elio gaspari

Elio Gaspari: De Pio.Correa@edu para Bolsonaro@gov

Orgulho-me de estar à sua direita, mas como servi à diplomacia digo-lhe que o senhor, estando certo, faz errado

Excelentíssimo presidente,

Eu deixei a diplomacia em 1969, depois de 32 anos de serviços. O senhor era um garoto. Fui secretário-geral do Itamaraty e era chamado de "Abominável Homem das Nove". Orgulho-me ao dizer que estou à sua direita. Se o senhor duvida, repito-lhe o que disse a um colega assombrado com meu discurso ao assumir o cargo:

--Não gosto de diplomatas pederastas, não gosto de diplomatas vagabundos, não gosto de diplomatas bêbados.

Talvez vosmicê tenha simpatia pela memória do presidente John Kennedy. Era um bestalhão e sua morte deixou-me indiferente. Vivi no Rio de Janeiro antes que Copacabana fosse invadida pela horda pululante e chinfrim de suburbanos transmigrados e pela lepra das favelas.

Deixei um livro de memórias e se um diplomata fosse flagrado lendo-o durante a desgraçada ruína dos petistas, estaria frito. ("O Mundo em que Vivi", 1.098 páginas, pesando um quilo.) Minha lembrança foi banida da Casa a que servi, lutando contra o comunismo e os cabeludos esquerdosos.

Esse currículo é minha credencial para dizer-lhe que o senhor está fazendo o certo, da maneira errada. Nunca alimentei encrencas públicas com países com quem temos fronteiras secas. (Nossos limites com a Venezuela estendem-se por 2.200 km de mata.) Vá lá que seu governo queira brigar com Cuba, nosso saudoso marechal Castello Branco rompeu relações diplomáticas com o castrismo, mas não tinha créditos a receber.

Os problemas da vida internacional não admitem improvisações fáceis (desconvidar convidados) nem atitudes emocionais (acicatar a China). Exigem definições fundadas no conhecimento perfeito dos fatos e em sua segura interpretação à luz do interesse nacional. E digo mais, exigem estilo.

Fui embaixador no Uruguai ao tempo em que lá vivia asilado o senhor João Goulart. Visitei sua filha quando ela foi atropelada e só me referia a ele em conversas com as autoridades locais como "el señor presidente". Vivi as delicadas negociações com a Argentina e o Paraguai que resolveram uma questão de limites e permitiram a construção da hidrelétrica de Itaipu. Jamais acompanhei a retórica antibrasileira dos nossos vizinhos. Podia-se detestar o Pio Correa, mas eu não podia estimular preconceitos contra nossa Pátria.

Mesmo quando deixei a carreira, tornando-me presidente da Siemens, empenhei minha palavra de honra em várias ocasiões e patrocinei uma visita de 50 jornalistas europeus ao Brasil, repelindo as denúncias de torturas sistemáticas a presos políticos. Ainda durante o governo do general Medici dei-me conta de que havia sido ludibriado. Mais tarde, muito esquerdistas proclamaram-se campeões da verdade. Ao meu estilo, em 1971, escrevi o seguinte ao chefe do Estado-Maior do Exército, general Alfredo Malan:

"Menti, sem saber, a quantos me ouviam. Estou hoje convencido, por boas e suficientes razões, de que a tortura, as torturas mais cruéis, são desgraçadamente aplicadas em nosso país de forma rotineira e sistemática a prisioneiros políticos. Iludido estava eu e iludido estará você, como iludido está o honrado e digno presidente da República que, como eu, afirmou publicamente o contrário."

Nunca divulguei essa carta porque, como na minha atividade diplomática, sempre segui o ensinamento do Barão do Rio Branco, tão violentado pela chusma esquerdista:

"Nada mais ridículo e inconveniente do que andar um diplomata a apregoar vitórias".

De seu fiel admirador,

Pio Correa

A 1ª LEI DE DELFIM
Nesta semana começa o governo de Jair Bolsonaro e não custa repetir a primeira lei do professor Delfim Netto:

"Na quarta-feira o presidente terá que abrir a quitanda às 9h da manhã com berinjelas para vender a preço razoável e troco na caixa para atender a freguesia.

Pelos próximos quatro anos a rotina essencial será a mesma: abrir a quitanda, com berinjelas e troco.

Todos os desastres da economia brasileira deram-se quando deixou-se de prestar atenção na economia da loja."

RISCOS SABIDOS
Em sua "Agenda de Governo", Bolsonaro mostrou que reunirá seu ministério às terças-feiras e fará "reuniões de alinhamento" semanais com grupos de ministros.

A nova administração entrará em campo sabendo dos "principais riscos" embutidos em suas iniciativas.

Assim, o principal risco do "Plano de Governo" é o de que ele saia do forno "sem conhecimento adequado de todos aspectos que podem influenciar o planejamento."

Já o risco da governança é "não ter um modelo adequado aos objetivos da organização e alinhado às linhas gerais das políticas governamentais".

MADAME NATASHA
Madame Natasha, como Eremildo, votou em Bolsonaro, mas digitou 13. Ela leu que vão chamar as reuniões do ministério de "Conselho de Governo" e que os encontros ocorrerão na "Sala Suprema" do Palácio do Planalto. Além disso, listam uma categoria de servidores denominados como "dirigentes máximos".

A boa senhora acha que a burocracia republicana iria melhor se restabelecesse os títulos de nobreza do Império. As reuniões aconteceriam na Sala do Trono, com marqueses, viscondes e barões.

INDULTO
Por trás do vaivém da concessão do indulto de fim de ano por Temer, esteve a decisão de deixar um legado para Bolsonaro.

Concedido, o indulto preservaria o delicado equilíbrio existente nos presídios do país. Negado, colocaria gasolina nos corredores controlados por facções criminosas que esperam faíscas capazes de estimular rebeliões.

Nas últimas semanas Bolsonaro e seu ministro Sergio Moro repetiram formulações genéricas que fazem sentido para quem está solto e são promessas de marcianos para quem está preso.

Por exemplo: negar a progressão da pena para quem pertence a uma facção dentro de um presídio. Tudo bem, desde que se faça de conta que em alguns lugares é possível viver numa cela sem aderir à facção. Quem vai distinguir o preso primário que aderiu para proteger sua vida e a de sua família do bandido que chefia o grupo?

MUSEUS
Passando pelo Rio, o arqueólogo egípcio Zawi Hawass voltou a reivindicar a volta do busto da rainha Nefertiti ao seu país. É uma rica discussão, mas não tem mocinho nem bandido.

A deslumbrante Nefertiti está exposta em Berlim, para onde foi levada em 1912. A peça foi liberada pelos egípcios e sobreviveu à Segunda Guerra. Já o museu do Cairo foi saqueado em 2011 e sumiram pelo menos 17 peças.

No Brasil dos anos 30 o antropólogo francês Claude Levi Strauss reuniu um acervo de milhares de peças indígenas. A lei mandava que ele só levasse a metade. O lote francês (1.200 objetos) está devidamente catalogado no museu do Quai Brandy, em Paris.

O lote brasileiro foi dividido pela burocracia e depois agrupado na Universidade de São Paulo. Só uma parte foi catalogada e muitas peças estragaram-se.

* Elio Gaspari, jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".


Elio Gaspari: Cadê o Fabrício Queiroz?

O PM Fabrício Queiroz continua sumido. Quem conhece o mundo das malfeitorias garante: “É suicídio” . Ele não aparece em casa e não compareceu aos depoimentos combinados com o Ministério Público. Admita-se que esteja com os nervos em pandarecos, pois passou de amigo da Primeira Família para o centro de uma rede de movimentações financeiras pra lá de suspeitas. Seu ex-chefe, o senador eleito Flávio Bolsonaro diz que ouviu seu relato e achou-o “bastante plausível”. Só se poderá confiar nessa plausibilidade depois que o relato se tornar público.

Uma coisa é certa: a história segundo a qual Queiroz deixou a assessoria de Flávio Bolsonaro no dia 15 de outubro para tratar de sua aposentadoria não fica em pé. Ele foi exonerado no dia seguinte ao aparecimento da notícia de suas movimentações bancárias “atípicas”. Além disso, no mesmo dia, foi exonerada sua filha Nathalia, que estava lotada no gabinete de Jair Bolsonaro, em Brasília. Quando os dois tornaram-se “ex-assessores”, faltavam treze dias para o segundo turno.

O silêncio de Queiroz faz com que suas movimentações financeiras “atípicas” continuem apenas como algo suspeito. Um depósito de R$ 24 mil na conta da mulher de Jair Bolsonaro já foi explicado por ele como parte do pagamento de um empréstimo pessoal. O presidente eleito reconheceu que não informou a transação à Receita Federal, mas atire a primeira pedra quem já não fez isso com uma pessoa de suas relações.

Outros murmúrios, saídos de fontes anônimas, falam em venda de objetos eletrônicos a conhecidos. Coisa de R$ 600 mil ao longo de treze meses, caso se olhe só para o que entrava em sua conta. Mesmo assim, o feirão de Queiroz movimentava quantias muito superiores ao seu rendimento como suboficial da PM e assessor de um deputado estadual.

Queiroz não é um PM qualquer. Além da ligação com os Bolsonaro, sua folha é a de um militar premiado. Foi homenageado pela Assembleia Legislativa e ganhou a medalha Pedro Ernesto. Há anos, como soldado, recebeu o abono, hoje extinto, dado aos PMs por atos de bravura em confrontos com bandidos. Era a “gratificação faroeste” . (Quando esse benefício foi instituído, em seus confrontos a PM do Rio matava duas pessoas e feria uma. Dois anos depois, matava quatro para cada ferido.)

Está nas livrarias “O Infiltrado - um repórter dentro da PM que mais mata e mais morre no Brasil” , de Raphael Gomide. Em 2007 ele fez concurso para a PM do Rio, passou pelo treinamento e serviu por 22 dias como soldado. Lá, um ex-comandante da corporação admite que a “gratificação faroeste” foi um estímulo à “cultura da violência”.

O silêncio de Queiroz pode ser eficaz para quem olha para o tempo político. É suicídio porque esse tempo nada tem a ver com o do Ministério Público. Os procuradores não têm pressa, têm perguntas. Se ele movia tanto dinheiro porque transacionava com mercadorias, deverá dizer de quem as comprava e para quem as vendia.

A esperança de que Queiroz passe pelo Ministério Público administrando um silêncio seletivo é suicida. Peixes grandes como Marcelo Odebrecht e Antonio Palocci tiveram a mesma ilusão. Queiroz é um lambari, sua movimentação financeira não compraria um dos relógios com que as empreiteiras mimavam maganos. Contudo, sua trajetória e seu silêncio são ilustrativos do que vem junto com a “cultura da violência”. Ele foi da PM para um gabinete na Assembleia Legislativa do Rio, empregou parentes e têm a confiança da Primeira Família da República, cujo chefe elegeu-se presidente com uma plataforma moralista e justiceira.


Elio Gaspari: O ‘Posto Ipiranga’ de Bolsonaro piscou

Faltando menos de um mês para a abertura da quitanda de Jair Bolsonaro, o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, ainda não equilibrou o estoque de berinjelas e a caixa para o troco. No dia 2 de janeiro terminará o mundo das promessas eleitorais e dos sonhos da formação da equipe. Quem lembra, sabe que Bolsonaro prometeu enxugar o número de ministérios, e Guedes falava em “dez ou doze”. Foram 34, são 29 e serão 22.

Na segunda-feira o doutor disse que “o Brasil virou o paraíso dos burocratas”. Àquela altura ele pretendia indicar Marcelo de Siqueira, diretor do BNDES, para o comando da Procuradoria da Fazenda. Funcionários da repartição ameaçaram deixar centenas de cargos em comissão caso não fosse escolhido um servidor da carreira.

Na quarta, Guedes mudou de ideia e indicou um procurador com 18 anos na carreira e currículo robusto na administração federal. Noutro lance, o doutor informou que criará um conselho para discutir o projeto de reforma da Previdência. Entre os futuros conselheiros estariam os economistas Paulo Tafner e Armínio Fraga. Mesmo assim, ganha um fim de semana em Caracas quem souber qualquer coisa que foi resolvida num conselho.

Quando não tinham o que fazer, Lula, Dilma e Michel Temer reuniam o Conselho de Desenvolvimento, conhecido como “Conselhão” e formado por ministros, empresários e celebridades.

Spektor procura e acha
Um dia depois da divulgação pelo Departamento de Estado do governo americano de 1.085 páginas de documentos diplomáticos, o professor Matias Spektor já estava debruçado sobre o volume. Nele estão centenas de papéis relacionados com a América do Sul entre 1977 e 1980. Mostram as pressões americanas em defesa dos direitos humanos na Argentina, Chile, Uruguai, Brasil e Paraguai. Alguns documentos expõem parte do que os Estados Unidos sabiam sobre a Operação Condor. Os textos relacionados com o Brasil são 28. Entre eles estão as notas das conversas dos Geisel e Jimmy Carter com sua mulher, Rosalynn.

Um memorando de março de 1979 mostra que no coração da Casa Branca havia um combativo defensor das liberdades públicas. Era o jovem professor Robert Pastor, amigo de Carter, instalado na assessoria de segurança nacional. Em 1979, quando estourou uma das grandes greves do ABC paulista e o governo interveio no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, presidido por Lula, o embaixador americano Robert Sayre justificou publicamente a ação e Pastor foi-lhe na jugular:

“Relatos da imprensa sugerem que o senhor conversou com o presidente Figueiredo sobre essa greve, apoiando a decisão. Se a embaixada for perguntada, deve deixar publicamente claro que o assunto não foi discutido com o senhor e que nós não apoiamos tais ações.

Nosso cônsul-geral em São Paulo deve acompanhar esses acontecimentos, usando as oportunidades apropriadas para mostrar o apoio dos Estados Unidos aos direitos trabalhistas”. Pastor era demonizado pelos olheiros da ditadura em Washington e morreu em 2014, aos 66 anos. Não se sabe se a sugestão foi mandada a Sayre.

(O volume 24 da coleção “Foreign Relations of the United States —1977-1980” está na rede.)

CARNAVAL
Um sueco veio ao Brasil para as festas de fim de ano e leu as notícias do dia:

1) Num início da tarde o ministro Marco Aurélio de Mello mandou soltar os presos condenados na segunda instância. No início da noite o presidente do Supremo mandou que eles continuassem presos.

2) O deputado Rodrigo Maia, no exercício da Presidência da República, autorizou o esburacamento da Lei de Responsabilidade Fiscal.

3) O ministro Ricardo Lewandowski determinou que a União pague o aumento dos servidores já em 2019.

O sueco telefonou para seu agente de viagens reclamando porque ele o trouxe ao Brasil no Carnaval.

LULA PRESO
Quando o ministro Dias Toffoli marcou para 10 de abril a discussão do encarceramento dos réus condenados na segunda instância, sinalizou uma má notícia para Lula. Antes de 10 de abril Lula poderá ter sua condenação confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça . Neste caso, mesmo que a segunda instância caia, ele continuará em Curitiba. A menos que peça para cumprir a pena em regime domiciliar.

FALTA A SAFRA
Com algum barulho, Gilberto Kassab, futuro chefe da Casa Civil do governador paulista João Doria, viu-se acusado de ter embolsado R$ 30 milhões de propinas da JBS. No mesmo lance, o grão tucano Aécio Neves foi acusado de ter recebido quatro capilés da mesma fonte, um deles em caixas de sabão em pó.

Tudo bem. Essas acusações estão desde 2017 nos 118 anexos da colaboração da JBS. Deles, só 46 tiveram desdobramentos. A turma das investigações deveria seguir o padrão dos fabricantes de vinho, rotulando cada denúncia com o ano da safra. Assim, o público saberia a idade da acusação.

BANCOS E MAGANOS
Primeiro alguns bancos estrangeiros pediram a clientes do andar de cima brasileiro que fechassem suas contas. Depois, pediram a empresas que suspendessem suas operações com a Venezuela. Agora, quando um cliente tem notável militância na política e no mundo dos negócios, sugerem que fechem os escritórios eleitorais. Casas tradicionais voltam a operar com a lei segundo a qual não se deve operar com gente dos três Ps, “press, politicians e priests” (imprensa, políticos e padres).

INFRAESTRUTURA
A escolha do consultor legislativo Tarcísio Freitas para o Ministério da Infraestrutura sugere a possibilidade de fechamento da fábrica de jabutis das empreiteiras que funciona no Congresso. Freitas é o primeiro consultor legislativo a chegar a um ministério e conhece a máquina do Parlamento. Depois de Bolsonaro, ele é o segundo capitão do governo. Serviu na tropa depois de cursar o Instituto Militar de Engenharia, onde diplomou-se com inédito louvor.

Mesmo antes de assumir, Freitas desmanchou uma bombinha que estava prestes a ser aprovada.

POUPATEMPO
Um curioso tem uma sugestão para os sábios da equipe de Jair Bolsonaro. Ele deveria mandar uma força-tarefa de Brasília ao serviço de Poupatempo do governo de São Paulo. Trata-se de uma repartição pública onde conseguem-se, entre outros documentos, carteiras de motorista, identidade e trabalho. O posto mais movimentado fica no coração da cidade. Dezenas de funcionários atendem os contribuintes com solicitude e resolvem qualquer problema. É um serviço público que funciona. A força-tarefa não precisa falar com os chefes. Basta entrevistar o pessoal da infantaria, que fica nos balcões. Se for o caso, poderiam levar equipes do Poupatempo a Brasília, para ensinar como se pode trabalhar.


Elio Gaspari: Paulo Guedes mostrou a faca

Falando a uma plateia de empresários na Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, fez o principal pronunciamento político do novo governo: “O Brasil, um país rico, virou um paraíso de burocratas e piratas privados”. Na mesma ocasião, avisou: “A CUT perde e aqui fica tudo igual? Tem que meter a faca no Sistema S também.”

Falou em corda numa casa de enforcados, pois todas as federações das indústrias são alimentadas pelo ervanário que o Sistema S arrecada mordendo as folhas de pagamento das empresas. Em 2017, foram R$ 16,5 bilhões e, na conta de quem entende, pode-se estimar que o desperdício chegue a 30%, com mordomias, obras suntuosas, contratos de consultorias y otras cositas más. Guedes avisou que, com uma boa conversa, esse seria o tamanho do corte. Sem conversa, prometeu uma facada de 50%. Na plateia, riram e aplaudiram.

Por que riram, não se pode saber. Pode ter sido por boa educação, sabedoria, ou ainda porque diante de um ministro que assumirá com plenos poderes, rir é o melhor remédio.

Jair Bolsonaro administrará um país cujo PIB per capita cresceu apenas 1,1% nos últimos 20 anos, e Paulo Guedes promete revolucionar sua economia. Pode-se estimar que ele assumirá o “Posto Ipiranga” com poderes prometidos que só o professor Antônio Delfim Netto teve. Sem o cajado do Ato Institucional nº 5, a caneta de Guedes terá menos tinta que a de Delfim. Mesmo assim, o ex-ministro é um bom mestre. Primeiro, vale visitar sua opinião sobre o empresariado nacional.

“Você tem dois grupos de empresários. O primeiro vem ao teu gabinete e pede redução dos impostos, perdão das dívidas e reserva de mercado. Você manda eles lamberem sabão (versão edulcorada), batem os calcanhares, dão meia-volta e vão trabalhar. O segundo bate os calcanhares, vai para a antessala e pede uma nova audiência. No dia de hoje, as chances de êxito deste grupo podem ser estimadas em 60%.”

Uma parte do pessoal que riu quando Paulo Guedes prometeu cortar 30% do ervanário do Sistema S está no segundo grupo descrito por Delfim. Eles já viram muitos ministros anunciando reformas liberais ou mudanças na caixa do Sistema S e sabem que isso ficou na parolagem. O último foi Joaquim Levy.

A partir do dia 2, Paulo Guedes terá que lidar com as manhas da turma que dá meia-volta e pede uma nova audiência, a ele ou a algum parlamentar que deverá votar as reformas propostas por Bolsonaro. O projeto da dupla ainda é uma salada de frutas, e parte de suas propostas precisará do Congresso. Se eles aprovarem 75% do que pretendem, ainda assim farão uma revolução no capitalismo brasileiro. Se forem travados, terão que se contentar com uma margem em torno de 25%.

Bolsonaro fez uma campanha vitoriosa atacando sufixos como o bolivarianismo, o ativismo e, acima de tudo, o petismo. Daqui a poucas semanas, terá que lidar com os verdadeiros interesses que ora produzem progresso, ora preservam o atraso. Guedes foi bonzinho quando disse que o Brasil “virou um paraíso de burocratas e piratas privados”. Virou?

Na imponente entrada do edifício da Associação Comercial do Rio de Janeiro, há dois grandes bustos. Um é o do Barão de Mauá, o patrono da indústria nacional. Ele faliu. O outro é o do Visconde de Cayru, o primeiro professor de “ciência econômica” do Brasil. Estudou em Coimbra (uma Harvard da época), mas aposentou-se aos 50 anos. Nunca deu uma aula e sua família pediu duas pensões ao Império. Filho de um mestre de obras, nunca produziu um prego.


Elio Gaspari: Cadê o Fabrício Queiroz?

Desde que o Coaf acendeu o sinal amarelo, Bolsonaro está dois lances atrasado

Jair Bolsonaro lidou com a primeira crise do seu governo com uma mistura de onipotência e ingenuidade. Diante de um problema no qual ele e o filho Flávio (eleito senador) não são investigados ou acusados de coisa alguma, transformaram o silêncio em suspeita.

O suboficial Fabrício Queiroz, da PM do Rio, amigo do presidente, motorista, segurança e assessor de Flávio, movimentou R$ 1,2 milhão em 12 meses. Fez 176 saques (cinco num só dia) e recebeu 59 depósitos, todos em dinheiro vivo. Sete funcionários que estavam ou passaram pelos gabinetes do deputado estadual Flávio e de seu pai fizeram depósitos na sua conta. Dois eram parentes de Queiroz. Outro era um tenente-coronel PM que trabalhou por 18 meses com Flávio e durante esse período viveu 248 dias em Portugal.

Queiroz pediu demissão do gabinete de Flávio Bolsonaro no dia 16 de outubro, uma semana depois do primeiro turno. Ele teria feito isso para cuidar de sua passagem para a reserva. No mesmo dia, foi afastada sua filha Nathalia, que trabalhava com Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados. (Fernando Haddad, derrotado na disputa pela Presidência, levantou a suspeita de que a surpresa do Coaf tenha chegado ao conhecimento de Bolsonaro, "no máximo, em 15 de outubro".)

Durante uma semana os Bolsonaro reiteraram sua confiança em Queiroz, e o senador eleito informou que ouviu dele "uma explicação plausível". Apesar da plausibilidade do que ouviu o senador eleito, Queiroz manteve-se em silêncio e, pelo que se sabe, pretende falar ao Ministério Público nesta semana.

Deixando-se de lado o piti do futuro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que interrompeu uma entrevista ao ser questionado sobre o assunto, Bolsonaro foi onipotente e ingênuo ao supor que o silêncio de Queiroz poderia ser compensado por suas breves declarações. Tanto ele como o filho repetiram que estão fora da investigação e quem tiver feito algo errado deverá pagar. Até hoje, a questão é só uma: cadê o Queiroz?

As bizarrices apontadas pelo Coaf nas finanças do amigo dos Bolsonaro serão estudadas pelo Ministério Público e a ele caberá decidir se há o que pagar.

Noves fora a disseminação do "Cadê o Queiroz?", a malversação do episódio produziu um efeito colateral. Apareceram os "generais preocupados". É conhecido o desconforto do vice-presidente Hamilton Mourão, mas os generais anônimos são um fator de verdadeira preocupação para paisanos e fardados.

Bolsonaro é um exímio manipulador do que seria o pensamento de militares. Até sua eleição esse fator ventou a seu favor. Agora, poderia soprar contra. Para quem não gosta do presidente eleito, a brisa pode até ser motivo de alegria. O problema é que quando esse vento sopra, seja qual for a direção, arrasta tudo, inclusive a disciplina militar.

O marechal Castello Branco denunciou, faz tempo, as "vivandeiras alvoroçadas, (que) vêm aos bivaques bolir com os granadeiros e provocar extravagâncias do Poder Militar".

Registro
No segundo turno Fernando Henrique Cardoso votou em branco.

Caneladas
A União Europeia nunca esteve disposta a fechar um acordo comercial com o Mercosul, e Bolsonaro presenteou-a com um álibi.

Em poucas semanas a França e a Alemanha afastaram-se das negociações atribuindo as dificuldades ao novo governo brasileiro.

Com um ministro da Economia dizendo que o Mercosul "não é prioridade" e um chanceler condenando o "globalismo", a equipe de Bolsonaro pôs a cereja no bolo da Europa.
Na diplomacia da canelada, o Brasil entrou com a canela.

Perigo à vista
A ekipekonômica de Bolsonaro namora a ideia de cobrar anuidades aos alunos das universidades públicas. A ideia é velha e tem razoável apoio na opinião pública.

Para evitar desastres, os sábios do futuro governo devem tratar do caso na sua verdadeira dimensão.
Admitindo-se que a carta da cobrança das anuidades vá para a mesa, o que os sábios pretendem fazer quando estourar uma greve de professores e alunos?

A resposta imediata é a ameaça de que os professores não receberão os dias parados. Parece fácil, mas surge outra questão: o que eles farão quando a Justiça mandar pagar, como tem feito habitualmente?

Querer cobrar anuidades é uma coisa, incendiar as universidades, outra.

Dilma fala
A ex-presidente Dilma Rousseff deu uma entrevista ao repórter Leonardo Fernandes. Tratou de seu legado, da desigualdade social e das formas de oposição ao novo governo. Num momento de bom humor, disse que "a alegria é a forma básica de resistência".

Quando o repórter perguntou "quais as perspectivas de resistência fora da institucionalidade, das organizações sociais e dos movimentos, em 2019", ela disse o seguinte:

"Eu acho que esse vai ser um momento fundamental para se voltar a investir nas lutas fora da institucionalidade, na organização fora da institucionalidade. E dessa combinação entre a institucionalidade e as lutas fora da institucionalidade é que está o 'X' da nossa resistência. A luta das mulheres, dos trabalhadores, dos sem-terra, dos desempregados... É importantíssimo buscar organizar os desempregados porque hoje não há uma perspectiva que dê sentido para a luta deles. (...) Não basta só a luta institucional. Não basta só a organização de massa. Ela é crucial, mas não basta uma só, isolada da outra."

"Fora da institucionalidade" pode significar muita coisa, inclusive nada.

Sábio fatiamento
O economista Paulo Tafner deu a explicação definitiva para justificar o fatiamento da reforma da Previdência:

"Se o governo não fatiar a reforma, estará reunindo todas as oposições no mesmo debate. Os servidores públicos, por exemplo, manifestaram severa preocupação com os trabalhadores rurais. Se você fatia e faz uma primeira proposta só para os servidores, eles serão obrigados a admitir que são contra a retirada do próprio privilégio."

O candidato
A turma de Bolsonaro ergue o estandarte da "volta do PT" sempre que ouve alguma coisa contra seu chefe.

O espantalho pode ser conveniente, mas quem está na pista costurando sua candidatura é o futuro governador de São Paulo, JoãoDoria.

Prefeito-bomba
O prefeito Marcelo Crivella quer pedir ajuda a Jair Bolsonaro para que o bilionário americano Sheldon Adelson construa um resort-cassino na região do porto do Rio.

Adelson tem 85 anos, US$ 43,4 bilhões e explora esses negócios em Las Vegas, Macau e Singapura. É um dos campeões da luta pela instalação de embaixadas em Jerusalém, financiou a campanha de Donald Trump e tem grande influência sobre o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu.

Tudo o que Bolsonaro não precisa é entrar nessa fotografia como defensor da volta do jogo.


Elio Gaspari: Um governador irresponsável

Na segunda-feira, o governador do Ceará, Camilo Santana, anunciou que afastou dos serviços de rua os 12 policiais envolvidos no massacre de Milagres, onde morreram 14 pessoas. Informou também que criou um grupo especial de investigação para apurar o que aconteceu durante a madrugada de sexta-feira na pequena cidade do Vale do Cariri: “Este momento nos coloca um dever ainda maior de proteger vidas e fortalecer a paz.”

Blá-blá-blá. Três dias antes, a polícia estava em Milagres à espera de uma quadrilha de assaltantes de bancos e matou seis reféns, cinco de uma mesma família, dois dos quais adolescentes. Horas depois da chacina, do alto de sua autoridade, o governador louvou a operação e ensinou: “Temos que ser responsáveis e aguardar o trabalho de investigação”.

Irresponsável era ele, por falar de ouvir dizer, adiantando uma indulgência plenária aos policiais: “O fato é que eles estavam preparados para assaltar dois bancos e não conseguiram assaltar nenhum.” Até aí, foi uma manifestação primitiva de onipotência, pois “se temos que ser responsáveis”, aquilo que ele chamou de “o fato” era sabidamente algo mais que uma tentativa de assalto impedida pela polícia. O governador foi além e lançou dúvidas sobre a estatística produzida em Milagres. Nela morreu parte da família sequestrada pelos bandidos, mas Camilo Santana argumentou: “É estranho um refém de madrugada em um banco”.

Estranho é um governador endossar a velha versão segundo a qual todo morto em ação policial é suspeito de alguma coisa.

Três dias depois, Santana corrigiu-se com a mesma ligeireza: “De forma infeliz disse aquilo, mas peço desculpas à família. Quem me conhece sabe do meu respeito às pessoas e da minha defesa à vida”. Ele não foi infeliz, foi irresponsável, com o propósito de lustrar a operação policial. Suas desculpas não deveriam ser apresentadas só à família dos chacinados, mas também a toda a população. O truque do “quem me conhece” foi pueril, pois quem o ouviu teve oportunidade de perceber que defende a vida alheia em termos genéricos. Quando se tratou de um caso específico, envolvendo a ação da polícia, podendo ficar calado, repetiu o que lhe contaram.

Quando fez sua primeira declaração, Camilo Santana sabia que a quadrilha havia sido emboscada. As polícias de vários estados investigavam seus movimentos há semanas e esperavam os bandidos em Milagres. O que aconteceu na madrugada daquela sexta-feira foi uma típica ação de policiais ineptos que atiram primeiro e vão conferir depois.

O governador do Ceará foi um ponto dentro da curva. Todo morto em ação policial acaba virando “suspeito”. No Rio de Janeiro, guarda-chuva e furadeira já foram objetos suspeitos nas mãos de pessoas mortas por policiais. Camilo Santana foi reeleito no primeiro turno, com votação expressiva. Como seus similares, cavalga um discurso de promessas, acompanhado de uma solidariedade automática para a polícia. Seja o que for que se faça, algo deveria ser feito e o feito, feito está. Parece que não estudaram história. Lampião era um bandido, quem o transformou em herói foi a polícia, desfilando sua cabeça de Piranhas a Maceió e expondo-a num museu.

O empresário João Batista Magalhães saíra de Serra Talhada (PE) para uma reunião natalina e foi sequestrado pelos bandidos numa estrada próxima a Milagres. Ele morreu com o filho, e outros três familiares. Afinal, “é estranho um refém de madrugada em um banco”.


Elio Gaspari: A fantasia das 'bancadas temáticas'

O perigo nas negociações é o da construção de um sistema que leve a uma crise

O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado Alceu Moreira (MDB-RS), deu um presente a Jair Bolsonaro. Quando o repórter Raphael Di Cunto perguntou-lhe como funcionaria a articulação do governo com as “bancadas temáticas” do Congresso, ele respondeu:

“Quem disser que sabe qual é o resultado que esse novo modelo produzirá, de duas uma: ou é adivinho ou está mentindo”.

Moreira apoia o novo governo, lidera uma frente que reúne mais de 200 parlamentares e sabe que a eficácia das “bancadas temáticas” é uma fantasia. Elas agrupam deputados e senadores que têm pontos de vista semelhantes em questões genéricas, mas separam-se em temas pontuais. O próprio Moreira fez questão de lembrar que sua frente “só discute produção de alimento, não é nem agro”.

A ideia da negociação com as “bancadas temáticas” é útil numa campanha eleitoral e funciona durante a fase de transição. No dia 2 de janeiro, Jair Bolsonaro deverá abrir a quitanda e em fevereiro instala-se a nova legislatura. Só então começará o jogo, com a remessa ao Congresso das diversas emendas constitucionais prometidas pelo candidato. Elas precisam de três quintos dos votos da Câmara e do Senado.

Cada parlamentar tem sua legítima agenda de defesa dos interesses de sua base eleitoral. O toma lá dá cá faz parte da vida política, desde que se esclareça o que se toma e o que se dá. Por exemplo: um deputado de uma bancada temática vai ao governo com um pedido para que se autorize o funcionamento de uma faculdade de Medicina na sua região. O pleito pode ser justo e o projeto, impecável. Pode também ser uma girafa. Como ensinava o então ministro Paulo Renato Sousa, “se você entregar o poder de decisão para a abertura de faculdades privadas às freiras carmelitas descalças, na segunda reunião elas virão com bolsas Vuitton”.

O toma lá dá cá com as bancadas que se dizem partidárias chegou a níveis obscenos nas últimas legislaturas, mas não existe governo que possa conviver com o Congresso sem que haja um sistema de trocas com os parlamentares. Bolsonaro conseguiu formar seu Ministério com grande liberdade, e não se pode dizer que este ou aquele ministro esteja ali por delegação de partido. Contudo, formar equipe é atribuição do presidente, mas votar projetos e, sobretudo, emendas constitucionais depende do consentimento do Congresso.

As negociações com a Câmara e o Senado poderiam ser saneadas se a liderança do governo tivesse disposição para denunciar propostas indecentes, começando pelos eternos jabutis que são enfiados nas medidas provisórias. Muitos deles nascem naquilo que hoje se chama de bancadas temáticas.

Bolsonaro armou um governo bifronte, com uma face política e outra militar, representada por generais da reserva. Só a vida real mostrará se tramitarão negociações capazes de exasperar a banda militar, ou vetos capazes de paralisar a banda política.

A fantasia das bancadas temáticas é popular, mas só os adivinhos podem saber como funcionará o sistema. (Os mentirosos, na formulação de Alceu Moreira, sabem que estão mentindo.)

Para dar certo, o futuro governo precisa aprovar as reformas que promete. Talvez não aprove todas, mas isso não seria um pecado. Desgraça, da boa, seria um cenário no qual um governo legítimo e popular promete reformas e, um ano depois da eleição, se queixa de ter sido bloqueado pelo Congresso.

Nos últimos 50 anos, sempre que isso aconteceu, o governo sabia que estava criando a crise.


Elio Gaspari: O agronegócio não é uma ‘bancada do boi’

Contaminado por um setor paleolítico, o agronegócio brasileiro paga pelo que não é e não consegue mostrar o que é. Prova disso é que a defesa dos seus interesses é atribuída ao que denomina “bancada do boi”. Nessa bancada há trogloditas que querem queimar matas, calotear dívidas e invadir terras alheias. Defendendo-os, Jair Bolsonaro chega mesmo a acreditar que os quilombolas são um problema nacional.

Dois renomados historiadores — Herbert Klein, de Columbia e Stanford, e Francisco Vidal Luna, da USP — entregaram à editora da Universidade de Cambridge o texto de “Feeding the World” (“Alimentando o Mundo”), onde contam a história da revolução ocorrida na agricultura brasileira nos últimos 50 anos, acelerada neste século. O livro sairá em dezembro e a tradução, no ano que vem. O que houve foi uma revolução de verdade. De país atrasado, o Brasil tornou-se o maior exportador de soja, carnes processadas, laranjas e açúcar. É o quinto maior produtor de cereais. Enquanto a indústria nacional patinou depois da abertura da economia, o agronegócio adaptou-se, expandiu-se e adquiriu competitividade internacional.

Entre a década de 1980 e os últimos oito anos a produtividade das áreas plantadas cresceu 150%. Essa revolução juntou empreendedores e uma elite técnica formada com vigor chinês. Em 1999 o Brasil tinha seis mil estudantes de agronomia. Em 2007 eram 48 mil (40 mil dos quais em instituições públicas). Entre 1998 e 2017 foram produzidas oito mil dissertações de mestrado e três mil teses de doutorado. No pico desse êxito está a Embrapa, que se tornou um dos melhores centro de pesquisas agrícolas do mundo. Hoje o Brasil tem a terceira maior indústria de sementes.

Klein e Luna não deixam assunto sem análise, inclusive os problemas de pobreza e atraso, mas expõe uma revolução que está acontecendo. Ela é descrita em São Paulo, no Sul, e surpreende no Centro-Oeste. Uma migração espontânea, selvagem no início, transformou Mato Grosso num celeiro. Em 1970 lá existiam 600 tratores, 15 anos depois eram 20 mil. Em 1980, quando chegou a soja, cultivaram sete mil hectares. Em apenas nove anos, chegaram a 1,7 milhão de hectares. As taxas de fertilidade e mortalidade infantil caíram, enquanto a expectativa de vida subiu cerca de 20 anos desde 1960. Hoje o Mato Grosso tem um dos mais altos índices de terras tituladas (77%).

O agronegócio carrega entre 20% e 25% da economia nacional porque é moderno. A contaminação paleolítica obriga-o a ser ouvido como um Yo-Yo Ma tocando num violoncelo rachado. Carne? Joesley Batista. Meio ambiente? Jair Bolsonaro e seus conselheiros do agronegócio durante a campanha eleitoral.


Elio Gaspari: Os generais no palácio do capitão

Com vice e dois generais no Planalto, Bolsonaro conseguirá, pelo voto, algo inédito

A escolha do general Carlos Alberto dos Santos Cruz para a Secretaria de Governo do futuro presidente, Jair Bolsonaro, consolidou a inédita marca militar da próxima administração.

Considerando-se que um de seus antecessores foi o deputado Geddel Vieira Lima, hoje encarcerado, a melhoria de padrão será indiscutível. Santos Cruz junta-se aos generais da reserva Hamilton Mourão (vice-presidente) e Augusto Heleno (Segurança Institucional) na equipe que trabalhará no Planalto. Bolsonaro, o chefe de todos eles, é um capitão reformado que chegou à Presidência pelo voto.

Essa circunstância desautoriza qualquer comparação automática com os poderes palacianos durante a ditadura.

Os generais de Bolsonaro comandaram tropas das Nações Unidas no Haiti e no Congo.

Os da ditadura comandaram mesas em representações no exterior. Deles, só Castello Branco e Golbery do Couto e Silva estiveram na Segunda Guerra. (Golbery não ouviu um só tiro.)

Forçando-se a mão, pode-se comparar a presença de Santos Cruz na Secretaria de Governo com a ida de Golbery para a chefia do Gabinete Civil do presidente Ernesto Geisel, em 1974.

Contudo, há duas diferenças. Golbery nunca foi general no serviço ativo, pois foi para a reserva em 1962 como coronel e ganhou a promoção automática que a lei da época lhe assegurava. Depois de criar e dirigir o SNI, ele foi para o Tribunal de Contas e de 1969 ao início de 1974 esteve na iniciativa privada, presidindo a filial brasileira da Dow Química.

Os generais da ditadura viveram a anarquia e rebeliões políticas do século passado. Costa e Silva foi preso em 1922 e Golbery, detido em 1955, redigiu todos os manifestos da indisciplina de coronéis e generais das décadas de 50 e 60.

Médici e Geisel rebelaram-se em 30. Castello Branco, nunca. Todos participaram da deposição de João Goulart. Desde 1950, as Forças Armadas estavam publicamente divididas por motivos políticos. Hoje essa divisão não existe.

Bolsonaro e seus generais vieram de outra cepa, num período de profissionalismo e pacificação política dos quartéis. Ainda assim, em 1978, o capitão Augusto Heleno, ex-ajudante de ordens do general Sylvio Frota, viu-se observado, em pelo menos um documento do SNI. Em 2008, como comandante militar da Amazônia, ele criticou a política indigenista e foi aconselhado a evitar o assunto.

Há três anos, depois de um pronunciamento político, o general Hamilton Mourão perdeu a prestigiosa chefia da tropa do Sul. Ele mesmo reconheceu, citando o ex-comandante Enzo Peri, que "cada um tem que saber o tamanho de sua cadeira", e extrapolara o tamanho da sua.

Já o capitão Bolsonaro tomou uma cadeia por ter escrito um artigo defendendo o aumento do soldo dos militares e foi excluído do quadro da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais em 1987, por ter desenhado num croqui o que poderia ser a colocação de uma bomba na adutora do Guandu.

Ele negava a autoria do desenho. Uma perícia confirmou-a e outra, não. Mais tarde, o capitão foi absolvido pelo Superior Tribunal Militar, por voto de minerva em favor do réu.

A presença de militares da reserva no coração do Planalto durante um governo eleito é jogo jogado, desde que cada um saiba o tamanho de sua cadeira.

Um dos maiores secretários de Estado do governo americano foi o general George Marshall. Quando ele era chefe do Estado-Maior Conjunto, o general Douglas MacArthur desafiou o presidente Harry Truman. Comandando a tropa que guerreava na Coreia, tinha uma cadeira enorme. Marshall defendeu sua demissão, para confirmar a primazia do poder civil. A cadeira de Truman era maior.

*Elio Gaspari é jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".


Elio Gaspari: O ministério se revela nas manobras

Em setembro acreditava-se que o médico Henrique Prata, diretor do Hospital do Câncer de Barretos (SP), podia ser o ministro da Saúde num eventual governo de Jair Bolsonaro. Outra hipótese seria a ida do deputado Luiz Henrique Mandetta (DEMMS). Nos dois meses seguintes, pelo menos dois renomados médicos passaram pelo balcão de apostas, e o jogo fechou com a nomeação de Mandetta. Há dois anos, o cirurgião Raul Cutait esteve com um pé na pasta, mas Michel Temer nomeou o deputado Ricardo Barros (PP-PR).

O jogo do ministério, com seus balões de ensaio e boatos, é um divertimento que acaba no dia em que o Diário Oficial publica a lista dos nomeados. Contudo, os movimentos que ocorrem nos bastidores acabam revelando a alma do governo que se forma. Descontada a maneira silenciosa e cirúrgica com que Paulo Guedes forma sua equipe na área econômica, até agora a principal decisão de Bolsonaro foi a transferência do general da reserva Augusto Heleno para o Gabinete de Segurança Institucional. Ele estava designado para a Defesa e foi deslocado pouco depois da escolha de Sergio Moro para a Justiça. Trocou um ministério com gabinete fora do Planalto por outro a poucos metros da sala do presidente.

O Ministério da Educação de Bolsonaro tornou-se uma grelha. Mozart Ramos, diretor do Instituto Ayrton Senna, foi vetado pela bancada evangélica sem ter sido convidado. O procurador Guilherme Schelb, da simpatia dos pastores, viu-se frito. Ao fim do dia, foi escolhido o professor Ricardo Vélez Rodriguez, da Federal de Juiz de Fora (MG), que lecionou na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército. Do episódio, resulta que Bolsonaro colocou no Ministério da Educação uma pessoa com quem nunca trocou duas palavras ou leu duas páginas.

A formação de um governo obedece a uma lógica própria. Um terço dos ministros é formado por pessoas que o presidente queria colocar exatamente onde ficaram, como Paulo Guedes. No segundo terço, o escolhido vai para a equipe, mas cai em outro lugar, como Augusto Heleno. No terceiro, entram pessoas que o presidente mal conhecia.

A mecânica da formação da equipe acaba sendo tão significativa quanto as escolhas. Temer disse que nomearia notáveis. Armou sua equipe pelo velho método e estabeleceu uma marca na História universal: dois de seus ministros acabaram na cadeia (Geddel Vieira Lima e Henrique Alves). Outros dois tiveram os pais e padrinhos políticos encarcerados (Helder Barbalho e Leonardo Picciani). No governo Dilma, Joaquim Levy pensou que havia sido escolhido para o Ministério da Fazenda, mas caiu num comissariado, do qual fugiu.

Na competição que produz ministros, às vezes ganham relevo aqueles que decidem não sê-lo. Ilan Goldfajn deixou o Banco Central. Já o nome do general da reserva Oswaldo Ferreira para a área de infraestrutura era pedra cantada. Ele participou do planejamento da campanha de Bolsonaro e chegou a dar entrevistas sobre projetos. Decidiu ficar fora do governo.

O ‘imprevisto’ de Moro
O futuro ministro Sergio Moro defendeu a delegada Érika Marena, coordenadora da Operação Ouvidos Moucos, que em 2017 resultou na prisão do reitor Luiz Carlos Cancellier, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Levado para uma penitenciária, ele vestiu uniforme laranja, foi algemado e lá dormiu uma noite. Sua prisão foi pedida pela delegada e a Justiça, que a autorizou, suspendeu-a no dia seguinte, pois não viu no pedido da delegada “fatos específicos dos quais se possa defluir a existência de ameaça à investigação.”

Livre, o professor matou-se, atirando-se do alto de um shopping de Florianópolis. Quando a Ouvidos Moucos foi espetacularizada, Cancellier e outros professores eram acusados de terem desviado R$ 80 milhões de um programa da UFSC. Essa informação revelou-se falsa e foi divulgada antes mesmo que Cancellier fosse ouvido. A cifra referia-se à verba total do programa.

A delegada Érika Marena é considerada uma policial competente e teve um relevante desempenho na fase inicial e decisiva da Operação Lava-Jato. Ao informar que ela assumiria o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional do Ministério da Justiça, Moro tratou do caso de Cancellier e disse o seguinte: “Foi uma tragédia, algo trágico e toda a solidariedade aos familiares do reitor, mas foi um infortúnio imprevisto na investigação. A delegada não tem responsabilidade quanto a isso”.

Falta definir “infortúnio imprevisto na investigação”. Ou pelo menos, quais são os infortúnios que as investigações podem prever. Prisões desnecessárias, humilhações e espetacularizações talvez estejam entre eles.

OUTRO ESPETÁCULO
Há um ano, noutro caso espetacular, o empresário Ricardo Saud, da J&F dos irmãos Batista, contou que sua organização corrompia políticos e esfriava as propinas usando mais de cem escritórios de advocacia que simulavam serviços. Entre os políticos, estava o deputado Fábio Faria e, entre os escritórios, o do advogado Erick Pereira. (Na sua delação, Saud chamou-o de Erick Faria.) Passou-se um ano, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, chamou Saud de “pretenso colaborador” e pediu o arquivamento do processo porque “não foi possível colher nenhum elemento probatório que demonstrasse que o investigado (deputado Fábio Faria) cometeu os referidos delitos”. E que “a documentação juntada aos autos pelo colaborador em nada demonstra que os eventos que narra ocorreram”. O pedido da procuradora foi atendido pela ministra Rosa Weber, do STF. Quanto ao advogado Erick Pereira, ele juntou aos autos as provas dos serviços prestados pelo escritório.

O distinto público foi enganado duas vezes, primeiro pela JBS fazendo-se passar por uma “campeã nacional”. Depois pelos seus donos e diretores enfiando cascalhos nas suas pretensas delações.

BEIJO DA MORTE
Na terça-feira, um veterano parlamentar ouviu um colega do PSOL saudando a possível escolha de Mozart Ramos, diretor do Instituto Ayrton Senna, para o Ministério da Educação.
Foi rápido:
“Já era.”

FOGO AMIGO
Durante a campanha, o general Hamilton Mourão contou que estava lendo uma biografia de seu colega “Stonewall” Jackson. Ele foi um dos maiores generais do Sul rebelde na Guerra da Secessão (1861/1865). Ganhou o apelido de “Muralha” ao conter o inimigo, decidindo a primeira grande batalha do conflito. Era um tipo estranho. Cristão fervoroso, lutava pelo Sul, mas condenava a escravidão.

A vida de “Stonewall” pode inspirar Mourão. Primeiro, porque ele falava pouco e escondia tudo. Sempre ia para a linha de frente, mas numa noite tomou três tiros de sua própria tropa durante uma patrulha noturna. “Stonewall” tornou-se a mais famosa vítima de fogo amigo das forças militares americanas.


Elio Gaspari: A ‘sala vermelha’ da tortura

Baseado em documentos da Justiça, o repórter Rafael Soares mostrou que quatro cidadãos presos na madrugada de 20 de agosto durante uma operação militar em favelas da Penha, no Rio de Janeiro, denunciaram torturas sofridas num quartel da 1ª Divisão de Exército (DE). Eles teriam sido levados para uma “sala vermelha”, onde três pessoas com os rostos cobertos e sem fardas deram-lhes “madeiradas” e chicotearam-nos com fios elétricos. Um deles informou que a sessão durou cerca de 20 minutos. Todos eram interrogados para identificar traficantes da região. O grupo permaneceu no quartel por 17 horas, até ser levado para uma delegacia. Continuam presos, acusados de traficar drogas.

Durante a operação nas favelas da Penha, do Alemão e da Maré , traficantes mataram um cabo e dois soldados do Exército. Foram presas 86 pessoas e apreendidos 15 fuzis, 27 pistolas e 11 granadas de mão. A despeito das baixas, essa pode ter sido a ação mais eficaz das forças da ordem desde o início da intervenção militar na segurança do Rio.

Num primeiro momento, a denúncia dos presos levados para o quartel da 1ª DE foi desprezada. Depois que surgiram novas informações, o comando militar decidiu investigar o caso.

Desde fevereiro, quando sete pessoas foram mortas no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, paira sobre uma tropa do Exército a suspeita de ter praticado uma chacina. No caso, poderia ter havido um confronto, mas ainda não se sabe o que aconteceu. Na denúncia da tortura da “sala vermelha”, os presos teriam conexão com o tráfico, e um deles é reconhecidamente viciado, mas o episódio teria ocorrido dentro de um quartel do Exército.

Está sobre a mesa dos comandantes militares a questão do esclarecimento das denúncias. A sabedoria convencional mostra que, em certas épocas, uma enorme parcela da opinião pública defende uma política de “mata e esfola”. Quando a maré vira, aqueles que ontem eram festejados como vingadores passam a ser vistos como torturadores. Em 1974, os jornalistas credenciados na Secretaria de Segurança de São Paulo escolheram os melhores policiais do ano, e o delegado Sérgio Fleury ficou em quarto lugar.

O acobertamento de violências corrói a disciplina militar. Só isso explica por que, em 1943, no meio da guerra, o general Dwight Eisenhower ordenou ao seu amigo George Patton que se desculpasse diante da tropa formada por ter esbofeteado um soldado que, a seu ver, se acovardara. Patton comandava os gloriosos blindados americanos que entrariam na Alemanha.

Quando o torturador vê que seus superiores negam ocorrências das quais participou, passa a crer que faz parte de uma elite onipotente e inimputável. Além disso, o acobertamento cria uma trama de cumplicidades que se infiltra no serviço público, no Judiciário e mesmo na imprensa. O espírito de corpo que, a princípio, acoberta defensores de uma ordem específica, acaba se transformando num estímulo à ilegalidade, levando agentes para outras formas de delinquência. As cumplicidades criadas na administração do Rio de Janeiro e de alguns outros estados explicam boa parte da anarquia de seus sistemas de segurança.

A “tigrada” francesa que nos anos 50 baixou o pau na Argélia e varejou comunidades árabes terminou seus dias tentando matar o presidente Charles De Gaulle. A brasileira explodiu no estacionamento do Riocentro.

Num livro intitulado “Torture”, o professor americano Edward Peters tratou essa questão com magistral clareza ao informar: “O futuro da tortura depende do futuro do torturador”. Se ele é aplaudido e promovido, ela se espalha. Se ele é condenado, ela acaba.


Elio Gaspari: A reunião da irresponsabilidade fiscal

Para quem temia que depois da eleição viesse mais do mesmo, ressurge a maldição do príncipe de Salinas no romance “O Leopardo”: “Depois será diferente, porém pior”

No mesmo dia em que anunciou um “momento de regeneração”, Jair Bolsonaro foi a uma esquisita reunião de governadores eleitos copatrocinada pelo paulista João Doria. Nada havia sido combinado com sua equipe. O que muitos governadores querem é suspender as exigências e os efeitos da Lei da Responsabilidade Fiscal. Uma legítima superpedalada, capaz de superar os çábios da “contabilidade criativa” que custou a presidência a Dilma Rousseff.

Como o presidente eleito ainda não desceu do palanque, fez brincadeira com a sua presença no conclave: “O que eles querem, eu também quero, dinheiro”. Antes fosse, o que eles querem é atropelar a lei que obriga os Estados a limitar em 60% o comprometimento das receitas com o pagamento de despesas de pessoal

O Rio está com um comprometimento de 81%. Minas Gerais, 79% e o Rio Grande do Sul, 78%. Isso para não se falar no campeão, o Rio Grande do Norte, com 88%. Ao todo, são 17 os Estados que ofenderam a LRF, mas nove governos comportaram-se como deviam.

Os governadores querem mais dez anos de prazo para cumprir uma lei de 2000 e prometem um conjunto de medidas para buscar o equilíbrio financeiro. Velha conversa, como a do Supremo Tribunal Federal que quer o aumento para já, prometendo o fim dos penduricalhos dos juízes para depois. Ademais, dentro de dez anos os governadores serão outros.

Bolsonaro deveria ter desarmado a cilada da reunião, expondo a irracionalidade do pleito. Doria, que governará o Estado que exibe melhor desempenho (54% de comprometimento, graças a Geraldo Alckmin), poderia ter evitado a ribalta.

Para quem temia que depois da eleição viesse mais do mesmo, ressurge a maldição do príncipe de Salinas no romance “O Leopardo”: “Depois será diferente, porém pior”.

REGISTRO
Foram muitos os nomes que entraram na dança para a cadeira de ministro das Relações Exteriores, mas o nome do diplomata Ernesto Araújo foi o primeiro a surgir, logo depois do segundo turno.

CONTINUIDADE
Quando Lula era presidente, o chanceler Celso Amorim chamou-o de “nosso guia”. Ernesto Araújo anuncia que assumirá o cargo certo de que a “mão firme e confiante de Bolsonaro nos guiará”.

BILATERAL
As “caneladas” de campanha de Bolsonaro deram à sua política externa dois resultados:

1) Submeteu o chanceler brasileiro a uma molecagem do governo egípcio porque prometeu levar a embaixada brasileira para Jerusalém. Fez que não notou.

2) Demonizou a participação de cubanos no programa “Mais Médicos” e provocará a retirada de oito mil profissionais. Segundo a Confederação Nacional dos Municípios, 1.575 localidades ficarão sem médico.

Daqui até a posse ele perceberá que relação bilateral tem dois lados.

MÉDICOS
Com a partida dos médicos cubanos, os novos ministros da Saúde e da Educação poderiam examinar as exigências para que médicos brasileiros formados no exterior revalidem seus diplomas para trabalhar em Pindorama.

A lei exige que o médico esteja “em situação legal de residência no Brasil”, mas o programa do governo não diz quanto tempo demorará o processo de revalidação.

Enquanto isso, o que faz o médico que se formou nos Estados Unidos e trabalha num hospital de Boston, vende limão na praia?

Eremildo é um idiota e acha que os médicos têm direito a uma reserva de mercado. Mesmo assim, por cretino, acredita que pode dar entrada na burocracia mesmo que o médico more num dos anéis de Saturno, desde que cumpra todas as exigências posteriores.

BANCO CENTRAL
Com tanta gente querendo ir para o governo, o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, preferiu ir para casa.

Sentou na cadeira em 2016, com a economia em pandarecos, e presidiu o BC falando pouco e fazendo o certo, longe dos holofotes. Leva consigo o estilo de economistas como Pedro Malan e Otávio Gouveia de Bulhões.

PALPITE
Um veterano conhecedor do funcionamento do Palácio do Planalto acredita que Jair Bolsonaro restabelecerá a rotina da “Reunião das Nove” que vigorou nos anos dos generais.

Pelo desenho de hoje, nela sentariam o presidente, o general Augusto Heleno, o economista Paulo Guedes e o deputado Onyx Lorenzoni. Trocando o ministério da Defesa pelo Gabinete de Segurança, logo depois da escolha de Sergio Moro para a Justiça, o general tornou-se um ministro que tem sala no Planalto. Não é pouca coisa.

RENOVA
O movimento Renova, que elegeu 16 parlamentares em diversos partidos, pretende se organizar de forma inédita no parlamento. Realizará reuniões periódicas e seminários para discutir projetos com empresários e organizações da sociedade civil.

SUPERPODERES
O economista Paulo Guedes, futuro “Posto Ipiranga” da economia, coordena 20 grupos temáticos.

Tomara que dê certo. Em 2004 o comissário José Dirceu coordenava 37 grupos de trabalho na Casa Civil. Um cuidava do hip hop.

DANÇA MINISTERIAL
Nos próximos dias, Bolsonaro concluirá sua dança ministerial. Anunciou fusões, desistiu, juntou abacaxi com banana e terminará cumprindo a sua promessa de redução do número de pastas.

Feito o serviço do primeiro escalão, começará o remanejamento de setores administrativos.

Nessa altura, vale lembrar uma história ocorrida com um oficial do Exército. Como capitão, serviu num quartel que tinha a forma de um quadrilátero. Voltou a ele como general e, surpreendido, comentou com um velho sargento:

— Fico feliz em ver que a barbearia continua no mesmo lugar.

O sargento esclareceu:

— General, a barbearia mudou tanto de lugar que deu a volta.

TUNGA NO LIVRO
As guildas dos livreiros e editores responderam ao que foi publicado aqui na semana passada contra a proposta que encaminharam a Michel Temer, para tabelar a mercadoria que vendem, limitando os descontos a 10% no primeiro ano de circulação de um volume.

Deram seus argumentos, reforçando-os com uma particularidade: “Para utilizar um exemplo conhecido do autor, seu título ‘A ditadura envergonhada’, lançado em 2002, com preço sugerido de R$ 40, custa hoje quase 50% a menos do que seu valor nominal de 15 anos atrás — corrigido pelo IGP-M, seria de R$ 115,80. No entanto, sua edição atual é vendida por R$59,90”.

Não entenderam nada. O signatário alegra-se quando seus livros são vendidos mais barato. Se alguém quiser vendê-los por menos de R$ 59,90, ótimo. Como ensinou o Conde Francisco Matarazzo, “mercadoria não tem preço de mercado, terá preço se tiver quem a compre”. Quando ele morreu, em 1937, era o homem mais rico do Brasil, com 20 bilhões de dólares em dinheiro de hoje.