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Elio Gaspari: Weintraub fez mais uma

Bolsonaro tem encontro marcado com o TSE

O ministro da Educassão, Abraham Weintraub, comparou a operação contra os financiadores da máquina de mentiras do bolsonarismo à “Noite dos Cristais” de 1938, quando os nazistas queimaram centenas de sinagogas, destruíram milhares de lojas e mataram pelo menos 90 judeus. Weintraub tomou contravapores da embaixada de Israel, do Comitê Judaico Americano e da Confederação Israelita, por banalizar o antissemitismo que desembocou no Holocausto. Comparar as duas situações é confundir hemorroida com hemograma.

Nos seus delírios, o ministro pratica uma ignorância seletiva. Na tétrica reunião do Ministério de 22 de abril ele ouviu seu colega Paulo Guedes dizer que conhece “profundamente, no detalhe, não é de ouvir falar”, diversos programas de reconstrução econômica, entre eles os da “Alemanha na Segunda Guerra e na Primeira, com o Schacht.”

Para uma mente sensível como a de Weintraub, a lembrança de Guedes tinha um aspecto politicamente tóxico. A Primeira Guerra terminou em 1918 e Hjalmar Schacht assumiu a presidência do Reichsbank em 1923. Nesse cargo ele estabilizou a moeda alemã. Em 1930, quando a dívida do país estrangulava sua economia, ele avisou que “se o povo alemão tiver que passar fome, teremos muitos Adolf Hitler”. Não deu outra e, em 1933, Hitler assumiu o governo. Quindim da banca, Schacht era um coletor do Caixa Dois dos nazistas e um ano depois, quando o ministro das Finanças reclamou da perseguição aos judeus, ele o substituiu. Soltou dinheiro para obras públicas e para o rearmamento do Reich.

Ele deixou o comando da economia antes da Noite dos Cristais, mas continuou como ministro sem pasta até 1943. (A Solução Final do extermínio dos judeus foi decidida em 1942).

Schacht foi um alemão emblemático de sua geração, que não sabia o que estava acontecendo. Ele começou a vida no Dresdner Bank, da família Gutman, e não moveu um dedo quando ela começou a ser perseguida. A baronesa Louise morreu em Auschwitz e seu marido, Fritz, foi assassinado no campo de Theresienstadt. Schacht foi absolvido pelo tribunal de Nuremberg, que enforcou uma parte da cúpula civil e militar do nazismo, e morreu em 1970, aos 83 anos. Sua mulher usava um broche, uma suástica de rubis e brilhantes.

Encontro marcado
Jair Bolsonaro está encrencando com o Judiciário (“Temos que botar limites” ou “Chega!”) porque acordou para o fato de que tem um encontro marcado com o Tribunal Superior Eleitoral no julgamento dos pedidos de cassação de sua chapa com o vice Hamilton Mourão. Os processos são seis, dois podem morrer em poucos dias, mas quatro persistirão. Todos eles se referem aos disparos de notícias falsas na rede, tema da investigação conduzida pelo ministro Alexandre Moraes.

Pelo andar da carruagem, o TSE julgará o caso ainda este ano. É a crise da vida anunciada.

Deixando-se de lado a lógica constitucional da cassação de uma chapa no segundo ano de seu mandato, precisará ficar provado que os disparos das mentiras na rede foram praticados com recursos ilegais e que tenham influenciado de forma decisiva o resultado da eleição. A investigação determinada pelo ministro José Antonio Dias Toffoli pode ter uma origem escalafobética, mas as conclusões do trabalho de Alexandre de Moraes serão um fato em si. Pelo que já se sabe, desagradarão os Bolsonaro. Eles têm alguns meses para criar um clima capaz de convencer a população de que o Judiciário que mutilar o Executivo.

Uma coisa é certa: ameaçando a Justiça com a hipótese de um golpe de generais no meio de uma pandemia e no início de uma recessão, Bolsonaro entroniza-se como encarnação da instabilidade política, econômica e sanitária.

Quando ele diz que “ordens absurdas não se cumprem” e oferece cadeiras no Supremo Tribunal como se fossem chuchu de feira confirma que antes de chegar à metade do mandato, tornou-se um criador de problemas. Afinal, quem decide que uma ordem é absurda? Aquele cabo que pode fechar o Supremo?

O correto Queiroz
Outro dia, respondendo ao governador Wilson Witzel, o senador Flávio Bolsonaro lembrou, a troco de nada, que “você ficava ligando para o Queiroz para correr atrás de mim na campanha. Sabia que o Queiroz estava do meu lado. Um cara correto, trabalhador, dando sangue por aquilo que acredita.”

Desde o final de 2018, esta foi a primeira vez que o 01 louvou a figura de Fabrício Queiroz, faz-tudo do gabinete de seu pai.

De vez em quando, Queiroz queixa-se de abandono, pois já temeu que os procuradores tenham um objeto “do tamanho de um cometa para enterrar na gente”.

Falta explicar por que o senador demitiu o “cara correto, trabalhador” que dá o “sangue por aquilo que acredita” pouco antes da realização do segundo turno da eleição presidencial. No mesmo dia, Jair Bolsonaro demitiu a filha de Queiroz, lotada no seu gabinete da Câmara dos Deputados.

A sorte de Witzel
O governador Wilson Witzel é um homem de sorte. A Polícia Federal varejou o palácio onde ele vive e o apartamento onde morou, sem dar um só tiro.

Uma semana antes, numa operação em São Gonçalo, sua polícia, numa operação da qual participou a Polícia Federal, entrou numa casa, deu 72 tiros e matou o menino João Pedro Mattos Pinto, de 14 anos.

Patrono dos palacianos
Como Bolsonaro ressuscitou a figura do general palaciano, vale um registro. Assim como o patrono da arma da cavalaria é o general Osório (que levou um tiro no rosto durante uma batalha), essa espécie tem no general João Baptista Figueiredo sua maior expressão.

Figueiredo não esteve na Força Expedicionária Brasileira que combateu na Itália, mas fez uma brilhante carreira palaciana.

Em 1964, como coronel, assumiu a Agência Central do Serviço Nacional de Informações. De 1969 a 1974 foi chefe do Gabinete Militar do presidente Emílio Médici e, em seguida, dirigiu o SNI no governo de Ernesto Geisel. Foram 13 anos no palácio e nos seus arredores, interrompidos por apenas três de serviço em quartéis.

Em 1979 Figueiredo chegou à Presidência da República e os patrocinadores dessa ascensão acreditavam que o palácio lhe dera experiência. Enganaram-se. Seu governo foi ruinoso e em 1985 ele deixou o Planalto por uma porta lateral, pedindo para ser esquecido, o que conseguiu.

Boa notícia
A professora Kone Prieto Fortunato Cesario, vice-diretora da Faculdade Nacional de Direito informa: a iniciativa dos ministros Luiz Fux (STF) Benedito Gonçalves e Luis Felipe Salomão (STJ), mais o desembargador Cezar Augusto Rodrigues Costa, conseguiu arrecadar R$ 63 mil para ajudar 240 estudantes cotistas.

O Webinar “A Covid-19 e o futuro das Cortes” teve 190 inscritos e dez advogados, bem como a empresa UCB, fizeram doações.


Elio Gaspari: A diplomacia da inépcia

Erro de Weintraub estava em julgar-se superior aos chineses

Com a exposição das falas tétricas da reunião ministerial de Bolsonaro, saem do Planalto sinais de preocupação diante de um eventual estrago que possa ocorrer nas relações do Brasil com a China.

Se um ministro chinês dissesse que o Brasil “é aquele cara que cê sabe que cê tem de aguentar”, porque eles nos vendem proteínas de que precisamos, e outro acrescentasse que a “globalização cega” levou o país a comprar alimentos de quem espalhou o “comunavírus”, a milícia bolsonarista estaria com a faca nos dentes. Bizarrices desse tipo partiram dos ministros Paulo Guedes, na reunião, e Ernesto Araújo, num artigo.

O professor Delfim Netto já ensinou que os governos precisam abrir a quitanda pela manhã, com berinjelas para vender e troco para a freguesia. O governo de Jair Bolsonaro só abre à noite, não tem troco nem legumes, e briga com as freguesas. À primeira vista faz isso movido por estranhas convicções, mas as encrencas que ele cria com a China são produto da inépcia.

Durante a existência do capitão, a diplomacia brasileira cuidou de grandes questões que envolviam o interesse nacional. Assim foi com o estranhamento ocorrido no século passado com a Argentina em torno da construção da hidrelétrica de Itaipu, ou mesmo com os Estados Unidos durante o governo de Jimmy Carter em torno do Acordo Nuclear assinado com a Alemanha. Nesses dois casos, existiam contenciosos. Com a China não há contencioso algum, salvo recônditos sentimentos racistas. No limite, o Império do Meio acaba mal falado porque compra berinjelas brasileiras. O doutor Guedes diz que “tem que aguentar” o chinês e orgulha-se de ter lido obras do economista John Maynard Keynes “três vezes, no original”. Ler o inglês no original é motivo de orgulho, vender soja para o chinês chega a ser um desconforto.

O povo chinês viveu o que ele mesmo chama de “século da humilhação”. O palácio de verão dos imperadores foi saqueado por uma tropa anglo-francesa em 1860 e no início do século passado um parque localizado no enclave internacional de Xangai tinha um cartaz que avisava: “Proibida a entrada de cachorros e de chineses”. Quando o ministro da Educassão Abraham Weintraub fez graça brincando com a fala do Cebolinha para sugerir que a China seria a beneficiária da ruína provocada pela pandemia, sabia que lidava com um preconceito. Seu erro estava em julgar-se superior aos chineses, e muita gente pensa assim.

Em 1979, quando o poderoso Deng Xiaoping visitou Nova York, precisou pedir dinheiro a um amigo para comprar um presente para sua neta, uma boneca que chorava e fazia xixi. Hoje as crianças americanas brincam com bonecas chinesas.

Na transcrição liberada com embargos pelo ministro Celso de Mello, Bolsonaro disse que “não queremos brigar com XXXXXX, zero briga com a XXXXX.” A XXXXX não briga, espera.

Fica aqui o registro de que o ministro zombou da curiosidade alheia nos embargos que impôs ao texto da fatídica reunião de 22 de abril. Alguns cortes são risíveis, pois basta medir o trecho suprimido para se perceber o que está escrito ali.


Elio Gaspari: Uma reunião patética

Chega a ser um exercício pedagógico, sobretudo num tempo de horas vagas

A leitura da transcrição da patética reunião do ministério de Jair Bolsonaro exige algum tempo, mas chega a ser um exercício pedagógico, sobretudo num tempo de horas vagas. Descontem-se os palavrões (37). Esqueçam-se as tolices (um dos maganos dizendo que o pico da epidemia parecia ter passado). Deixem-se de lado os delírios presidenciais. Sobra o quê? O ministro da Economia, Paulo Guedes, dizendo que leu o economista inglês John Maynard Keynes no original, insistindo nas suas “reformas estruturantes” e colocando duas propostas na mesa.

A primeira foi criativa, caso inédito de colocação do maoísmo a serviço dos cânones da universidade de Chicago. Ele propôs uma mobilização de jovens para que se formassem como aprendizes. Quantos? “Duzentos mil, trezentos mil”. Nas suas palavras: “O cara de manhã faz calistenia, canta o hino, bate continência”, ajuda a abrir estradas e “aprende a ser cidadão”. O doutor lembrou que a “Alemanha fez isso na reconstrução”. Em 1945 a Alemanha estava destruída e faminta, mas deixa pra lá.

Afora a ingenuidade dessa proposta de militarização do andar de baixo, Guedes expôs outra avenida para o progresso e novamente inspirou-se na Ásia. Nas suas palavras:

“O problema do jogo lá… nos recursos integrados [provavelmente ele disse “resorts”]. Tem problema nenhum. São bilionários, são milionários. Executivo do mundo inteiro. O cara vem, é… fazem convenções … olha, a … o … o turismo saiu de cinco milhões em Cingapura pra 30 milhões por ano. (…) Macau recebe 26 milhões hoje na … na China. Só por causa desse negócio. É um centro de negócios. É só maior de idade. O cara entra, deixa grana lá que ele ganhou anteontem, — ele deixa aquilo lá, bebe, sai feliz da vida. Aquilo ali num … atrapalha ninguém. Aquilo não atrapalha ninguém. Deixa cada um se foder. (…) O presidente fala em liberdade. Deixa cada um se foder do jeito que quiser. Principalmente se o cara é maior, vacinado e bilionário. Deixa o cara se foder, pô! Não tem … lá não entra nenhum, lá não entra nenhum brasileirinho”.

No meio de uma epidemia e de uma recessão, o ministro da Economia oferece a legalização da jogatina em resorts turísticos. Esse é um velho sonho de Bolsonaro, desde sua conversão à ideia pelo magnata americano Sheldon Adelson, dono de resorts em Las Vegas, Cingapura e Macau. De fato, nos cassinos de Adams, “brasileirinho” não entra. Guedes conhece o Rio de Janeiro. Ele ganha um mês de férias em Macau se realmente acredita que alguém operará um cassino por lá sem que o crime organizado (e a milícia) entrem na operação. Sem cassinos, três governadores do Estado foram para a cadeia e um continua lá. (Na China, o hierarca que ocupou cargos equivalentes à presidência da Petrobras e ao Gabinete de Segurança Institucional está trancado).

O aspecto patético da reunião presidida por Bolsonaro é que ela não leva a lugar nenhum. E não leva porque o presidente não tem a menor ideia do que fazer, salvo sair por aí arrumando brigas.

Alô, alô Faria Lima
Um trecho das falas de Paulo Guedes, para a turma do papelório pensar na vida.

“Ô presidente, esses valores e esses princípios e o alerta aí do Weintraub é válido também, como seu… sua evocação é que realmente nós estamos todos aqui por esses valores. Nós tamos aqui por esses valores. Nós não podemos nos esquecer disso. Nós podemos conversar com todo mundo aqui, porque é o establishment, é porque nós precisamos dele pra aprovar coisa, mas nós sabemos que nós somos diferentes. Nós temos noção que nós somos diferentes deles”.

O Centrão no FNDE
Jair Bolsonaro prometeu governar com a boa vontade daquilo que chamava de “bancadas temáticas”. Nem ele, que acredita em “resfriadinho”, acreditava nisso. O deputado Alceu Moreira (MDB-RS), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária avisava: “Quem disser que sabe qual é o resultado que esse novo modelo produzirá, de duas uma: ou é adivinho ou está mentindo”. Deu-se o inevitável e a “nova política” do capitão desembocou num acordo com o velho centrão. Nem sempre o inevitável precisa ser tóxico, os governos anteriores mantiveram padrões variáveis de moralidade nas suas negociações com essa bancada de interesses difusos, mas Bolsonaro exagerou. No primeiro toma-lá-dá-cá entregou o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas. No segundo, terceirizou uma diretoria do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, entregando-a ao chefe de gabinete da liderança do Partido Liberal, onde reina o inesgotável Valdemar Costa Neto. Com um caixa de R$ 55 bilhões o FNDE não é coisa que possa ficar dando sopa.

Em menos de dois anos do governo de Bolsonaro, esse fundo já teve três presidentes e vida acidentada. Com pouco mais de uma semana, em janeiro de 2019, descobriu-se que uma mão invisível havia mudado um edital, permitindo a inclusão de publicidade nos livros didáticos. A burocracia explicou-se dizendo que “houve um erro operacional no versionamento”. O que é isso, não se sabe. Em agosto passado o FNDE publicou um edital para a compra de 1,3 milhão de computadores, notebooks e laptops para a rede pública de ensino. Coisa de R$ 3 bilhões. A Controladoria Geral da União sentiu cheiro de queimado. E não era para menos, 355 escolas receberiam mais laptops que seu número de alunos. Uma delas, em Itabirito (MG) receberia 30.030 laptops. Como tinha 255 alunos, disso resultaria que cada um deles receberia 117 pequenos computadores.

O edital foi suspenso, o presidente do FNDE foi trocado e a peça foi revogada. Pouco depois,sem qualquer aviso, caiu o segundo gestor do fundo. O que seria um caso clássico de bom funcionamento dos órgãos de controle da máquina do Estado, tornou-se também um exemplo da falta de transparência de um governo que faz uma nova política. Ninguém sabe quem botou o jabuti no edital de agosto.

O ministro da Educassão, Abraham Weintraub, perdeu a oportunidade de lustrar sua biografia. Em vez de sugerir a prisão de ministros do Supremo, poderia ter mostrado o caminho da Procuradoria à turma que concebeu o edital do FNDE.

Brazil?
De um empresário que opera internacionalmente:

"Do jeito que vai a reputação do Brasil pelo mundo afora, daqui a pouco eu só conseguirei ser atendido pelas secretárias eletrônicas".

Eremildo, o idiota
Eremildo é um idiota e não acredita em denúncias.

A única coisa que ele não entende é por que os Bolsonaro demitiram Fabrício Queiroz e sua filha Nathalia.

Tendo demitido o chevalier servant os Bolsonaro não deveriam ter se interessado pela sua defesa.

Proeza
O governo do Rio conseguiu uma proeza: antecipou os escândalos em torno da construção dos hospitais de campanha e adiou suas inaugurações.


Elio Gaspari: O mistério da demissão de Queiroz

Ex-assessor foi exonerado após encontro cinematográfico de auxiliares de Flávio com delegado da PF

A entrevista do empresário Paulo Marinho à colunista Mônica Bergamo recolocou no centro da mesa a mesma pergunta: por que o presidente Jair Bolsonaro demitiu seu chevalier servant, o ex-PM Fabrício Queiroz, no dia 15 de outubro de 2018, uma semana depois do primeiro turno da eleição e duas semanas antes do segundo?

No mesmo lance, dispensou também a filha de Queiroz. Se eles fizeram algo de errado, nunca se soube. Ela ganhava R$ 10 mil mensais no gabinete do então deputado Jair Bolsonaro e ele recebia R$ 9.000 servindo ao seu filho Flávio, que acabara de ser eleito senador.

Desde os primeiros dias do governo de Bolsonaro conhecem-se as movimentações financeiras de Queiroz.

Ele nunca explicou suas operações, limitando-se a dizer que "fazia dinheiro" comprando e vendendo carros. Queiroz empregou no gabinete de Flávio Bolsonaro a mãe do ex-PM e miliciano da ativa Adriano da Nóbrega, foragido da Justiça por quase dois anos até que foi morto pela polícia baiana em fevereiro passado.

Paulo Marinho é suplente do senador Bolsonaro e revelou que os Queiroz foram demitidos dias depois do cinematográfico encontro de três colaboradores de Flávio Bolsonaro com um delegado da Polícia Federal na segunda semana de outubro de 2018.

Ele teria revelado que uma investigação apontava para traficâncias de Queiroz. Dias depois, ele e sua filha foram demitidos. O alerta teria mobilizado os Bolsonaros, Marinho, o futuro ministro Gustavo Bebianno e três advogados. O ex-PM assustou-se, temendo ir para a cadeia, chegou a vomitar no banheiro de um escritório e desapareceu.

Quando o Ministério Público investigava suas atividades, Queiroz queixou-se da falta de ajuda, sentindo-se ameaçado. Achava que os procuradores tinham um objeto "do tamanho de um cometa para enterrar na gente".

O que seria uma história de 2018 juntou-se a uma encrenca de hoje, com a denúncia do ex-ministro Sergio Moro de que Bolsonaro tentou interferir no trabalho da PF do Rio de Janeiro, onde havia servido o delegado Alexandre Ramagem. Ele cuidou da Operação Cadeia Velha, que investigava malfeitorias na Assembleia Legislativa.

Tudo voltou ao ponto de partida: a Superintendência da Polícia Federal do Rio de Janeiro. Bebianno morreu e Flávio Bolsonaro desqualifica as revelações de seu suplente, mas Marinho colocou na roda pessoas que discutiram a estratégia de defesa de Queiroz. Algumas delas teriam presenciado a conversa com o delegado. Marinho não a presenciou.

Só as investigações do Ministério Público e da PF poderão esclarecer essa questão, mas uma coisa é certa há mais de um ano: a demissão de Queiroz e de sua filha tem cheiro de vazamento.
Paulo Marinho está no PSDB, alinhado com o governador João Doria e é pré-candidato a prefeito do Rio.

Durante a campanha abrigou em sua casa do Jardim Botânico o quartel-general do candidato. Lá realizavam-se gravações e reuniões da equipe de Bolsonaro. Nessa relação estreita ele ganhou a suplência do senador Flávio Bolsonaro e perdeu uma cozinheira de várias décadas, levada pelo presidente para Brasília.


Elio Gaspari: Weintraub, ministro da educassão, é uma ameassa a ceguranssa nacional

Ministro sugeriu que fossem mandados para a cadeia ministros do Supremo Tribunal Federal

Segundo o ministro Augusto Heleno, a divulgação integral da conversa de botequim ocorrida na reunião do conselho de ministros de 22 de abril pode ser um “ato impatriótico, quase um atentado à segurança nacional”. De fato, é possível que tenham sido tratados assuntos sensíveis e seria razoável mantê-los embargados, assim como foi elegante abreviar o verbo fornicante da fala do presidente. Se de fato o ministro da Educassão, Abraham Weintraub, sugeriu que fossem mandados para a cadeia ministros do Supremo Tribunal Federal, seria um ato patriótico expô-lo, para que responda pela sua proposta na forma da lei.

Pedir a volta do AI-5 e o fechamento do Supremo numa manifestação popular é uma coisa. Sugerir a prisão de ministros do Supremo numa reunião ministerial é bem outra.

Esse tipo de arbitrariedade não tem precedente. O marechal Floriano Peixoto ameaçou, mas não prendeu ministros. Nas ditaduras seguintes, o tribunal foi coagido e três ministros foram aposentados compulsoriamente, mas nenhum foi preso.

É o caso de se perguntar como é que se faz isso. Só há um caminho, o da ditadura, enunciado há dois anos por Eduardo Bolsonaro: “Para fechar o Supremo bastam um cabo e um soldado”. Junto com isso, viriam o fechamento do Congresso e a censura à imprensa. Daí à reabertura dos DOIs, seria um pequeno passo.

A divulgação do que se disse na reunião permitirá o conhecimento das exatas palavras do ministro. Sua colega Damares Alves, a quem se atribuiu a proposta de prisão de governadores e prefeitos, esclareceu que se referia aos larápios que desviavam recursos e equipamentos. Weintraub fechou-se em copas.

A JBS fez, e nós?
Um dia a Covid será passado e o Brasil se lembrará de que quadrilhas de larápios bicavam as compras emergenciais. Felizmente, restará também a lembrança de grandes empresas que olharam para o andar de baixo. O Itaú-Unibanco, com sua doação de R$ 1 bilhão, e a Vale, fretando aviões ou distribuindo equipamentos, fizeram história. A eles juntou-se, pelo tamanho da iniciativa, a JBS. Ela anunciou uma doação de R$ 400 milhões. A maior parte desse dinheiro irá para a construção de hospitais e para a distribuição de leitos e equipamentos. R$ 50 milhões irão para pesquisas da área de saúde, e R$ 20 milhões, para organizações sociais sem fins lucrativos. O ervanário será gerido por três comitês de médicos, professores e administradores. Entre eles, Roberto Kalil Filho (Incor) e Henrique Sutton (Einstein) e Celso Athayde, fundador da Central Única das Favelas.

A JBS ficou famosa pelos seus malfeitos mostrados na Lava-Jato e fechou um acordo de leniência com a Viúva comprometendo-se a desembolsar R$ 2,3 bilhões para projetos sociais. Os irmãos Wesley e Joesley Batista resolveram renunciar ao direito que tinham de usar a doação de R$ 400 milhões para abater o que deviam.

Com 130 mil colaboradores diretos, a JBS passou por todos os seus perrengues sem demitir um só trabalhador.

Profecia
A investigação pedida a partir da denúncia de Sergio Moro tende a virar limonada por dois motivos: primeiro porque espremendo o caso, não há como demonstrar que houve crime. Além disso, pode-se intuir que a vontade do procurador-geral Augusto Aras de apresentar uma denúncia contra Bolsonaro é próxima de zero, com viés de baixa.

A zona de conforto dos Bolsonaro termina quando se mexe com dois fios desencapados: a CPI das Fake News e a investigação conduzida pelo ministro Alexandre de Moraes no Supremo Tribunal Federal, relacionada com as mesmas “alopranças”.

Farra elétrica
As concessionárias de energia elétrica levaram uma pancada com a pandemia. O consumo caiu em cerca de 10%, a inadimplência cresceu em outros 10% e o dólar encostou nos R$ 6, encarecendo o custo da energia de Itaipu.

Com toda razão, as empresas estão pedindo socorro ao governo. A conta acabará nas costas dos consumidores.

Até aí, tudo bem, mas o doutor Paulo Guedes está condicionando as ajudas aos estados à entrega de contrapartidas. Seria razoável que as concessionárias de energia também oferecessem contrapartidas. Por exemplo: limitações na remuneração dos diretores e na distribuição de dividendos aos acionistas. Essa tunga duraria o tempo da outra, que penalizará os consumidores.

A exigência de contrapartidas teria o efeito colateral de inibir a voracidade das empresas.

Dólar a R$ 6
No início de março, quando o dólar estava a R$ 4,65, o ministro Paulo Guedes disse que “se fizer muita besteira”, poderia ir a R$ 5. Foi, bateu nos R$ 5,91 e poderá ir a R$ 6.

O sujeito da frase de Guedes estava oculto e ficou no ar quem precisaria fazer “muita besteira”. Uma coisa deve ser reconhecida: até agora, não foi ele.

Moro na muvuca
O juiz aposentado Vladimir Passos de Freitas, que foi um dos principais colaboradores de Sergio Moro no Ministério da Justiça, disse que ele foi para o governo sem que “tivesse ideia de como seria a vida comum ali”.

O doutor pode achar isso, mas ninguém vai para ministério, em governo algum, sem ter ideia de como será a vida ali. Moro, assim como Nelson Teich, sabia quem era Bolsonaro e Bolsonaro sabia quem eram Moro e Teich.

Com uma diferença: Moro não se ofereceu para a cadeira.

Faz tempo, quando o presidente João Figueiredo expandiu seu temperamento errático e explosivo, dois de seus colaboradores diretos conversavam dentro de um automóvel e deu-se o seguinte diálogo.

— Depois que ele operou o coração, virou outra pessoa.

O outro, que entendia de medicina, respondeu:

— O problema não está no hardware. É coisa do software.

Ajuda aos estudantes
A gloriosa Faculdade Nacional de Direito do Rio tem 244 alunos que precisam de ajuda, quer para o transporte (R$ 250 mensais), quer para continuar estudando (R$ 900). De cada quatro, um mora na Baixada Fluminense.

Os ministros Luiz Fux (STF), Luís Felipe Salomão e Benedito Gonçalves, bem como o desembargador Cezar Rodrigues Costa, organizaram um webinar para ajudar esses jovens que, como eles, se formaram na rede pública. O debate se chama “A Covid e o futuro das Cortes de Direito”.

A inscrição custa R$ 200. Mas quem quiser, pode fazer a doação inscrevendo-se, mesmo que não os ouça.

Bolsonaro fashion
Além das camisetas de clubes de futebol, Jair Bolsonaro tem um lado fashion. Em outubro passado, vestiu uma casaca com gola redonda no Palácio Imperial de Tóquio, sacrilégio para quem usa essa fantasia de pinguim.

Na marcha de lobistas que liderou, sobre o Supremo Tribunal Federal, o capitão usava um paletó com um bolsinho sobressalente do lado direito.

Esse adereço espalhou-se pelo mundo no século passado, graças a Lord Halifax, o famoso rival de Winston Churchill. Ele era um inglês esguio e vestia-se de forma conservadora, porém amarfanhada.

O bolsinho de Halifax nada tinha a ver com estilo. Ele havia nascido sem a mão esquerda.


Elio Gaspari: Os palavrões no Conselho de Governo

O bolsonarês humilha aqueles que votaram no capitão em nome dos bons costumes

Quando Sergio Moro pôs na roda a questão do vídeo da reunião do Conselho de Governo de 22 de abril, sabia que havia ali uma bala de prata capaz de provar que Jair Bolsonaro queria trocar o diretor da Polícia Federal para blindar os interesses políticos de sua família. Ele sabia também que a bala continha outro material. Ao chegar ao Planalto, com pompa monarquista, o capitão chamou de Conselho de Governo aquilo que se conhecia como reunião do Ministério. Reunindo-o, ele presidiu uma conversa de botequim, e Moro mostraria isso.

A divulgação desse vídeo será também um espetáculo de falta de compostura e de asneiras. Outro dia a secretária de Cultura, Regina Duarte, disse que parou de ler os livros de Olavo de Carvalho porque ele usa muitos palavrões. No governo que ela louva, o vocabulário do doutor Olavo é o de um sacristão.

Alguns presidentes respeitavam seus interlocutores. Michel Temer, Fernando Henrique Cardoso e José Sarney falam como frades. Não se pode dizer o mesmo de Dilma Rousseff e Lula, mas nenhum deles disse palavrão em reunião ministerial. Conhecem-se os áudios das reuniões do Conselho de Segurança Nacional que decidiram baixar o Ato Institucional nº 5 (Costa e Silva) e o Pacote de Abril (Ernesto Geisel). Neles não há palavrões.

O primitivismo de Bolsonaro vai além do uso de expressões chulas, transborda para a própria maneira como preside uma reunião de ministros e como lida com sua equipe de renomados “técnicos”. Em certa ocasião ele manifestou tamanha curiosidade por detalhes de casos de violência que um dos titulares achou melhor mudar de assunto. O clima de feijoada permite que o chanceler Ernesto Araújo exponha (em bom português) suas teorias lunáticas em relação à China ou que alguém resolva qualificar a genealogia de ministros do Supremo Tribunal Federal. É a bagunça bolsonariana. Nela o presidente libera o funcionamento de academias de ginástica e salões de beleza sem ouvir seu ministro da Saúde. Afinal, ambos sabem com quem lidam.

O vídeo da reunião de 22 de abril é um exemplo da capacidade de autocombustão do governo. Já com Moro fora do governo, Bolsonaro disse que divulgaria seu conteúdo: “Mandei legendar e vou divulgar”. Falou o que lhe veio à cabeça, mas dias depois a Advocacia-Geral da União pediu ao ministro Celso de Mello que reconsiderasse a decisão de pedir a gravação porque na reunião foram tratados “assuntos potencialmente sensíveis e reservados de Estado”. Parolagem, pois podia ter pedido para embargar esses trechos. Essa é a prática de governos sérios, mas quem embarga trechos assina embaixo e se responsabiliza pelo ato.

Diante da blindagem absurda, a AGU recuou e disse que se contentava em entregar uma versão com trechos embargados. Não deu certo. Sergio Moro e seus advogados não aceitaram o atalho, argumentando que não compete ao governo selecionar provas. Caberá ao ministro Celso de Mello decidir se torna público todo o vídeo ou partes dele.

Se Moro quisesse apenas provar que Bolsonaro pressionou-o para trocar o diretor da Polícia Federal, o embargo seria neutro e justificável. Ele também queria mostrar como funciona a muvuca em que se meteu.


Elio Gaspari: Bolsonaro semeia a anarquia militar

Para quem vive uma pandemia e uma recessão, essa encrenca não era necessária

Quando Jair Bolsonaro falou que “o povo está conosco. As Forças Armadas, ao lado da lei, da ordem, da democracia, da liberdade e da verdade, também estão ao nosso lado”, não disse coisa nenhuma.

Foi apenas uma construção astuciosa, mas, como o capitão não consegue parar, acrescentou: “Não tem mais conversa. Daqui para frente, não só exigiremos. Faremos cumprir a Constituição. Será cumprida a qualquer preço”. Logo ele, que se julga “realmente, a Constituição” e se referiu às “minhas Forças Armadas”. Ganha um resfriadinho em Caracas quem não conseguir juntar lé com cré.

Para quem vive uma pandemia com a marca dos 10 mil mortos batendo à porta e uma inédita recessão já instalada na economia, esse tipo de encrenca não era necessária.

O capitão passou mais tempo no baixo clero da Câmara do que no Exército, onde conheceu melhor as sendas da indisciplina do que as normas da corporação. Nelas, também não se enquadrava, por exemplo, o major e ex-deputado Curió do Araguaia. Levado ao Planalto por um sentimento antipetista, Bolsonaro flerta com a anarquia militar.

Essa anarquia, resultante de divisões dentro das Forças Armadas, se fez sentir na política brasileira do século passado, até que perdeu ímpeto em 1977 e desapareceu com a redemocratização.
Na crise que Bolsonaro incentiva, misturam-se ingredientes tóxicos. O primeiro deles é a influência de sua família no governo.

O que restava do prestígio militar do marechal Henrique Lott, poderoso ministro da Guerra de 1954 a 1959, esvaiu-se em 1962, quando sua filha Edna elegeu-se deputada estadual. Com 3 dos 5 presidentes-generais (Castello Branco, Emílio Médici e Ernesto Geisel), a história foi outra, e seus familiares não se metiam no governo. Castello demitiu um irmão porque aceitou um presente e não moveu um dedo quando a Marinha negou ao seu filho a promoção a almirante.

O segundo ingrediente tóxico vem a ser o “núcleo militar” formado no Planalto. É composto por militares da reserva e por um general da ativa agregado. Governos que não tiveram essa bizarrice funcionaram: José Sarney, Fernando Henrique Cardoso e Lula. Os que a tiveram: Costa e Silva e, de certa forma, Figueiredo, deram-se mal. Fora da linha de comando, só há a bagunça.

O terceiro ingrediente é a simpatia de Bolsonaro pela opinião de sargentos e suboficiais, somada ao expresso apoio dado a policiais militares amotinados. A ele se junta uma militância parruda e agressiva.

Nos últimos 50 anos, o Brasil teve dois tipos de chefes militares no Exército: aqueles de quem se sabia o nome e aqueles de quem não se sabia. Orlando Geisel e Leônidas Pires Gonçalves estiveram no primeiro grupo. Um enquadrou os generais depois da anarquia de 1969, na crise da doença de Costa e Silva. O outro, comandou-os no governo Sarney, quando baixou o chanfalho no capitão Bolsonaro.

Depois, no segundo grupo, vieram dois chefes que comandaram a força por 13 anos. Deles não se fala e eles também não falam. Quem cruzar com os generais Gleuber Vieira e Enzo Peri na rua, não saberá quem são.

A ambos aplica-se a lição que Ernesto Geisel deu a um paisano que lhe perguntou quem era um general que ele promoveu à quarta estrela. “Um grande oficial, e a prova disso é que você não sabe quem é.” Chamava-se Jorge de Sá Pinho.

*Elio Gaspari, jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".


Elio Gaspari: A fila única para a Covid está na mesa

Rede privada tem 15.898 leitos de UTIs, com ociosidade de 50%, e a rede pública tem 14.876 e está a um passo do colapso

O médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto defendeu a instituição de uma fila única para o atendimento de pacientes de Covid-19 em hospitais públicos e privados. Nas suas palavras:

“Dói, mas tem que fazer. Porque senão brasileiros pobres vão morrer e brasileiros ricos vão se salvar. Não tem cabimento isso”.

Ex-diretor da Agência de Vigilância Sanitária e ex-superintendente do Hospital Sírio-Libanês, Vecina tem autoridade para dizer o que disse. A fila única não é uma ideia só dele. Foi proposta no início de abril por grupos de estudo das universidades de São Paulo e Federal do Rio. Na quarta-feira, o presidente do Conselho Nacional de Saúde, Fernando Zasso Pigatto, enviou ao ministro Nelson Teich e aos secretários estaduais de Saúde sua Recomendação 26, para que assumam a coordenação “da alocação dos recursos assistenciais existentes, incluindo leitos hospitalares de propriedade de particulares, requisitando seu uso quando necessário, e regulando o acesso segundo as prioridades sanitárias de cada caso.”

Por quê? Porque a rede privada tem 15.898 leitos de UTIs, com ociosidade de 50%, e a rede pública tem 14.876 e está a um passo do colapso.

O ex-ministro Luiz Henrique Mandetta (ex-diretor de uma Unimed) jamais tocou no assunto. Seu sucessor, Nelson Teich (cuja indicação para a pasta foi cabalada por agentes do baronato) também não. Depois da recomendação do Conselho, quatro guildas da medicina privada saíram do silêncio, condenaram a ideia e apresentaram quatro propostas alternativas. Uma delas, a testagem da população, é risível, e duas são dilatórias (a construção de hospitais de campanha e a publicação de editais para a contratação de leitos e serviços). A quarta vem a ser boa ideia: a revitalização de leitos públicos. Poderia ter sido oferecida em março.

Desde o início da epidemia os barões da medicina privada se mantiveram em virótico silêncio. Eles viviam no mundo encantado da saúde de griffe, contratando médicos renomados como se fossem jogadores de futebol, inaugurando hospitais com hotelarias estreladas e atendendo clientes de planos de saúde bilionários. Veio a Covid, e descobriram-se num país com 40 milhões de invisíveis e 12 milhões de desempregados.

Se o vírus tivesse sido enfrentado com a energia da Nova Zelândia, o silêncio teria sido eficaz. Como isso era impossível, acordaram no Brasil, com 60 mil infectados e mais de seis mil mortos.

A Agência Nacional de Saúde ofereceu aos planos de saúde acesso aos recursos de um fundo se elas aceitassem atender (até julho) clientes inadimplentes. Nem pensar. Dos 780 planos, só nove aderiram.

O silêncio virótico provocou-lhes uma tosse com a recomendação do Conselho Nacional de Saúde. A fila única é um remédio com efeitos laterais tóxicos. Se a burocracia ficar encarregada de organizá-la, arrisca só ficar pronta em 2021. Ademais, é discutível se uma pessoa que pagou caro pelo acesso a um hospital deve ficar atrás de alguém que não pagou. Na outra ponta dessa discussão, fica a frase de Vecina: “Brasileiros pobres vão morrer e brasileiros ricos vão se salvar.” Os números da epidemia mostram que o baronato precisa sair da toca.

A Covid jogou o sistema de saúde brasileiro na arapuca daquele navio cujo nome não deve ser pronunciado (com Leonardo DiCaprio estrelando o filme). O transatlântico tinha 2.200 passageiros, mas nos seus botes salva-vidas só cabiam 1.200 pessoas: 34% dos homens da primeira classe salvaram-se; na terceira classe, só 12%.

Sinal dos tempos estranhos
Um dia alguém vai estudar o Brasil de 2020 durante a pandemia.

Enquanto a rede pública de saúde dava sinais de colapso, o presidente da Federação Brasileira de Hospitais, guilda de 4.200 instituições privadas, informava que a ociosidade média dos leitos de UTIs de seus associados estava em 50%.

O diretor do Sírio-Libanês, o hospital das celebridades (Lula, Dilma e companhia), explicava o efeito dessa ociosidade, provocada pela suspensão dos procedimentos eletivos para clientes de planos de saúde dos abonados:

“Todos os nossos hospitais nesse momento que estão com ocupação baixa têm custos fixos que têm que ser pagos. Essas empresas vão ficar numa situação econômica difícil. Já neste mês há instituições com dificuldade de pagar a folha de pagamento. Outros vão aguentar de dois a três meses. Mas se essa situação persistir por muito tempo, vão ter problema de solvência.”

Se esse darwinismo econômico é irredutível, vale o que disse o doutor Paulo Guedes: “É da vida ser abatido, é do mercado. Uma economia de mercado de vez em quando é atingida”. Quem acha que é da vida ser abatido pelo coronavírus deve entender que também é da vida que sua empresa pegue o vírus da insolvência.

Madame Natasha
Natasha adora as entrevistas do ministro Nelson Teich. Suas platitudes permitem que ela tire sonecas vespertinas.

Por acaso ela ainda não tinha adormecido quando o doutor disse o seguinte:

“O que tem que ficar claro é que é um número que vem crescendo”.

Naquele dia haviam morrido 473 pessoas (durante todo o ano em que combateu o exército alemão na Itália, a Força Expedicionária Brasileira perdeu 474 pracinhas).

Como o ministro havia visto sinais de que a epidemia estava contida, deveria ter dito o seguinte:

“Ficou claro para mim que o número vem crescendo.”

Na mesma entrevista, o ministro apontou para o fato de que o aumento das mortes estava restrito a alguns estados, como São Paulo, Rio e Amazonas.

Em agosto de 1945, os militares japoneses aloprados diziam em Tóquio que havia um problema restrito às cidades de Hiroshima e Nagasaki.

Chavismos
A deputada Joice Hasselmann, ex-líder do governo de Jair Bolsonaro no Congresso, disse à repórter Julia Chaib que o Brasil corre o risco de cair “num chavismo de verdade, com sinal trocado”.

Em 2018, durante a campanha eleitoral, o general Hamilton Mourão, que foi adido militar na Venezuela, explicou a essência do poder chavista:

“Existe uma corrupção muito grande nas Forças Armadas venezuelanas. Elas perderam a mão em relação à missão que têm no país.”

Vargas tentou
Quando o ministro Alexandre de Moraes bloqueou a nomeação de um delegado amigo da família Bolsonaro para a direção da Polícia Federal, mostrou que o bom funcionamento das instituições acaba protegendo os presidentes.

Na manhã de 29 de outubro de 1945, Getulio Vargas decidiu nomear seu irmão Benjamin para a Chefatura de Polícia do Rio, um dos cargos mais importantes da República. À noite, estava deposto.

Eremildo, o idiota
Eremildo é um idiota e garante:

Essa epidemia é uma gripezinha, o programa Pró-Brasil era apenas um estudo e o amigo inglês de Paulo Guedes está pronto para oferecer 40 milhões de testes para o coronavírus.


Elio Gaspari: Guedes herdou a carta branca de Moro

Teatrinho do Pró-Brasil revela apenas um governo desorientado

Fica combinado que “o homem que decide a economia” no Brasil é Paulo Guedes. Afinal, Sergio Moro tinha carta branca e a política do toma lá dá cá com o centrão era coisa do passado. Cartas brancas não existem, e as tais bancadas temáticas que substituiriam as negociações com os partidos eram um delírio. Assustado com a ruína de seu governo, Bolsonaro bateu à porta do centrão. Repete Dilma Rousseff e Fernando Collor.

A fé de Bolsonaro em fantasias é inesgotável. Pena que a capacidade de Paulo Guedes de criar debates inconsequentes seja incontrolável. Diante de uma epidemia, de uma recessão e do teatrinho do lançamento do Pró-Brasil, Paulo Guedes resolveu encrencar com os servidores:

“Precisamos também que o funcionalismo público mostre que está com o Brasil, que vai fazer um sacrifício pelo Brasil, não vai ficar em casa trancado com geladeira cheia e assistindo à crise enquanto milhões de brasileiros estão perdendo emprego.”

Boa ideia. Que tal um programa de sacrifícios gradativos, começando pelos magistrado e procuradores que embolsam acima de R$ 30 mil por mês? O general da reserva Augusto Heleno já disse que tinha vergonha do seu salário de R$ 19 mil líquidos.

Guedes tomou uma bolada nas costas e partiu do oficialismo a pecha de que ele é um “inimigo dos pobres”. Teria surgido até uma banda “desenvolvimentista” no Planalto. Isso é falso por três razões.

Primeiro, porque o Pró-Brasil é apenas teatralista, como o foram seu pai — o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) — e seu avô, o 2º Plano Nacional de Desenvolvimento (PND).

Também porque esse desenvolvimentismo seria encarnado pelo ministro Rogério Marinho. Como secretário para Previdência e Trabalho de Guedes, o doutor teve a ideia de taxar os desempregados que recebem um seguro do governo. Justificando a tunga, disse que com isso o desempregado continuaria na Previdência Social. Só não explicou por que a medida seria compulsória. Se fosse voluntária, tudo bem.

Finalmente, porque o teatrinho do Pró-Brasil nunca foi coisa nenhuma. Revela apenas um governo desorientado. Quando Bolsonaro diz que Paulo Guedes é “o homem que decide a economia”, isso significa que, quando for o caso, poderá ser descartado, com a mesma argumentação usada para defenestrar Sergio Moro.

Até o mês passado Paulo Guedes queria reformar a economia brasileira com 40 milhões de invisíveis e 11 milhões de desempregados. Na segunda-feira ele reafirmou a vitalidade de seu projeto e encrencou com a geladeira dos servidores.

Na recessão americana de 1929 o secretário do Tesouro, Andrew Mellon, também viu um renascimento a partir da ruína e propôs ao presidente Herbert Hoover: “Liquide os sindicatos, liquide o papelório, liquide os fazendeiros, liquide o mercado imobiliário. Isso purificará a podridão do sistema. (...) As pessoas trabalharão mais e levarão uma vida com mais moral”. Felizmente, Hoover não o ouviu.

Em 1933, Franklin Roosevelt assumiu a Presidência, olhou para o andar de baixo e mudou a cara dos Estados Unidos.

Em tempo, o andar de cima americano nada tem a ver com o de Pindorama: Andrew Mellon doou ao povo o prédio da National Gallery de Washington e mais de mil peças de sua coleção. Coisa de dezenas de bilhões de dólares em dinheiro de hoje.


Elio Gaspari: Bolsonaro sonha com o fim do mundo

Desde a chegada da pandemia, assombrado pelo medo de que seu governo possa acabar, Bolsonaro cultiva um radicalismo delirante

Os eleitores de Jair Bolsonaro viveram o suficiente para ver o ex-juiz Sergio Moro lembrando que durante a Operação Lava-Jato a presidente Dilma Rousseff não procurou intervir nas investigações que corroíam seu governo. Isso na mesma fala em que denunciou a interferência do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal e o uso essencialmente fraudulento de sua assinatura eletrônica na exoneração “a pedido” do delegado Maurício Valeixo. A pedido de quem?

Formalmente, Moro pediu demissão. No mundo real, ele foi expulso do governo por Jair Bolsonaro. O ministro procurou negociar a substituição de Valeixo, mas esse caminho foi bloqueado no escurinho de Brasília. Sua saída agrava uma crise que Bolsonaro deliberadamente estimula.

Desde a chegada da pandemia, assombrado pelo medo de que seu governo possa acabar, Bolsonaro cultiva um radicalismo delirante. Demitiu o ministro da Saúde, foi para o portão do QG para estimular golpistas, apadrinhou uma mirabolância econômica que transforma o ministro Paulo Guedes em adereço de passista. Se tudo isso fosse pouco, avançou na jugular de Sergio Moro.

O repórter Gerson Camarotti sintetizou a conduta de Bolsonaro: ele entrou no “modo desespero”. Isso existe. Bernard Madoff era visto como um mago da finança americana e havia presidido a bolsa de tecnologia de Nova York. Em 2001, seu fundo de investimentos, um negócio de US$ 65 bilhões, rendia 10% ao ano, alegrando granfinos, inclusive alguns brasileiros. Era tudo mentira e sua explosão, questão de tempo. Ele passou a torcer para que o mundo acabasse. Assim ninguém saberia que ele era um vigarista. No dia 11 de setembro de 2001 ele viu o atentado da torres gêmeas e aliviou-se: “Ali poderia estar a saída”.

Não estava. Ele foi apanhado anos depois e está na cadeia, cumprindo uma pena de 150 anos de prisão. Um de seus filhos matou-se e todos os seus bens foram a leilão, inclusive os chinelos.
Num país assolado pela pandemia e por uma recessão econômica, assombrado e dispersivo, Jair Bolsonaro sonha com o fim do mundo.

O pandemônio presidencial
Paulo Guedes, o poderoso Posto Ipiranga, disse que seu projeto foi atingido por um “meteoro”. Tinha razão, mas depois do meteoro da Covid-19 veio o Pró-Brasil, uma fantasia de R$ 30 bilhões de investimentos que criaria um milhão de empregos e duraria dez anos. Guedes honrou o evento com sua ausência.

Para um ex-aluno da Universidade de Chicago, Guedes vive um pesadelo ao ouvir gente dizendo que o Pró-Brasil é um “Plano Marshall”. Quem acha isso confunde guindaste com girafa. O chefe da Casa Civil condenou o paralelo, mas infelizmente não conseguiu detalhar o plano.

Noutra analogia, o programa seria comparável ao “New Deal” americano dos anos 30 do século passado. Para isso, seria necessário colocar no mesmo pódio Jair Bolsonaro (que extinguiu o Ministério do Trabalho) e o presidente Franklin Roosevelt, que redesenhou as relações trabalhistas americanas. Quem quiser brincar de “New Deal” em Pindorama, deve saber que o presidente americano criou uma Previdência Social que ampara todos os cidadãos. Aqui há 40 milhões de invisíveis.

O Pró-Brasil é também uma vaga prestidigitação econômica. Os doutores falaram em investimentos do setor privado no mesmo dia em que o secretário de Desestatização revelou que não cumprirá sua meta de privatizações. O setor privado nacional está asfixiado e o internacional precisa ser convencido a investir num país governado por um negacionista que flerta com a quebra da ordem constitucional.

Atingido por uma crise que não provocou, Paulo Guedes está agora num governo que pretende desfilar o Pró-Brasil em ritmo de samba, enquanto ele continuará a dançar sua valsa na comissão de frente.

O Pró-Brasil é um neto torto do II Plano Nacional de Desenvolvimento, de 1975. Quando perguntaram ao então ministro da Fazenda Mário Henrique Simonsen o que ele achava do PND, publicado num livrinho de capa azul, ele foi breve: “Não leio ficção”.

Ninguém se incomodou porque sabia-se que era verdade.

Receita de ruína
Governos que não tiveram um ou mais generais no Planalto estrelando espetáculos foram estáveis e, às vezes, bem-sucedidos. A saber: os governos de Lula, Fernando Henrique, José Sarney e Emílio Médici. Todos tiveram chefes militares no comando do Exército.

Dois governos desastrosos tiveram generais buliçosos no palácio. A saber: as presidências de João Figueiredo e Costa e Silva.

Isso, deixando-se de lado o governo de João Goulart, com o poderoso “dispositivo militar”do general Assis Brasil.

Digital
Pode ter sido coincidência, mas a técnica de manifestação em frente a um quartel tem a digital do capitão Jair Bolsonaro.

Em 1992 ele era deputado e foi para o portão da Academia Militar das Agulhas Negras no dia da cerimônia de entrega dos espadins aos aspirantes. Pretendia distribuir panfletos aos convidados.

A bagunça foi contornada quando o comando mandou o major Luiz Eduardo Ramos negociar com Bolsonaro para que ele se distanciasse do portão.

Ramos, que hoje é ministro do capitão, rememorou o episódio para a repórter Maria Cristina Fernandes:

“Estava em uniforme de gala, mas subi na moto e fui encontrá-lo. ‘P... Jair, aqui não dá’. (...) Jair, me ajuda, eu recebi uma ordem. (...) Aí consegui que ele continuasse a distribuir os panfletos, só que em outro lugar que não ficava no caminho das autoridades. Todo mundo feliz e não deu mais problema.”

Não deu problema, naquele dia.

Eremildo, o idiota
Eremildo é um idiota e acredita que se Bolsonaro entregar ao centrão as arcas da Funasa e do FNDE, a parlamentares da estirpe do notório Valdemar Costa Neto, eles honrarão seus compromissos.

O cretino empolgou-se com o grito de guerra do presidente na porta do QG do Exército: “Acabou a época da patifaria”. O que ele não entende é por que ainda não se sabe quem fez o edital de agosto passado do FNDE pretendendo comprar 1,3 milhão de computadores, notebooks e laptops para a rede pública de ensino a um custo de R$ 3 bilhões.

A Advocacia-Geral da União mostrou que o certame parecia viciado e que os 250 alunos de uma escola de Minas Gerais ganhariam 30 mil laptops. Outros 355 colégios receberiam mais de um equipamento para cada estudante. A licitação foi suspensa em setembro e cancelada em outubro.

Os mecanismos de controle da Viúva funcionaram, mas a patifaria persiste, porque até hoje não se revelou quem (e por quê?) botou o jabuti na forquilha.

Eleição
A eleição municipal de outubro poderá ser adiada para novembro ou dezembro.

Uma coisa é certa, ela acontecerá neste ano.

Os interessados na prorrogação dos mandatos dos prefeitos devem tirar o cavalo da chuva.


Elio Gaspari: O presidente virou vivandeira

Nem todos os eleitores de Bolsonaro eram golpistas, mas todos os golpistas votaram nele

Vivandeira é uma palavra bonita que designa coisa feia. A expressão foi usada em agosto de 1964 pelo marechal-presidente Humberto Castello Branco, numa memorável lição:

“Há mesmo críticas tendenciosas e sem fundamento na opinião pública de que o poder militar se desmanda em incursões militaristas. Mas quem as faz são sempre os que se amoitaram em meios militares. Felizmente nunca rondaram os portões das organizações do Exército que chefiei. Mas eu os identifico a todos. E são muitos deles, os mesmos que, desde 1930, como vivandeiras alvoroçadas, vêm aos bivaques bolir com os granadeiros e provocar extravagâncias do poder militar”.

O presidente Jair Bolsonaro amoitou-se diante do quartel-general do Exército, onde havia uma aglomeração de vivandeiras que pediam extravagâncias do poder militar. No dia seguinte, disse que não tinha nada a ver com as faixas que pediam o fechamento do Congresso, do Supremo Tribunal Federal e uma volta à ditadura escancarada do Ato Institucional nº 5.

O capitão disse também que “eu sou, realmente, a Constituição”. Não é. Dias antes, falou em “minhas Forças Armadas”. Minhas?

Deve-se voltar ao marechal Castello Branco. Como chefe do Estado-Maior do Exército, no dia 20 de março de 1964, uma semana depois do comício do João Goulart ao lado do quartel-general enfeitado por tanques, ele assinou uma circular reservada para os comandos. Disse que “os meios militares nacionais e permanentes não são propriamente para defender programas de governo, muito menos a sua propaganda, mas para garantir os Poderes constitucionais, o seu funcionamento e a aplicação da lei”.

Mais: “Não sendo milícia, as Forças Armadas não são armas para empreendimentos antidemocráticos”.

Castello Branco era um general francês. Já o seu colega Aurélio de Lyra Tavares, subchefe do Estado-Maior do Exército, era qualquer outra coisa. No dia seguinte, mandou-lhe uma carta na qual dizia que havia lido a circular depois de sua expedição. (Portanto não tinha nada a ver com aquilo). Informou que percebia um clima de apreensão “pela leitura dos jornais”. (Maldita imprensa.)

Em qualquer corporação há Castellos e há Lyras. O general viria a ser o desastroso ministro do Exército do presidente Costa e Silva e integrante da patética junta militar de 1969. Deu no que deu.

Nem todos os eleitores de Jair Bolsonaro eram golpistas, mas todos os golpistas votaram no capitão. Em janeiro de 2019, quando ele entrou no Planalto com seus 58 milhões de votos, poderia haver o sonho de um emparedamento do Congresso. Passado um ano, o Executivo ficou menor que o Parlamento. Atingido pela pandemia, o capitão meteu-se num negacionismo pueril e viu-se atirado ao olho de uma crise econômica que não provocou e que não mostra competência para administrar. Nas suas palavras: “Se acabar economia, acaba qualquer governo. Acaba o meu governo. É uma luta de poder”. Não é uma luta de poder, nem acaba qualquer governo e o dele deve continuar até 31 de dezembro de 2022.

Se o presidente nada teve a ver com a vivandagem, torna-se impossível encaixar o Bolsonaro de domingo (19) no Bolsonaro da segunda-feira (20). Do alto da caçamba de uma camionete ele disse que “não queremos negociar nada. (...) É agora o povo no poder”.

Sem golpe, não haverá como.

Elio Gaspari é jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".


Elio Gaspari: Mandetta fritou Bolsonaro

O presidente se conduziu de modo leviano e criou antagonismo desnecessário em meio à pandemia

Até a semana passada presidentes fritavam ministros. Desta vez, foi Luiz Henrique Mandetta quem fritou Jair Bolsonaro. Ele saiu maior e o capitão ficou menor. Tendo-se colocado numa posição teatral que ofendeu a ciência e a opinião pública, o presidente abandonou a piada da “gripezinha”. Boa notícia.

Bolsonaro fritou-se porque quis. Conduziu-se de maneira leviana e criou um antagonismo desnecessário com Mandetta. Em nenhum país a discussão da calibragem do isolamento, bem como das virtudes da cloroquina, levou a fricções como as que Bolsonaro produziu. (Se Donald Trump pudesse, teria cortado a língua do doutor Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Doenças Infecciosas desde 1984, mas preferiu calibrar seus próprios delírios.)

último domingo (12), quando ele disse que “parece que o vírus começa a ir embora”, lidou com fatos. Até aquele dia haviam morrido 1.233 pessoas, o contágio estava em expansão e, como se esperava, poderia bater a marca dos 2.000 óbitos.

Bolsonaro vive numa realidade paralela. Isso não é de hoje. Em maio do ano passado ele disse o seguinte: “Brevemente, estará sendo apresentado aos senhores um projeto que, com todo o respeito ao Paulo Guedes, a previsão é de termos dinheiro em caixa maior do que a reforma previdenciária em dez anos”. Cadê? (Provavelmente, era a ideia de se legalizar o jogo.)

Em fevereiro, Bolsonaro anunciou que iria aos Estados Unidos, onde visitaria uma empresa de militares que lhe apresentariam uma “transmissão de energia elétrica sem meios físicos”: “Se for real, de acordo com a distância, que maravilha! Vamos resolver o problema de energia elétrica de Roraima passando por cima da floresta”. Não era real, era conversa de maluco, e Bolsonaro foi aos Estados Unidos, mas não visitou a tal empresa. De lá, sua comitiva trouxe apenas 25 infectados pelo coronavírus.

Até a semana passada Bolsonaro cultivou a ideia da “gripezinha”. Pode ser que tenha moderado sua fé médica, mas quando a pandemia estiver controlada ele terá no colo uma inédita recessão.

Antes do vírus, ele administrava um pibinho com 12 milhões de desempregados. Depois dele, seu “Posto Ipiranga” está tonto, à frente de um superministério travado, encrencando com o Congresso.

Luiz Henrique Mandetta era uma solução, e Bolsonaro resolveu fritá-lo. Fritou-se. Não se pode saber o que fará Nelson Teich, o novo ministro da Saúde. Ele sabe que Rivotril não resolve, assumiu distribuindo platitudes e revelou que saúde e economia são complementares. (Em outra ocasião, usou a ciência econômica para justificar o descarte dos velhos doentes.)

Teich defendeu um amplo programa de testes para identificar pessoas contaminadas ou imunes ao vírus. Amanhã o doutor poderá telefonar ao seu colega Paulo Guedes para saber o que aconteceu com a proposta de um empresário inglês que há uma semana lhe ofereceu 40 milhões de kits de testes por mês.

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