emendas de relator
Supremo Tribunal Federal forma maioria contra emendas do "orçamento secreto"
Posição de Weber foi seguida por Barroso, Cármen Lúcia, Fachin, Lewandowski e Alexandre de Moraes
DW Brasil
Maior parte dos membros do Supremo Tribunal Federal vota por manter decisão da ministra Rosa Weber, que suspendeu os pagamentos. Decisão pode levar Bolsonaro a perder apoio no Congresso em votações importantes.
O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria na tarde desta terça-feira (09/11) para manter, em julgamento virtual, a decisão liminar da ministra Rosa Weber de suspender o pagamento de emendas de relator, chamadas de "orçamento secreto" do Congresso.
O instrumento foi suspenso por Weber por causa da falta de transparência, já que esse tipo de emenda não permite a identificação individual dos autores dos pedidos de aplicação de verba e o respectivo destino do dinheiro.
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O julgamento se encerra às 23h59 desta quarta-feira. Até as 17h, cinco ministros já haviam votado a favor da decisão liminar da relatora do caso, ministra Rosa Weber – que interrompeu os repasses na última sexta-feira –, formando, assim, maioria de seis votos. A Corte é formada por 11 membros, mas no momento está com 10.
A posição de Weber foi seguida pelos ministros Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes.
Derrota para o Planalto
"Orçamento secreto" é como são chamadas as emendas parlamentares pagas na modalidade "emendas de relator". Diferente das emendas individuais, que respeitam critérios específicos e são divididas equilibradamente entre os parlamentares, as emendas de relator não seguem critérios usuais e beneficiam apenas alguns parlamentares.
Essa destinação de recursos é alvo de críticas, por ser definida segundo acertos informais entre o governo federal e parlamentares aliados.
A decisão do STF deve significar uma derrota para o Planalto, já que o presidente Jair Bolsonaro pode perder apoio no Congresso em votações importantes.
Mecanismo obscuro
Em maio, reportagem do jornal O Estado de S. Paulo revelou um mecanismo criado pelo governo Jair Bolsonaro para destinar recursos a obras e compra de máquinas e veículos por indicação de deputados e senadores que apoiam o Palácio do Planalto, sem que haja transparência sobre o autor dos pedidos.
O esquema beneficiou parlamentares alinhados ao governo e teria envolvido a destinação de R$ 3 bilhões em recursos por meio do Ministério do Desenvolvimento Regional, comandado por Rogério Marinho, e órgãos vinculados à pasta, como a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) e o Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs).
A prática se estabeleceu no final do ano passado, quando Bolsonaro, já próximo do Centrão, buscava influir na eleição da presidência da Câmara e do Senado e assegurar proteção a seus filhos e contra um eventual processo de impeachment.
Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/stf-forma-maioria-contra-emendas-do-or%C3%A7amento-secreto/a-59772746
Míriam Leitão: Nem a luz do sol desinfeta emendas
Elas são um escárnio. A ministra Rosa Weber não vai abrir mão da posição dela
Míriam Leitão / O Globo
Foi o dia inteiro de pressão dos políticos sobre o Supremo. E dessa pressão surgiu uma ala do STF pensando na fórmula de manter as emendas do relator, mas com a exigência de aumentar a transparência. Nem a luz do sol desinfeta essas emendas. Elas são um escárnio. A ministra Rosa Weber não vai abrir mão da posição dela, segundo uma fonte que acompanha as conversas. Mas há ministros querendo encontrar algum ponto salomônico. Não existe tal ponto. As emendas de relator nasceram das piores práticas do Congresso que, a custo, vinham sendo abolidas.
Hoje, à zero hora, começou a contar o prazo de votação no STF. Durante 48 horas os ministros vão se pronunciar. Até as 23h59 de quarta-feira. Dois ministros já votaram confirmando o voto de Rosa Weber: Carmém Lúcia e Luís Roberto Barroso, A tese que o presidente da Câmara, Arthur Lira, está defendendo é que a decisão liminar da ministra Rosa Weber é uma interferência no Legislativo, que teria a prerrogativa de distribuir as emendas. Conversa fiada. Essas emendas dão aos parlamentares o poder de executar o Orçamento, função do Executivo. O espaço dado aos parlamentares de atender aos seus redutos já está contemplado nas emendas individuais e nas de bancada. Nessas, há transparência e isonomia. As do relator não têm critério, equidade, e tem havido casos de superfaturamento nos usos dos recursos. Foram feitas para serem opacas e distribuídas conforme o voto do freguês. É compra de voto, não tem outro nome.
Se alguém pedir vista nas próximas horas, vale a decisão da ministra Rosa Weber. Arthur Lira está trabalhando então em dois trilhos: pressionou o Supremo com a conversa de que isso é invasão de prerrogativa e convocou todo mundo para votar hoje o segundo turno. Assim ele acha que torna a PEC mais irreversível.
Uma coisa já se sabe. Por mais que alguns ministros do STF tentem costurar, não haverá consenso. Há adversários dessas emendas no Supremo. E eles estão certos. Seria a institucionalização da mesma corrupção detectada no escândalo que ocorreu no Orçamento no começo da década de 1990.
A decisão da ministra Rosa Weber, que suspendeu a distribuição das emendas, diz com a linguagem própria do mundo jurídico tudo o que precisa ser dito. Ela paralisou a execução dessas emendas porque viu o risco de periculum in mora, e por isso deu a medida cautelar.
Em seu voto, a ministra Rosa Weber diz que há dois regimes na execução do Orçamento, o “transparente” e o “anônimo”. “As emendas do relator operam com a lógica da ocultação dos congressistas requerentes da despesa por meio do estratagema da rubrica RP-9”. Na visão da ministra, isso se “opõe ao ideal republicano” da publicidade e da impessoalidade. Ela a define como “uma rubrica orçamentária envergonhada de si mesma”.
Na sistemática dessas emendas, cujo valor subiu 523% em 2020 em relação a 2019, as despesas oficialmente estão no nome do relator, mas na verdade foram executadas por outros. “Daí o caráter obscuro desse sistema: o relator-geral desonera-se da observância do dever de atender os mandamentos da isonomia e da impessoalidade ao atribuir a si próprio a autoria das emendas orçamentárias, ocultando, dessa forma, a identidade dos efetivos requerentes das despesas, em relação aos quais recai o manto da imperscrutabilidade”, diz o voto da ministra Rosa Weber.
As emendas do relator são apenas uma parte do imbróglio da semana. A PEC dos precatórios está andando graças a esse combustível, as tais discutíveis emendas. Mas a PEC em si é muito ruim por embutir o não pagamento de dívida e a mudança casuística do teto de gastos, tudo sendo apresentado demagogicamente como sendo necessário para haver uma política para os pobres.
Em entrevista que me concedeu ontem na Globonews, o professor Edmar Lisboa Bacha definiu a proposta como sendo a “PEC do Calote”.
— Diante desse governo que está aí, tudo o que se pode fazer é uma política de contenção de danos. Além de pressionar o Congresso para impedir que passe a PEC do Calote. Os precatórios são uma dívida líquida e certa. Eles deveriam ter achado uma solução, e soluções há para fazer caber os precatórios no Orçamento, sem essa confusão infernal que estão arrumando tanto na natureza da PEC quanto na natureza da votação — disse Bacha.
Não existe um “arreglo” que o STF possa fazer para salvar tudo isso. É uma péssima PEC que vem sendo aprovada graças a essas emendas em tudo condenáveis.
Fonte: O Globo
Andrea Jubé: Descalabro institucional
STF deve confirmar parcialmente liminar de Weber
Andrea Jubé / Valor Econômico
O novo capítulo da crise institucional nos obriga a retroceder algumas casas no tabuleiro político: na última vez que insultou publicamente um ministro do Supremo Tribunal Federal, e avisou que não cumpriria uma decisão judicial, a ameaça do presidente Jair Bolsonaro perdurou o tempo de uma nuvem que o vento levou.
“Sai Alexandre de Moraes, deixa de ser canalha, deixa de oprimir o povo brasileiro”, bradou Bolsonaro no dia 7 de setembro. “Eu autorizo, eu autorizo”, reagiu a turba de verde-e-amarelo. “Qualquer decisão do seu Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá, a paciência do nosso povo já se esgotou”.
Menos de 48 horas depois, Bolsonaro alinhava os termos de uma declaração oficial de recuo com o ex-presidente Michel Temer, chamado às pressas à Brasília para apagar as labaredas que avançavam sobre a República.
O que Bolsonaro e Moraes conversaram no telefonema mediado por Temer jamais será de pleno domínio público. É fato, porém, que nos últimos dois meses, a paz reinava nos gabinetes projetados por Niemeyer.
Isso até sexta-feira, quando a decisão proferida pela ministra Rosa Weber do STF abalou de novo os pilares do patrimônio cultural da humanidade. A não ser que o precedente sacramentado sob o testemunho de Michel Temer seja firme como um pântano, Bolsonaro e o Congresso podem espernear à vontade contra a liminar da ministra suspendendo a execução das polêmicas emendas do relator-geral do Orçamento.
Mas se a decisão for ratificada pela maioria de seus pares, o que virá a público nos próximos dias, Executivo e Legislativo terão de se curvar a ela. Ou novo jato da FAB buscará Temer em São Paulo para apagar o novo incêndio institucional.
Nas palavras de um ministro do STF, o clima político em Brasília é de “risca de faca no chão”. Cada ator que saque a peixeira do alforje, e delimite o seu espaço de poder. Quem ultrapassar essa linha, zás-trás, será alvejado no peito.
Ontem Bolsonaro utilizou um tom muito abaixo dos ataques anteriores contra o STF para criticar Rosa Weber. Negou a “barganha” com os parlamentares, e disse singelamente que os argumentos não foram “justos”. Em resposta à Corte, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), alegou que a ministra adentrou em questão interna corporis do Legislativo.
Como sugerem Lira e Bolsonaro - e também as riscas de peixeira no chão da Praça dos Três Poderes, onde catam migalhas os pombos da paz - tudo é uma questão de limites. Se ambos afirmam que a ministra avançou sobre a seara do Legislativo, a seu turno, Weber sustentou que os princípios constitucionais da publicidade e da transparência na aplicação dos recursos públicos foram violados.
É relevante sublinhar que Rosa Weber não é voz isolada na controvérsia. Desde já, uma parcela do colegiado está com ela - hoje, com segurança, os ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Cármen Lúcia.
Uma incógnita é o ministro Ricardo Lewandowski, que via de regra, é um defensor das prerrogativas da classe política. No entanto, ele compartilha com Weber a condução de processos sobre o sensível tema da “venda de emendas parlamentares”. Há mais de um ano, é relator de inquérito contra um deputado do Maranhão, filiado a uma sigla do Centrão.
Em dezembro, a Polícia Federal deflagrou contra este deputado a Operação Descalabro, que cumpriu em São Luís (MA) 27 mandados de busca e apreensão. Ele teve R$ 6 milhões de seu patrimônio bloqueados. A suspeita de desvios alcança R$ 15 milhões. Meses depois, Lewandowski assumiu a relatoria de um segundo inquérito sobre suposta venda de emendas. Neste, outros três parlamentares são investigados.
A obscuridade em torno das emendas de relator vem sendo cantada em verso e prosa pela oposição há tempos, mas a primeira reação institucional veio do Tribunal de Contas da União (TCU), em parecer explorado em sete das 49 páginas do voto de Weber.
A ministra resgatou em sua limitar trechos relevantes do voto do ministro Walton Alencar Rodrigues do TCU, relator das contas do governo Bolsonaro relativas ao exercício de 2020. No voto, ele recomendou ações à Presidência da República, à Casa Civil e ao Ministério da Economia para imprimir transparência e publicidade às emendas de relator.
São as medidas que constam da liminar de Rosa Weber: dar ampla publicidade, em plataforma centralizada de acesso público, aos ofícios dos parlamentares que tratam das emendas de relator; adotar medidas para que essas demandas sejam registradas em plataforma eletrônica centralizada, mantida pelo Sistema de Planejamento e Orçamento Federal.
O TCU verificou um aumento astronômico nas emendas de relator ora impugnadas, estimadas em R$ 30,1 bilhões. Uma elevação de 523% na quantidade de emendas, e de 379% nos valores.
Como o Executivo ignorou as recomendações do TCU, cinco meses depois, a ministra proferiu uma decisão judicial, que tem poder coercitivo. Eventual ameaça de descumprimento a essa decisão - se ela for ratificada pela maioria dos ministros do STF -, incorrerá em infração legal. E o bombeiro Michel Temer será chamado a Brasília.
Ontem Arthur Lira despachou tête-a-tête com o presidente do STF, Luiz Fux, no fim da tarde. Lira teria concordado que os ministros definissem medidas para aprimorar a transparência e publicidade na execução dessas emendas, em troca da revogação da suspensão da execução dos recursos em andamento.
O desfecho desse capítulo nos próximos dias é uma charada. Mas são altas as chances de que o STF avance nessa direção.
Nesse capítulo da crise, a Polícia Federal parece ter acertado no nome da operação que tem as emendas como alvo. Segundo o Houaiss, “descalabro” significa caos, confusão; ou detrimento, perda, prejuízo - ao cidadão, é claro. Ou declínio, queda ruína. Numa prova do Enem - quiçá outro descalabro -, valem todas as anteriores.
Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/descalabro-institucional.ghtml
Felipe Salto: Orçamento do país não pode ter dono
Emendas de relator deveriam se restringir à correção de erros e omissões
Felipe Salto / O Estado de S. Paulo
Adam Smith, na Teoria dos sentimentos morais (1759), escreveu que “a regra geral se forma por se descobrir, a partir da experiência, que se aprovam ou desaprovam todas as ações de determinada espécie, ou circunstanciadas de certa maneira”. Isto é, a prática e os valores precedem as leis. As emendas de relatorgeral do Orçamento desvirtuam uma regra geral fundamental: o respeito ao dinheiro público. É o patrimonialismo redivivo.
O Poder Executivo envia ao Congresso a proposta orçamentária. As únicas hipóteses para emendas parlamentares são: a anulação de despesas e a correção de erros e omissões. Está no parágrafo 3.º do artigo 166 da Constituição: “As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem somente podem ser aprovadas caso: (...) II – indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação de despesa (...); ou III – sejam relacionadas: a) com a correção de erros ou omissões; ou b) com os dispositivos do texto do projeto de lei.”
As emendas individuais e de bancada tornaram-se impositivas, respectivamente, em 2015 e 2019 (Emendas à Constituição – ECS n.ºs 86 e 100). No caso das individuais, garantiu-se 1,2% da Receita Corrente Líquida (RCL, conceito usado para medir a arrecadação) em 2017, sendo metade obrigatoriamente para a saúde. Já as emendas de bancada estadual correspondem a 1% da RCL. As emendas individuais, conforme a EC n.º 95, de 2016, são corrigidas pela inflação acumulada em 12 meses até junho (regra do teto).
Antes, o Executivo podia contingenciá-las. Hoje, há uma blindagem do valor reservado já no Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa), que só pode ser reduzido na mesma proporção em que o Executivo cortar as suas despesas discricionárias (não obrigatórias).
Desde 1989, o Congresso reestimava as receitas calculadas pelo Executivo alegando “erro” de projeção. Isso abria espaço para emendas ao Orçamento, depois contingenciadas parcialmente por decreto. Ocorre que o teto de gastos reduziu a eficácia desse jogo. A Instituição Fiscal Independente (IFI) tem mostrado, há vários anos, a contenção das despesas discricionárias requerida para cumprir o teto. Começouse a buscar saída para emendar o Orçamento escapando das amarras do teto. Reestimar a receita já não serviria na presença de despesas próximas do teto.
A solução foi ampliar o escopo das emendas de relator-geral do Orçamento, promovendo inclusive revisões para baixo em projeções de gastos obrigatórios, como ocorreu em 2021. O papel do relator é central; coordena as alterações no Ploa em todas as etapas. Para isso, dialoga permanentemente com o Executivo. As emendas de relator deveriam se restringir à correção de erros e omissões, com amparo na Constituição. Uma brecha da Resolução do Congresso n.º 1, de 2006, tem permitido a extrapolação do texto constitucional.
Ocorre que, desde 2019 (já ocorria antes em menor intensidade), essas emendas do relator começaram a acolher demandas de parlamentares e do próprio Executivo. O relator passou a emendar o Orçamento por meio de um carimbo específico (o “RP-9”), uma forma de identificar essas mexidas e garantir os acordos a posteriori. A pulverização e o tamanho alcançados levaram aos alertas da imprensa, inicialmente do
Estadão, em matérias do jornalista Breno Pires. Na IFI, publicamos dois trabalhos sobre isso no âmbito do Orçamento de 2021.
A decisão da ministra Rosa Weber, nos últimos dias, limita o RP-9. Está correta. Não há critérios objetivos para a gestão desses vultosos recursos e as combinações entre governo e relator-geral estão muito distantes dos olhos da sociedade. Por que um município recebeu mais em RP-9 do que outro? Hoje, com dados públicos, é impossível responder a questões como essa.
O tipo de negociação aí embutida deve merecer as atenções de todos nós. A PEC dos Precatórios, por exemplo, foi aprovada em primeiro turno na Câmara dos Deputados. O rombo no teto de gastos poderá ficar entre R$ 92 bilhões e R$ 95 bilhões em 2022. Uma parte relevante iria para o relator-geral distribuir no âmbito do Ploa. Os fatos estão aí. O quadro é potencialmente grave.
O orçamento das emendas de relator-geral está em torno de R$ 17 bilhões em 2021. Há gastos do Ministério do Desenvolvimento Regional, do Fundo Nacional de Saúde, dentre outros. Para 2022, as contas preliminares da IFI indicam emendas de relator na casa de R$ 15 bilhões, caso se aprove a PEC dos Precatórios.
Se o RP-9 passou a ser um instrumento novo na relação entre o Executivo e o Legislativo, ele tem de ser regulamentado. Deve haver regras para realizar tais despesas, e com transparência, ou voltaremos à idade da pedra lascada na gestão fiscal. Alternativamente, restrinja-se a emenda de relator.
Raymundo Faoro escreveu, em Os donos do poder: “A comunidade política conduz (...) os negócios, como negócios privados seus, na origem, como negócios públicos depois (...). O súdito, a sociedade, se compreendem no âmbito de um aparelhamento a explorar, a manipular, a tosquiar nos casos extremos. Dessa realidade se projeta, em florescimento natural, a forma de poder, institucionalizada num tipo de domínio: o patrimonialismo (...)”.
O Orçamento não pode ter donos.
*Diretor-executivo e responsável pela implantação da IFI
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,orcamento-nao-pode-ter-dono,70003893114
Luiz Carlos Azedo: Suspensão das emendas secretas foi um chega pra lá em Lira
Para Arthur Lira (PP-AL), agora, a única saída é dar transparência às emendas e pagar para o ver o resultado nas eleições
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Embora não tenha encerrado o julgamento até o fechamento da coluna, por maioria, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a decisão provisória da ministra Rosa Weber (foto) que suspendeu as chamadas “emendas de relator” ao Orçamento da União, conhecidas como orçamento secreto, que estão sendo anabolizadas com aproximadamente R$ 20 bilhões pela PEC dos Precatórios. É jogo jogado, mesmo que o julgamento venha a ser interrompido. Tecnicamente, garantiram a maioria os seguintes ministros: Rosa Weber, Cármen Lúcia, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes.
Foi um chega para lá no presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que, na segunda-feira, solicitara uma audiência ao presidente do Supremo, Luiz Fux, para pressionar a Corte. Lira agiu como um velho “coronel” de Arapiraca (AL) a intimidar o juiz da comarca. Ao contrário das emendas individuais, que seguem critérios bem específicos e são divididas de forma equilibrada entre todos os parlamentares, as emendas de relator não seguem regras transparentes, são destinadas de forma arbitrária, no bojo de articulações de bastidor com propósitos eleitorais, sem fiscalização, o que também facilita superfaturamentos e desvios de recursos públicos. Arapiraca, reduto eleitoral do ex-senador Benedito Lira (PP), atual prefeito, e seu filho, que hoje preside a Câmara, foi o município mais contemplado com verbas federais.
A PEC dos Precatórios foi aprovada em primeira votação na semana passada, mas ainda restam emendas a serem apreciadas, além do segundo turno de votação (por se tratar de emenda constitucional, precisa ser aprovada duas vezes, na Câmara e, depois, no Senado).
Para obter 312 votos, quatro a mais do que os 308 necessários para modificar a Constituição, Lira contou com apoio de aliados nos partidos de oposição, o que provocou forte constrangimentos para suas lideranças nacionais, como Ciro Gomes, pré-candidato a presidente do PDT, que peitou os 15 dos 24 deputados que votaram a favor da PEC.
No PSDB, foram 22 dos 31 deputados, o que constrangeu os governadores de São Paulo, João Doria; e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, que disputam as prévias da legenda para escolha do candidato tucano à Presidência. Houve reação da cúpula dos partidos, que pressionaram as respectivas bancadas a mudarem de posição. Se não houver ajustes na PEC, por meio de destaques, a emenda constitucional pode morrer na praia.
Um dos ajustes, por exemplo, foi a manutenção da chamada “regra de ouro”, que impede o governo de contrair dívida para pagar despesas correntes, como salários de servidores e benefícios previdenciários, além de outros gastos da máquina pública, que era um tremendo trem da alegria embarcado na PEC.
Ancoragem
Ou seja, o governo só pode fazer novas dívidas para pagar dívidas antigas ou fazer investimentos, que podem depois se refletir em crescimento da economia e em aumento da arrecadação. Não pode ficar rolando dívidas de custeio e pessoal com novas dívidas, como se fazia antigamente, farra que acabou com a Lei de Responsabilidade Fiscal, aprovada no final do governo de Fernando Henrique Cardoso. O xis da questão na PEC dos Precatórios é o rombo no teto de gastos, oficialmente estimado em R$ 86 bilhões, mas que pode chegar a R$ 100 bilhões, segundo estimativa dos especialistas em contas públicas. O teto de gastos ancora o equilíbrio das contas públicas, com reflexos em toda a economia.
O governo fez uma manobra no cálculo do teto, que era de junho a junho e passou a ser de janeiro a dezembro, e deu um calote no pagamento das dívidas judiciais da União, para criar do nada a folga fiscal de R$ 86 bilhões. Em termos de geração de riqueza, esses recursos não existem; a alternativa mais eficaz seria cortar despesas supérfluas de custeio e pessoal, o que seria perfeitamente possível em se tratando de um orçamento de R$ 1 trilhão.
O pano de fundo de tudo isso são as eleições. O maior interesse do governo é viabilizar recursos para o programa de Bolsonaro que vai substituir o Bolsa Família, herança do governo Lula, que deixou de existir, além de outros benefícios, com propósitos eleitorais, como o vale gás e o subsídio de R$ 400 para os caminhoneiros.
Acontece que o Centrão também quer uma parte do “extra teto” para contemplar aliados políticos e redutos eleitorais. É um jogo desesperado, que pode virar uma rajada no próprio pé: mais inflação, juros mais altos, dólar mais caro, menos crescimento e menos empregos. Para Arthur Lira (PP-AL), agora, a única saída é dar transparência às emendas, ou seja, revelar seus acordos de bastidores, e pagar para o ver o resultado nas eleições, inclusive em Alagoas.
Em tempo: Mesmo derrotado no Supremo, que deve concluir o julgamento hoje, na Câmara, com os destaques, Lira conseguiu aprovar a PEC dos Precatórios em segunda votação, por 323 votos a 172, ou seja com mais votos do que na primeira. A PEC agora segue para apreciação do Senado.
Luiz Carlos Azedo: Lira pressiona Fux para liberar emendas secretas
Encontro foi considerado constrangedor e inoportuno nos meios jurídicos
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), esteve ontem com o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, para discutir a PEC dos Precatórios. Na véspera da sessão extraordinária do plenário virtual da Corte, que se inicia hoje, e que vai referendar ou não a liminar da ministra Rosa Weber, que suspendeu a execução das chamadas “emendas do relator”, o encontro foi considerado constrangedor e inoportuno nos meios jurídicos.
Lira também marcou para hoje a segunda votação da PEC, que foi aprovada na primeira por 312 votos a 144, com uma estreita margem de quatro votos em relação ao mínimo de 308 exigido por uma emenda constitucional.
Rosa Weber determinou a suspensão do pagamento das “emendas do relator” porque fazem parte de um orçamento secreto, sem transparência nem fiscalização dos órgãos de controle. Em liminar, a ministra determinou que a execução seja paralisada até a conclusão do julgamento pela Corte de uma ação apresentada pelo PSol, pelo PSB e pelo Cidadania, que deve terminar amanhã. Se houver um pedido de vista, o julgamento será suspenso. As chamadas “emendas do relator” são relativas aos Orçamentos de 2020 e 2021 e servem de instrumento de controle do governo sobre sua base e também para cooptação de integrantes dos partidos de oposição, sem que ninguém tenha que assumir publicamente o toma lá dá cá.
Outra ação sobre o mesmo tema no Supremo é de iniciativa do ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (sem partido-RJ), que pede a suspensão da tramitação da PEC dos Precatórios, em razão de suposta irregularidade na aprovação em primeiro turno, ao se permitir que deputados pudessem votar a distância. Antes da segunda votação do mérito, a Câmara ainda precisa votar 11 destaques, o que pode levar ao adiamento da segunda votação para amanhã. Tanto Lira como o líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR), se empenham para mobilizar a base governista, principalmente os deputados do chamado Centrão. Também tentam neutralizar as pressões dos dirigentes dos partidos de oposição sobre seus deputados infiéis.
Levantamento feito pelo site Jota mostra que a média de apoio ao governo entre os 112 deputados que aprovaram a PEC na primeira votação é de 88,6%; entre os 144 deputados contrários, a taxa de adesão é de 47,3%. Essa infidelidade nas bancadas de oposição criou constrangimentos para a cúpula do PSB, PDT, PSDB, principalmente. A primeira reação veio do pré-candidato à Presidência do PDT, Ciro Gomes, que anunciou a suspensão de sua candidatura e exigiu um reposicionamento da bancada do PDT: 15 dos 24 deputados votaram a favor da PEC. No PSDB, foram 22 dos 31 deputados; e no PSB, 10 dos 32 integrantes da bancada.
Orçamento paralelo
Havia uma maioria no Congresso comprometida com o teto de gastos, mas tudo mudou com Lira no comando da Câmara. Aliado de Bolsonaro e líder do “baixo clero”, o presidente da Casa não está nem aí para o equilíbrio fiscal, seu foco é a distribuição das emendas secretas ao Orçamento, cumprindo os acordos que fez na eleição com os colegas de Câmara e o Palácio do Planalto. Com o controle do Orçamento, Lira mantém ampla maioria na Câmara, mas o apoio ao governo na Casa vem decaindo por várias razões, a principal é o enfraquecimento eleitoral de Bolsonaro, principalmente no Nordeste, Norte e Centro-Oeste. O ministro da Economia, Paulo Guedes, jogou a toalha, apesar de a equipe econômica considerar o teto de gastos a âncora fiscal do governo.
Na PEC dos Precatórios, o rombo no teto de gastos, oficialmente estimado em R$ 86 bilhões, pode chegar a R$ 100 bilhões. O maior interesse do governo é viabilizar recursos para o Auxílio Brasil, o programa de Bolsonaro para substituir o Bolsa Família, além de outros benefícios, como o vale-gás e o subsídio de R$ 400 para os caminhoneiros abastecerem os tanques de seus veículos.
O mercado reagiu negativamente porque os analistas de contas públicas sabem que é possível obter esses recursos num Orçamento de mais de R$ 1 trilhão cortando despesas supérfluas, a começar pelos gastos secretos com cartões de crédito da Presidência (o mau exemplo vem de cima). Já o interesse de Lira são as “emendas do relator” ao Orçamento, que correspondem a R$ 20 bilhões em verbas destinadas a prefeituras e instituições ligadas aos parlamentares de sua base, sem nenhuma transparência e controle, o que a ministra Rosa Weber considera inconstitucional.
Vera Magalhães: Rosa Weber pode frear poder de Lira
Ministra Rosa Weber é a relatora das ações que discutem a legalidade das chamadas emendas de relator
Vera Magalhães / O Globo
Com os partidos postulantes a uma cada vez mais distante terceira via despejando votos a favor de Jair Bolsonaro, o Tribunal de Contas da União “integrado” ao governo, como disse o presidente, e o orçamento secreto de Arthur Lira comendo solto, quem poderá frear o vale-tudo visto para a aprovação da excrescência batizada de PEC dos Precatórios?
Como sempre, os olhos estão voltados para o Supremo Tribunal Federal. Primeiro na análise da constitucionalidade da emenda que, numa só tacada, deu um calote no pagamento de precatórios e arrombou o teto de gastos. Ela é flagrantemente inconstitucional nessas duas pontas. A primeira já foi objeto de julgamento do próprio STF.
Mas não é essa a única providência que pode — e deve — partir do STF. Está tardando muito para que a ministra Rosa Weber, relatora das ações que discutem a legalidade das emendas do relator ao Orçamento, vulgo orçamento secreto, leve esse caso essencial para o país ao plenário da Corte.
A invenção de uma modalidade de emenda que é um fast-track de recursos orçamentários para as bases dos deputados e senadores, sem muita ingerência dos órgãos de controle e fiscalização, está não só colocando em xeque as contas públicas, como deturpando fortemente a governabilidade e, no limite, a democracia.
Se antes a sociedade se chocou quando Roberto Jefferson denunciou o mensalão, que consistia no uso de agências de publicidade para pagar a deputados em troca de apoio no governo Lula 1, que dizer de uma engrenagem que, sem intermediários, irriga prefeituras e empresas ligadas aos mesmos parlamentares, com fortes indícios de que parte desses bilhões volta para os beneméritos?
Trata-se de um modelo de cooptação de apoio no Congresso sem precedentes em matéria de volume de recursos e efetividade. Tanto é assim que a votação desta quarta-feira comprovou o que já venho escrevendo há tempos: graças ao controle que exerce sobre as emendas do relator, em que o relator é só um laranja, Arthur Lira é hoje o homem mais poderoso do Brasil.
Foi ele, e não nenhum ministro ou líder governista, que garantiu os votos necessários à aprovação da PEC dos Predatórios (não, não é um erro de digitação, trata-se de um projeto de predar mesmo o Orçamento, em que os beneficiários do Auxílio Brasil são só figurantes).
Lira faz o que faz, liberando até voto transcontinental, de graça? Certamente, não. Vem aí, tão certo quanto que o sol nascerá amanhã, um lauto aumento nas famigeradas emendas e no fundão eleitoral.
E então, ministra Rosa? É voz corrente no STF que ela se cercou de informações a respeito do caráter conspurcatório da democracia que tais emendas adquirem e de como isso representa um expediente desigual de força, até eleitoral, por parte do presidente de turno.
Mais: se não for o Judiciário a disciplinar essa imoralidade, quem mais? Algum presidente eleito na vigência de um instrumento tão caro ao Legislativo terá coragem de revogá-lo? Dificilmente.
O mal tem de ser estancado já, e pela raiz. Há diferentes apostas em Brasília quanto ao que Rosa proporá em seu voto e como votarão os demais nove ministros. Ela pode desde julgar as emendas do relator inconstitucionais e determinar sua extinção até estipular limites de valores e freios a seu caráter praticamente secreto.
Mas é urgente que ela libere essas ações para o plenário, sob pena de o consórcio Bolsolira continuar usando votações que envolvem pedaladas monumentais com recursos públicos como ferramenta para tentar viabilizar politicamente um presidente cuja popularidade precisa ser levantada à custa de tratores, escavadeiras e, se possível, até guindastes. No caso da turma que chancelou a PEC dos Predatórios, quanto mais superfaturados, melhor.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/vera-magalhaes/post/rosa-weber-pode-frear-poder-de-lira.html