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Elio Gaspari: Propaganda transforma Planalto em casa da sogra
Palácios brasileiros passaram a ser tratados como propriedade privada há pouco tempo
Elio Gaspari / O Globo
O capitão mandou pendurar um painel de 10 metros por 2,5 no saguão do Palácio do Planalto. Chama-se “Brasil acima de tudo” e faz seu gosto. Bolsonaro também quer privatizar a Petrobras. É seu direito defender a ideia, tomando as providências que a lei determina. Não é seu direito, contudo, tratar o prédio onde trabalha como propriedade privada. Se o Instituto do Patrimônio Histórico não serve para proteger a arte do palácio presidencial, seria melhor fechá-lo.
Os palácios brasileiros passaram a ser tratados como propriedade privada há pouco tempo. Getulio Vargas pouco mexeu no Catete ou no Laranjeiras. No Alvorada de JK, a sala de jantar era iluminada por lâmpadas fluorescentes que arruinavam a maquiagem das senhoras. No governo de FHC, colocou-se uma grande escultura de madeira no jardim do Alvorada. Com a chegada de Lula, a peça foi retirada e acabou num galpão. No lugar, entrou um canteiro de flores vermelhas com a forma da estrela do PT. No Planalto, Nosso Guia instalou um pequeno museu com peças de sua vida. Lula se foi, e com ele a estrela de flores e o museu.
O presidente americano Ronald Regan comparou o palácio da “Alvarado” ao QG de uma companhia de seguros. Bolsonaro já havia exposto no saguão do Planalto, onde pôs o painel, as roupas que ele e sua mulher Michelle usaram no dia da posse. Elas continuam lá, afastadas.
Essas manifestações de falso gosto histórico ou artístico são bregas e constrangedoras. Os museus brasileiros conservam peças que poderiam ser emprestadas ao Planalto. Aquelas paredes não são molduras de painéis de propaganda política.
Os retirantes que somem
Saiu o primeiro dos dois volumes da biografia de Lula, escrita pelo jornalista Fernando Morais. Perto da metade de suas 468 páginas ocupam-se com minuciosas descrições de suas prisões, a de 2018, como ex-presidente, e a de 1980, como líder sindical.
É o livro de um biógrafo que gosta do seu personagem, circunstância que o enriquece. Em um parágrafo, ele conta a partida de Dona Lindu, em 1952, com seis crianças na caçamba de um caminhão do interior de Pernambuco a Santos. Lula tinha sete anos. Essa viagem de 13 dias teve algo de épico, sem conforto, com quase nenhuma comida e já foi contada muitas vezes. Dona Lindu e seus filhos estão imortalizados no Recife, num monumento aos retirantes nordestinos da época. Plantado num parque que leva o nome da matriarca, foi projetado por Oscar Niemeyer.
A história tem suas trapaças. Faltam no monumento aos retirantes, e em quase todas as descrições da viagem, Dorico, irmão de Lindu, a mulher, Laura, e mais suas duas crianças. Eles também vieram no pau-de-arara. Quando chegaram a Santos, foi Dorico quem chamou o táxi que os levou ao endereço de Aristides, o pai de Lula. Trabalhando como estivador, vivia com Mocinha, a prima de Lindu, com quem viera de Pernambuco. Isso foi revelado há anos pela jornalista Denise Paraná em seu excepcional “Lula, Filho do Brasil”.
Morais fez duas referências nominais a Dorico, ambas mostrando que, anos depois, Dona Lindu e seus filhos moraram num quarto nos fundos de seu bar, em São Paulo.
A ausência de Dorico e sua família no monumento do Recife e nessa parte da história do garoto Luiz Inácio é um aspecto da vida dos retirantes dos anos 50. É a presença do ausente, aquele migrante que acaba engolido pela História, mesmo que seu sobrinho tenha sido presidente da República por dois mandatos.
O Touro de Ouro
Se o monumento a Dona Lindu, do escultor Abelardo da Hora, é uma homenagem ao andar de baixo, o Touro de Ouro que papeleiros puseram diante da Bolsa de Valores é um monumento à falta de imaginação do andar de cima de Pindorama. É um eco da escultura semelhante colocada em frente à Bolsa de Wall Street.
Madame Natasha lembra que no Brasil, e em português, touros nada têm a ver com Bolsas. Em Wall Street, o touro, “bull” em inglês, designa um mercado que o bicho joga para cima com seus chifres. Já um mercado em queda é chamado de “bear” (urso) porque empurra suas presas para baixo.
O touro de Wall Street é de bronze, com a cor do metal. O touro paulista é de fibra de vidro, pintada de dourado. De ouro era Baal, a divindade pagã que Moisés destruiu quando desceu do Monte Sinai.
Enquanto o Touro de Ouro foi para a frente da Bolsa, o urso dava o ar de sua graça e os papéis caíram abaixo da marca de novembro do ano passado.
O recado de Leite
Seja qual for o resultado da prévia tucana, o governador gaúcho, Eduardo Leite, deixou sua marca no debate presidencial. Anunciou que é contra a reeleição de presidentes, governadores e prefeitos. Tem autoridade para isso porque não disputou a reeleição em Pelotas, foi para o sereno e dois anos depois elegeu-se governador do Rio Grande do Sul.
Lula foi contra a reeleição, até que chegou sua hora. Bolsonaro também prometeu não disputá-la.
Todos os males da vida nacional, do descontrole dos gastos ao toma-lá-dá-cá, têm raízes estruturais e são ossos duros de roer. Só a reeleição pode ser cancelada com uma desambição exemplar e um ato parlamentar.
Nunes Marques, o quieto
Desde que chegou ao Supremo Tribunal Federal, o ministro Kassio Nunes Marques tem sido visto como uma figura silenciosa e dissidente, com jeito de penetra. Ele se tornou um discreto articulador nas escolhas do Planalto para o preenchimento de vagas no Judiciário.
Nisso ele é um mestre, tanto que chegou à Corte como um verdadeiro azarão.
Pesadelo diplomático
Depois que Bolsonaro foi aos Emirados Árabes para andar de motocicleta enquanto Lula era recebido como um chefe de Estado na Europa, um pesadelo diplomático assombra o Planalto. É a possibilidade dele ir aos Estados Unidos no ano que vem.
Se Lula se encontrar com metade das vítimas das caneladas do bolsonarismo, repetirá o êxito do périplo europeu.
Pastore tem sorte
O economista Affonso Celso Pastore, que está no círculo de colaboradores de Sergio Moro, sabe economia e passou pela presidência do Banco Central (1983-1985) com biografia imaculada, e é também uma pessoa de sorte.
Em 1982, quando participava de uma reunião do FMI em Toronto, saiu para almoçar e pediu ostras. Mordeu uma coisa dura e achou que tinha quebrado um dente.
Era uma pérola.
Um ano de Pix
As coisas podem dar certo. O Banco Central comemorou discretamente um ano de funcionamento do aplicativo Pix.
Sem marquetagens, mentiras ou pixulecos, ele já atendeu 104 milhões de pessoas, movimentando R$ 4 trilhões.
Teve falhas e foram corrigidas, pode melhorar e o BC está trabalhando nisso.
Missão para Mourão
Se o general da reserva Hamilton Mourão for um homem caridoso e tiver uma brecha na agenda, bem que poderia ir a Washington para almoçar com sua colega Kamala Harris.
Poderia explicar-lhe o que deve fazer para continuar viva numa Casa Branca habitada por um presidente cercado por fofoqueiros que não têm o que fazer e, se tivessem, seriam incapazes de enfiar um prego numa barra de sabão.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/propaganda-transforma-planalto-em-casa-da-sogra-25285090
Elio Gaspari: A China jogou pesado
Pequim aderiu à diplomacia de segunda
Elio Gaspari / O Globo
A revelação veio do repórter Marcelo Ninio. Depois que a China suspendeu a importação de carne bovina brasileira, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, pediu hora para falar ao telefone com seu equivalente, e Pequim respondeu que ele estava sem espaço na agenda. No pedido, não se havia especificado dia nem hora. A resposta esfarrapada foi grosseria inédita para uma diplomacia experimentada como a do Império do Meio.
De um lado, ela mostra como a China é capaz de jogar bruto quando acha que está numa posição de força. De outro, ensina que o governo do capitão cultiva malcriações delirantes, mas é, acima de tudo, disfuncional.
A China embargou as importações de carne bovina no início de setembro, acompanhando uma iniciativa pontual do governo. Suspendeu as vendas por causa da ocorrência de dois casos da doença da vaca louca. Desde então, foram remetidas informações às autoridades sanitárias chinesas, mostrando a natureza isolada dos episódios. Passaram-se mais de dois meses, e o embargo continua. Se o ano terminar sem que a barreira seja levantada, a pecuária brasileira poderá perder até R$ 10 bilhões em negócios.
O recurso a embargos comerciais como forma de pressão diplomática é coisa velha. O pelotão palaciano acredita em mulas sem cabeça e cultivou a crença segundo a qual os chineses precisam das proteínas brasileiras. Os fornecedores da Europa e do Cazaquistão agradecem, pois estão ocupando o espaço aberto no mercado chinês.
A disfuncionalidade do governo brasileiro tem de tudo. Já houve um chanceler que dizia ser um pária orgulhoso, e o presidente diz o que lhe vem à cabeça. O Itamaraty perdeu a relevância nas negociações internacionais. Foi substituído por uma diplomacia de compadrio de maus resultados. Joe Biden está na Casa Branca, e Steve Bannon, guru de Trump e de Bolsonaro, está sem o passaporte. O embaixador do Planalto para a África do Sul (Marcelo Crivella) está no sereno, sem agrément. O telefonema do capitão ao presidente Cyril Ramaphosa resultou num desprestígio inútil. O caso do embargo ilustra quanto custa desprezar a máquina institucional do Estado.
A funcionalidade exigiria que o assunto, apesar da natureza comercial, fosse coordenado pelo Itamaraty. Ministros de outras pastas ajudam, orientam, mas não devem tomar iniciativas. Quando a ministra Tereza Cristina anunciou, em meados de outubro, que estava disposta a ir a Pequim para negociar o fim do embargo, foi para a chuva. Ao pedir agenda para um telefonema a seu colega chinês, molhou-se. É verdade que não lhe restavam outros caminhos, pois a embaixada do Brasil em Pequim ficou sem canais para cuidar de um assunto como o embargo, já que o Planalto já fez sucessivas malcriações com a embaixada chinesa em Brasília. A reciprocidade, como o hábito de escovar os dentes, faz parte do cotidiano da diplomacia.
O tranco chinês era coisa previsível, questão de quando e como. O silêncio numa questão que envolve o agronegócio e o Ministério da Agricultura indica que há um certo método do jogo bruto. Deram um joelhaço nos aliados potenciais numa negociação racional. Foi o recado de uma diplomacia de segunda classe, recíproco, porém de má qualidade.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/opiniao/a-china-jogou-pesado-25279360
Elio Gaspari: Joe Biden está sem rumo
Pelo andar da carruagem, republicanos podem retomar controle do Congresso no ano que vem
Elio Gaspari / O Globo
O presidente americano Joe Biden conseguiu perder a eleição na Virgínia um ano depois de ter vencido naquele estado com uma vantagem de dez pontos. Pelo andar da carruagem, os republicanos poderão retomar o controle das duas casas do Congresso no ano que vem, ressuscitando o trumpismo. A falta de rumo dos democratas pode ser ilustrada pelo caso do blogueiro Allan dos Santos. É um episódio menor, paroquial, e também significativo.
Tendo prometido uma revisão da política de controle das fronteiras e escolhido sua vice, Kamala Harris, para cuidar da encrenca, Biden não sabe para onde ir, e Kamala, com seu imenso sorriso, simplesmente sumiu.
Entre o final do governo Trump e outubro passado, foram deportados 56.881 brasileiros que tentavam entrar nos Estados Unidos sem a documentação adequada. É o jogo jogado, não tem os papéis, volta para casa. E Allan dos Santos?
O blogueiro está nos Estados Unidos desde julho do ano passado, e no início de outubro teve sua prisão preventiva decretada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Seu visto de turista expirou há tempo, e Moraes pediu que ele fosse recambiado para o Brasil.
O blogueiro, estrela do bolsonarismo eletrônico, defende-se e quer ficar por lá. Ele sustenta que é jornalista e está sendo perseguido. Há dias, ele voltou ao ar: “Eu não sei se o Alexandre vai conseguir me calar. Mas uma coisa eu tenho certeza, e essa certeza é absoluta: quando vierem me calar, estarei falando.”
A diplomacia americana pode oferecer abrigo a Allan dos Santos ou pode tratá-lo como trata os estrangeiros sem a documentação adequada. O que não tem sentido é que nada faça. Faz tempo, ela deu asilo a Leonel Brizola em poucos dias, e não faz tempo, a imigração americana embarcou mais um avião de deportados para o Brasil.
Biden está sendo comido pelos dois lados. Pela direita, porque tem uma agenda de centro. Pela esquerda, pelo mesmo motivo. Se isso fosse pouco, dorme durante reuniões chatas.
Eremildo, Bolsonaro e Moro
Eremildo é um idiota, e por isso leu três vezes o depoimento de Bolsonaro à Polícia Federal. Lá está escrito o seguinte:
“Ao indicar o delegado Alexandre Ramagem ao ex-ministro Sergio Moro, este teria concordado com o presidente desde que ocorresse após a indicação do ex-ministro da Justiça à vaga no Supremo Tribunal Federal.”
A frase telegráfica não permite dizer que Moro ofereceu uma troca. De certa forma, não permite dizer coisa alguma. Tudo ficaria mais claro se Bolsonaro pudesse reproduzir o que ouviu, contando quando a conversa ocorreu. Pelo que o depoimento registra, Eremildo acha que a história não faz sentido.
A conversa mencionada por Bolsonaro teria ocorrido em abril de 2020. O presidente queria para logo a nomeação de Ramagem para a chefia da Polícia Federal, mas a vaga do ministro Celso de Mello só viria em setembro, mais de quatro meses depois.
Sem as imprecisões que o tempo impõe à memória, Eremildo acha que merece crédito a curta troca de mensagens ocorrida naqueles dias entre a deputada Carla Zambelli e o então ministro da Justiça:
“Por favor, ministro, aceite o Ramagem e vá em setembro para o STF. Eu me comprometo a ajudar a fazer JB (Jair Bolsonaro) prometer”.
Moro respondeu: “Prezada, não estou à venda”.
Lula com Alckmin
De uma víbora do Centrão, experiente porém suspeita:
O Lula pode estar fingindo que oferece a vice ao Geraldo Alckmin, e ele finge que acredita.
Racharam Alcolumbre
O episódio das rachadinhas no gabinete do senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) ajudou a passar a escolha de André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal.
Até o fim deste mês, Alcolumbre liberará o nome de Mendonça para ser votado na Comissão de Constituição e Justiça, e logo depois ele irá ao plenário. Se a ajuda será suficiente para formar uma maioria, é outra história.
Jaboticabas
Um magistrado brasileiro recebia a visita de colegas americanos quando surgiu o tema dos precatórios.
Os americanos queriam saber o que era aquilo, e o juiz explicou que se tratava de dívidas reconhecidas pelo Judiciário e que não eram pagas. Por delicadeza, mudaram de assunto.
Em outra ocasião, o juiz Antonin Scalia disse que não entendia por que em Pindorama dizia-se que uma lei (da ditadura) era considerada legal, porém ilegítima. “Para mim, isso é blablablá”, disse Scalia.
Explicaram-lhe que de acordo com os Atos Institucionais, as medidas praticadas com base neles não podiam ser apreciadas pelo Judiciário.
Perplexo, Scalia abandonou o tema.
Moro e Dallagnol
Se o ex-juiz Sergio Moro e o agora ex-procurador Deltan Dallagnol disputarem cadeiras no Congresso, terão a surpresa de suas vidas. Na Câmara e no Senado, a voz de qualquer parlamentar vale o mesmo que a deles. Nenhum dos dois habituou-se a tamanho desconforto.
Se Moro disputar uma cadeira de senador, não aguenta oito anos de exercício rotineiro do mandato.
Gatilho rápido
Durante a campanha eleitoral do ano que vem, o Tribunal Superior Eleitoral pretende entrar no salão com o dedo no gatilho.
Pode-se acreditar que os suspeitos de sempre arriscam ir para a cadeia. Mais que isso: chapas e/ou candidaturas poderão ser embargadas.
Desta vez, nenhum processo rolará durante três anos.
A lira da Câmara
Arthur Lira, o presidente da Câmara, não é um personagem simpático, e suas ideias são claras como a noite, mas ele reuniu tamanho arsenal que de pouco adianta prever suas derrotas.
É melhor virar a chave: em princípio, ele ganha.
Petrobras
Bolsonaro recebeu sinais de seu mundo para que esfrie o debate em torno de uma eventual venda da Petrobras.
Quando ele quis colocar velhos amigos no governo, as cerejas desses bolos vieram da Petrobras.
A menos que ele encarregue D. Hélder Câmara e D. Eugênio Salles para desenhar uma eventual privatização da empresa, o tema fluirá para um só estuário, no qual naufragou o navio do comissariado petista.
Quando Fernando Henrique Cardoso privatizou a Vale do Rio Doce, com um caroço muito menor, o capitão defendeu seu fuzilamento.
Crivella candidato
A notícia segundo a qual o ex-prefeito Marcelo Crivella poderá disputar uma vaga no Congresso livraria o governo do constrangimento de ter que esquecer sua nomeação para a embaixada na África do Sul.
Indicado em junho, o doutor ficou travado no silêncio do governo de Pretória, que não lhe concedeu o agrément. No início de outubro, Bolsonaro ligou para o presidente Cyril Ramaphosa e pediu sua ajuda.
Até agora, nada.
Dificilmente a iniciativa do capitão partiu de uma sugestão de diplomatas profissionais. Eles sabem que o silêncio de uma chancelaria sugere a retirada do pedido de agrément, e telefonemas desse tipo só servem para agravar a questão.
Fonte:
Elio Gaspari: O aviso do xerife de 2022
Moraes sabe como funcionam as milícias e quem as financia e como rola o dinheiro
Elio Gaspari / O Globo
Um ano antes do pleito de 2022, o Tribunal Superior Eleitoral escreveu uma boa página de sua história. Livrou a chapa de Jair Bolsonaro da cassação e avisou aos interessados que se repetirem o golpe das notícias falsas e das milícias eletrônicas, pagarão pelos seus delitos. Nas palavras do ministro Alexandre de Moraes, que presidirá a Corte em 2020: “Irão para a cadeia”.
A decisão unânime do TSE acompanhou o voto de 51 páginas do corregedor Luiz Felipe Salomão. No ambiente envenenado da política nacional, Salomão apresentou uma peça redonda e cirúrgica na demonstração das malfeitorias cometidas e equilibrada na conclusão de que faltaram provas e as impressões digitais necessárias para justificar a cassação de uma chapa três anos depois de sua posse. O magistrado mostrou a letalidade do vírus e abriu o caminho para a advertência de Moraes.
Passados três anos do festival de patranhas de 20018, Alexandre de Moraes chegará à presidência do TSE em agosto, com a estrela de xerife no peito. Salomão fez sua carreira na magistratura; Moraes, no Ministério Público, com uma passagem pela Secretaria de Segurança de São Paulo. Além disso, na condução do inquérito das notícias falsas conhece as obras e pompas das milícias eletrônicas e mostrou-se rápido no gatilho ao mandar delinquentes para a cadeia. Zé Trovão, o caminhoneiro foragido, decidiu entregar-se à Polícia Federal. Na estrela de xerife de Moraes brilha o destempero com que Jair Bolsonaro investiu contra ele, chamando-o de “canalha”.
Moraes sabe como funcionam as milícias e quem as financia e como rola o dinheiro. Salomão, por seu turno, já firmou a jurisprudência que congela os recursos que as alimentam. As conexões internacionais dessas milícias, um fato que há três anos estavam no campo da ficção cibernética, hoje estão mapeadas. Se há um ano elas tinham o beneplácito do governo americano, hoje têm o FBI no seu encalço.
Com Moraes na presidência do TSE é possível prever que entre o início dos disparos propagadores de mentiras e a chegada dos responsáveis à carceragem passarão apenas dias ou, no máximo, poucas semanas. Basta ler o voto de Salomão e acompanhar as decisões de Moraes para se perceber que os reis das patranhas de 2018 são hoje sócios de colônias de nudismo.
Esteves errou a conta
O banqueiro André Esteves lida com números. Noves fora outras impropriedades cometidas em sua fala aos clientes do BTG, ele disse que “no dia 31 de março de 1964 não teve nenhum tiro, ninguém foi preso, as crianças foram para escola, o mercado funcionou.”
O dia 31 de março, quando o general Olímpio Mourão Filho se rebelou em Juiz de Fora, foi relativamente normal, com umas poucas prisões. Como disse o marechal Cordeiro de Farias, “o Exército dormiu janguista”. Cordeiro, um revoltoso desde 1924, foi um patriarca das conspirações do século passado e sabia o que aconteceu naquelas horas. No dia seguinte, acrescentou o marechal, o Exército “acordou revolucionário”. Foram presas centenas de pessoas, entre as quais o governador Miguel Arraes, de Pernambuco, mandado para Fernando de Noronha. Estádios e navios foram usados como cadeias.
Mais: no dia 1º de abril morreram sete pessoas.
Para os padrões, foi um golpe incruento mas, como lembrou a Central Intelligence Agency ao presidente Lyndon Johnson na manhã de 7 de abril: “Cresce o medo, não só no Congresso, mas mesmo entre aliados da revolta, que a revolução tenha gerado um monstro.”
Não deu outra.
Ministros e meteoros
Em março de 2020, diante do estrago provocado pela pandemia, o ministro Paulo Guedes disse que “nós fomos atingidos por um meteoro”. Passou-se um ano e ele viu novamente um meteoro na conta de R$ 90 bilhões dos precatórios devidos pela União.
A pandemia podia ser comparada a um meteoro, por natural e imprevisível. Já o espeto dos precatórios nada tem de natural e estava lá há anos. Mesmo assim, persistiu na teoria dos meteoros.
O último grande meteoro que atingiu o Brasil foi o Bendegó, achado no século XVIII. Tem cinco toneladas e não fez grandes estragos.
De lá para cá, o Brasil teve mais de cem ministros da Fazenda.
Alguns deles fizeram estragos maiores que os objetos caídos do céu.
Chamem o André
Durante seu piti ao responder às perguntas de André Marinho numa entrevista, Jair Bolsonaro repetiu seis vezes que “se o Marinho entrar mais uma vez na tela eu vou embora”. Como ele voltou, o capitão levantou-se e abandonou a cena.
Não se pode saber o melhor caminho para que Bolsonaro se vá, mas ele mostrou que se chamarem o André Marinho ele vai.
O verdadeiro fantasma
Gustavo Bebianno pode ter virado um fantasma assombrando Jair Bolsonaro, mas a verdadeira assombração que ronda o capitão está viva e atenta. É o general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz, defenestrado da Secretaria de Governo nos primeiros meses do governo.
Santos Cruz fala pouco. Tornou-se um atento ouvinte de quase todos os generais da ativa que, tendo cometido a imprudência de se juntar ao capitão, viram-se tratados como cabos.
Impunidade patriótica
Outro dia o ministro Tarcísio de Freitas, da Infraestrutura, tratou da famosa greve dos caminhoneiros de 2018 e disse o seguinte:
“A paralisação foi financiada por empresas de transporte, com o apoio do agronegócio”.
Até as pedras sabiam disso, mas o presidente Michel Temer e seu ministro da Defesa, Raul Jungmann, rosnaram e nenhum empresário pagou pelo que fez.
Quando o movimento já durava uma semana, com resultados catastróficos para a economia do país, o deputado Jair Bolsonaro, candidato a presidente disse o seguinte:
“Qualquer multa, confisco ou prisão imposta aos caminhoneiros por Temer ou Jungmann será revogada por um futuro presidente honesto e patriota.”
O atalho do Centrão
Quando o Centrão se mostra disposto a patrocinar uma emenda constitucional que dá cadeiras vitalícias (com imunidade) aos ex-presidentes, está pavimentando o caminho do seu desembarque.
O capitão iria para o Senado e o Centrão apoiaria o novo governo, seja qual for, como aconteceu em relação a todos os seus antecessores.
Pontes não é burro
O ministro Marcos Pontes, da Tecnologia, levou na esportiva o fato de seu colega Paulo Guedes tê-lo chamado de “burro”.
Ex-aluno do Instituto Tecnológico da Aeronáutica e coronel da reserva da FAB, é provável que burro ele não seja.
Em abril do ano passado o doutor anunciou a descoberta de dois remédios com 94% de eficácia contra o coronavírus:
— No máximo na metade de maio, um momento crítico, nós teremos aqui uma solução de um tratamento.
Pontes não é burro, acha que os outros são.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/o-aviso-do-xerife-de-2022-25258620
Elio Gaspari: O caminho do vexame em Glasgow
Se o Itamaraty cuidar, ele será evitado
Elio Gaspari / O Globo
Faltam três dias para a ida de Jair Bolsonaro à reunião do G-20 de Roma e mais um para o começo, no domingo, da reunião da ONU sobre mudanças climáticas, a COP-26. Se a conduta das delegações brasileiras for conduzida por profissionais do Itamaraty, será possível evitar que o Brasil saia satanizado de Glasgow. Se a orientação sair da copa do presidente Bolsonaro, arma-se um vexame. Essa preocupação é legítima quando se sabe que, em setembro, a copa do Alvorada deu o tom do discurso pedestre do capitão na abertura da Assembleia Geral da ONU.
A entrega da chefia da delegação brasileira ao ministro Joaquim Leite, do Meio Ambiente, foi um mau sinal. Não só pelo currículo e pela falta de experiência dele em assembleias internacionais, mas também pelo desconhecimento dos antecedentes históricos da encrenca em que se meteu. Ele disse que a proposta da Comissão Europeia de criar uma taxa de carbono sobre produtos importados seria “uma forma de proteger as indústrias europeias de concorrentes estrangeiros que não cumprem os mesmos padrões de redução das emissões de gases de efeito estufa”.
Traduzindo: os europeus usam a proteção ao meio ambiente para proteger suas economias. Essa ideia é compartilhada pelo ministro da Economia, doutor Paulo Guedes. Vá lá que haja um fator econômico na querela. Mesmo assim, acreditar que a preocupação mundial com o clima seja um joguinho de papeleiros “revela um despreparo enorme”, para usar uma expressão do próprio Guedes detonando a fantasia de um Plano Marshall diante da Covid-19.
O pelotão palaciano viajou no tempo para escorregar numa casca de banana do século XIX. Quando o Império defendia a escravidão e o contrabando negreiro, argumentava, quase em surdina, que o abolicionismo era um ardil dos ingleses para proteger sua produção. Em benefício da elite da época, esse argumento nunca foi vocalizado por ministros. O Barão de Penedo, embaixador em Londres, nunca disse essas tolices por lá.
Passou o tempo e, novamente em surdina, a ditadura dizia que a política de defesa dos direitos humanos do presidente Jimmy Carter era uma nova face do imperialismo americano.
Omitiam-se dois fatos essenciais: o Império assentava-se na escravidão, e a ditadura amparava-se na tortura. Hoje, tenta-se embaralhar a questão climática reciclando a ignorância. É perda de tempo porque, salvo na cabeça dos agrotrogloditas, as queimadas da Amazônia estão na agenda do mundo.
Se o Brasil for para a reunião do G-20 de Roma e para Glasgow oferecendo um vago projeto verde, falando em protecionismo e cobrando recursos dos países ricos, pagará um mico. Em situações semelhantes, defendendo posições escalafobéticas, a diplomacia brasileira soube deixar o país fora da vitrine. Foi assim quando defendeu a insana política de reserva de mercado na informática, aquela que proibia a importação de computadores. Depois de um surto nacionalista, deixou o Acordo Nuclear com a Alemanha ir para a sepultura sem muxoxos.
Um presidente que não toma vacina e divulga a mentira de que ela provoca reações letais pode ser um ícone para seus convertidos, mas suas ideias em relação ao meio ambiente não são produto de exportação.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/opiniao/o-caminho-do-vexame-em-glasgow-1-25252788
Elio Gaspari: Os frentistas abandonaram o Posto Ipiranga
Quase todos saíram, por terem percebido que estavam perdendo tempo, ou queimando biografias
Elio Gaspari / O Globo
Num governo que já explodiu a meta da inflação, o ministro Paulo Guedes adoçou sua adesão ao estouro do teto de gastos falando difícil, com uma azeitona em inglês:
“Estamos buscando a formatação final dos R$ 400, fazendo a sincronização dos ajustes das despesas obrigatórias, dos salários e do teto ou pedindo um waiver.” Na gíria do carteado, a tradução dessa palavra é “estia”. O jogador que tem menos habilidade pede uma estia ao outro.
Quanto à sincronização, Guedes conseguiu a demissão sincronizada de quatro colaboradores. Desde a posse do Posto Ipiranga, 19 frentistas já pediram o boné. Quase todos, por terem percebido que estavam perdendo tempo, ou queimando biografias. Na Prevent Senior, diriam que elas caminhavam para uma “alta celestial”.
Guedes parece ter subestimado a saída do secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, em julho do ano passado. Mesmo antes da posse, Mansueto mostrou ao czar que uma parte de suas promessas era fantasia. O economista havia passado com brilho pelo Massachusetts Institute of Technology e conhecia as mumunhas de Brasília. Ao ir embora, mostrou que entendia muito de política.
A última debandada da ekipekonômika mostrou que Guedes não entendeu onde se meteu. Nenhum deles foi-se embora porque Guedes sofreu derrotas políticas, mas porque tendo-as sofrido, meteu-se numa aventura injetando cloroquina na sofrida economia nacional. Guedes encantou-se ao ver que as portas se abrem sozinhas para deixar o excelentíssimo senhor ministro passar, e por essa porta 19 se foram.
‘Oito Dias de Maio’, um grande livro
Saiu nos Estados Unidos um grande livro. É “Eight Days in May: The Final Collapse of the Third Reich”, do historiador alemão Volker Ullrich, conhecido pela sua biografia de Adolf Hitler. Ele conta com maestria os dias que foram do suicídio do Fuhrer (30 de abril de 1945) à rendição do alto comando alemão em Reims (7 de maio).
A sabedoria convencional sugere que entre um fato e outro pouco de relevante aconteceu, além do inexorável triunfo das Tropas Aliadas. Com um olhar alemão, Ullrich mostra um painel de dramas, ruínas e ambições. Nele, sobressai a figura do almirante Karl Dönitz, um nazistão a quem Hitler passou o governo do Reich. Seu comportamento, com o pelotão de militares e civis que o rodeava, é uma aula sobre a psicologia do poder, mesmo quando ele só existe na forma de delírio patológico.
O almirante tinha uma ideia: continuar a guerra na frente do Leste, sem combinar com os russos que já estavam em Berlim. No dia 5 de maio, ele compôs ministério e entregou ao economista Otto Ohlendorf a tarefa de planejar a reconstrução do país. (Como oficial da tropa da SS, ele se envolveu na morte de 90 mil pessoas na frente russa).
Nesse dia, a fotógrafa americana Lee Miller posava com o torso nu na banheira do apartamento de Hitler em Munique, e um general alemão chegava ao QG dos Aliados levando a proposta de paz em separado. Não foi recebido pelo comandante americano Dwight Eisenhower: rendição incondicional ou nada. Quando ele relatou a Dönitz o resultado da gestão, o almirante indignou-se e considerou a posição de Eisenhower “inaceitável”. Pouco depois entendeu que inaceitável era sua ideia e, às 2h41m da madrugada do dia 7, os alemães assinaram a capitulação.
No dia 9, os russos já tinham identificado os restos de Hitler a partir de sua arcada dentária. Dönitz, contudo, ainda não sabia se deveria renunciar. Seu chanceler argumentava que a rendição fora das tropas, não do governo. O almirante concordou e foi ao rádio: “Nós não temos do que nos envergonhar. Nesses seis anos, o que o Exército conseguiu combatendo e a população, resistindo, foi um fato inédito na História do mundo, um heroísmo sem precedentes.”
No dia 23, seu governo foi extinto, e ele foi preso. Passou dez anos na cadeia e morreu em 1980. Nunca disse uma palavra contra Hitler nem a favor dos judeus. Os dois comandantes do Exército alemão foram enforcados em 1946, e seu ministro da Fazenda foi executado na Alemanha em 1951 pelo que havia feito na Rússia.
Boa ideia
Aos poucos, a Petrobras está retomando o fornecimento de combustível de aviões e helicópteros.
Não há razão para que existam intermediários para abastecer com combustível da Petrobras voos de bases da empresa para plataformas da própria companhia.
Posto Ipiranga
De uma víbora:
“O Posto Ipiranga de Jair Bolsonaro virou uma daquelas casas pelas quais, segundo o escritor Guimarães Rosa, homens sérios entravam, mas por elas não passavam.”
Mailson disse tudo
O ex-ministro Mailson da Nóbrega disse tudo:
“Parece um grande manicômio.”
A privataria avança no parque
A Urbia, empresa que se tornou concessionária do Parque do Ibirapuera, privatizado pela fúria liberal do então prefeito e hoje governador João Doria, decidiu abrir uma interessante discussão. Quer arrecadar uma tarifa a empresas e treinadores que cobram pela prática de atividades esportivas no seu espaço.
Essa tarifa renderia de R$ 100 mil a R$ 200 mil mensais à empresa. Querem cobrar de 3% a 5% do que pagam os alunos; até as árvores sabem que essa conta vai para o bolso dos alunos.
Há empresas que se apropriam de pequenos espaços para suas atividades. Nesses casos, a ideia faz sentido. A girafa aparecerá quando se quiser cobrar a um treinador que acompanha clientes numa corrida ou numa sessão de ginástica sem demarcar espaço.
Se o doutor João Doria sair candidato pelo PSDB poderá explicar o alcance de suas privatizações durante a campanha.
Bolsonaro no Congresso
Um leitor de folhas de chá acredita que se Jair Bolsonaro perceber que não terá chances de vitória na eleição presidencial procurará abrigo numa disputa para o Senado, ou mesmo para a Câmara.
Se isso acontecer, o recuo do capitão nada terá a ver com apreço pelo Legislativo. Será uma busca de imunidade.
Príncipe William
Faz tempo que não se ouve uma coisa inteligente vinda da Casa de Windsor. A rainha Elizabeth não fala. Seu falecido marido foi um campeão de impropriedades, e seu filho Charles falava com plantas.
O sinal de vida veio do príncipe William, que criticou os milionários que torram fortunas para ir ao espaço enquanto as coisas na Terra vão mal.
As aventuras espaciais de Elon Musk e Jeff Bezos, bem como o quadro de Banksy parcialmente triturado que foi arrematado num leilão por US$ 25,4 milhões serão marcos das maluquices de uma época.
No século passado, o fotógrafo Philippe Halsman ganhou notoriedade com a “jumpology”, algo como “pulologia”. As celebridades eram fotografadas enquanto pulavam. Até o Duque e a Duquesa de Windsor participaram dessa palhaçada, rendendo uma bela imagem.
Anos depois, a televisão italiana criou o programa de bobagens “Mondo Cane”. Num de seus episódios, um artista tocava uma peça de Beethoven dando tapas na cara de suas vítimas.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/os-frentistas-abandonaram-posto-ipiranga-25249228
Elio Gaspari: Sergio Moro precisará se reinventar para 2022
Ex-juiz precisa de roupa nova para as eleições de 2022
Elio Gaspari / O Globo
Em 2017, no apogeu da Operação Lava-Jato, o juiz Sergio Moro parecia ter tudo para disputar a sucessão de Michel Temer. Pela primeira vez na história da República, havia mandado para a cadeia grandes empresários e um ex-ministro da Fazenda que se revelaram criminosos confessos. Condenou o ex-presidente Lula, que foi para o cárcere protestando inocência. Com a ajuda de um tuíte do comandante do Exército, evitou-se que o Supremo Tribunal Federal lhe concedesse um habeas corpus.
Aquele juiz desconhecido de Curitiba surpreendeu o país. Passou o tempo e ele produziu novas surpresas. Divulgou a colaboração do comissário Antonio Palocci às vésperas da eleição de 2018 e, poucos meses depois, aceitou o cargo de ministro da Justiça no governo de Jair Bolsonaro, que haveria de fritá-lo.
Entre o apogeu e o ocaso, a própria Operação Lava-Jato teve expostas algumas de suas truculências e umas poucas boquinhas. Passou o tempo, Lula prevaleceu em mais de uma dezena de processos, enquanto o juiz de Curitiba teve sua parcialidade apontada pelo Supremo Tribunal Federal. A Lava-Jato se revelou um desengano, se acabou na quarta-feira e pelas ruas o que se vê é uma gente que nem se sorri.
Depois de uma temporada numa banca americana de litígios, Moro está no Brasil, conversando em torno da hipótese de vir a ser candidato na eleição do ano que vem.
Ele enriquecerá o debate, mas para isso terá que se reinventar, pois o juiz de Curitiba empobreceu a luta contra a corrupção em Pindorama. Seus meios se revelaram catastróficos e sua ida para o governo de Bolsonaro tisnou-lhe a biografia. Seu silêncio desde que deixou o ministério agravou essa situação. Muitos anos antes de se tornar um exemplo de moralidade, Moro se apresentava como alguém capaz de destruir um sistema político azeitado pela corrupção. Veio, viu e perdeu. O governo que ajudou a eleger gravita em torno das mesmas figuras que davam (e recebiam) as cartas antes da Lava-Jato.
Para que aquele juiz de Curitiba se apresente, reinventado, como um nome que encarne o que se chama de Terceira Via, o doutor precisa dizer para onde vai essa via. O ponto final da rota do último Moro foi o fenômeno Jair Bolsonaro, com seus subsidiários, como o juiz carioca Wilson Witzel.
Na sua fase de esplendor, Moro parecia reeditar a Operação Mãos Limpas da Itália. Seu críticos lembraram que a “Mani Pulite” produziu Silvio Berlusconi, um palhaço corrupto. A bem da justiça deve-se registrar que nenhum dos juízes italianos se aninhou no governo do histrião. Moro se tornou ministro da Justiça de Bolsonaro e deixou-se fritar em relativo silêncio.
Em 2022, como em 2017, pode-se fazer de tudo por Sergio Moro, menos o papel de bobo.
Joe Biden ainda não acordou
Picaretagens de filhos de presidentes pareciam ser um fenômeno latino-americano. Joe Biden atravessou essa fronteira de forma entristecedora. Com menos de um ano na Casa Branca, seu filho Hunter se meteu em mais uma encrenca. Ele já havia se casado com a viúva do irmão, tivera uma passagem pela dependência de drogas, farfalhara no mundo dos negócios eletrônicos, no ramo de consultorias e chegou a faturar US$ 83 mil mensais numa boquinha ucraniana.
Agora, aos 51 anos, virou artista plástico. Seus quadros abstratos parecem um carnaval de micróbios. Hunter expôs em Los Angeles telas cujo preço ia de US$ 75 mil a US$ 500 mil. Amealhou US$ 375 mil, equivalentes a cerca de R$ 2 milhões. Até aí, tudo bem, pois cada um pode jogar dinheiro fora comprando porcarias.
Hunter inovou. A identidade dos compradores foi mantida em sigilo, e a porta-voz da Casa Branca disse que o presidente tem orgulho de seu filho.
Lavar dinheiro com obras de arte é coisa velha.
Biden é um bom sujeito e protege seu filho, mas coisa desse tipo nunca se viu. O presidente Ronald Reagan manteve seus filhos encrencados a quilômetros da Casa Branca. O casal Clinton só se meteu com dinheiro, canalizando milhões de dólares para sua fundação, depois de deixar o poder.
Pelo andar da carruagem, acelerada pelo desastre da saída das tropas do Afeganistão, Biden arrisca jogar a administração democrata numa ruína eleitoral nas eleições parciais do ano que vem, perdendo a tênue maioria nas duas casas do Congresso. Os negócios de Hunter Biden são um presente para os republicanos trumpistas.
Eremildo, o idiota
Eremildo é um idiota, nunca tomou vacina e resolveu ajudar o capitão ao ouvir que ele pretende vender a Petrobras porque lhe atribuem culpa pelo aumento do preço da gasolina. O cretino vasculhou seus extratos bancários em paraísos e infernos fiscais e pretende ir a Brasília levando-lhe uma proposta:
Quanto ele quer pelo resto do Pindorama?
Urucubaca chinesa
Num episódio típico dos primeiros momentos da ditadura, nove chineses foram presos no Rio de Janeiro em abril de 1964. Estavam em missão oficial de um governo que o Brasil não reconhecia formalmente e viram-se acusados de fomentar a subversão comunista com agulhas envenenadas e bombas teleguiadas com formato de pássaros. Alguns apanharam, todos fizeram greve de fome e vagaram por meses pelas cadeias da cidade. Em abril de 1965, quando haviam se transformado numa batata quente para a diplomacia brasileira, foram expulsos do país.
Um deles tornou-se embaixador em Angola e chefiou o setor de América Latina do Ministério das Relações Exteriores da China. Outro tornou-se presidente do Conselho para a Promoção do Comércio Internacional e, nessa condição, conversou com o presidente João Batista Figueiredo em 1984.
— Morei um ano no Rio de Janeiro — disse-lhe o diplomata.
— Então o senhor deve conhecer bem o Brasil.
— Conheço muito pouco, porque fiquei, aquele ano, quase todo preso.
Os repórteres Ciça Guedes e Murilo Fiuza de Melo contaram toda essa história no livro “O caso dos nove chineses”, que será atualizado e reeditado. Eles descobriram que em 2014, no governo de Dilma Rousseff, os chineses de 1964 foram agraciados com comendas da Ordem do Cruzeiro do Sul. As patacas e os diplomas foram mandados para a embaixada do Brasil em Beijing, mas em maio passado ainda estavam engavetados e não haviam sido entregues aos sobreviventes ou a seus familiares.
O decreto de expulsão dos nove chineses já foi revogado, e a concessão da honraria foi publicada no Diário Oficial. Engavetar as patacas é um caso exemplar da clarividência do então chanceler Azeredo da Silveira quando dizia:
“Tem gente que atravessa a rua só para escorregar na casca de banana da outra calçada”.
A conta de Alcolumbre
Se os çábios do Palácio do Planalto tivessem cumprido um décimo do que combinaram com o senador Davi Alcolumbre, não estariam com um espinho no pé.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/sergio-moro-precisara-se-reinventar-25239329
Elio Gaspari: Para os doidos, fracasso é sucesso
Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias ainda não se deu conta de que cloroquina é ineficaz para a Covid
Elio Gaspari / O Globo
Na sexta-feira completam-se 140 anos do dia em que Machado de Assis começou a publicar a história do médico Simão Bacamarte, “O alienista”. Ele era “o maior dos médicos do Brasil, de Portugal e das Espanhas. Estudara em Coimbra e Pádua”. Essa obra-prima está na rede. Lendo-a, recua-se no tempo e descobre-se que o doutor Bacamarte tinha suas razões. Bem que D. Pedro II avisaria, oito anos depois, na noite em que o embarcaram para o desterro: “Os senhores são uns doidos”.
Morrem 600 mil pessoas numa epidemia que o monarca republicano chamou de “gripezinha“, e a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias ainda não se deu conta de que cloroquina é um medicamento ineficaz para a Covid. Em dois anos, dois ministros da Saúde foram embora porque não queriam receitar a poção. Já o ministro da Tecnologia, um astronauta e coronel da reserva, garantiu, em abril de 2020, que pesquisadores do governo haviam descoberto um remédio contra o vírus. Não disse o nome, mas garantiu que ele estaria disponível em poucas semanas.
Os doidos estavam chegando, mas não se pode dizer que avançavam apenas sobre a saúde pública. Na semana passada, a Petrobras leiloou 92 blocos oceânicos e 87 encalharam por falta de interessados. Ninguém quis se meter com a exploração em áreas de proteção ambiental próximas à ilha de Fernando de Noronha e ao Atol das Rocas. O diretor da Agência Nacional de Petróleo veio à vitrine e anunciou: “O leilão foi um sucesso”. (No dia 1º de novembro começa em Glasgow, na Escócia, a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas.)
Machado de Assis conhecia os doidos de seu tempo. Nos Estados Unidos um grande empresário subornava servidores para sustentar que a condução da eletricidade por fios incendiaria cidades inteiras. No Brasil, os três homens mais ricos da terra, com três mil escravos, tinham um patrimônio equivalente a 10% do valor de todo o capital investido em ações e empresas. No Senado, um magano dizia que a escravidão era uma prova de caridade cristã, pois os senhores prestavam um grande serviço aos escravos.
Machado criou seu Simão Bacamarte, D. Pedro foi-se embora reclamando dos doidos. Ambos sabiam que, de tempos em tempos, os malucos dão as cartas.
A BBC via a ditadura pelo andar de baixo
Começa a chegar às livrarias a partir desta semana “Nossa correspondente informa — Notícias da ditadura brasileira na BBC de Londres: 1973-1985”, da jornalista Jan Rocha. É uma coleção de centenas de textos curtos que a repórter mandou para a emissora inglesa. O primeiro trata do lançamento da anticandidatura de Ulysses Guimarães à presidência da República. Era uma anticandidatura porque não tinha chance de vitória. A eleição seria indireta, e o presidente seria o general Ernesto Geisel. Um dos últimos textos, de 1985, conta o enterro de Tancredo Neves, eleito indiretamente numa ditadura que agonizava.
Em geral, os correspondentes estrangeiros olham muito para o andar de cima. Jan Rocha olhava quase sempre para o andar de baixo. Índios, fome, meio ambiente e, sobretudo, a repressão política. Tratava de assuntos que a censura proibia e da própria censura. Enquanto o “milagre brasileiro” encantava muita gente, a correspondente da BBC ouvia as queixas da Igreja Católica que, liderada pelo cardeal Arns, de São Paulo, opunha-se aos governos.
Os textos de Jan Rocha atravessam as dificuldades da política de abertura do governo Geisel. Em 1974, ela contou as prisões de professores paulistas, entre os quais esteve o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, chamado para um interrogatório. Anos depois, escreveu sobre a primeira greve de um movimento sindical supostamente domesticado. Lá estava a figura de Luiz Inácio Lula da Silva. Em 1985, Rocha registrou a saída de João Batista Figueiredo, o último general do ciclo.
Ele deixou o Palácio do Planalto por uma porta lateral.
É boa leitura para quem quer saber da época e volume valioso para pesquisadores que queiram ver além da névoa da censura.
Tunga de livreiros voltou ao ar
Renasceu das cinzas uma ideia que pareceu enterrada durante o governo Temer. É o tabelamento dos livros à francesa. Se vingar, nenhuma livraria, física ou eletrônica, poderá dar descontos superiores a 10% do preço de capa durante o primeiro ano de circulação de um livro. Lei parecida existe na França há 40 anos.
Quando essa girafa surgiu, Jeff Bezos era um garoto a caminho da universidade de Princeton. De lá para cá, do nada, ele criou a Amazon e se tornou um dos homens mais ricos do mundo. Começou vendendo livros a US 9,99 (hoje custam cerca de US$ 15). Seu negócio é dar desconto, em tudo. Não há no mundo quem tenha reclamado por ter comprado uma coisa barata na Amazon ou em qualquer outro lugar. Desde que surgiu o Estado, apareceram tabelamentos para impedir que se cobre a mais. Nesse caso, querem tabelar para impedir que se cobre a menos.
O mercado editorial brasileiro melhorou durante a pandemia. Quando ele esteve no apogeu, algumas editoras brasileiras imprimiam seu livro na China, onde a mão de obra era barata. Desde então, grandes redes de livrarias quebraram porque se meteram numa ciranda de vendas consignadas. Problema de quem micou, dando-lhes crédito.
O projeto da tunga no preço do livro dorme no Senado. O tabelamento de um produto para impedir que os consumidores paguem menos é a joia que falta ao mandarinato liberal de Paulo Guedes.
Recordar é viver
Hostilidade da infantaria petista não começou com a vaia a Ciro Gomes na Avenida Paulista.
Em 1984, o PT queria iniciar sozinho sua campanha pelas eleições diretas, mas o comício que organizou ficou fraco. Pouco depois, o governador paulista Franco Montoro começou a montar o comício na Praça da Sé.
Todo mundo sabia que seria um sucesso, mas, para não ser vaiado pela infantaria petista, Montoro chegou ao palanque com Lula. Quem costurou a cena foi o advogado Márcio Thomaz Bastos.
Classificado
O feirão de imóveis da Viúva no Rio incluiu a casa que pertenceu ao general Osório, o grande comandante da cavalaria durante a Guerra do Paraguai. É uma construção térrea, com 13 janelões e bonitos azulejos. Fica na Rua Riachuelo, perto da Lapa, e é um bonito exemplar da arquitetura da época em que ela se chamava Matacavalos.
Quem comprar o casarão ficará com um pedaço da história do Brasil no seu patrimônio.
Tem gato na tuba
A ruína da marca da Prevent Senior provocou um estranho movimento no mercado de operadoras de planos de saúde.
Começou uma satanização das empresas verticalizadas, que operam com plantéis médicos, hospitais e laboratórios próprios, controlam seus custos e cobram menos.
Tem gato nessa tuba, pois as malfeitorias cometidas pelo Executivo, pelas agências reguladoras e pelas operadoras verticalizadas ou não, foram coisa de malfeitores, nada a ver com os seus modelos.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/para-os-doidos-fracasso-sucesso-25231486
Elio Gaspari: Quem protegeu a Prevent?
Na quarta-feira deverá comparecer à CPI da Covid o doutor Paulo Roberto Vanderlei Rebello Filho, diretor-presidente da Agência Nacional de Saúde (ANS). Ele poderá contar o que fez diante das denúncias do comportamento da Prevent Senior durante a pandemia. A primeira suspeita de que havia fogo debaixo daquela fumaça veio do próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em abril de 2020, quando ela tinha no acervo 58% dos mortos de São Paulo. O dono da operadora chamou-o de “irresponsável” e, pelo que se viu, colocou sua empresa debaixo da asa do Planalto, maquiando mortes, empurrando cloroquina e ameaçando médicos com retórica de miliciano.
O que a ANS fez? A autossatanização da Prevent tem no seu bojo uma competição empresarial, e a Agência a conhece muito bem. Nesse mercado há de tudo: portas giratórias, capilés e jabutis em medidas provisórias. A Justiça guarda pelo menos duas delações premiadas de uma empresa corretora de planos que concordou em pagar R$ 200 milhões de multa.
Durante os dias da Lava-Jato, chegou-se a especular que os procuradores voltassem seus olhos para a privataria da saúde. Quando apareceu a lista de operadoras de planos entre os patrocinadores das palestras de um deles, viu-se que rendiam pelo menos “R$ 10 mil limpos”. A Lava-Jato olhou para outros lados.
A Prevent é um caso em si, e seus maganos estão sofrendo pelo que fizeram, mas a ANS sabe muitos mais. Basta lembrar que foi ela que obrigou as operadoras de planos a cobrirem os custos dos testes para o vírus. Até a terceira semana de março do ano passado havia operadoras se recusando a fazê-lo. Até agosto, quando os mortos passavam de 90 mil, alguns planos continuavam negando cobertura aos testes sorológicos. Só a ação da ANS os levou a mudar de conduta.
De Pedro@gov para Fabio.Jatene@edu
Prezado doutor Jatene,
Escrevo-lhe por sugestão de meu médico, o conde de Motta Maia, do nosso velho amigo Louis Pasteur e de seu pai, o doutor Adib.
Na noite de 17 de novembro de 1889, quando uns militares me embarcaram como negro fugido, mandando-me para a morte no exílio, eu lhes disse: “Os senhores são uns doidos”.
Passou-se o tempo e vejo que, de tempos em tempos, nossa terra fica nas mãos de doidos. Em março do ano passado, vosmicê disse que 45 mil moradores de São Paulo seriam atingidos pela epidemia desse novo vírus. Foi um Deus nos acuda, como se o senhor fosse mais um doido. Na semana passada, os infectados da sua cidade passaram de 1,5 milhão. Os mortos foram 30 mil.
O doutor Pasteur horrorizou-se com os charlatães que empurravam cloroquina nos pacientes e pediu-me que vosmicê lembrasse aos seus colegas e a esse moço que governa o Brasil o que lhe aconteceu, lidando comigo, em 1884.
Ele pesquisava uma vacina contra a raiva. Aplicando-a em cães, havia dado resultado, mas era preciso testá-la em gente. Foi quando me escreveu, oferecendo-se para testá-la no Brasil. Pedia que eu a oferecesse a presos condenados à morte, no dia da execução. Tomariam a vacina. Se morressem, ficaria tudo igual. Se sobrevivessem, estariam livres. Eu lhe disse que no Brasil não aplicávamos mais a pena de morte, pois eu a comutava.
(Como bom dissimulador, estava desconversando, reconheço.)
Os doidos daí testaram a tal cloroquina sem informar aos pacientes, e o moço do governo fez propaganda do remédio até em reuniões de chefes de Estado.
Mesmo entristecido, sinto-me vingado: os senhores são uns doidos.
Atenciosamente,
Pedro de Alcântara.
Jango em Moscou e na China
Passados 60 anos, veio à tona o relatório do embaixador João Augusto de Araújo Castro, narrando a visita de João Goulart à China, em agosto de 1961. O texto é de 4 de setembro, quando a crise provocada pela renúncia do presidente Jânio Quadros já havia esfriado, com a solução do parlamentarismo que permitiria a posse de Jango.
Em 30 páginas, Araújo Castro conta a passagem da comitiva do então vice-presidente por Moscou e Beijing. No dia 25 de agosto, quando Jango já estava em Singapura, Jânio renunciou. Mais tarde, Araújo Castro viria a ser o último chanceler de Goulart e morreria em 1975, como embaixador do governo do general Médici em Washington.
O relatório de Araújo Castro mostra como os chineses tentaram forçar a transformação de um acordo interbancário num sinal de reconhecimento do governo de Beijing, com o qual o Brasil não tinha relações diplomáticas. Jango e Castro habilmente contornaram a manobra e acabou tudo bem.
Antes de chegar a Beijing, a comitiva de Goulart passou por Moscou, onde Jango se encontrou com o primeiro-ministro Nikita Kruschev e ouviu o seguinte: “Eu disse a Kennedy (o presidente dos Estados Unidos): Fidel Castro não é comunista, mas acabará sendo. Ele não tem alternativa.”
Kruschev tinha um viés fanfarrão, mas sabia do que estava falando.
Naqueles dias, os Estados Unidos já haviam rompido relações com Cuba, e a Casa Branca havia patrocinado uma fracassada invasão da ilha.
No dia em que Araújo Castro assinou seu relatório, Fidel mandou uma carta a Kruschev pedindo 388 mísseis de curto alcance. Era o início de uma negociação que evoluiu para a entrega de ogivas nucleares capazes de atingir os Estados Unidos e, um ano depois, levou o mundo para a beira da Terceira Guerra Mundial.
Valentia incompleta
A Universidade de Campinas cassou o título de doutor honoris causa que concedeu em 1973 ao então ministro da Educação, Jarbas Passarinho.
Coronel da reserva, Passarinho morreu em 2016. Ele mandou às favas os seus escrúpulos de consciência quando defendeu a edição do AI-5, em 1968. É direito de qualquer universidade conceder e mesmo cassar títulos de doutorado honoris causa, mas fazê-lo depois da morte do homenageado, é coisa meio girafa. A Federal do Rio de Janeiro cassou o título do presidente Emílio Médici em 2015, 20 anos depois de sua morte.
Seria o jogo jogado se as congregações das universidades divulgassem, junto com a cassação da honraria, quase sempre bajuladora, a lista dos professores doutores que a concederam. Afinal, nem Médici nem Passarinho pediram coisa alguma.
Sinal do Centrão
Jair Bolsonaro assumiu sabendo que não tinha base parlamentar além do cacife da Bolsa da Viúva. Fala em “bancadas temáticas”, uma espécie de cloroquina política.
Aninhando-se no Centrão, conseguiu a proeza de ver derrubados 12 de seus vetos num só dia.
O Centrão sentiu cheiro de queimado.
O repórter Lauro Jardim informa que Lula combinou um jantar para quarta-feira. Nele poderão estar, além do ex-presidente José Sarney:
Eunício de Oliveira, dono da casa, foi ministro das Comunicações de Lula.
Edison Lobão foi ministro de Minas e Energia de Lula e de Dilma Rousseff.
Jader Barbalho foi ministro da Previdência de Sarney.
Renan Calheiros foi ministro da Justiça de FHC.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/quem-protegeu-prevent-1-25222231
Elio Gaspari: Quem protegeu a Prevent?
A Prevent é um caso em si, e seus maganos estão sofrendo pelo que fizeram, mas a ANS sabe muitos mais
Elio Gaspari / O Globo
Na quarta-feira deverá comparecer à CPI da Covid o doutor Paulo Roberto Vanderlei Rebello Filho, diretor-presidente da Agência Nacional de Saúde (ANS). Ele poderá contar o que fez diante das denúncias do comportamento da Prevent Senior durante a pandemia. A primeira suspeita de que havia fogo debaixo daquela fumaça veio do próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em abril de 2020, quando ela tinha no acervo 58% dos mortos de São Paulo. O dono da operadora chamou-o de “irresponsável” e, pelo que se viu, colocou sua empresa debaixo da asa do Planalto, maquiando mortes, empurrando cloroquina e ameaçando médicos com retórica de miliciano.
O que a ANS fez? A autossatanização da Prevent tem no seu bojo uma competição empresarial, e a Agência a conhece muito bem. Nesse mercado há de tudo: portas giratórias, capilés e jabutis em medidas provisórias. A Justiça guarda pelo menos duas delações premiadas de uma empresa corretora de planos que concordou em pagar R$ 200 milhões de multa.
Durante os dias da Lava-Jato, chegou-se a especular que os procuradores voltassem seus olhos para a privataria da saúde. Quando apareceu a lista de operadoras de planos entre os patrocinadores das palestras de um deles, viu-se que rendiam pelo menos “R$ 10 mil limpos”. A Lava-Jato olhou para outros lados.
A Prevent é um caso em si, e seus maganos estão sofrendo pelo que fizeram, mas a ANS sabe muitos mais. Basta lembrar que foi ela que obrigou as operadoras de planos a cobrirem os custos dos testes para o vírus. Até a terceira semana de março do ano passado havia operadoras se recusando a fazê-lo. Até agosto, quando os mortos passavam de 90 mil, alguns planos continuavam negando cobertura aos testes sorológicos. Só a ação da ANS os levou a mudar de conduta.
De Pedro@gov para Fabio.Jatene@edu
Prezado doutor Jatene,
Escrevo-lhe por sugestão de meu médico, o conde de Motta Maia, do nosso velho amigo Louis Pasteur e de seu pai, o doutor Adib.
Na noite de 17 de novembro de 1889, quando uns militares me embarcaram como negro fugido, mandando-me para a morte no exílio, eu lhes disse: “Os senhores são uns doidos”.
Passou-se o tempo e vejo que, de tempos em tempos, nossa terra fica nas mãos de doidos. Em março do ano passado, vosmicê disse que 45 mil moradores de São Paulo seriam atingidos pela epidemia desse novo vírus. Foi um Deus nos acuda, como se o senhor fosse mais um doido. Na semana passada, os infectados da sua cidade passaram de 1,5 milhão. Os mortos foram 30 mil.
O doutor Pasteur horrorizou-se com os charlatães que empurravam cloroquina nos pacientes e pediu-me que vosmicê lembrasse aos seus colegas e a esse moço que governa o Brasil o que lhe aconteceu, lidando comigo, em 1884.
Ele pesquisava uma vacina contra a raiva. Aplicando-a em cães, havia dado resultado, mas era preciso testá-la em gente. Foi quando me escreveu, oferecendo-se para testá-la no Brasil. Pedia que eu a oferecesse a presos condenados à morte, no dia da execução. Tomariam a vacina. Se morressem, ficaria tudo igual. Se sobrevivessem, estariam livres. Eu lhe disse que no Brasil não aplicávamos mais a pena de morte, pois eu a comutava.
(Como bom dissimulador, estava desconversando, reconheço.)
Os doidos daí testaram a tal cloroquina sem informar aos pacientes, e o moço do governo fez propaganda do remédio até em reuniões de chefes de Estado.
Mesmo entristecido, sinto-me vingado: os senhores são uns doidos.
Atenciosamente,
Pedro de Alcântara.
Jango em Moscou e na China
Passados 60 anos, veio à tona o relatório do embaixador João Augusto de Araújo Castro, narrando a visita de João Goulart à China, em agosto de 1961. O texto é de 4 de setembro, quando a crise provocada pela renúncia do presidente Jânio Quadros já havia esfriado, com a solução do parlamentarismo que permitiria a posse de Jango.
Em 30 páginas, Araújo Castro conta a passagem da comitiva do então vice-presidente por Moscou e Beijing. No dia 25 de agosto, quando Jango já estava em Singapura, Jânio renunciou. Mais tarde, Araújo Castro viria a ser o último chanceler de Goulart e morreria em 1975, como embaixador do governo do general Médici em Washington.
O relatório de Araújo Castro mostra como os chineses tentaram forçar a transformação de um acordo interbancário num sinal de reconhecimento do governo de Beijing, com o qual o Brasil não tinha relações diplomáticas. Jango e Castro habilmente contornaram a manobra e acabou tudo bem.
Antes de chegar a Beijing, a comitiva de Goulart passou por Moscou, onde Jango se encontrou com o primeiro-ministro Nikita Kruschev e ouviu o seguinte: “Eu disse a Kennedy (o presidente dos Estados Unidos): Fidel Castro não é comunista, mas acabará sendo. Ele não tem alternativa.”
Kruschev tinha um viés fanfarrão, mas sabia do que estava falando.
Naqueles dias, os Estados Unidos já haviam rompido relações com Cuba, e a Casa Branca havia patrocinado uma fracassada invasão da ilha.
No dia em que Araújo Castro assinou seu relatório, Fidel mandou uma carta a Kruschev pedindo 388 mísseis de curto alcance. Era o início de uma negociação que evoluiu para a entrega de ogivas nucleares capazes de atingir os Estados Unidos e, um ano depois, levou o mundo para a beira da Terceira Guerra Mundial.
Valentia incompleta
A Universidade de Campinas cassou o título de doutor honoris causa que concedeu em 1973 ao então ministro da Educação, Jarbas Passarinho.
Coronel da reserva, Passarinho morreu em 2016. Ele mandou às favas os seus escrúpulos de consciência quando defendeu a edição do AI-5, em 1968. É direito de qualquer universidade conceder e mesmo cassar títulos de doutorado honoris causa, mas fazê-lo depois da morte do homenageado, é coisa meio girafa. A Federal do Rio de Janeiro cassou o título do presidente Emílio Médici em 2015, 20 anos depois de sua morte.
Seria o jogo jogado se as congregações das universidades divulgassem, junto com a cassação da honraria, quase sempre bajuladora, a lista dos professores doutores que a concederam. Afinal, nem Médici nem Passarinho pediram coisa alguma.
Sinal do Centrão
Jair Bolsonaro assumiu sabendo que não tinha base parlamentar além do cacife da Bolsa da Viúva. Fala em “bancadas temáticas”, uma espécie de cloroquina política.
Aninhando-se no Centrão, conseguiu a proeza de ver derrubados 12 de seus vetos num só dia.
O Centrão sentiu cheiro de queimado.
O repórter Lauro Jardim informa que Lula combinou um jantar para quarta-feira. Nele poderão estar, além do ex-presidente José Sarney:
Eunício de Oliveira, dono da casa, foi ministro das Comunicações de Lula.
Edison Lobão foi ministro de Minas e Energia de Lula e de Dilma Rousseff.
Jader Barbalho foi ministro da Previdência de Sarney.
Renan Calheiros foi ministro da Justiça de FHC.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/quem-protegeu-prevent-1-25222231
Elio Gaspari: Há uma bomba-relógio no TSE
TSE já passou por experiência semelhante em 2017, quando julgou o processo de cassação da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer
O Globo / Folha de S. Paulo
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) revelou que nas próximas semanas julgará o processo de cassação da chapa de Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão. Parece falta de assunto, mas é bom que se diga: trata-se de uma iniciativa retardatária e inoportuna, caso clássico de tapetão.
É retardatária porque não faz sentido cassar uma chapa três anos depois da campanha durante a qual teriam ocorrido flagrantes transgressões da lei. Tudo indica que as ilegalidades ocorreram, mas, se o Judiciário levou três anos para decidir julgar o caso, deveria reconhecer que sua morosidade causou danos ao bem público semelhantes aos das malfeitorias cometidas. Se o caso envolvesse uma autoridade conduzida a um cargo vitalício, tudo bem, mas cassar uma chapa a um ano do fim do mandato é uma excentricidade.
É inoportuna, porque o país ainda não se livrou da tensão institucional manipulada por Bolsonaro nos seus confrontos verbais com o Judiciário. Uma nova encrenca nesse quintal é coisa desnecessária.
É um caso de tapetão porque, anulando o resultado de um pleito mais de três anos depois de sua realização, leva água para o moinho do condenado. É tudo do que precisa um governante ameaçado de perder a reeleição. Ele fica com o argumento de que foi eleito por 57 milhões de pessoas e cassado três anos depois pela maioria de um colegiado de sete sábios. Para Bolsonaro, esse seria um cenário de sonho.
A esta altura, Jair Bolsonaro pode ser afastado da Presidência pelo Congresso, por meio de um processo de impedimento. Se faltam apoios para isso, paciência. Resta a alternativa lisa e límpida da eleição do ano que vem.
O TSE já passou por experiência semelhante em 2017, quando julgou o processo de cassação da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer. A senhora já havia sido deposta pelo Congresso, o vice ocupava-lhe a cadeira, e o tribunal rejeitou o pedido. Viveu-se uma tensão desnecessária.
Todas as encrencas que Bolsonaro alimentou com o Judiciário partem da premissa de que ele tenta invadir as competências do Executivo. A cassação da chapa seria uma cereja para esse bolo. Fica a pergunta do que seria possível fazer para desarmar a bomba-relógio. Isso só os ministros do TSE poderão saber. No caso da cassação da chapa Dilma-Temer, seguiram um caminho que resultou na piada segundo a qual a dupla foi inocentada por excesso de provas.
Um dos pilares das denúncias contra Bolsonaro está na exposição do uso abundante de notícias falsas durante a campanha de 2018. Nesse sentido, agora o próprio TSE armou-se para impedir que essa praga contamine a eleição do ano que vem. Há três anos, as notícias falsas eram uma produção nacional. Pelo andar da carruagem, percebe-se que a receita promete ser repetida no ano que vem, com o agravante da internacionalização.
Quando Steve Bannon, o guru de Donald Trump, disse que Lula “é o esquerdista mais perigoso do mundo”, sinalizava o que pode vir por aí.
Em janeiro passado, o mesmo Bannon prometia “destruir a Presidência de Joe Biden no berço”. Referia-se à armação que resultou na invasão do Capitólio, no dia 6 de janeiro. Lá, essas coisas não mofam no Judiciário. A turma que armou a insurreição está respondendo pelos seus crimes, e muitos deles já admitiram suas culpas e apenas esperam as sentenças dos juízes.
Fonte: O Globo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/eliogaspari/2021/09/ha-uma-bomba-relogio-no-tse.shtml
Elio Gaspari: Uma viagem ao Brasil do atraso
Nunca na história da República se viu coisa igual: o governo de Pindorama está com os dois pés fincados no atraso
Elio Gaspari / O Globo
Com cerca de 590 mil mortos e perto de 10% da população tendo sido infectada pelo coronavírus, o Brasil tem um presidente que não se vacinou, combateu o distanciamento e defendeu a cloroquina. Seu primeiro chanceler se orgulhou por ter colocado o país na condição de pária, os agrotrogloditas continuam derrubando as florestas, e o pelotão palaciano que relutou em reconhecer o resultado da eleição americana tornou-se uma sucursal do trumpismo eletrônico.
Nunca na história da República se viu coisa igual: o governo de Pindorama está com os dois pés fincados no atraso. Isso nunca aconteceu na República, mas no Império aconteceu, custando caro à terra das palmeiras onde canta o sabiá. Há ocasiões em que países decidem andar para trás. Quando isso acontece, uma névoa embaça a percepção. Só com o tempo é que as coisas ficam claras. É temerário pretender fixar num dia o triunfo da insensatez. Aqui vai uma tentativa para ilustrar o salto dado em direção ao atraso na manhã de 23 de fevereiro de 1843, quando começou a sessão do Senado do Império. Ele funcionava no prédio do campo de Sant’Anna, onde hoje está a Faculdade de Direito da UFRJ.
A sessão começou às 10h30m, e na ordem do dia estava o projeto do médico Thomas Cochrane para que o governo desse isenções tributárias e subscrevesse ações de uma companhia interessada em construir uma estrada de ferro que sairia do Rio de Janeiro em direção a São Paulo. A matéria havia sido aprovada na Câmara dos Deputados, mas fora rejeitada pela comissão da Fazenda do Senado.
(A primeira ferrovia dos Estados Unidos havia sido inaugurada em 1830, e desde 1840 lá existiam cerca de 4.500 quilômetros de trilhos.)
A proposta tomou chumbo. O senador Luiz José de Oliveira Mendes, futuro Barão de Monte Santo condenou-a:
“A ideia de estradas de ferro entre nós é uma daquelas apresentadas por especuladores que nenhuma intenção nem esperança têm de realizá-las. Ainda não temos estradas, nem de barro, como queremos pois fazer uma de ferro, e logo tão grande extensão!! Para passar por ela o quê? Quatro bestas carregadas de carvão, em um ou outro dia!!”
Especulador, talvez Cochrane fosse. Condenando o projeto, entraram dois gigantes da época, o senador Carneiro Leão, futuro Marquês do Paraná e Bernardo Pereira de Vasconcelos, grande jurista. Doente, comparecia às sessões em cadeira de rodas. Ambos defendiam as finanças da Coroa e condenavam a precariedade do projeto.
Bernardo apresentou argumentos técnicos e políticos.
Quanto à técnica: “Quero avaliar cada légua em mil contos de réis, porque são necessárias duas estradas, uma de vinda, e outra de volta.”
Coube ao pernambucano Holanda Cavalcanti corrigir a conta de Bernardo:
“O nobre senador baseia o seu cálculo em dois trilhos de ferro, na extensão de trinta léguas, e diz que são precisos 30 mil contos de réis; ora, e se eu lhe disser que podemos fazer a estrada em um só trilho?”
O líder conservador, pai do período que se denominou Regresso, achava que uma ferrovia precisava de dois pares de trilhos. Um para a ida, outro para a volta.
Quanto à política, Bernardo abriu a porteira de outro debate, pelo qual pretendia continuar a passar sua boiada:
“Eu, Sr. presidente, entendo que devemos cuidar de outros objetos e pôr de parte estes planos gigantescos; onde havemos ir procurar meios para estas despesas? Esperamos nós que o país vá em progresso hoje? (...) Não temos um grande obstáculo a isso na absoluta cessação do tráfico dos africanos? Há mais de um ano que não entra no Brasil um só africano...”
No plenário riu-se. Um senador lembraria depois que naquele ano entraram 17 mil negros escravizados. Outro corrigiria: “Muito mais, entraram pelo menos 50 mil.”
À época discutiam-se o valor de um tratado assinado com a Inglaterra pelo qual o Império havia se comprometido a acabar com o tráfico de negros escravizados e trazidos da África. Uma lei de 1831 dizia que seriam livres os africanos que desembarcassem no Brasil. Diversos senadores tratavam o tráfico pelo nome: “contrabando”.
O regresso prevaleceu. O projeto da ferrovia de Cochrane acabaria rejeitado, e a primeira locomotiva só circularia no Brasil em 1854, quando os Estados Unidos tinham cerca de 15 mil quilômetros de trilhos.
Bernardo leva sua boiada
Semanas depois da sessão de 23 de fevereiro, Bernardo Pereira de Vasconcelos refinou sua argumentação negreira. No dia 25 de abril, afirmou: “A África tem civilizado a América”.
A frase chocou e nos dias seguintes ele a elaborou, valendo-se do exemplo dos Estados Unidos: “Os africanos têm contribuído para o aumento, ou têm feito a riqueza da América; a riqueza é sinônimo de civilização no século em que vivemos; logo a África tem civilizado a América, que ingrata não reconhece esse benefício.”
O fim do contrabando de africanos escravizados só aconteceu em 1850, quando a frota inglesa começou a bloquear os portos brasileiros.
A escravidão só acabou em 1888. Os Estados Unidos tinham mais de 320 mil quilômetros de ferrovias.
E que rumo tomou Bernardo Pereira de Vasconcelos? Quebrou a perna em dezembro de 1843, continuou defendendo o contrabando de escravizados e vivia bem.
Em abril de 1850, o Rio teve o que poderia ter-lhe parecido uma “febrezinha” e continuou indo ao Senado, onde discursou:
“Eu também estou persuadido de que se tem apoderado da população do Rio de Janeiro um terror demasiado, que a epidemia não é tão danosa como se têm persuadido muitos; não é a febre amarela a que reina.”
A 1º de maio, morreu, de febre amarela.
O ministro inglês no Rio anotou:
“Sua morte removerá um dos principais obstáculos para a supressão do comércio de escravos neste país.”
No dia 13 de agosto, o Senado aprovou o projeto que proibia o contrabando de escravizados.
Serviço: Bernardo vive
Os Anais do Senado do Império estão na rede.
Quem quiser pode ler todos os debates.
Vale a pena, até mesmo para se ver o tempo que os doutores perdiam discutindo pensões e prebendas para a turma do andar de cima.
Boa parte do tempo da sessão de 23 de fevereiro de 1843, quando Bernardo atirava contra a ferrovia de Cochrane foi consumido na discussão de pensões.
Às duas da tarde os senadores foram almoçar.
Saída de emergência
Mesmo que não tenha sido essa sua intenção, o ministro Paulo Guedes criou uma saída de emergência para Jair Bolsonaro ao dizer, com toda razão, que a instituição do mecanismo da reeleição foi “o maior erro político que já aconteceu no país”.
Durante a campanha de 2018, Bolsonaro condenou esse instituto e prometeu que não disputaria a reeleição. Agora, com 53% de desaprovação no Datafolha, se quiser, pode sair do páreo. Poderá apresentar um projeto de emenda constitucional acabando com a reeleição a partir de 2026.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/elio-gaspari-uma-viagem-ao-brasil-do-atraso-25203483