, da correção das desigualdades e da valorização da diversidade.
Recentemente, a necessidade do distanciamento social, devido à pandemia da covid-19, trouxe à tona algumas questões no que se refere à saúde mental de crianças e adolescentes que foram obrigados a permanecer em casa.
Uma pesquisa, realizada pelo Departamento de Psicanálise com Crianças do Instituto Sedes Sapientiae, atestou que, em tempos de isolamento compulsório, como o que passamos por ocasião do acirramento da pandemia da covid-19, nossa população infantil e adolescente teve sua saúde mental gravemente afetada, grande parte em decorrência da privação do convívio escolar.
Os estudos e práticas afirmaram, com convicção, que a escola é fundamental para a educação de nossas crianças e adolescentes, mas, principalmente, para uma saudável constituição psíquica.
Além disso, há as situações de crime de abandono intelectual, violência doméstica e abuso sexual contra crianças que as escolas identificam e encaminham às instâncias responsáveis.
O ser humano é um ser social, e o convívio com outras crianças e as interações são base para um desenvolvimento saudável. A criança não pode ser privada do convívio social independente da vontade de seus pais.
Será que o simples fato dos pais ou responsáveis terem nível superior ou técnico os habilita para o ensino de nossas crianças e adolescentes, considerando que a educação escolar é um processo complexo e requer formação específica que leve os alunos a desenvolverem competência e habilidades para seu pleno desenvolvimento intelectual e social, observando os princípios constitucionais, a base nacional comum e os princípios que orientam a educação básica brasileira?
É importante destacar, ainda, a importância da convivência de crianças e adolescentes no ambiente escolar, já que a escola é um ambiente catalisador das diferentes culturas, formas distintas de viver e agir, criando mecanismos para que, a partir dessa convivência, tenha uma postura respeitosa diante das diferenças.
A aprovação de um projeto de lei que propõe mudança tão impactante para o sistema educacional brasileiro, sem que toda a população esteja ciente de todas as implicações, deve ser amplamente discutida com todos os segmentos populacionais, movimentos sociais, especialistas em educação, pais e representações estudantis, para que todos tenham conhecimento e analisem as consequências da aprovação da proposta.
A educação escolar representa um lugar de aprendizagem pela convivência com a diversidade e o respeito às diferenças sociais e culturais. A opção pela educação domiciliar é preocupante, uma vez que coloca a responsabilidade da aprendizagem curricular apenas nos pais ou responsáveis pelo educando, mesmo que estes não tenham habilitação para o ensino.
Considerando que a educação visa o pleno desenvolvimento da pessoa e seu preparo para cidadania, privar crianças e adolescentes do convívio e do ambiente escolar viola a liberdade, a democracia e o desenvolvimento pleno que possuem, já que é necessária uma relação intrínseca com a educação.
Sobre a autora
*Maria Auxiliadora Lopes é pedagoga, ex-consultora da Unesco e ex-diretora do Departamento de Desenvolvimento dos Sistemas de Ensino, da Secretaria de Educação Fundamental do Ministério da Educação (MEC). Também foi coordenadora da Coordenação Geral de Diversidade e Inclusão Educacional do Departamento de Educação para Diversidade e Cidadania da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do MEC.
** O artigo foi traduzido para publicação na revista Política Democrática online de junho de 2022 (44ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não refletem, necessariamente, as opiniões da publicação.
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'Cotas fizeram negros saírem das páginas policiais e virarem colunistas'
Tema agora interessa a grande parte da sociedade, incluindo empresários, afirma José Vicente, reitor da Zumbi dos Palmares
Matheus Moreira / Folha de S. Paulo
Em 2019, pela primeira vez os negros se tornaram a maioria dos estudantes nas universidades públicas brasileiras —um marco na luta contra a desigualdade racial.
Para José Vicente, reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares, a explicação para isso é a lei de 2012 que instituiu as cotas obrigatórias nas instituições públicas de ensino superior.
A regra estabelece que as universidades precisam reservar vagas para estudantes autodeclarados negros e indígenas e para pessoas com deficiência de acordo com a proporção desses grupos na população do estado onde está localizada.
A legislação prevê que, após uma década, os resultados da política deveriam ser avaliados pelo Ministério da Educação e pela Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. De acordo com Vicente, até agora não houve manifestação do governo federal sobre a divulgação dos resultados para avaliação da sociedade civil.
Faltando apenas três meses para 2022, ano limite para a revisão, a Faculdade Zumbi dos Palmares lançará a campanha “Cotas Sim!” na próxima terça (5) em evento no qual serão apresentados os projetos de lei que tramitam no Senado e na Câmara com o objetivo de pautar com urgência a discussão sobre a renovação do mecanismo.
Para Vicente, as chances de renovação são boas,”As cotas deixaram de ser algo de interesse dos negros e passaram interessar parte expressiva da sociedade brasileira”, disse em entrevista à Folha por telefone.
Onde a Lei de Cotas acertou? Acertou por ser uma política de governo com uma agenda, até então, inexpugnável. Foram 130 anos batendo na mesma tecla. As cotas são um grande acontecimento político, econômico e histórico.
Em segundo lugar, o ambiente do ensino superior não estava preparado para lidar com essa lei. As cotas mudaram a estrutura do ensino superior público, e depois privado, do país. Foi necessário que se adequassem e reestruturassem.
Além disso, graças às cotas ampliamos, em tempo recorde, de 2% para quase 15% a quantidade de negros nas universidades. Pela primeira vez na história estamos vendo esse grupo de brasileiros não só entrar mas permanecer e sair da universidade aplicando esse conhecimento. Sob todos os aspectos, as cotas são e continuam sendo uma grande vitória.
Na avaliação do senhor, quais foram as falhas dessa política? Em certa medida, as limitações da política são as mesmas antes e depois da lei. Os negros brasileiros precisam de mecanismos para se manter no curso, porque esse público vem de um padrão econômico e social diferente. Sem auxílio à moradia, auxílio à locomoção, acesso a livros e até alimentação, uma parcela dos estudantes não tem condições econômicas de permanecer na universidade.
A lei atendeu algumas necessidades, mas não padronizou o acesso a essas instrumentações. Esse é um dos problemas mais sérios, um equívoco não tratado na lei.
Outra ação que deve ser aprimorada é a formatação sobre quem é e quem não é negro. Houve certa confusão a princípio porque algumas instituições criaram mecanismos próprios. A lei, agora, talvez possa definir melhor essas ferramentas.
E quanto aos fraudadores de cotas? Essa é uma questão significativa que surgiu na esteira da ausência de padronização. Muitos usaram variados subterfúgios para fraudar a lei, criando um problema de difícil solução, porque não havia ação preventiva definida. Muitos entraram, fraudaram e nada lhes aconteceu. Isso colocou dúvidas sobre a lisura do processo.
A formulação da lei foi ingênua por não cogitar a possibilidade de fraude? A lei desconsidera essa hipótese. Achava-se que todos estariam bem intencionados e que não seria necessário haver padronização sobre como proceder em situações dessa natureza.
De qualquer forma, os dez anos da lei nos permitiram criar parâmetros muito bem definidos para esse tipo de avaliação. Se renovada, a lei pode se inspirar nas boas práticas instituídas pelas universidades que expulsaram os alunos fraudadores e tiveram a expulsão confirmada pela Justiça.
A própria USP expulsou um aluno fraudador pela primeira vez em 2020… Exatamente! As instituições foram capazes de fazer valer a lei. O caso da USP é muito simbólico.
Sobre as bancas de heteroidentificação, quais os erros e os acertos? As bancas se saíram bem até aqui, considerando que o nosso racismo não é apenas de ancestralidade, mas de cor de pele. Foi necessário criar um mecanismo para evitar fraudes e os primeiros apresentaram equívocos e situações inadequadas, mas os dez anos da lei nos ajudaram a operar essa ferramenta com mais efetividade.
O problema continua sendo crucial e ainda é difícil de solucionar, tem havido poucas reclamações diante dos resultados das bancas. Esse instrumento se aprimorou e mostrou ser capaz de resolver as questões que se apresentam, mas sempre há necessidade de aprimoramento.
É possível dizer que o aumento de negros nas universidades reflete positivamente na economia? Não tenho dúvida disso. Os fundamentos econômicos sempre condicionaram a capacidade do desenvolvimento do país ao talento, inventividade e habilidade dos seus recursos humanos, e isso é o que temos de sobra em todos os espaços nos quais negros puderam atuar de forma autônoma e libertária.
Deixar os negros e todo seu talento de fora da universidade é uma medida desinteligente, além de cercear a produção, crescimento e desenvolvimento do país.
O Brasil preferiu fechar os olhos e tratar apenas de uma elitezinha muito limitada e que nem sempre entregou aquilo que poderia entregar. No fim das contas, poucos usaram suas habilidades ali adquiridas para ajudar a resolver os problemas do país.
O que vão sugerir na campanha pela renovação da Lei de Cotas? A primeira reivindicação é de que seja renovada. A aplicação da lei precisa ser avaliada para que saibamos quais são os seus problemas e limitações. O fato é que essa ação está a cargo do governo federal.
A lei diz que o governo deveria fazer a avaliação, mas isso não foi feito e dificilmente o Ministério da Educação terá tempo hábil para fazer. Só será possível fazer uma avaliação quando tivermos acesso ao inventário com os resultados dos dez anos da lei, mas o governo ainda não o disponibilizou.
Sabemos que há cursos em que as cotas não foram cumpridas integralmente, como medicina, mas não sabemos o motivo. Por outro lado, nas áreas de humanas as cotas foram muito bem precisamos compreender por que isso aconteceu, se é preferência, vocação ou por ser mais palatável.
Também precisamos saber quantos estudantes entraram nas universidades por cotas e permaneceram. E se não permaneceram, por quê? Foi racismo? Dificuldades econômicas?
E a diversidade precisa ser vertical, da gestão ao corpo técnico. Isso aconteceu? Não. Avançamos apenas no ingresso de estudantes negros. Nas quase 200 universidades publicas federais temos apenas quatro reitores negros. Professores e pesquisadores negros podem ser contados nos dedos.
Avalia que será mais difícil discutir a Lei de Cotas no governo de Jair Bolsonaro (sem partido) do que foi no primeiro mandato de Dilma Rousseff (PT)? Por incrível que pareça, acho que será mais fácil. Em 2012, nós caminhávamos em direção ao desconhecido, e isso nos dava medo. Temia-se que houvesse um conflito e até que as pessoas pegassem em armas. Havia todo tipo de teoria. Vencer tudo isso exigiu um esforço sobre-humano.
No entanto, se houve motivos para desânimo, isso ficou lá atrás, porque hoje, dez anos depois, desmistificamos os medos e confirmamos o que se dizia: a universidade é, por natureza, o espaço de sanar conflitos.
Não houve queda na qualidade. Os cotistas, agora com oportunidades, superaram seus colegas brancos. Os negros entraram, mantiveram o nível e o elevaram. Tudo isso permitiu que pudéssemos ampliar e levar as cotas para juízes, promotores, na Petrobras e até em cartórios, por exemplo. O Brasil avançou ao abraçar as cotas como uma política vitoriosa.
E quanto às empresas, como a Magazine Luiza, que também adotaram cotas? Vimos um outro movimento que referencia as cotas nascer. Veja, vamos lançar a campanha pela renovação na terça (5), e 40 empresas estão entre os apoiadores da renovação. As empresas em sua maioria nem aceitam que exista racismo, mas as mudanças foram tão profundas que hoje há brancos conosco. Pense que estamos falando da segunda turma de trainees da Magazine Luiza. Há uma semana tínhamos a informação de que a Folha pela primeira vez terá negros em seu conselho editorial. Ao ler a Folha de dois anos atrás e a Folha de agora, você verá pelo menos dez colunistas negros em todos os cadernos e tratando as questões negras.
Os negros saíram das páginas policiais e viraram colunistas, sobretudo na Folha. Tudo isso é fruto desse amadurecimento da lei. Essa política pública ajuda a cumprir os fundamentos da própria República, da democracia e do Estado democrático de Direito, que é de igualizar por meio da oportunidade os direitos de negros e brancos num país rachado pelo racismo estrutural.
As cotas deixaram de ser algo de interesse dos negros e passaram a ser de interesse de parte expressiva da sociedade brasileira, incluindo o próprio ambiente empresarial.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2021/10/cotas-fizeram-negros-sairem-das-paginas-policiais-e-viraram-colunistas-diz-reitor-da-zumbi-dos-palmares.shtml
Bruno Boghossian: Campanha de Bolsonaro aplica seu próprio viés político à educação
A 12 dias do 2º turno, não se sabe quase nada sobre planos para o ensino público
As conspirações sobre a ideologia nas escolas atingiram o insuspeito Charles Darwin. Um general que elabora propostas na campanha de Jair Bolsonaro diz que a teoria da evolução deve ser ensinada ao lado do criacionismo (a ideia de que Deus criou diretamente o homem).
“Muito da escola está voltada para orientação ideológica [...]. Houve Darwin? Houve, temos de conhecê-lo. Não é para concordar, tem de saber que existiu”, afirmou Aléssio Souto ao jornal O Estado de S. Paulo.
As duas visões devem ser mantidas em esferas distintas, mas o militar segue uma linha em que a religião disputa espaço com a ciência. Ele diz que um pai “não está errado” se quiser que o professor ensine teoria da criação no lugar do darwinismo.
A sugestão causa arrepios em especialistas. “Esse debate deve ocorrer no campo da religião, nas aulas de filosofia ou sociologia”, afirma Priscila Cruz, do movimento Todos pela Educação. “Na ciência e na biologia, o criacionismo deveria ser banido.”
Ao tratar pontos do ensino científico como desvio ideológico, assessores de Bolsonaro aplicam, eles mesmos, um viés político à educação.
“Quando você iguala ciência e ideologia, você anda para trás, ignora séculos de aprendizado”, diz Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências. “A teoria da evolução não é ideológica. É resultado de percepções científicas e foi testada ao longo do tempo.”
A 12 dias da eleição, não se conhece muito sobre o programa de Bolsonaro além da criação de colégios militares. É possível deduzir que ele quer tirar das salas de aula valores como o combate ao preconceito sexual e a defesa dos direitos humanos.
Outro consultor da campanha disse ao jornal Valor Econômico que vai sonegar dos eleitores os projetos para o setor. Stavros Xanthopoylos afirmou seis vezes que só vai falar do assunto depois do segundo turno.
“É um cheque em branco”, diz Priscila Cruz. “O debate não está em cima de propostas, mas de crenças e visões de mundo. O que vamos fazer para as crianças aprenderem?”
José Goldemberg: Mérito na Olimpíada, cotas nas universidades?
O sucesso da Olimpíada de 2016, no Rio de Janeiro, serve para mostrar como é possível enfrentar dificuldades e superá-las. As previsões catastróficas sobre o fracasso do evento por causa de criminalidade solta no Rio de Janeiro, epidemia de zika, obras inacabadas e transporte caótico não se confirmaram e a Olimpíada decorreu dentro do padrão de Beijing e Londres.
O magnífico visual da cerimônia de abertura, preparada pelos talentosos Andrucha Waddington, Daniela Thomas, Fernando Meirelles e Débora Colker, teve até uma apresentação sóbria e cientificamente correta sobre os problemas do aquecimento global e suas consequências, preparada por cientistas brasileiros, como Paulo Artaxo. O Brasil, que era um vilão nessa área por causa do desmatamento da Amazônia, apareceu para uma plateia de 3 bilhões de pessoas como um país sério e responsável que está fazendo sua parte para tentar resolver o problema.
Mas a lição fundamental da Olimpíada,a nosso ver, é que ela abre espaço para confrontos em que só o talento e a competência têm valor. A meritocracia é o fator determinante em todos os eventos, não há favorecimentos de espécie alguma e os melhores vencem, levando suas medalhas de ouro, prata ou bronze.
Na Olimpíada não há distinções entre ricos e pobres, classes sociais, religiões e cor da pele, mas premiação dos melhores; não importa de onde venham, Etiópia, França ou Brasil: vencem os melhores. A riqueza de países como EUA ou Inglaterra permite preparar mais atletas, mas não é uma garantia de sucesso.
São comoventes as histórias contadas por atletas de famílias humildes ao receber as medalhas sobre como superaram seus problemas com o esforço próprio e dedicação. Competir numa escala mundial e vencer nas provas é a melhor forma de se autoafirmar como ser humano e cidadão. Curiosamente, esses mesmos critérios são abandonados sistematicamente no Brasil com a introdução de sistemas de cotas para assegurar vantagens a corporações, alguns grupos sociais e até étnicos.
Corporações foram muito poderosas no passado, mas o avanço da democracia como forma de governo nos séculos 19 e 20 abriu horizontes mais amplos em muitos países. As bandeiras da Revolução Francesa de liberdade, igualdade e fraternidade criaram a figura da cidadania, em que todos são iguais perante a lei e têm as mesmas oportunidades.
A introdução de cotas para proteger certos grupos pode se justificar em casos muitos especiais, como o das pessoas com deficiências físicas, mas pode levar a distorções e discriminações intoleráveis, como ocorreu no século 20 com os sistemas totalitários, particularmente na Alemanha nazista, que levou ao holocausto dos judeus. Assistimos hoje à tentativa do mesmo tipo de tentar criminalizar o islamismo, que deve ser energeticamente repelida.
No caso brasileiro, em que distinções raciais não fazem sentido, com a enorme miscigenação que caracteriza nosso país, a introdução de cotas adquiriu características particularmente negativas no acesso às universidades públicas, que são gratuitas e só conseguem atender cerca de 25% dos estudantes que nelas desejam ingressar. Os restantes 75% pagam por seus estudos em universidades privadas. Os estudantes que concluem o ensino médio competem por esses 25% de vagas em exames vestibulares que selecionam os mais capacitados.
Essa é uma situação parecida com uma competição olímpica, em que os mais talentosos são escolhidos. Poder-se-ia argumentar que o desejável seria que todos os que concluíssem o ensino médio pudessem cursar uma universidade pública, como é na França ou na Itália, mas simplesmente não existem recursos públicos para tanto. Em contrapartida, em muitos países do mundo as universidades públicas cobram anuidades, como as privadas.
No caso das universidades federais, seu custo representa mais de 70% dos recursos do Ministério da Educação, que tem um dos maiores orçamentos do governo federal. Se atendesse a todos os que desejam matricular-se em universidades públicas, seu orçamento teria de quadruplicar. Nessas condições, cabe aqui perguntar para que servem as universidades públicas. Pelo artigo 207 da Constituição federal, elas têm por finalidade o ensino, a pesquisa e a prestação de serviços à comunidade, e não apenas o ensino, como a grande maioria das universidades privadas.
A primeira universidade pública no País, a Universidade de São Paulo (USP), criada em 1934, introduziu a ideia de promover a investigação científica e cultural e, portanto, a criação de um grande mercado de profissionais capazes de identificar as tecnologias modernas e aplicá-las para o desenvolvimento do Brasil. Essas atividades têm alto custo, mas o retorno desses investimentos se vê hoje com a modernização do País.
Se essa é a finalidade das universidades públicas, é evidente que é preciso escolher os estudantes mais adequados para fazê-lo e o único critério para tal é o mérito.
Resolver problemas sociais e dar oportunidades aos mais pobres são objetivos importantíssimos, mas não é nas universidades, e sim no ensino fundamental e médio, que isso deve ser feito. Tentar resolver esses problemas facilitando o ingresso em universidades públicas pode ser mais fácil, mas não é o método adequado.
Universalizar o ensino público de boa qualidade no nível fundamental e médio foi uma das bandeiras da Revolução Francesa de 1789, mas esse objetivo só foi atingido cerca de 80 anos depois, com o magnífico sistema de liceus franceses, apesar da riqueza de um país como a França.
Introduzir cotas nas universidades públicas brasileiras como instrumento para compensar/corrigir discriminação racial ou social é muito mais fácil e menos oneroso do que corrigir o problema fundamental, que é melhorar a qualidade e a equidade do ensino fundamental e médio para que todos tenham as mesmas oportunidades no acesso ao ensino superior. (O Estado de S. Paulo – 19/09/2016)
JOSÉ GOLDEMBERG É PROFESSOR EMÉRITO DA USP, FOI MINISTRO DA EDUCAÇÃO
Fonte: pps.org.br