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Elio Gaspari: A ‘bala de prata’ feriu Moro
Se era “bala de prata”, o teor da colaboração do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci tornou-se um atentado à neutralidade do Poder Judiciário, à desejada exposição das roubalheiras do comissariado petista e à boa-fé do público.
Foi uma ofensa à neutralidade da Justiça porque o juiz Sergio Moro deu o tiro seis dias antes do primeiro turno da eleição presidencial. Trata-se de um depoimento tomado em abril que não revela o conjunto da colaboração do poderoso detento-comissário. Podia ter esperado o fim do processo eleitoral, até mesmo porque o doutor Moro é pessoa cuidadosa com o calendário. Com toda a razão, ele suspendeu dois depoimentos de Lula porque o ex-presidente transforma “seus interrogatórios em eventos partidários”.
Foi uma ofensa para quem espera mais detalhes sobres as roubalheiras petistas, porque a peça de dez páginas tem apenas uma revelação factual comprovável, a reunião de 2010 no Alvorada, na qual combinou-se um processo de extorsão, cabendo a Palocci “gerenciar os recursos ilícitos que seriam gerados e seu devido emprego na campanha de Dilma Rousseff para a Presidência da República”. Traduzindo: Palocci foi nomeado operador da caixinha das empresas contratadas para construir 40 sondas para a Petrobras. Só a divulgação de outras peças da confissão do comissário poderá mostrar como o dinheiro foi recebido, a quem foi entregue e como foi lavado. O juiz Sergio Moro fica devendo essa.
Afora esse episódio, o que não é pouca coisa, a colaboração de Palocci é uma palestra sobre roubalheiras que estão documentadas, disponíveis na rede, em áudios e vídeos, na voz de empresários e ex-diretores da Petrobras. Em julho passado, o procurador Carlos Fernando de Souza contou que a força-tarefa da Lava-Jato tratou com Palocci: “Demoramos meses negociando. Não tinha provas suficientes. Não tinha bons caminhos investigativos”. Se as confissões de Palocci à Polícia Federal quebraram a sua barreira de silêncio, só se vai saber quando o conjunto da papelada for conhecido.
Nessa parte da colaboração, Palocci, quindim da plutocracia que se aninhou no petismo, diz na página 2 que em 2003 o governo tinha duas bandas, a “programática” e a “pragmática”. Ao longo do tempo “a visão programática adotada pelo colaborador (ele) foi sendo derrotada”. Na página 6, o doutor conta que foi nomeado operador da caixinha das sondas. Isso é que é derrota. Em 2006, quando estava prestes a ser defenestrado do Ministério da Fazenda, uma pessoa presente a uma conversa no Alvorada ouviu Lula dizendo-lhe: “Pô, Palofi, você não para de mentir?”
Segundo Palocci, de cada R$ 5 gastos nas campanhas, R$ 4 vêm de propinas, e a candidatura de Dilma Rousseff recebeu algo como R$ 400 milhões de forma ilícita. Como gerente de uma parte dessa caixa, a palavra está com ele.
Até lá, o ex-ministro continuará na carceragem de Curitiba, onde teria um pequeno cultivo de alecrim e lavanda, ecoando o jardim do falsário Louis Dega na Ilha do Diabo. (Dustin Hoffman no filme “Papillon”)
Antes mesmo da “bala de prata”, Lula, Haddad e o comissariado tinham motivos para duvidar que a postura de soberba castidade do PT teria um preço. A conta chegou: a rejeição a Haddad subiu 11 pontos em uma semana, chegando a 38% na conta do Ibope. É rejeição ao PT e ao “Andrade” que percorre o Brasil blindando-o.
Faltam cinco dias para o primeiro turno, e amanhã os candidatos irão ao último debate. A ver.
Elio Gaspari: Haddad e sua teoria do parto
Numa manobra imprudente e desnecessária, o comissariado quer chegar ao segundo turno nos seus termos
Num encontro com artistas em São Paulo, Fernando Haddad, disse o seguinte:
"Não tem como se desenvolver do ponto de vista institucional sem passar por alguns partos. (...) As nações que chegaram ao desenvolvimento passaram por momentos tão dramáticos quanto o que nós estamos passando agora".
E acrescentou:
"Se a gente vencer essa etapa, nós vamos olhar para trás e, ao invés de acusar aqueles que querem votar no Bolsonaro e tudo o mais, vamos compreender que é uma parte de um sentimento que se expressou dessa maneira, como uma febre alta, mas que foi importante em determinado momento para a gente pensar que tem uma coisa errada com esse organismo aqui e vamos cuidar dele porque é muito importante para nós".
Trata-se de uma construção na qual a candidatura de Jair Bolsonaro seria uma febre alta, depois da qual nasceria um novo tempo, mas tudo gira em torno de seis palavras: "Se a gente vencer essa etapa". E se não vencer? Teria faltado combinar com Bolsonaro.
O comissariado deve refletir sobre o preço de ir para o segundo turno sem qualquer autocrítica. Afinal, no mesmo encontro, Haddad disse que "não quero repassar os erros de todos os envolvidos, porque são muitos".
Ele não quer, mas o eleitor que tem medo do que chama de "a volta do PT" gostaria que quisesse. Os comissários devem pesar os riscos da teoria do parto. Ela embute a ideia de que o PT irá para o segundo turno nos seus termos, e quem quiser que o siga. Milhões de pessoas votariam em Átila, mas não votam em Bolsonaro.
O que não se sabe é o tamanho do eleitorado que é capaz de votar até em Bolsonaro para evitar o retorno do PT ao Planalto nos termos do comissariado.
Em Minas Gerais e em São Paulo, boa parte do eleitorado tucano migrou para Bolsonaro. Querer levar o centro para o programa do PT e para a retórica de Haddad ameaça sua candidatura e contamina o governo que pode advir de sua vitória.
Em 1984, Tancredo Neves construiu a primeira conciliação da história saída da oposição. Se ele tivesse adotado a estratégia dos comissários de 2018, Paulo Maluf poderia ter sido eleito presidente.
A MARCHA DA INSENSATEZ
Em sua carta aos eleitores, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso pediu que se busque um equilíbrio capaz de deter o que chamou de "marcha da insensatez".
Um segundo turno disputado por Jair Bolsonaro e Fernando Haddad parece inevitável, e os dois candidatos, avaliados a partir de suas posições públicas confirmam o receio de FHC.
Bolsonaro diz que nunca houve ditadura e seu vice pede uma reforma moral que livre o Brasil da preguiça do índio, da malandragem do negro e do 13º salário. Já Haddad nomeou para a tesouraria de sua campanha um companheiro, acusado pela marqueteira Monica Moura de ter negociado um mimo da Odebrecht para sua campanha à prefeitura em 2012. Como eleição é bufê, o freguês poderá ter que escolher entre os pratos da mesa: Bolsonaro ou Haddad.
A carta de FHC permite que se passeie pelas marchas da insensatez. A expressão ganhou popularidade em 1984, quando a historiadora americana Barbara Tuchman publicou o livro "The Age of Folly".
Ela contou quatro episódios da história nos quais a insensatez levou a desastres. Um deles leva a pensar no Brasil de hoje. Seu título é "Os Papas do Renascimento provocam a Secessão protestante - 1479-1530".
Os papas foram seis, alguns deles memoráveis, como Julio 2°, o protetor de Michelangelo, mas todos foram larápios, nepotistas, mais preocupados com o "centrão" dos cardeais do que com o futuro da Igreja.
Distribuíam prebendas, vendiam indulgências e bispados. Não prestaram atenção ao surgimento da imprensa (leia-se internet) e desprezavam as advertências vindas dos cleros da Alemanha e da França.
Um deles deu o barrete cardinalício a dois sobrinhos. Outro nomeou um cardeal de 14 anos. Alexandre 6º, o Borgia, teve sete filhos, elevou a depravação da Santa Sé a níveis nunca vistos e tornou-se o homem mais rico de Roma.
O papado queimou numa fogueira de Florença o dominicano moralista Girolamo Savonarola e não deu ouvidos aos padres que pediam a reforma da Igreja. Naquele mundo de privilégios o fim da corrupção parecia a porta do inferno.
Dezenove anos depois da execução de Savonarola, o monge alemão Martinho Lutero abriu o maior cisma da história da igreja, e hoje o mundo tem 900 milhões de protestantes.
Elio Gaspari: A gestão Tabajara do ‘Posto Ipiranga’
Jair Bolsonaro diz que não entende de economia e que o doutor Paulo Guedes é seu “Posto Ipiranga”. Deve-se suspeitar que o sábio multiuso tenha terceirizado a gestão de seu estabelecimento para as “Organizações Tabajara”, imortal criação do humorista Bussunda.
Numa só reunião ele fez duas boas. Recusando entrevistas a canais de televisão, Guedes foi a uma reunião na GPS Investimentos, anunciou que pretendia propor a criação de um imposto sobre transações financeiras (leia-se CPMF) e declarou que em 2015 foi convidado pela presidente Dilma Rousseff para o Ministério da Fazenda. As pérolas foram reveladas pela repórter Mônica Bergamo.
A promessa iria melhor se tivesse sido anunciada publicamente, e não numa conversa fechada, promovida na banca. Trata-se de uma ideia que pode ser discutida como um mecanismo de política tributária, sem significar aumento nem redução de carga de impostos.
Na revelação de que Dilma o convidou é que entra o sistema Tabajara de gestão. Há algumas semanas a repórter Malu Gaspar publicou um perfil de Guedes no qual ele ligou sua metralhadora giratória e lançou uma acusação factualmente errada contra o banqueiro Persio Arida. Ele respondeu, chamando-o de “mitômano”.
Numa de suas conversas com Malu Gaspar, Guedes contou que foi chamado para um jantar com Dilma e que ela avisou que demitiria o então ministro Joaquim Levy, passando a perguntar o que ele achava que se devia fazer na economia. Nenhuma referência a convite.
Depois da divulgação de sua conversa na GPS e do desmentido de Dilma, Guedes explicou-se, em “tabajarês”:
“Ela está perfeitamente habilitada a dizer que não me convidou para ser ministro da Fazenda, e eu estou perfeitamente habilitado a me sentir sondado. Ninguém chama alguém para jantar e faz essas (...) perguntas se não está fazendo um convite.”
Foi mal o “Posto Ipiranga”. Não houve convite algum, nem sondagem. As perguntas revelavam curiosidade, talvez interesse. Doutor Guedes está perfeitamente habilitado a dizer apenas que Dilma quis saber suas opiniões, e só.
A cabeça do genial Steve Jobs operava com um campo de distorção da realidade, mas ele criou a Apple. Já os “fatos alternativos”, enunciados por uma assessora da Casa Branca, produziram a presidência de Donald Trump, de onde já saíram mais de duas mil mentiras.
Elio Gaspari: O rancor petista virou veneno
Para quem joga numa eleição radicalizada, Fernando Haddad foi um colaborador impecável ao deixar a carceragem de Curitiba depois de visitar Lula. Ele definiu o papel do ex-presidente no governo que pretende fazer:
“Temos total comunhão de propósitos em relação a ele e o diagnóstico de que o Brasil precisa do nosso governo e precisa do Lula orientando como um grande conselheiro. Ele é um interlocutor permanente de todos os dirigentes do partido e nunca deixará de ser. Não temos nenhum problema com isso. Enquanto os outros partidos escondem os seus dirigentes, nós temos muito orgulho de ter o Lula como dirigente.”
Essa declaração poderia ter sido planejada pelo estado-maior de Jair Bolsonaro ou pelos urubus golpistas que pretendem deslegitimar uma eventual vitória da chapa petista.
Horas antes, em São Paulo, durante a sabatina da Folha/SBT/UOL, Haddad dissera algo racional, sem a soberba do comissariado:
“O presidente Lula, sem sombra de dúvida, na opinião da maioria dos brasileiros, foi o maior presidente da história deste país. Ele é um grande conselheiro e terá um papel destacado em aconselhamento, em falar de sua experiência. Jamais dispensaria a experiência do presidente Lula.”
Uma coisa é elogiar Lula e seus oito anos de governo. Bem outra é dizer que “não temos problema com isso”. Deviam ter, pois Lula está na cadeia, condenado por corrupção.
Milhões de eleitores estão dispostos a votar em Haddad porque ele é o candidato de Lula, mas quando se dá a um detento a condição de pai da pátria, estimula-se a dúvida em quem espera de uma vitória de Haddad a volta dos “bons tempos”, mas também teme que ela traga de volta o que há de pior no comissariado.
O consulado petista teve duas faces, a do progresso com Lula, e a do regresso com Dilma Rousseff, a da atenção para o andar de baixo e a das roubalheiras com o andar de cima. Oferecer as duas ao eleitorado num combo rancoroso é soberba.
Não se pode saber de onde está saindo o rancor petista. Pode ser que venha da inconformidade de Lula, ou ainda do interesse radical de uma parte do PT. Venha de onde vier, tornou-se um veneno que produz dois efeitos. O primeiro é o estreitamento da base eleitoral de Haddad, mas sempre se poderá dizer que uma eventual vitória transformará esse erro em asterisco. No seu segundo efeito, o modelo do “conselheiro” reforça as ameaças à sobrevivência das instituições democráticas. Não é preciso ser um gênio para se perceber que há um farfalhar golpista no ar. Bolsonaro, como Donald Trump, diz que teme uma fraude na contagem eletrônica dos votos. (Trump ganhou e não tocou mais no assunto.) O general Hamilton Mourão sonha com uma nova Constituição, redigida por sábios e sagrada num plebiscito. Coisa parecida, recente e próxima, só em 2007, na Venezuela.
Se houver um segundo turno entre Haddad e Bolsonaro, e o capitão reformado vier a prevalecer, será o jogo jogado. Se Haddad sair vencedor, a tese da vitória sem legitimidade irá para a mesa. A teoria do “conselheiro” serve à sua retórica.
As vivandeiras civis associadas à anarquia militar contestaram a legitimidade eleitoral em 1889 e em 1930 (com sucesso), em 1950 (fracassando até 1954, quando Getúlio Vargas matou-se) e em 1955 (com a teoria da falta de maioria absoluta de Juscelino Kubitschek). Coisa do século passado? Em 2014, Aécio Neves contestou a vitória de Dilma Rousseff. Depois, contou que a iniciativa foi uma “molecagem”, para “encher o saco”. Vá lá.
Elio Gaspari: Militares na política produzem anarquia
Houve um tempo em que se sabia o nome dos ministros da Educação e da Saúde. Depois, as pessoas tiveram que aprender a composição do Supremo Tribunal Federal e conheceram também a péssima opinião que alguns deles têm de seus colegas. Agora começa-se a aprender nome de generais. Há o Villas Bôas, o Mourão e o Augusto Heleno, e o presidente do Supremo Tribunal levou um quatro estrelas da reserva para sua assessoria.
Mau sinal. Faz tempo, quando o presidente Ernesto Geisel decidiu promover Jorge de Sá Pinho a general de Exército, um curioso perguntou-lhe quem era ele.
— É um grande oficial, e a prova disso é que você não sabe quem é.
(Em 1984 Sá Pinho foi um dos generais do Alto Comando que impediram aventuras contra Tancredo Neves, mas pouca gente se deu conta.)
Quando se sabe o nome de generais, algo estranho está acontecendo. Felizmente dois dos notáveis de hoje estão na reserva. Nada a ver com o tempo em que comandantes de guarnições metiam-se em política. Em 2014 o general Hamilton Mourão comandava a poderosa tropa do Sul, meteu a colher onde não devia e perdeu o comando. Pouco se falou do episódio que em outros tempos abriria uma crise. Ele mesmo reconhece que “andei extrapolando o tamanho da minha cadeira, e a autoridade do comandante não pode deixar de ser exercida”. Quando a confusão é enorme, tende-se acreditar que a entrada dos militares na cena política é um remédio de última instância. Não é. Quando os militares ocupam a cena, acaba uma confusão e começa outra, a da anarquia militar.
Um golpe derrubou D. Pedro II em 1889 e, dois anos depois, o vice-presidente marechal Floriano Peixoto soprou o presidente marechal Deodoro da Fonseca para fora do palácio. Floriano governou até 1894, esmagou duas rebeliões militares e fuzilou um marechal.
Durante o tumultuado regime constitucional que foi de 1946 a 1964 ocorreram quatro revoltas de generais. O consulado militar outorgou-se o primado da ordem e, mesmo com censura e AI-5, as revoltas também foram quatro: 1965, 1968, 1969 e 1977. Noves fora o Riocentro, de 1981.
Por maior que seja a confusão existente, quando se chama os militares para botar ordem no circo, cria-se outra confusão, que nem eles são capazes de prever. O projeto de ordem de 1964, com o general Humberto Castelo Branco à frente do processo, durou exatamente 12 horas.
As 12 horas do general francês
No início da noite de 30 de março de 1964 nem o general Olímpio Mourão Filho sabia que derrubaria o presidente João Goulart. Só durante a madrugada de 31 é que ele disparou telefonemas anunciando que se rebelara. Havia diversas conspirações em curso, mas nenhuma delas estava associada a Mourão, cuja tropa era despicienda. Às oito da manhã o general Amaury Kruel, comandante das guarnições de São Paulo, recusou-se a entrar naquilo que chamou de a “quartelada do senhor Mourão”.
No fim da noite, Kruel entrou e decidiu a parada. Restava a João Goulart a tropa do Rio, mas ao longo da manhã ela derreteu. Às 13h do dia 1º de abril o general Castelo Branco telefonou a um amigo dizendo que o levante estava vitorioso. Castelo, um general de tintas francesas, prestígio militar e tradição legalista, comandava o Estado-Maior do Exército e parecia ser o chefe da nova ordem. Na juventude, Castelo e Kruel haviam sido amigos, mas desentenderam-se durante os combates de Monte Castelo, na Itália. Faltou pouco para que o “Alemão” encestasse “Tamanco”. Nunca voltaram às boas. Kruel tinha um inimigo no quartel-general, mas tinha também um amigo, o general Arthur da Costa e Silva, inexpressivo e mal falado, porém, audacioso. Nas horas em que tudo confluía para a sagração de Castelo, os dois entenderam-se.
Por volta das seis da tarde, Costa e Silva estava na sala de Castelo com o general Ernesto Geisel e saiu para dar um telefonema noutro lugar. O tenente-coronel Leônidas Pires Gonçalves, que saía de um banheiro, assistiu ao seguinte diálogo entre Geisel e Costa e Silva:
—Por que o senhor não vai assumir o I Exército (atual Comando Militar do Leste)? —Eu vou assumir essa coisa toda, respondeu Costa e Silva. (A “coisa” vai por conta do cavalheirismo de Leônidas.)
À 1h da madrugada do dia 2, 12 horas depois do telefonema comemorativo da vitória, Geisel redigiu uma nota informando que “o excelentíssimo senhor general Arthur da Costa e Silva” assumira o comando do Exército. Passados dois anos e uma revolta militar, ele emparedou Castelo e tornou-se presidente. Em 1968, emparedou-se noutra revolta e baixou o Ato Institucional nº 5. Em março de 1964 muita gente achava que era preciso tirar os militares dos quartéis, mas ninguém pensava que a República acabaria na mão de Costa e Silva, nem ele.
EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo está mostrando Pindorama a um cretino sueco que participa de um programa de intercâmbio internacional de idiotas. Até agora não conseguiu responder a uma pergunta do colega:
“—Por que no Brasil há filas de pacientes no sistema público de saúde e há filas de médicos oferecendo-se para cuidar de celebridades?”
AULA DE CONDUTA
Diante da frenética corrida dos médicos à cabeceira de Jair Bolsonaro (foram cinco), vale a lembrança de um episódio ocorrido em 2014.
O cirurgião americano Wayne Isom estava de férias quando recebeu um telefonema. Era um colega chamando-o para uma operação e deu-se o seguinte diálogo: —Estou de férias.
—Mas é uma pessoa muito importante. — Todos os pacientes são importantes, mas eu tenho que jogar golfe às 9h.
— Mas eles querem você. (Isom era o mais renomado cirurgião cardiovascular do país.) —Quem é?
—Não posso te dizer, é uma pessoa importante.
— Se você não pode me dizer, vou jogar meu golfe.
Isom indicou um nome e foi em frente. O ex-presidente Bill Clinton foi operado com sucesso.
RAQUEL DODGE SALVOU TEMER
Deixando Brasília, Michel Temer deveria construir um pequeno oratório para agradecer uma graça recebida da procuradora-geral Raquel Dodge.
Os çabios do Planalto decidiram prorrogar por 30 anos cinco concessões de 13 mil quilômetros de ferrovias. Verdadeira girafa, pois os contratos só venceriam em 2026 e a prorrogação iria até 2056.
O Ministério Público Federal sentiu cheiro de queimado, e em agosto Raquel Dodge entrou comum a Ação Direta de Inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal. Além disso, apedido do Ministério dos Transportes, o Tribunal de Contas da União pegou o caso. A iniciativa da procuradora empalhou a girafa. Se o bicho andasse, Temer teria outro fardo para carregar. Para quem não lembra, sua encrenca no Porto de Santos nasceu de uma prorrogação de uma concessão até 2035.
A girafa da prorrogação das concessões move-se no escurinho de Brasília. Está longe do debate eleitoral.
Elio Gaspari: Haddad põe o pé na estrada
O PT entrará na campanha com sua história e sua incapacidade de reconhecer erros
Fernando Haddad tem pouco mais de um mês para mostrar que não é o “Andrade”. Sua unção aconteceu aos 45 minutos do segundo tempo, quando a vitimização de Lula já tinha rendido tudo o que podia render. É até provável que o PT tenha perdido uma semana de propaganda ao esticar desnecessariamente a corda.
Haddad entra em campo com o patrimônio dos bons tempos de Lula e com a bola de ferro das malfeitorias do petismo. Seus adversários negam que ele tenha presidido um país com emprego, crescimento e olho na redução das desigualdades sociais. Perdem tempo, pois o sujeito que perdeu o emprego lembra da vida que teve. Já os petistas, inclusive Haddad, embrulham o mensalão e as petrorroubalheiras numa delirante teoria da conspiração. Também perdem tempo, pois o resultado está aí e chama-se Jair Bolsonaro.
A cenografia que o PT armou em Curitiba foi exemplar. O comissariado, reunido num hotel, anunciou que sua Executiva Nacional decidiu, por unanimidade, colocar Haddad na cabeça da chapa. Teriam feito melhor se dissessem que carimbaram uma decisão de Lula, coisa que até as grades da carceragem da Federal já sabiam. Há dias Haddad fez-se fotografar sorrindo atrás de uma máscara de Lula. A partir de hoje começa a ser testada a cena real, com Lula sorrindo atrás de uma máscara de Haddad.
O PT e Bolsonaro têm o mesmo sonho: chegar ao segundo turno tendo o outro como adversário. Talvez esse seja o único projeto comum à senadora Gleisi Hoffmann e ao general Hamilton Mourão.
Todas as projeções feitas com base nas pesquisas desembocam na mesma pergunta: qual será a transferência de Lula? Certo mesmo é que enquanto se espera por um crescimento de Haddad capaz de levá-lo a um segundo turno contra Bolsonaro, algo que se poderia chamar de eleitorado de centro espalhou seus votos entre três candidatos: Ciro Gomes, Marina Silva e Geraldo Alckmin. Eles têm, somados, 34% das preferências. Bolsonaro tem 24%.
Com o pé na estrada, Haddad oferece um projeto, goste-se ou não dele. Seus adversários do suposto centro estão perdidos numa busca de estratégias marqueteiras. Candidato a vice na chapa de Marina Silva, Eduardo Jorge viu num indesejável dilema Haddad-Bolsonaro uma oportunidade para ferir o petista: “Bolsonaro é o candidato do Lula no segundo turno para, junto com candidato terceirizado que ele quer colocar na outra vaga da finalíssima, pavimentar a volta do Lula”.
Com anos de atraso, Marina usa a palavra “corrupto” para classificar Lula. Alckmin decide atacar Bolsonaro, freia e dá marcha a ré. Já Ciro Gomes, que negociava uma chapa com Haddad, lembrou que na eleição de 2016 ele perdeu a Prefeitura de São Paulo no primeiro turno, tendo conseguido menos votos que a soma dos nulos e em branco.
Esse clima de barata-voa dificilmente construirá candidaturas que possam ser associadas a políticas públicas. Pode-se atribuir o leve crescimento de Ciro Gomes à sua proposta de renegociação das dívidas dos inadimplentes do sistema de crédito. Ganha uma viagem à Venezuela quem for capaz de citar uma proposta de Geraldo Alckmin. Outro dia ele quis contar que pretende reforçar a Força Nacional com a contratação de conscritos que deixam as Forças Armadas, mas perdeu-se com reminiscências.
Haddad tira o tom de fantasia em que o PT envolveu sua participação na disputa. É tão pesado quanto o foi Dilma Rousseff na sua primeira campanha. Se o poste de 2010 tinha a alavanca do poder e do sucesso lulista, o ex-prefeito de São Paulo depende do prédio da carceragem de Curitiba.
Elio Gaspari: De: A.Carnegie@edu para: Milionários@eco
Daqui onde estou, desde 1919, fiquei chocado com o incêndio do Museu Nacional
Colegas,
Daqui onde estou, desde 1919, fiquei chocado com o incêndio do Museu Nacional. Chocou-me muito mais a reunião teatral montada em Brasília para pedir dinheiro aos plutocratas nacionais prometendo recuperar a instituição e outros monumentos do patrimônio histórico. Não abram suas bolsas. Digo isso porque eu, Andrew Carnegie, fui o homem mais rico do mundo na entrada do século XX e fui também o magnata que mais dinheiro distribuiu. Coisa como US$ 10 bilhões em dinheiro de hoje.
Conversei ontem com D. Pedro II, que morou toda sua vida no palácio que ardeu. Nós nos conhecemos em 1876, na exposição de Filadélfia. Pedro me contou que o Banco Mundial acenou com uma doação para o museu e as conversas não prosperaram. Graças a ele, conheci uma poderosa senhora, Eufrásia Teixeira Leite. Na casa dela vive um bonitão metido a inglês. Chama-se Joaquim Nabuco.
Eufrásia morreu em 1930 e deixou tudo o que tinha para os pobres de Vassouras (RJ). Era uma fortuna equivalente a duas toneladas de ouro. Numa conta grosseira, ela deu o equivalente à cerca da metade do que eu distribuí. As benfeitorias de Eufrásia viraram uma lembrança municipal, pois entregou o dinheiro a instituições beneméritas, semioficiais. Do meu cofre, quem cuida são os funcionários de fundações que sabem doar e, sobretudo, aplicá-lo.
Reunido com uma comitiva onde havia cinco banqueiros privados, o presidente Michel Temer falou em criar um fundo privado para financiar a recuperação do patrimônio cultural. Não faz sentido. Quem entende de fundo privado é a banca. O governo, como se viu, entende de ruína. (Se os bancos americanos cobrassem nos Estados Unidos os juros que vocês cobram, eu teria levado minhas siderúrgicas para o México.)
Eufrásia acha que em vez de fazer seu apelo teatral, o presidente deveria ter sentado com os diretores do Instituto Moreira Salles e do Itaú Cultural para saber como funcionam essas instituições à prova de fogo. Podendo aprender, o governo faz o que gosta: pediu.
Eu comecei do nada. Corrompi gente, mandei abrir fogo em grevistas. Na velhice, vivi angustiado porque, sem fazer nada, ganhava mais do que conseguia doar. Eufrásia achou que filantropia é tirar o dinheiro da bolsa e entregá-lo aos outros.
Do vosso humilde e atencioso admirador,
Andrew Carnegie
O risco de se eleger um ‘não’
O atentado contra a vida de Jair Bolsonaro cristaliza o risco de que a eleição de outubro venha a produzir um vencedor sem escolher um presidente. Num eventual segundo turno entre Fernando Haddad e Jair Bolsonaro, ambos terão o voto de pessoas que pensam como eles, mas serão reforçados por eleitores que não votam de jeito nenhum num ou noutro.
Nas sete últimas eleições presidenciais já existia o voto antipetista, mas prevalecia, em graus variáveis, uma preferência pelos tucanos. Isso mudou. Muita gente poderá votar em Fernando Haddad só para não ver Bolsonaro no Planalto, ou votar no ex-capitão só para impedir a volta do PT ao poder. No meio, ficará o nada.
Preferência é uma coisa, exclusão é outra. Quando o voto de exclusão supera o de preferência consegue-se barrar aquilo que não se quer, mas não se elege um presidente.
A vítima
Com o atentado de quinta-feira a bem sucedida estratégia de vitimização de Lula virou pó.
Bispo e Oswald
Todos aqueles que entraram no processo de histeria que associou o atentado contra Jair Bolsonaro à filiação de Adélio Bispo ao PSOL entre 2007 e 2014 deveriam calibrar seus apocalipses. Em 1963 o presidente John Kennedy foi assassinado com um tiro na cabeça. No mesmo dia capturaram o atirador, o ex-fuzileiro naval Lee Oswald. Logo depois soube-se que ele emigrara para a União Soviética, onde viveu por três anos, casando-se com uma russa. Se a manipulação da histeria tivesse funcionado naqueles dias, o mundo teria acabado.
A voz de Palocci
Pelo cheiro da brilhantina, muita gente espera que o texto da colaboração do ex-ministro Antonio Palocci venha a ser conhecido durante a campanha eleitoral.
Será golpe baixo.
PT congelado
A eficácia da estratégia de vitimização de Lula foi eterna enquanto durou. A partir de agora o comissariado tem três dificuldades.
A primeira é o cansaço que resultou dos recursos sucessivos, porém inúteis junto aos tribunais.
A segunda é o peso das falas de Fernando Haddad, uma versão petista da monotonia de Geraldo Alckmin.
A terceira será a entrada de Manuela D’Ávila do PCdoB na vice, estreitando a chapa.
A lição do SUS
Seja quem for o novo presidente, recebeu uma lição de saúde pública.
Jair Bolsonaro deve a vida à equipe que o atendeu na Santa Casa de Juiz de Fora (MG), onde foi atendido como um paciente do SUS, esse sistema de medicina pública historicamente sucateado.
Ótima notícia
As coisas boas também acontecem: está na Amazon a versão eletrônica do livro “Trilhos do desenvolvimento”, do professor americano William Summerhill. É um magistral estudo sobre a política de construção de ferrovias do Império e dos primeiros anos da República. Vira de cabeça para baixo tudo o que se escreveu e se ensina.
As concessões funcionaram e a economia foi impulsionada muito além do simples transporte de café.
A edição foi uma vitória da luz, graças ao empresário Guilherme Quintella, que cacifou a iniciativa. O primeiro artigo de Summerhill foi publicado em 1998 e o livro, com título de “Order without progress” (Ordem sem Progresso), saiu em 2003. Não haviam sido traduzidos.
O tiro de Temer
Michel Temer é frio como cobra, mas há momentos em que se move com a fúria de um orangotango, sempre em voz baixa. O tiro que ele deu na candidatura de Geraldo Alckmin pareceu sair do orangotango. A menos que a ideia tenha sido detonar a candidatura tucana de João Doria ao governo de São Paulo, favorecendo seu velho amigo Paulo Skaf, do MDB.
Palpite real
A encrenca em que uma parte da Cúria romana meteu o Papa Francisco poderá ter um saudável reflexo na Coroa inglesa.
Aos 92 anos a rainha Elizabeth II pode ter cogitado abdicar em favor de seu filho Charles, de 69. A ideia parecia boa depois que o imperador japonês Akihito anunciou que abdicaria em abril de 2019. A iniciativa foi recebida com naturalidade, e assumirá o príncipe Naruhito.
Do Vaticano saiu o outro lado da moeda. Como Francisco sucedeu ao Papa Bento XVI, que renunciou e vive na Cidade do Vaticano, abriu-se o precedente do pontífice que vai embora antes de morrer.
Resultado: os adversários de Francisco querem que ele também vá para casa.
No caso inglês, uma coisa é certa: Charles seria um rei impopular, com o filho William nos calcanhares.
Elio Gaspari: Só uma greve salva os museus
Existem centenas de instituições condenadas ou inúteis, que servem apenas para publicidade e empreguismo
Aqui vai uma sugestão para os milhares de servidores públicos que trabalham em museus federais, estaduais e municipais: a partir de hoje, organizem comissões e peçam aos seus diretores que lhes mostrem o alvará do Corpo de Bombeiros que autoriza o funcionamento da instituição. Não tem? Venceu? Tudo bem, declarem-se em greve e só voltem ao trabalho quando vier o alvará. O Museu Nacional havia sido inspecionado pelo Corpo de Bombeiros há dez anos. Diante do fogo, dos hidrantes não saía água.
É isso ou, infelizmente, todos os servidores serão cúmplices do próximo incêndio. O Museu Nacional estava vendido há mais de uma década. Pegou fogo no ano do 40º aniversário do incêndio do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, mantido pela elite carioca. Em 1972, a ditadura desfilou os restos mortais de Dom Pedro I pelo país, até que os colocou numa cripta no Museu do Ipiranga, em São Paulo; 20 anos depois, ela era mictório de mendigos. A instituição está fechada porque o prédio ameaçava desabar, e a Universidade de São Paulo liberou apenas 3,2% da verba destinada à sua recuperação.
Quem viu as primeiras reações dos hierarcas da burocracia cultural diante da tragédia da Quinta da Boa Vista teve o sofrimento adicional de ser tratado como cretino. O incêndio foi um acidente previsível, mas ainda assim foi um acidente. A estupidificação oferecida pelos hierarcas foi empulhação deliberada. Foram muitos os que seguiram uma linha de argumentação parecida com a do ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, queixando-se da falta de atenção “do conjunto da sociedade” para defender a cultura nacional. Outro hierarca disse que “faz parte da cultura brasileira um certo desprestígio” pela memória nacional.
Como diria a Baronesa Thatcher, esse negócio de sociedade não existe. Existem homens, mulheres e famílias. A “sociedade” nada teve a ver com o desastre. Também não existe uma vaga “cultura brasileira”. Transferir a responsabilidade para a choldra que paga impostos é pura empulhação. Os responsáveis pela grandeza e a ruína do Museu Nacional foram seus diretores e os reitores da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Podiam ter tomado uma atitude: pedir demissão denunciando os responsáveis pelo estrangulamento das instituições. Foi isso que o médico Adib Jatene fez quando viu que negavam recursos para o Ministério da Saúde.
Nos últimos anos, o Rio de Janeiro inaugurou dois novos museus, o do Amanhã e o de Arte. Ambos foram festejados por servidores que sabiam o grau de degradação do Museu Nacional. Numa conta feita em 2003, no triângulo Rio-Niterói-Petrópolis existiam 108 museus. Roma tinha 104. Nova York e Washington, juntas, não somavam cem. Por quê? Porque quando se cria um museu, mesmo que ele não tenha acervo, nomeia-se um diretor. No século passado um ilustre romancista e acadêmico visitou o Museu Nacional de Belas Artes antes de assumir sua direção. Ao saber que não ganharia um carro oficial, desistiu do cargo.
Inaugurar museu dá prestígio e cria cargos. Conservá-los é outra história. O Brasil não tem dinheiro para sustentar milhares de museus, e centenas deles funcionam em horários que afugentam visitantes.
No caso do Museu Nacional, construiu-se uma ladainha, segundo a qual um patrocínio de R$ 21,6 milhões do BNDES poderia ter salvo o Museu Nacional. Lorota. Parte desse dinheiro, a ser ser liberado ao longo de anos, seria usado para um projeto de proteção contra incêndio. Projeto, nada a ver com obra.
Elio Gaspari: Gilmar Mendes expôs o tamanho do desastre
Ministro do supremo qualificou "prende e solta" do ex-presidente Lula de modo preciso
Poucas vezes um magistrado foi tão autocrítico e preciso como o ministro Gilmar Mendes quando disse o seguinte:
“Nós já produzimos esse desastre que aí está. Ou as pessoas não percebem que nós contribuímos com a vitimização do Lula? Estamos produzindo esse resultado que está aí”.
Sem o “prende-solta” de julho e o “pode-não-pode” da Justiça Eleitoral, dificilmente Lula estaria com pelo menos 39% das preferências nas pesquisas do Datafolha. Mais que isso: pode-se garantir que aumentou a sua capacidade de transferir eleitores para Fernando Haddad, tornando-o um provável candidato no segundo turno da eleição. Quem acha que um confronto Haddad x Bolsonaro ajuda a eleger um ou outro não quer um processo eleitoral, mas um daqueles espetáculos sanguinários que aconteciam no Coliseu de Roma.
O desastre está aí, mas Lula pode ser acusado de tudo, menos de ter sido o causador da barafunda criada pelo Judiciário. Sua vitimização entra agora na última fase, fabricando-se uma eleição presidencial influenciada por um ectoplasma político. Em outro tempo, Juscelino Kubitschek também foi transformado em fantasma. Era um ex-presidente cujo candidato foi derrotado pelo doidivanas Jânio Quadros, que tinha como símbolo eleitoral uma vassoura. Vale lembrar que o apartamento de JK ficava na Avenida Vieira Souto e nele cabiam vários “tríplexes do Guarujá”. Algo do mito de Juscelino deriva da cena do seu embarque para o exílio com um coronel de arma na mão e de sua figura sorridente entrando num quartel para depôr num inquérito policial-militar. Isso e mais a mobilização financeira do governo para impedir sua eleição na Academia Brasileira de Letras, onde sentava-se o general Aurélio de Lyra Tavares, o poeta Adelita e um dos três patetas da Junta Militar de 1969. (Numa carta ele escreveu “acessoramento” e “encorage”.)
A discussão em torno da presença de Lula na propaganda eleitoral é despicienda. Ele estará lá, em áudios e vídeos. Não como o chefe do PT dos escândalos, mas como vítima.
Sem comparar as sentenças que condenaram Lula com a campanha que se fez contra Getulio Vargas, imagine-se o que seria de sua memória em duas situações:
1) Matou-se sem deixar a carta-testamento.
2) Não se matou, deixou o Catete e foi para São Borja.
EM 1973, TIRARAM ULYSSES DO AR
A situação em que Lula está hoje, nada tem a ver com aquela em que foi colocado Ulysses Guimarães em 1973, quando lançou-se como anticandidato à Presidência. Hoje vive-se num estado de direito, e em 1973 vivia-se numa ditadura. Àquela época a eleição era indireta e estava perdida para o MDB. Hoje, os eleitores decidem. Se tudo isso fosse pouco, Ulysses estava no pleno uso de sua liberdade e Lula está preso, condenado por corrupção. As duas situações, contudo, têm uma ponto em comum: deseja-se calar alguém ou, pelo menos, limitar sua fala.
Em 1973 a Justiça negou ao MDB o acesso ao Fundo Partidário e ao horário gratuito de propaganda. Argumentou-se que eleição indireta não comportava propaganda gratuita.
A anticandidatura de Ulysses serviu à oposição como um fator de mobilização, pois a aritmética garantia a vitória do general Ernesto Geisel. Garantia mas, como seguro morreu de velho, no dia da eleição o general Orlando Geisel, ministro do Exército e irmão do candidato do governo, colocou duas companhias de prontidão para fechar o Congresso caso alguém tentasse fazer alguma surpresa.
Geisel foi eleito e tomou posse em março. Cortar o acess6o de Ulysses ao horário gratuito até que foi fácil. A conta chegou na eleição parlamentar de novembro, quando o MDB elegeu 16 senadores em 22 estados e mudou o curso da política brasileira.
ELEIÇÃO É BUFÊ
De uma pessoa que viu 11 eleições presidenciais e está incomodada com o desencanto da disputa de outubro: “Eleição presidencial é bufê. Você tem de escolher entre os pratos que estão na mesa. Não pedir uma omelete.”
MADAME NATASHA
Madame Natasha quer votar em Geraldo Alckmin mas, sempre que decide ouvi-lo, pega no sono.
Depois de muito pensar, resolveu mandar algumas sugestões aos assessores do doutor:
1) Impeçam-no de falar por mais de 40 segundos.
2) Proíbam-no de citar mais de uma estatística em cada fala.
3) Proíbam-no de dizer que “vamos chegar lá” quando alguém lhe faz uma pergunta e ele começa a falar de Pindamonhangaba. Essa proibição é necessária porque ele não chega a lugar algum.
TRUMPISTÃO
Diante das novas trapalhadas de Donald Trump, vale a pena recordar o que disse a seu repeito Michael Bloomberg, o bilionário que governou por 11 anos a maior cidade dos Estados Unidos:
“Como nova-iorquino, eu reconheço um vigarista quando o vejo”.
Ao contrário de Trump, Bloomberg nasceu pobre e nunca quebrou. Sua fortuna está estimada em 50 bilhões de dólares e ele se comprometeu a doar a metade desse ervanário.<SW>
EXEMPLO
A Vinci, concessionária do aeroporto de Salvador, oferece serviço ilimitado e gratuito de conexão com a internet.
Faz tempo, a Infraero anunciou que a internet seria gratuita em 12 aeroportos. Ouviu outras vozes e voltou atrás.
VIGANÒ X FRANCISCO
Cada denúncia de pedofilia de sacerdotes que vier a aparecer será mais uma ferida no pontificado do Papa Francisco.
Não faz sentido que num só estado americano 300 padres tenham abusado de mil fiéis, enquanto em um país do tamanho do Brasil os casos conhecidos podem ser contados nos dedos das mãos.
(De 1839 a 1840 o Brasil foi governado pelo padre Diogo Feijó. Ele combatia o celibato dos sacerdotes.)
ANARQUIA
Dia 15 completam-se dois meses do dia em que o ministro Raul Jungmann anunciou que foram abertos 35 inquéritos em 25 estados para apurar a participação de empresários de transportes na greve dos caminhoneiros. Infelizmente, nada se sabe deles.
No dia 18 completa-se um mês da violência de Pacaraima, quando brasileiros queimaram as coisas de famílias venezuelanas, obrigando mais de mil refugiados a fugir de volta.
Existem alguns vídeos que permitem a identificação dos delinquentes e de um carro com alto-falantes, incitando-os. Investigação, nem pensar.
FUGA
Já funcionam no Brasil, com sucesso, empresas que oferecem a “Bolsa Vou-me Embora” para abonados do andar de cima. Portugal virou arroz de festa, e os Estados Unidos estão na concorrência.
A legislação americana exige um investimento de US$ 500 mil, com diversas condicionantes.
Numa conta de padaria, o pulo pode acabar custando algo como US$ 100 mil.
EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota e convenceu-se de que o doutor Armínio Fraga teve razão quando disse que o Brasil “adora um atalho”.
O cretino chegou a essa conclusão ao perceber que muitos çábios do mercado torcem por Jair Bolsonaro acreditando que o economista Paulo Guedes é o dono do urso. Seguem esse atalho mesmo sabendo que o Partido Novo tem como candidato João Amoedo, um ex-vice-presidente do Unibanco.
Elio Gaspari: A falta de memória de Dirceu
As memórias de José Dirceu, que estão chegando às livrarias, pararam em 2006, depois de sua saída da Casa Civil de Lula e da cassação do seu mandato. É um depoimento banal, mais preocupado com a discussão das facções petistas do que com o governo que pretendeu comandar. Aos 72 anos, cumpriu a promessa de que só falaria do seu tempo de militante da ALN e do Molipo quando completasse 80 anos. Poderia ter detalhado seu momento de esplendor, como chefe da Casa Civil de Lula entre 2003 e 2005. Sua memória ficou burocrática, cansativa.
Dirceu anunciou que publicará o próximo volume no ano que vem. Tomara que elabore uma curta frase deixada quase a esmo: “Lula e o petismo são a mesma coisa e não o mesmo destino”.
Dirceu fala em nome do petismo que ajudou a levar Lula ao poder. Aqui e ali o ex-ministro conta ursadas de seu chefe, mas, quando ele se juntou ao companheiro, sabia que era um urso que comia os donos. Foi comido. Ao contrário de Antonio Palocci, seu rival no governo e companheiro de cárcere, não mordeu o urso. Deixou seu silêncio no ar.
O comissário arrependeu-se de poucas coisas, sempre pontuais. Às vésperas da eleição de outubro, um trecho de seu livro enuncia uma questão capaz de assombrar quem gostaria de votar em Lula ou no seu poste:
“Aqueles que no nosso campo aceitam discutir a partir da cruzada anticorrupção, mas exigem Lula como alternativa para o PT e a esquerda em 2018, são hipócritas e se rebaixam, ao usar as armas do inimigo para um ajuste de contas interno ‘histórico’ contra os que ‘conciliaram com a burguesia e sua ideologia’.”
É uma formulação confusa. Pode-se dizer que há uma cruzada, mas não se pode negar a corrupção. Dirceu açoita seus adversários dentro do partido mas, na essência, segue a linha geral de denunciar as denúncias. Ao tempo do escândalo do “mensalão”, o comissário sonhava com o povo na rua defendendo-o e ao governo. Agora, explica as manifestações contra Dilma e sua deposição como consequência da desmobilização da militância, entregando as avenidas ao conservadorismo.
Dirceu e Lula acreditavam que as ruas seriam tomadas pelos seus defensores. Enganaram-se. O urso percebeu o engano e hoje, blindado pela cadeia, espera uma vitória eleitoral, atropelando o que seria a “cruzada anticorrupção”.
O militante sonhador dos anos 60, organizador do PT e capitão do time no primeiro governo de Lula, continua capturado pela brilhante conclusão de sua biografia, escrita pelo repórter Otávio Cabral: “José Dirceu de Oliveira e Silva jamais chegou a lugar nenhum”.
Percebe-se isso quando ele se refere com malícia e crueldade a Fernando Gabeira, um dos sequestradores do embaixador americano em 1969. Graças a essa aventura, Dirceu foi libertado e viveu em Cuba. Gabeira deixou o PT, condenando o poder imperial de Dirceu e dele mereceu um semiepitáfio:
“Acabou sua carreira política de forma apagada, fugindo de supostas irregularidades praticadas em seu mandato. Anos mais tarde, engajar-se-ia entusiasticamente nas conspirações golpistas.”
Gabeira deixou a política, voltou ao jornalismo e rala com sucesso percorrendo o Brasil para mostrar a vida de seu povo. Dirceu foi condenado a 11 anos de prisão e está em liberdade por decisão judicial.
No século passado o livro “O que é isso, companheiro?”, com as memórias lúdicas de Gabeira, foi a apologia de um sonho. José Dirceu trouxe as memórias do pesadelo.
Elio Gaspari: No filme de Tancredo, uma aula para hoje
Vem aí uma aula de política. É o filme "O Paciente", de Sérgio Rezende. Conta a agonia e morte de Tancredo Neves, em 1985. Na véspera de sua posse, o presidente eleito foi internado às pressas para o que seria uma cirurgia banal, talvez de apendicite. Os médicos e os hierarcas de Brasília informaram que ele sairia do hospital em poucos dias, e os principais jornais do país noticiaram sua alta iminente em dez ocasiões. Tancredo entrou no Palácio do Planalto 36 dias depois, para o velório.
O filme conta uma história dramática de erros médicos, dissimulações e mentiras que hoje soam como uma narrativa concatenada. Para quem tem menos de 40 anos, o drama faz sentido e seu desfecho é minuciosamente exposto, mas, à época, tudo o que hoje se vê no filme era segredo.
"O Paciente" é uma aula. Mostra como se mentiu e como se manipulou a opinião pública. Horas depois da primeira cirurgia, oficialmente bem-sucedida, Tancredo teve uma parada respiratória e quase morreu, mas isso foi escondido. Daí em diante, tudo o que podia dar errado, errado deu.
Othon Bastos, o Corisco de "Deus e o Diabo na Terra do Sol", é um Tancredo impecável, apesar dos muitos quilos a mais. Suas expressões ressuscitam o memorável mineiro. Paulo Betti como o "professor doutor" Henrique Pinotti é um primor na exposição de um intrujão megalomaníaco e exibicionista. O egocentrismo das equipes médicas não tem exageros e é coisa de dar medo a quem entra hoje num hospital.
Quem matou Tancredo? Todos os personagens do filme, inclusive ele, que escondia seus padecimentos. Suas dores abdominais haviam começado em janeiro e ele se iludia tomando antibióticos. Deixou que os médicos falassem em apendicite, mas sabia que extraíra o apêndice havia 50 anos. (Essa é a única imprecisão do filme, pois informa que o apêndice estava lá.)
A morte de Tancredo mutilou a base da redemocratização do país, pois colocou na Presidência o vice José Sarney, assombrado pela contestação de sua legitimidade. As pessoas foram dormir esperando que na manhã seguinte veriam Tancredo com a faixa e acordaram com Sarney vestindo-a. A posse do ex-presidente do partido da ditadura era constitucional, mas não fazia sentido. Tudo bem, porque Tancredo ficaria bom.
Passaram-se 33 anos e hoje não há médicos na crise, mas algumas coisas também não fazem sentido. Assim como fingia-se que Tancredo reassumiria, finge-se que Lula preso, com 39% das preferências na pesquisa do Datafolha, é apenas um detalhe. Lula foi condenado em duas instâncias e garante que nunca ouviu falar das roubalheiras petistas. Ainda assim, em vez de cair nas pesquisas, sobe.
Em 1985, fez-se o que a lei mandava. Em 2018, faz-se o que a lei manda, mas pode-se intuir o tamanho da próxima crise. Felizmente, agora pode-se escolher o próximo presidente.
UMA GRANDE VIAGEM À RÚSSIA DE TODOS OS TEMPOS
Está chegando às livrarias "A Lanterna Mágica de Molotov - Uma viagem pela história da Rússia", um dos melhores retratos da terra do czarismo, do comunismo e do putinismo. A autora, Rachel Polonsky, é professora da Universidade de Cambridge e chegou a Moscou com um projeto de pesquisa literária. O acaso levou-a a alugar um apartamento no edifício onde vivera a nata da elite soviética. Outro acaso levou-a a encontrar um vizinho banqueiro que ocupava o apartamento de Molotov, o ministro das Relações Exteriores de Stálin. Mais um, e ela viu que a família do hierarca deixara por lá muitos livros e objetos. O banqueiro franqueou-lhe o tesouro. Molotov tinha uma volume de poemas de Anna Akhmatova ("a freira prostituta", segundo Stálin), de Marina Tsvetáieva (matou-se na Sibéria) e de Osip Mandelstam (morto a caminho do Gulag, chamava Molotov de "meia pessoa").
A viagem de Polonsky pela Rússia foi de Moscou ao Ártico, até Vladivostok, no mar do Japão. "A Lanterna de Molotov" não tem cronologia e seu roteiro é irrelevante. É o livro de uma autora erudita, que busca significados, misturando lugares e poetas, "uma barafunda do passado, causada por livros e lugares".
É na barafunda que está a mágica do livro, que mostra sem querer ensinar. A rua onde viviam os hierarcas era fechada por milicianos e hoje é povoada por agentes de empresas de segurança privada, com coletes a prova de balas. Ela vai da casa de banho de uma protegida de Catarina, a Grande, às casas de campo da elite cultural soviética, onde viveu um charlatão que prometia plantar trigo para colher cevada. Com a ajuda de Dostoievsky, Polonsky visitou em Novgorod a semente da Rússia de outrora, recuperada por Vladimir Putin.
O apartamento de Molotov foi vendido a um produtor de TV que já comprara outro, o último lar de Leon Trótski em Moscou. Sua mulher tinha uma galeria de fotos. Uma delas, com Miuccia Prada, a dos sapatos.
FARRA FINAL
Na sua farra de fim de governo, nomeando diretores de agências reguladoras com mandatos de vários anos, o governo se superou. Foi reanimado o Conselho de Saúde Suplementar, inativo desde 2000, quando suas atribuições passaram para a Agência Nacional de Saúde. Até aí, mais uma boquinha, mas a medida incluiu um jabuti, criando uma câmara técnica "destinada à análise técnica de resoluções pretéritas". Rever decisões tomadas há 18 anos seria coisa inútil, a menos que elas ricocheteiem, mexendo em normas criadas pela ANS.
Seria mais fácil fechar a ANS, entregando suas funções às operadoras amigas.
MARIN E SEU GATO
A sorte, essa trapaceira, fez com que num mesmo dia a Mesa da Câmara cassasse o mandato de Paulo Maluf e a Justiça americana condenasse o detento José Maria Marin a quatro anos de prisão.
Maluf foi governador de São Paulo de 1979 a 1982, quando deixou o cargo para disputar a eleição presidencial indireta. (Ele foi derrotado por Tancredo Neves.) Marin, seu vice, governou o Estado por quase um ano.
Estranho personagem o doutor Marin. Vivia num apartamento de abonados e um de seus vizinhos, o empresário Paulo Cunha, percebeu que sua conta de luz estava absurdamente alta. Foi atrás e descobriu que Marin tinha um "gato" roubando energia de sua rede. Até aí, golpe velho, mas a fé de Marin na própria impunidade era tamanha que, quando o repórter Juca Kfouri contou o caso, ele processou-o. O juiz que derrubou a queixa reconheceu que o cartola teria todos os motivos para processá-lo, salvo pelo fato de que a informação era verdadeira.
Maluf está em prisão domiciliar no seu palacete paulista e Marin rala na carceragem de Nova York.
ETIQUETA
Michel Temer é um homem formal. Dá a impressão de que dorme de paletó e gravata. Por isso, bem que podia pedir aos ministros Moreira Franco e Raul Jungmann para calçarem meias quando forem a uma reunião pública no Jaburu, mesmo que ela aconteça num domingo.
Elio Gaspari: A dissimulação do general Mourão
Vice de Bolsonaro disse que sua teoria da maldição das raças deriva do seu orgulho pela miscigenação. Falso
O general Hamilton Mourão expôs em Caxias do Sul sua teoria da formação da identidade nacional a partir do gosto dos portugueses pelas sinecuras, da indolência do índio e da malandragem dos africanos. Pegou mal e no dia seguinte ele se explicou:
"Não sou racista, muito pelo contrário. Tenho orgulho da nossa raça brasileira. O que eu fiz foi nada mais nada menos que mostrar que nós, brasileiros, somos uma amálgama de três raças, a junção do branco europeu com o indígena que habitava as Américas e os negros africanos que foram trazidos para cá. (...) Somos a junção desses três povos, com as coisas boas e ruins que eles têm, sem colocar estigma em nenhum deles."
Teria sido mal-interpretado: "O que acontece é que as pessoas pinçam determinadas frases e querem retirar do contexto em que foram colocadas."
Coisa desses malditos jornalistas.
Mourão não é a única pessoa que atribui a uma mítica herança do passado as desgraças do presente. Cada um tem direito de achar o que quiser, mas a explicação do general, atribuindo o mal-estar a uma pinçagem foi um exercício pueril de dissimulação.
Em dezembro do ano passado, durante uma palestra, o general Mourão expôs a sua teoria das raças com mais precisão. O vídeo está na rede. Foi uma fala articulada, o general estava fardado e seguiu um roteiro ilustrado por transparências. No 43º minuto, ao concluir, anunciou:
"E aqui, minha gente, existe a maior de todas as reformas, que é a reforma moral, em cima dos valores da sociedade, a reforma cultural. Nós carregamos dentro de cada um, uma herança cultural tripla. Nós temos a herança cultural ibérica, que é a do privilégio e da sinecura. Todo mundo quer se dar bem. Temos a herança cultural indígena, que é a da indolência. É o índio deitado na rede e a mulher cavando lá, carregando filho. E temos a herança cultural africana que é a da magia. Vai dar certo, vai dar tudo certo. A malemolência, o samba. Nós somos melhores. A embaixadinha. Nós temos que romper esse ciclo. Essa é a realidade."
A realidade é que o general não se orgulha de coisa alguma. Pelo contrário, seriam vícios que exigem uma "reforma moral".
Gilberto Freyre orgulhava-se do amálgama da formação do brasileiro, já o conde Gobineau, o embaixador francês no Brasil durante o Segundo Império, previa que a miscigenação provocaria o colapso da sociedade brasileira ainda na primeira metade do século 20. Mourão está mais para Gobineau do que para Gilberto Freyre.
Entre os defeitos que Mourão atribuiu a portugueses, índios e negros, ele não incluiu a dissimulação. Certamente há portugueses, índios e negros dissimulados, mas isso não caracteriza os conjuntos. O dissimulador é apenas um dissimulador, quer seja português, índio, negro, chinês ou ucraniano.
ALCKMIN E CIRO SE DERAM BEM NA BAND
Quem viu as entrevistas de Jair Bolsonaro no Roda Viva e na GloboNews achou que no debate da Band ele teria uma oportunidade preciosa. Sem tempo no horário gratuito de televisão, Bolsonaro estaria em igualdade de condições com os rivais. Perdeu-a, não pelo que disse, mas porque disse o mesmo de sempre.
Quando foi colocada a questão da segurança pública, Geraldo Alckmin expôs as estatísticas do seu governo em São Paulo (a queda dos homicídios anuais de 13 mil para 3.000), Bolsonaro sacou a conveniência de armar os cidadãos e condenou as leis que protegem os direitos humanos.
Pela primeira vez Bolsonaro esteve diante de interlocutores que não queriam alvejá-lo com uma bala de prata. Com sua monotonia, Alckmin, amarrado às limitações do tempo, acabou sendo favorecido. Afinal, em um minuto não cabem dez estatísticas embutidas em platitudes.
Diante de uma pergunta sobre educação, Bolsonaro louvou os êxitos das escolas militarizadas. Ciro Gomes respondeu com a eficácia do sistema educacional do seu estado. A cordialidade de Ciro levou Bolsonaro a uma tréplica gentil, mas tudo o que ele tinha a oferecer era a construção de uma megaescola militar em São Paulo, no Campo de Marte. E o pessoal do seu Vale do Ribeira, que fica a 358 km, vai para onde?
Ciro e Alckmin foram a um debate, Bolsonaro foi a mais uma entrevista.
TUNGA
Um brasileiro que sabe fazer contas jura que queria trocar US$ 100 no guichê do banco Safra da área de desembarque do aeroporto de Guarulhos e disseram-lhe que receberia R$ 250.
O dólar estava cotado a R$ 3,70.
A turma do Safra informa que nada tem a declarar. Talvez o Banco Central tenha.
Eremildo, o idiota, aceita ficar ao lado do guichê do Safra oferecendo R$ 3 por cada dólar, mas se fizer isso, vai preso.
CHAPA ESTREITA
Lula estreitou o alcance da chapa do PT ao colocar Manuela D'Ávila, do Partido Comunista do Brasil, na chapa encabeçada por Fernando Haddad.
Ele sabe que prevaleceu em duas eleições quando ampliou-a, colocando na sua vice o empresário José Alencar.
URUCUBACA
Numa malvadeza do calendário, o ministro José Antonio Dias Toffoli foi eleito para a presidência do Supremo Tribunal Federal no mesmo dia em que o pretório excelso decidiu por 7 x 4 pedir ao Congresso umaumento de 16,38%. Cada eminente ministro pretende receber R$ 39,3 mil mensais.
Toffoli votou a favor do mimo e disse o seguinte:
"Não se está encaminhando para o Congresso um acréscimo ao orçamento do Supremo. Está se encaminhando uma previsão para uma recomposição remuneratória parcial de 2009 a 2014. Não se está tirando de saúde, de educação. Está-se tirando das nossas despesas correntes, dos nossos custeios."
De duas uma, ou Toffoli não sabe que o aumento dos ministros do Supremo desencadeia um efeito cascata que pode custar entre R$ 3 bilhões e R$ 4 bilhões à Viúva, ou sabe e acha que a choldra é boba.
Tomara que ele acredite na segunda hipótese, pois se o novo presidente do Supremo não sabe como funciona o teto dos salários dos servidores, sua presença na cadeira é uma ameaça à ordem pública.
MADAME NATASHA
Madame Natasha criou uma operadora de plano de saúde vocabular para atender incorrigíveis malbaratadores do idioma. Seus primeiros clientes serão a Agência Nacional de Saúde e as empresas que lidam com ela.
A ANS chama de "expostos" os "beneficiários cujo risco está efetivamente coberto pelo plano".
Chamar os clientes das operadoras de "beneficiários" já é uma impropriedade. Eles são fregueses e, muitas vezes, vítimas. Chamá-los de "expostos" é um insulto. Durante o período colonial, "exposto" era o recém-nascido colocado na roda dos enjeitados, para abandoná-lo ao cuidado de instituições de caridade.
Em alguns casos, os "expostos" eram bebês que as mães não conseguiriam criar. Em outros, crianças cuja maternidade as mães queriam esconder. Esse foi o caso do futuro padre Diogo Feijó, que governou o Brasil de 1835 a 1837. Ele era filho de uma jovem solteira da poderosa família dos Camargo.