Elimar Nascimento
FAP realiza webinar sobre os desafios da sustentabilidade no Brasil
Participaram do evento online Anivaldo Miranda, George Gurgel e Elimar Nascimento
Cleomar Almeida, assessoria de comunicação da FAP
A FAP (Fundação Astrojildo Pereira) realizou, nesta terça-feira (23), o webinar sobre os desafios da sustentabilidade no Brasil. O evento online foi transmitido ao vivo, a partir das 19h, na página da entidade no Facebook.
Confira o vídeo!
Participaram do webinar o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, o jornalista e ambientalista Anivaldo Miranda, e o professor da UFBA (universidade Federal da Bahia) George Gurgel, que também é integrante da oficina da cátedra da Unesco e do Conselho do Instituto Politécnico da Bahia.
O público também pôde debater o tema com o professor da UnB (Universidade de Brasília) e cientista socioambiental Elimar Nascimento. Ele também é autor do livro Um mundo de riscos e desafios: conquistar a sustentabilidade, reinventar a democracia, e eliminar a nova exclusão social, lançado pela FAP.
O webinar, segundo os organizadores, é parte das atividades da FAP, que, conforme ressaltam, mantém aceso o seu compromisso com o debate público, plural e democrático sobre assuntos de interesse da sociedade.
RPD || Elimar Nascimento: O enigma Bolsonaro
Verdadeiro estelionato eleitoral, com as bandeiras da campanha que o elegeu presidente em 2018 se desfazendo, Bolsonaro mantém-se forte, ocupando o primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto para 2022
Se um leitor atento percorrer os principais jornais do País ao longo de 2020, editoriais, inclusive, e seus articulistas, particularmente, encontrará os mais distintos epítetos atribuídos ao Presidente Bolsonaro. Todos negativos. Colhi alguns como exemplo: irresponsável, incompetente, psicopata, errático, acéfalo, imbecil, negacionista e insano. Para não citar o mais comum: antidemocrata. A conclusão de nosso leitor não poderia ser outra: este é um governo a caminho de um fim precoce. As cláusulas indispensáveis, porém, para se alcançar este desfecho estão longe de serem preenchidas: o presidente não perdeu o apoio da opinião pública, tem a seu favor uma rede de comunicação invejável (redes sociais e veículos tradicionais), goza de prestígio entre o empresariado e caminha para obter, senão a maioria, uma força expressiva no Congresso. E ainda conta, em princípio, com o prestígio das Forças Armadas, amplamente representadas em seu governo.
Desde o início de 2020 os principais analistas políticos deste País dizem que o governo Bolsonaro está no fim. E os motivos parecem consistentes: o governo tem desprezado o enfrentamento da pandemia; tem-se omitido nos cuidados com o meio ambiente, e particularmente a Amazônia, recebendo críticas de grandes empresários nacionais e governos estrangeiros; tem uma politica externa desastrosa, sendo objeto de “gozação”, desprezo e escárnio de governos e mídia internacional; tem filhos acusados de prevaricação e o próprio presidente é objeto de investigação por tentativa de uso de entidades públicas em favor de interesses pessoais e familiares; tem estimulado ações contra as instituições democráticas; e detém a capacidade de ter os piores ministros da educação da história deste País.
Um verdadeiro estelionato eleitoral, um dos motivos pelo qual a presidente Dilma sofreu o impeachment, está em curso. As quatro grandes bandeiras de sua campanha eleitoral estão-se desfazendo: o combate à corrupção foi interrompido, com seu ícone despedido e a Operação Lava Jato sendo desfeita; a defesa da nova politica está-se desmanchado a olhos vistos na aliança com o Centrão; a pandemia mandou para o espaço a política econômica liberal, e a batalha pela recuperação dos velhos costumes e valores não avança. Mas Bolsonaro mantém-se forte. Em todas as pesquisas de intenção de voto para eleições presidenciais, ele ocupa o primeiro lugar. Seu governo tem, somados as avaliações de ótimo/bom e regular, 59% de aceitação.
O enigma é ainda mais evidente quando se examinam as recentes eleições municipais. Bolsonaro foi fragorosamente derrotado, inclusive nas últimas eleições realizadas em Macapá, quando seu candidato, contando com o apoio do prefeito e governador locais, sendo irmão do presidente do Senado, perdeu. Venceu apenas nos confrontos diretos com o PT, principalmente no embate mais relevante, em Vitória do Espirito Santo.
Todas as análises sobre esse fenômeno politico pecam pela excessiva simplificação: base ideológica forte, carisma (sic), sentimento antipetista, vocaliza uma opinião majoritária no País (conservadorismo), navega na onda mundial da ascensão da extrema direita.
Para vencer, no entanto, o candidato preferido nas intenções de voto de todos os institutos de pesquisa, será necessário desvendar este enigma: por que, com tantos desmantelos, o Presidente goza de tamanho prestígio? Sobretudo, que a recente tradição brasileira é a de que todos os presidentes são reeleitos. Para vencê-lo, é preciso mais do que um bom candidato, é indispensável desfazer sua imagem junto a opinião pública. Por enquanto, todas as tentativas da oposição e seus críticos foram infrutíferas. Inversamente, parece alimentá-la.
Esse é o maior desafio em 2021 para as forças democráticas: desvendar o enigma do “mito”.
*Sociólogo político e socioambiental. Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília e do Programa de Pós-Graduação Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia da Universidade Federal do Amazonas.
Mundo de riscos e desafios é tema de webinar da FAP com Elimar Nascimento
Professor da UnB debaterá assunto, abordado em livro de sua autoria, diretamente com internautas
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
Leitores poderão conversar diretamente com o autor do livro Um mundo de Riscos e Desafios (216 páginas) para debaterem o assunto, durante webinar da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), editora da obra, no dia 6 de outubro, das 19h às 20h30. Na sala virtual, o sociólogo e professor da UnB (Universidade de Brasília) Elimar Pinheiro do Nascimento discutirá, entre outros assuntos, sustentabilidade e democracia. A transmissão será realizada por meio do site e da página da entidade no Facebook.
O livro está à venda na internet. Ao longo de sete capítulo, o autor aborda os seguintes assuntos: sustentabilidade; crise ambiental e democracia; possibilidade de recriar a democracia; modernidade, globalização e exclusão social; a dinâmica dos que ficam dentro e fora, no contexto da globalização e exclusão; o pluralismo da sociedade; e os excluídos necessários e os excluídos desnecessários.
Assista ao vivo!
A degradação ecológica, provocada pelo crescimento da produção e do consumo, conforme abordado no livro, deve ser abordada durante o webinar, que se torna ainda mais essencial no momento em que o Brasil e o mundo passam por uma intensa destruição do meio ambiente.
A discussão online também vai analisar a degradação moral, que é provocada pela intensificação da desigualdade social. Isto porque o autor considera que a sociedade vive em um mundo perigoso, com crises de múltiplas naturezas e incertezas crescentes.
“Uns se preocupam com o vazio e a falta de futuro dos humanos, o consumismo e o aumento de doenças como depressão, câncer e crescimento das taxas de suicídio. Outros, com a degradação ambiental, com o aumento da perda da biodiversidade e riscos crescentes dos eventos críticos climáticos”, escreve o sociólogo.
Elimar Nascimento: Para onde vai a Extrema direita?
Esclareça-se, imediatamente, que o objeto destas poucas reflexões não é o Brasil, nem o mundo, mas sobretudo o Ocidente, na sua expressão europeia e americana. Espaço onde forças políticas de extrema direita, posicionando-se claramente contra os princípios democráticos, embora não necessariamente fascistas, ascenderam politicamente desde os inícios do atual século. Porém, o autor não resiste e encerra o artigo com breve reflexão sobre a conjuntura nacional.
É verdade que a extrema direita muito se expandiu no mundo ocidental no século XXI. Ascendeu ao poder no país mais poderoso do mundo (EEUU); naquele país que ocupa a fronteira entre o Ocidente e o Oriente (Turquia); em países da Europa Oriental (Polônia e Hungria); no Extremo Oriente (Filipinas); na América do Sul (Brasil), sem contar com o Oriente Próximo (Israel). Cresceu ou participa do poder em vários países europeus, como a Holanda, Áustria, Noruega, Eslováquia, Bulgária, Dinamarca, Finlândia, Suíça, Grécia e França. Não são forças políticas iguais, mas têm como traço comum o de serem ultraconservadoras, populistas, nacionalistas e hostis a procedimentos democráticos.
Também é verdade que a extrema direita dá sinais de recuo. O barco de Trump começa a fazer água, o que não significa que esteja a deriva e que as eleições já estejam perdidas. A Liga do Norte de Matteo Salvini, na Itália, foi derrotada em janeiro deste ano na região da Emília Romana. Eram eleições cruciais para seu retorno ao poder. Na Polônia, o partido da extrema direita no poder, de Andrzej Duda, ganhou por uma diferença irrisória. O maior fenômeno nas eleições do dia 12/07, naquele país, foi a ascensão extraordinária do candidato de centro-direita, prefeito da capital, Varsóvia. E, finalmente, a extrema direita de Le Pen perdeu fragorosamente as eleições municipais recentes na França, onde emergiu, indubitavelmente vitoriosos, os verdes.
Ossos do ofício, contudo, nos obriga a ver o recuo da extrema direita como uma tendência não consolidada. Poderá vir a se consolidar, mas ainda não é fato inconteste.
Se a Liga do Norte foi derrotada nas eleições de janeiro/2020, na região de Emília Romana, foi vitoriosa nas eleições europeias de maio seguinte com 34,3% dos votos, tornando-se, assim, o partido mais votado na Itália. Na sequência, ficou o Partido Democrático, partido de esquerda, com 22,7% dos votos, enquanto o Movimento 5 Estrelas, antissistema, que foi o partido mais votado nas eleições nacionais de 2014, ficou em terceiro lugar com 17,1%. Nas eleições europeias de 2014 a Liga do Norte havia obtido apenas 6% dos sufrágios. Aos 34,3% das últimas eleições europeias deve-se somar 8,8% da Forza Itália, do ex-primeiro ministro Silvio Berlusconi, e 6,5% dos pós-fascistas Irmãos de Itália. Os votos somados da direita e da extrema direita corresponde a praticamente metade do eleitorado italiano. Dessa forma, as forças mais conservadoras continuam ativas e protagonistas, embora na oposição.
Se a vitória do Partido ultraconservador Leis e Justiça (PiS), na Polônia, foi apertada, com 51,2% dos votos, não se pode esquecer que seu adversário, Rafael Trzaskowski, é o líder de uma coalizão de centro-direita, Coalizão Cívica. A esquerda sumiu do mapa eleitoral do país. De toda forma, as forças opositoras, de cunho liberal, não conseguiram parar as reformas que desde 2015 o presidente Andrzej Duda lidera sob protestos da União Europeia, com submissão do judiciário e perseguição às minorias e à imprensa. A política populista de distribuição de benefícios sem dúvida contou para a vitória do PiS, em uma eleição concorrida, com cerca de 70% de comparecimento eleitoral, em plena pandemia. Diga-se de passagem, contudo, que 58% dos poloneses julgam que seu país sofre restrições democráticas.
Na França, a partido da extrema direita, antiga Frente Nacional, hoje Reagrupamento Nacional, foi derrotado. Dentre as cidades médias e grandes venceu apenas em Perpignan. Se em 2014 o partido de Le Pen tinha 1.438 assentos nos conselhos municipais em 463 municipalidades das 34.968 que tem a França, nas eleições de 2020 alcançou apenas 840 assentos em 258 municipalidades. Seus militantes esperam que Perpignan seja a municipalidade vitrine, onde eles poderão explicitar sua capacidade de governo. Veremos. O partido de Macron e o partido da direita clássica, Os Republicanos, também perderam. Apenas o partido Socialista mostrou alguma capacidade de recuperação em meio a uma eleição marcada pela abstenção (60%), sobretudo de pessoas idosas. Esta abstenção, assim como a grande vitória dos verdes, deveu-se em parte a pandemia. Os verdes, por serem inexperientes e internamente conflituosos podem não se sair bem no exercício do poder municipal que conquistaram, permitindo o ressurgimento das forças conservadoras.
Se a pandemia contribuiu para a vitória dos verdes na França, está facilitando a possível derrota de Trump nos Estados Unidos. Ela colocou por terra seu grande trunfo eleitoral que era o bom desempenho da economia americana. Por sua vez, sua gestão da saúde suscitou uma série de críticas, inclusive dentro do partido Republicano, que já tem um comité para lutar por sua derrota. Isso mesmo, um comité que já arrecadou milhões de dólares e divulga milhares de vídeos de ex-votantes de Trump que se dizem arrependidos e explicam o porquê para milhares de eleitores republicanos que não estão satisfeitos. A diferença nas pesquisas eleitorais de Joe Biden, o candidato democrata e ex-vice de Obama, já alcançou os dois dígitos. A última de que tenho notícia, de 7 de julho, era de 15%. A crise chegou ao comité eleitoral de Trump que demitiu aquele que lhe deu a vitória em 2016. Nada está ainda decidido, mas as chances de Trump se reduzem a cada dia. É possível, porém, que uma vez mais ele surpreenda, revertendo a tendência declinante, mas não será fácil. Se for derrotado a tendência de recuo da extrema direita deve se acelerar.
Os quatro eventos acima arrolados mostram derrotas de forças políticas de extrema direita, de caráter populista, embora ainda não seja completamente certo no caso dos Estados Unidos, pois as eleições só ocorrerão em 3 de novembro. Se o recuo da extrema direita é o evento mais visível, não se pode esquecer que as situações citadas mostram também a fragilidade do populismo, o evento político mais impressionante no século XXI, com cortejamento da esquerda e da direita.
A questão que mais interessa aos brasileiros é saber se processo similar tenderia, também, a ocorrer no Brasil. Os maiores indícios são negativos. Todas as pesquisas de opinião mostram que Bolsonaro perdeu prestígio desde medos de 2019, quando tinha uma aprovação superior a 40%, mas se estabilizou em torno dos 30%. Se as eleições presidenciais de 2022 fossem hoje ele estaria no segundo turno com cerca de 30% de intenção de votos. Deve agradecer, entre outros, a ausência de uma oposição consequente. As iniciativas de organizar uma oposição mais robusta não vão além de manifestos organizados por setores políticos e da sociedade civil. A oposição articula-se penosamente no Congresso. A esquerda se mantém dividida e o centro e centro-direita articulam-se apenas para evitar o controle da Câmara dos Deputados por parte do Executivo.
Os movimentos dos partidos políticos de esquerda indicam que ela partirá dividida para as eleições municipais de novembro. O PT mantém sua estratégia do “eu sozinho”. O restante da esquerda não consegue ampliar seu leque de alianças.
O passo mais vitorioso contra as investidas antidemocráticas do Presidente foi dado pelo Supremo, ultrapassando ou não suas prerrogativas. Sem que se saiba se este recuo não será seguido de novas investidas. Aparentemente, não, ou pelo menos não no mesmo tom, pois dois eventos são responsáveis pela mudança da tendência de queda de popularidade do Presidente: sua mudança de tática, abandonando a hostilidade em relação às Instituições democráticas e ingressando nas negociações políticas com os partidos do Centrão, que ele tanto renegava; e, sobretudo, a adoção de benefícios pecuniários à população mais carente, medida adotada em grande parte graças ao Congresso Nacional, por ocasião da pandemia. Um novo programa para institucionalizar esta prática está em curso, com possibilidade de mudar a tendência do comportamento eleitoral dos habitantes de menor renda no Nordeste. O que poderá reduzir as chances do PT chegar ao segundo turno.
Os segmentos ultraconservadores e conservadores da sociedade brasileira conseguiram, finalmente, seu líder, e um líder que tem a cara de seus liderados, em sua arrogância e desprezo pelas diferenças culturais, pelos procedimentos democráticos e pela vida dos brasileiros, sobretudo os mais pobres: “E daí?” Aliás, à semelhança do desembargador de Santos, e tantos outros que pululam neste país racista e machista.
Assim, duas das questões na agenda política são perguntas ainda sem respostas: a extrema direita continuará em refluxo no mundo, com a derrota de Trump? O Brasil seguirá o mesmo movimento em 2022?
Elimar Nascimento: A política quântica
O livro de Giuliano Da Empoli, Os engenheiros do caos, é um livro pequeno, mas que produz uma enorme inquietude nos espíritos daqueles que não concordam com o novo populismo, seja ele de esquerda ou de direita. Aliás, em alguns casos, como na Itália, o maior partido populista (Movimento 5 Estrelas) ignora esta distinção e ganha eleitores de uma parte e de outra. Na Alemanha, o partido populista Alternativa para a Alemanha (AFD) e, na França, o Front Nacional de Le Pen fazem o mesmo. Ganham eleitores da direita e da esquerda. Redutos de eleitores comunistas, socialistas e sociais democratas deslocam-se no apoio a estes partidos. Hoje, o AFD é a terceira força política na Alemanha e Le Pen a segunda na França.
Ao final da leitura, tentando visualizar a imagem que fica do livro, veio-me a representação da física quântica. Aparentemente, ela define melhor o que é a configuração da política populista no mundo moderno. A física newtoniana descreve um mundo mecânico, em que uma certa causa produz uma certa consequência. A unidade última das coisas é o átomo, dotado de propriedades estáveis. A física quântica explode o átomo e salpica nosso mundo de paradoxos que desafiam a racionalidade científica. Nela, uma realidade objetiva não pode existir, pois um simples “olhar” muda a trajetória de uma partícula, que pode ocupar dois lugares ao mesmo tempo. Assim, duas verdades podem existir sem que uma invalide a outra. Cada observador determina a sua própria realidade. Esta é a nova configuração da política hodierna, uma política quântica. É sobre esta base, movediça, que se erguem os novos populismos.
No livro, publicado pela Editora Vestígio no Brasil, Giuliano Da Empoli estuda a ascensão do populismo no mundo atual, citando várias situações, entre as quais a de Israel (Benjamin Netanyahu), França (Coletes Amarelos) e Brasil (Jair Bolsonaro). Centra-se, contudo, no estudo de quatro exemplos: Estados Unidos, com a eleição de Donald Trump; Inglaterra, com a votação do Brexit; Hungria, com a permanência no poder de Viktor Orban; e Itália, o “Valle do Silício” do populismo moderno, com a constituição e ascensão ao poder do Movimento 5 estrelas (M5E). Este é o partido-algoritmo que nasce em 2010, sob a direção de um comediante, Giuseppe Pierre Grillo, conhecido como Beppe Grillo. Mas, estes personagens ou movimentos são os visíveis, aqueles que podemos ver nos meios de comunicação. O que o cientista politico ítalo-francês, formado na Science Politique de Paris, nos mostra é mais interessante. Mostra os feitores do sucesso destas novas forças políticas e, sobretudo, as práticas que lhes deram a vitória. Mostra quem são aqueles que trabalham nas assessorias, nas sombras, para produzir estas vitórias “inesperadas”, e como eles trabalham: físicos, matemáticos, engenheiros, tecnólogos e estatísticos. Porque a vitória eleitoral destas novas forças políticas depende mais destes novos profissionais do que de cientistas políticos e comunicadores. Da Empoli desvela essas feições que a maioria de nós não tem nem ideia. São eles, entre muitos outros: Gianroberto Casaleggio (Itália), que aliado ao comediante Beppe Grillo cria o partido-algoritmo M5E; Dominic Cummings (Inglaterra), que conduz o movimento Brexit ao sucesso, quando as expectativas eram inversas; Steve Bannon (EEUU), o grande estrategista de Donald Trump, que revolucionou sua campanha eleitoral, e seu auxiliar, o inglês Milo Yiannopoulos; Andrew Breitbart, o mestre de Bannon; e Arthur Finkelstein, americano nova-iorquino que leva Benjamin Netanyahu a vencer Simon Perez, em Israel, e leva Orban ao poder na Hungria.
São realidades distintas as estudadas pelo autor, e como era de se esperar cada qual com suas diferenças, suas especificidades. Mas, elas têm elementos comuns. São estes, e não o específico de cada local, o que tem de mais relevante no livro. E que tentaremos mostrar aqui, de forma breve, em nove pontos.
As elites como inimigas, a inexperiência como qualidade. À semelhança dos demagogos na Grécia antiga e dos nazistas e fascistas dos anos 1930, os principais adversários do populismo moderno são as elites: financeiras, políticas e intelectuais. Para os seus eleitores, as elites constituem uma casta blindada formada por traidores do povo e da nação, indivíduos corruptos. No slogan dos líderes populistas, o mundo assiste, hoje, à revolta dos povos contra as elites globais, o capital financeiro, a intelectualidade de esquerda e, sobretudo, os políticos e partidos tradicionais, tanto de esquerda, quanto de direita. O comediante Beppe Grillo e os ministros do primeiro governo do M5E, em 2018, são neófitos na política e inexperientes no trato da coisa pública. Para seus eleitores, é sinal de pureza, de distanciamento das elites. Prova de que são “bons políticos”.
A política sem cortesia, a grosseria como valor. Em todos os casos estudados (EEUU, Itália, Hungria e mesmo Israel e Brasil) os líderes populistas são diretos, grosseiros, sem “papas na língua”. Isso, que poderia ser defeito, é lido como qualidade por seus leitores. É sinal de autenticidade. Traços que os distinguem das elites políticas, que seus eleitores odeiam e culpam por todos os males que sofrem: a perda de emprego e renda; as dificuldades no acesso aos serviços de saúde e educação de qualidade; o transporte sofrível e a habitação cara; a violência urbana; a ameaça à família tradicional, com os novos formatos; o desmoronamento dos valores tradicionais, por práticas discursivas dos esquerdistas e as ameaças imaginárias, provindas dos imigrantes, entre outros.
A política populista vive da mentira. Arthur Finkelstein define com clareza este aspecto da política do moderno populismo: “ninguém sabe de nada e o que você percebe como verdade passa a ser verdade”. O bom político é o cara que diz uma série de coisas verdadeiras para, em seguida, dizer uma série de coisas falsas. Uma mentira tem em média 70% mais chances de se propagar do que uma verdade. Como já dizia Mark Twain “uma mentira pode fazer a volta ao mundo no mesmo tempo em que a verdade calça seus sapatos”. No meio dos eleitores do populismo, um líder que agrega Fake News (FN) a sua narrativa é um homem de ação, que constrói sua própria realidade para responder aos anseios de seus seguidores. Pois, para estes, a veracidade dos fatos não conta. O que importa é a versão explicitada pelo líder, pois para os eleitores do populismo “Ele sabe, ele conhece, ele diz o que pensamos e sentimos. Ele diz a verdade”.
A raiva e o medo como motores da ação. A propaganda do populismo moderno é assentada nos sentimentos de raiva, medo e rancor, existentes no âmbito de pequenos grupos extremistas e, de maneira difusa, na grande massa dos seus eleitores. Os primeiros compõem o núcleo duro de seus apoiadores, que se mobilizam, investem, agem. Soldados em combate nas redes sociais, espalhando Fake News para todo lado. A estes, soma-se a grande massa dos eleitores que se sentem ameaçados por inimigos reais ou imaginários que são os imigrantes, a globalização, a União Europeia, a valorização da diversidade cultural, os valores tradicionais ameaçados pelas mudanças dos costumes etc.
É interessante observar como a raiva é o afeto narcisista por excelência, segundo os psicólogos. Afinal, a raiva é uma grande fonte de energia em pleno desenvolvimento no mundo inteiro. Por sua vez, ela é agudizada pelas redes sociais. Os líderes populistas a compreendem e a justificam: “a culpa é dos outros e você pode se tornar um soldado pela justiça, agregue-se a nós”. O mote da vitória do Brexit era: descubra porque as pessoas estão com raiva, identifique o quê, diga que a culpa é da Europa e peça para ela votar contra a Europa.
A xenofobia é outro traço do populismo moderno. Em todos os países que as forças populistas ascenderam, o nacionalismo é um elemento central dos discursos de seus lideres. Como diz Orban: “não queremos nenhuma minoria com patrimônio cultural diferente do nosso”. O sentimento anti-imigração reúne a direita e a esquerda sob o manto do novo populismo. Dessa forma, apenas repetem uma das características do nazi-fascismo dos anos 1930.
A propaganda costumizada e o fim dos programas partidários. As redes cultivam a cólera, exacerbam os conflitos de forma generalizada. Aproveitando deste fato, a publicidade populista rearticula os conflitos e os substitue pelo conflito entre “nós” e “eles”, o povo e as elites. Alimentada, sobretudo, pelas emoções negativas como a raiva e a cólera; aproveitando do escárnio dos excluídos como ferramenta para dissolver as hierarquias e o medo para mobilizar as pessoas em ações pouco racionais, a propaganda populista cria uma mensagem em conformidade com as características de cada eleitor. E tudo isso sem a necessidade de ter coerência no coletivo, pois cada um recebe a mensagem que lhe cabe. Ninguém sabe o que o outro recebe, só o centro da propaganda conhece cada um e os seus sentimentos. Não existe comunicação horizontal, só vertical. Para cada eleitor identificado e caracterizado pelos computadores é produzida uma mensagem particular, pessoal, com variações e modalidades distintas, e em grande quantidade. Trump emitiu 5,6 milhões de mensagens desta natureza; Hillary, sua rival, 66 mil.
As mensagens produzidas nos computadores visam mobilizar seus eleitores e desmobilizar os eleitores do adversário. Permita-me utilizar o exemplo de Trump, que está mais perto de nós brasileiros para explicar este último aspecto. Nas vésperas das eleições, a campanha dele enviou mensagens particulares para eleitores de Hillary, particularmente três grupos. Aos que apoiaram o candidato democrata que perdeu as primárias para Hillary, Bernie Sanders, foram enviadas mensagens das relações de Hillary com o mundo financeiro. Para as jovens mulheres, eleitoras do Partido Democrata, mensagens sobre “desvios” sexuais da família Clinton. Finalmente, para os afro-americanos foram enviados trechos de discursos da adversária, em geral retirados de seu contexto, que se referiam de maneira indelicada ou grosseira aos negros americanos. As mensagens legais, que tinham algum respaldo na imprensa, em relatórios ou livros eram enviadas pela central da campanha de Trump. As mensagens ilegais, Fake News sobre os mesmos temas, eram enviadas por centenas de centros distribuídos no mundo, inclusive São Petersburg, na Rússia.
A política tornou-se uma tarefa de softwares. O método dos assessores dos líderes políticos populistas, em todo o mundo, é o microtargeting: análises demográficas sofisticadas, levantamento de dados nas redes sociais e sondagens eleitorais constantes, correlacionadas por máquinas inteligentes e superpotentes. Identificar os eleitores, seus gostos, dúvidas e raivas é o objetivo primeiro. Com isso, produz-se mensagens customizadas em função dos rancores e dúvidas de cada eleitor. Como diz Dominic Cummingis: “Se você quer fazer progresso em política, contrate físicos ao invés de cientistas políticos e comunicadores”. O físico está habituado a trabalhar com uma infinidade de dados, o que não estão os cientistas políticos. Na física, o comportamento de uma partícula não é previsível, mas o de aglomerados, é. Pela observação do sistema é possível prever o médio, estabelecer padrões. O sistema possui características e regras que o tornam previsível. Os físicos e estatísticos sabem usar métodos de simulações dos sistemas, convergência para solução ótima e correlações entre as variáveis. Há 10 anos atrás, os dados não permitiam trabalhar com os aglomerados humanos, hoje sim. E cada ser humano pode ser tratado como uma variável de um sistema simulado.
Com a internet das coisas e o Big Data, teremos uma profusão de dados ainda maior sobre as pessoas, que permitirão fazer uma política de convencimento e mobilização como jamais vista no mundo. Cada eleitor receberá uma mensagem adequada ao seu perfil, e nenhuma outra pessoa saberá, salvo o centro emissor e controlador dos dados. E essa propaganda escapa a qualquer forma de controle.
O centro político se esvazia, os extremos crescem. Com a propaganda personalizada, o jogo político não consiste mais em reunir as pessoas em torno de um denominador comum, um programa de ideias e proposições, mas inflamar as paixões, estimular os grupelhos nos extremos e depois adicioná-los, mesmo à revelia. Unir os extremos e impedir os eleitores de convergirem para o centro.
Afinal, a política dos populistas é como um carnaval. Não há lugar para observador na política populista, todos são atores. Não há lugar para comportamentos politicamente corretos, tudo é gozação e grosseria. O intelectual progressista é um pedante, e é preciso ridicularizá-lo. Não existe compromisso com a verdade, com os fatos, mas apenas com a brincadeira, a narrativa do líder populista. Antes, havia opiniões e interpretações diferentes em torno dos mesmos fatos. Agora não, os fatos são distintos e existem ou não em função da narrativa de cada um, da verdade de cada pessoa. O carnaval não se afina com o bom senso, nem com a racionalidade habitual, ele tem sua própria lógica. Está concentrado na intensidade da narrativa e não na exatidão ou veracidade dos fatos.
Como dizem os especialistas em organização e mobilização, o absurdo é um fator organizacional mais eficaz do que a verdade. O carnaval da política populista se alimenta de dois elementos: a cólera de alguns meios populares e uma máquina superpotente de dados. Se Lênin dizia que o comunismo nascia do casamento dos sovietes e da energia, os engenheiros do caos afirmam que o populismo nasce do casamento da cólera com os algoritmos.
Para finalizar, duas conclusões de caráter mais geral: a) uma máquina superpoderosa irrompeu na política, transfigurando-a; b) as campanhas eleitorais se transformaram em guerras entre softwares. O jogo eleitoral mudou. Antes, predominava uma força centrípeta, ganhava quem ocupava o centro do corpo eleitoral. Agora, domina a força centrífuga, que estimula os grupelhos extremistas, radicaliza-os e, depois, agrupa-os no dia das eleições. A mensagem agora é individual e pode ser contraditória sem que ninguém perceba. O líder político se torna um homem oco, pois sua vontade é ditada pelo que as máquinas conseguem captar dos sentimentos dos indivíduos. Dessa forma, e de maneira surpreendente, as minorias intolerantes ditam o rumo da história em alguns países. Assim, a vitória dos líderes populistas depende da existência do apoio de uma minoria intolerante e de uma maioria tolerante. Afinal, os extremistas se tornaram o centro do sistema político.
Nem tudo está perdido, porém. Um sistema movido por uma força centrífuga escapa do ponto de equilíbrio e fica cada vez mais instável. E elementos de instabilidade concentram-se em diversas dimensões no mundo. Na economia, observa-se o aumento acentuado das desigualdades; no plano internacional, o crescimento exacerbado do nacionalismo e da xenofobia; na cultura, a intolerância cresce em relação aos que pensam diferente; na política, registra-se o crescimento das forças extremas do leque ideológico; no social, constata-se o incremento dos processos de exclusão social. Finalmente, na dimensão ambiental, a crise ecológica não é corretamente enfrentada com riscos crescentes para as condições da vida dos humanos, senão da sua própria existência. Tudo isso causa uma enorme instabilidade no mundo e não sabemos quando ocorrerá a ruptura. E, sobretudo, para onde ela nos levará.
De toda forma, há sinais interessantes de reação, inclusive no berço do populismo moderno, a Itália, como o movimento conhecido como das Sardinhas. Vale a pena conhecê-lo.
*Sociólogo, com doutorado pela Université de Paris V (René Descartes, 1982), e pós-doutorado na École des Hautes Etudes en Sciences Sociales. Professor associado dos Programas de Pós-Graduação do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UNB) e do Programa Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Autor do livro Um mundo de riscos e desafios: conquistar a sustentabilidade, reinventar a democracia e eliminar a nova exclusão social (FAP, 2020).
Elimar Pinheiro do Nascimento: Fios do Tempo. O impeachment é viável?
Será que o impeachment de Bolsonaro é viável? Esta é a questão que Elimar Pinheiro do Nascimento se propõe a responder hoje no Fios do tempo. A partir de uma perspectiva comparativa, tomando os exemplos anteriores dos impeachments de Collor e Dilma, Elimar do Nascimento expõe cuidadosamente as variáveis normalmente necessárias para haja a viabilidade de um processo de impeachment. Como ele mostra, uma resposta plausível depende de uma análise das relações da “opinião pública”, das ruas, dos mídias, do Congresso e do empresariado com o Governo Bolsonaro. Desta forma, tendo um olhar sociológico com um inteligente distanciamento dos interesses imediatos de militância, o autor faz uma reflexão lúcida sobre como, apesar de muitos desejarem o impeachment, tudo indica que ele é, por enquanto, inviável.
A. M.
Fios do Tempo, 14 de maio de 2020
O impeachment é viável?
13 de maio de 2020
Independentemente do julgamento que fizermos sobre o processo de impeachment já utilizado no País por duas vezes em menos de 30 anos, o assunto veio à ordem do dia quando no domingo 19 de abril o Presidente esteve presente e apoiou uma manifestação que defendia o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, em frente ao quartel general do Exército. O tema foi reforçado, em seguida, quando o Presidente pretendeu humilhar o, até então, ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, comunicando-lhe a mudança do chefe da Polícia Federal pelo simples motivo de que a corporação não estaria lhe prestando as informações sigilosas sobre processos contra os seus familiares e aliados. Um claro abuso de autoridade e desrespeito às instituições democráticas. Antes, preparou a mudança certificando-se, em conversas palacianas, do apoio do Centrão, que conta com cerca de 200 cadeiras na Câmara dos Deputados. Em troca do quê, ainda não sabemos, mas podemos imaginar. Os dois primeiros cargos já foram cedidos a esse agrupamento político: a direção do DNOS e Secretaria Nacional de Mobilidade e Desenvolvimento Regional do Ministério do Desenvolvimento Regional. Mas, outros virão.
Em face dessa conjuntura, a pergunta sobre a viabilidade do impeachment tem cabimento.
Os dois casos anteriores de impeachment no Brasil mostram que pelo menos cinco condições devem ser preenchidas para que o processo, traumático, tenha sucesso: 1) estar, o Presidente, com índice de aprovação inferior a 10%; 2) ter na oposição a maioria da mídia; 3) perder o apoio da maioria dos grandes empresários; 4) perder a batalha das ruas e, finalmente; 5) ter a maioria esmagadora dos congressistas na oposição (2/3). Este último critério, aliás, só é preenchido depois que os anteriores se cumprem. Collor de Mello caiu depois de ter, nos 12 meses antes de sua queda, 48 das 52 edições das capas da revista Veja com reportagens de críticas e denúncias à sua gestão. Dilma precisou fazer um estelionato eleitoral, ter uma operação extraordinária de combate a corrupção no governo petista, que se alastrou por mais de dois anos antes de sua queda, e uma recessão econômica extraordinária no primeiro ano de seu segundo mandato, em 2015, para cair. Claro que uma crise econômica sempre favorece a perda de apoio popular e empresarial do Presidente, o que poderá ocorrer no segundo semestre deste ano. Porém, ainda não se sabe a quem a população culpará pelo recesso econômico.
Vejamos em que medida as condições, aparentemente indispensáveis a um impeachment, estão preenchidas ou em vias de o serem.
Pesquisa do jornal Folha de São Paulo, de 27 de abril, mostra que a maior parte dos brasileiros (48%) são desfavoráveis a um processo de impeachment. Apenas 45% são favoráveis. O mais importante, contudo, é que nesta mesma pesquisa, 33% aprovaram o governo de Bolsonaro. Aprovação que era de 30% em dezembro de 2019. A reprovação de seu governo é de apenas 38%. Em pesquisa mais recente, 7-19 de maio, da CNT/MDA, apoiam o Presidente 32% dos entrevistados, com queda de 2,5% desde janeiro de 2019. Ou seja, apesar de todos os feitos Bolsonaro mantém o apoio de 1/3 dos brasileiros. Dilma, às vésperas do impeachment tinha 7%. Portanto, a condição de perder, de maneira esmagadora, a luta da opinião pública não está preenchida. Ao contrário, o Presidente mostra ter um contingente de apoio de grande fidelidade. Minoritário, mas expressivo e, sobretudo, capaz de lhe levar ao segundo turno, que ele imagina ser contra o PT, o que lhe daria possibilidades reais de vencer. Registre-se que reeleição é o projeto prioritário do atual presidente.
Em relação à mídia, Bolsonaro adotou uma postura inteligente, diferentemente de Dilma e Collor. Primeiro, manteve ativa sua potente comunicação via internet, além de dezenas de comunicadores que o apoiam, não se sabe muito bem por quê. Segundo, tem tentado enfraquecer e desacreditar o canal de TV que lhe é mais crítico, e de maior audiência no País, a TV Globo, enquanto alimenta outros canais, particularmente a Record, com grupo dirigente reconhecidamente evangélico e conservador. Seus ataques constantes ao grupo Globo, que se somam às críticas dos petistas, têm como único objetivo desclassificar seu noticiário. Dessa forma, ele mantém fiel a si uma parte da mídia e veicula suficientes informações para alimentar as narrativas em seu favor, mantendo a opinião pública dividida.
Não há indícios claros, por enquanto, de perda do apoio da maioria dos grandes empresários. Pelo menos desconheço informações consistentes neste sentido. E, inteligentemente, Bolsonaro mantém seu ministro da economia, sua ponte mais segura com o mercado. Além de insistir em um discurso de retomada do trabalho, contra todas as prescrições dos especialistas, mas que agrada a maioria dos empresários.
Quanto às ruas, apenas os bolsonaristas a ocupam, com muito barulho, muitos carros e pouca gente, como as manifestações de 27 de abril e 9 de maio em Brasília. As pessoas que dele discordam, que são maioria no País, porém não absoluta (43,4% segundo a CNT/MDA), têm receio da pandemia e se manifestam apenas por panelaços nas janelas, e nas redes sociais. Fazem um pouco de barulho, mas em locais bem definidos e sem o poder de imagem que tem uma avenida paulista repleta de gente. Sem dúvida, como afirma Marcus André (colunista da Folha de São Paulo), a pandemia atrapalha.
Finalmente, com o aceno ao Centrão, Bolsonaro se prepara para uma eventual, mas improvável batalha congressual sobretudo após o fato de Lula ter dado ordens para o PT não assinar o pedido de impeachment que deputados começaram a preparar no início de maio. Não interessa ao PT a saída de Bolsonaro, pois, com ele, tem mais chances de ir ao segundo turno. De toda forma, o apoio do Centrão pode ser extremamente útil a Bolsonaro, caso os processos que correm no STF, inclusive o das denúncias de Moro, progridam de maneira desfavorável aos seus interesses. Questão que Bolsonaro tratou de reduzir ao nomear como seu novo ministro da Justiça e Segurança Pública um amigo do Presidente do STF, o ex-dirigente da AGU e forte candidato ao STF, André Mendonça, que ele denominou de “terrivelmente evangélico”.
Assim, a permanência de Bolsonaro, por enquanto, está assegurada. Em política as conjunturas mudam com rapidez, contudo, a probabilidade ainda é pequena e, no momento, inexistente.
Elimar Pinheiro do Nascimento é sociólogo, com doutorado pela Université de Paris V (Rene Descartes, 1982), e pós-doutorado na Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales. Professor associado dos Programas de Pós-Graduação do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UNB) e do Programa Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
Como citar
NASCIMENTO, Elimar Pinheiro do. O impeachment de Bolsonaro é viável? Fios do Tempo (Ateliê de Humanidades), 14 de maio de 2020. Disponível em: https://ateliedehumanidades.com/2020/05/14/fios-do-tempo-o-impeachment-e-viavel-por-elimar-pinheiro-do-nascimento/
Compre na Amazon: Livro Um Mundo de Riscos e Desafios propõe recriar democracia
Obra do sociólogo Elimar Nascimento, publicada pela FAP, está à venda na internet
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
“Recriar a democracia, torná-la eficiente e estratégica, é um desafio do Brasil, mas também de todos os humanistas, onde quer que estejam”. A avaliação consta do final do livro Um Mundo de Riscos e Desafios (216 páginas), do sociólogo e professor da UnB (Universidade de Brasília) Elimar Pinheiro do Nascimento. A obra, publicada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira) e que está à venda no site da Amazon, também discute como evitar a nova exclusão social.
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O livro é composto de capítulos que nasceram de artigos publicados entre as décadas de 1990 e 2010, salvo um, inédito. Portanto, o leitor pode usar a sua autonomia para começar por onde lhe for mais interessante, sem prejudicar o entendimento da obra como um todo. O sociólogo também é integrante do Conselho Curador da FAP.
Ao longo de sete capítulo, Nascimento aborda os seguintes assuntos: sustentabilidade; crise ambiental e democracia; possibilidade de recriar a democracia; modernidade, globalização e exclusão social; a dinâmica dos que ficam dentro e fora, no contexto da globalização e exclusão; o pluralismo da sociedade; e os excluídos necessários e os excluídos desnecessários.
De acordo com o ex-senador Cristovam Buarque, que assina o prefácio, o livro apresenta uma análise rigorosa sobre os dois maiores problemas que a humanidade vai enfrentar nas próximas décadas: degradação ecológica, provocada pelo crescimento da produção e do consumo; e degradação moral, provocada pela ampliação da desigualdade social.
“O ‘grande risco’ de que trata o autor instiga cada leitor a imaginar a extinção da civilização, em suas características atuais, seja pela ruptura do equilíbrio ecológico, devido à falta de base material, seja pela ruptura do equilíbrio social, devido ao agravamento da desigualdade, provocando exclusão permanente de uma parte da humanidade”, escreve Cristovam.
O autor considera que a sociedade vive em um mundo perigoso, com crises de múltiplas naturezas e incertezas crescentes. “Uns se preocupam com o vazio e a falta de futuro dos humanos, o consumismo e o aumento de doenças como depressão, câncer e crescimento das taxas de suicídio. Outros, com a degradação ambiental, com o aumento da perda da biodiversidade e riscos crescentes dos eventos críticos climáticos”, afirma o sociólogo.
Além disso, há aqueles que se preocupam com o risco de guerra atômica ou a impossibilidade de os jovens ocidentais escolarizados encontrarem uma forma de se sustentar com os próprios meios. “Os medos se espalham, e uma visão pessimista ganha asas e percorre as sociedades ocidentais, de norte a sul”, afirma, para continuar em outro trecho: “No entanto, sem negar os riscos, o mundo é melhor hoje do que ontem”, assevera o professor da UnB, instigando cada leitor a refletir sobre como conquistar a sustentabilidade, reinventar a democracia e eliminar a nova exclusão social.
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Cristovam Buarque: Riscos e desafios
Nas ciências sociais, a academia brasileira tende a concentrar reflexões e teses sobre pequenos problemas no Brasil. Deixa aos acadêmicos estrangeiros o papel de estudar os grandes temas da humanidade e as grandes tendências da civilização. Mesmo quando estudamos assuntos atuais, como a crise ambiental, dedicamo-nos mais ao estudo dos problemas em microespaços de nossos biomas do que na relação homem-natureza e o avanço ou retrocesso civilizatório.
O professor da Universidade de Brasília, Elimar Nascimento, faz parte de um grupo que pensa o mundo. Há 30 anos, ele criou o Centro para o Desenvolvimento Sustentável (CDS) com o propósito de focar, de maneira multidisciplinar, grandes problemas da humanidade. Nessa criação foi decisiva a contribuição do então reitor Antonio Ibañez e de seu assessor de planejamento, Rubens Fonseca. Foi Elimar, com outro professor, Marcel Burstin, que transformou uma ideia num centro acadêmico dinâmico que, graças a muitos outros dirigentes, professores e alunos, hoje tem centenas de teses publicadas e conseguiu replicar-se em outras unidades da Federação e até no exterior.
O novo livro de Elimar, Um mundo de riscos e desafios – conquistar a sustentabilidade, reinventar a democracia e eliminar a nova exclusão social, é resultado de reflexões pessoais, embora nele tenha agradecimentos a professores e alunos do CDS pela contribuição na elaboração da obra, publicada pela editora da Fundação Astrojildo Pereira. O livro tem a amplitude que se vê em grandes pensadores do mundo e tem tudo para fortalecer ainda mais o prestígio internacional do autor, já consolidado na França, onde ele fez doutorado.
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A publicação se afirma na bibliografia internacional como grande contribuição na discussão dos temas do decrescimento da democracia e da modernidade relacionada à globalização e à exclusão. Sobretudo se afirma como contribuição ao debate mundial sobre o futuro da humanidade.
O autor fala do tema tabu, na mente e na academia brasileira, do decrescimento. Embora o próprio autor lembre que, em Mitos do desenvolvimento, Celso Furtado já falasse nos limites do propósito do desenvolvimento econômico e que, antes disso, o professor romeno Nicholas Georgescu-Roegen alertasse para a entropia econômica, é preciso reconhecer a ousadia do Elimar no capítulo “A loucura desenvolvimentista”, ao propor o debate sobre a substituição do crescimento pela busca do decrescimento feliz.
Essa ousadia é apresentada com forte sustentação bibliográfica, citando dezenas de autores, quase todos do exterior, que há décadas demonstram não apenas os limites físicos ao crescimento, como também os limites existenciais do progresso desenvolvimentista, incapaz de gerar felicidade apenas pelo consumo. Em Brasília, um dos primeiros a trazer essa ideia foi o professor da UnB, João Luiz Homem de Carvalho.
O capítulo em que o professor Elimar apresenta ideias para a reinvenção da democracia nos permite perceber autores e análises que demonstram os riscos que a democracia sofre no mundo. É um capítulo que nos alerta das ameaças à democracia e nos permite pensar nos limites e insuficiências próprias do sistema democrático.
Inventada há 2.500 anos para as cidades gregas, a democracia não parece ser capaz de dar respostas aos problemas planetários: meio ambiente, migração e massa, comunicação simultânea e universal, fake news, internacionalização financeira e comercial, corrupção, esgotamento do Estado. A democracia não está apenas ameaçada, ela é insuficiente para orientar o mundo.
Ela não será capaz também de barrar o uso das novas tecnologias para ampliar o fosso entre pobres e ricos, levando à exclusão e até a um apartheid biológico, não apenas racial. O professor Elimar avança no assunto da exclusão a níveis raramente vistos na literatura acadêmica. Uma análise cujo único defeito seria a visão otimista de que ainda há esperança para o homo sapiens não se transformar no homo escorpius, que se suicida porque a voracidade do consumo está na sua natureza.
Ainda é cedo para saber se prevalecerá o homo escorpius suicida ou se um homo novus surgirá superando os riscos e os desafios que o autor apresenta. De qualquer forma, pode-se dizer que o livro precisa ser lido e terá papel importante na formulação de uma alternativa sustentável para o futuro da humanidade, a partir de um pensamento universal formulado no Brasil, no CDS/UnB, graças à formação acadêmica e ao humanismo de um de seus fundadores.
Nova exclusão social é explicada em vídeo por professor da UnB Elimar Nascimento
Em retrospectiva, FAP divulga aula de sociólogo durante IV Encontro de Jovens Lideranças
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
O sociólogo e professor da UnB (Universidade de Brasília) Elimar Nascimento diz que “a nova exclusão social ameaça a democracia porque tende a estigmatizar determinados grupos que ficam ameaçados”. Em palestra ministrada no dia 16 de janeiro para participantes do IV Encontro de Jovens Lideranças, realizado pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), ele disse que a nova exclusão social é, basicamente, a construção de grupos vistos pelas elites econômica, política e social com três características. “São desnecessários economicamente, socialmente perigosos e politicamente incômodos porque não sabem votar”, explicou.
» Confira abaixo o vídeo da palestra ou clique aqui!
https://www.youtube.com/watch?v=353oTmazGzc
De acordo com o professor, o perigo da nova exclusão social é que, já que são vistos como desnecessários economicamente, esses grupos não têm importância se morrem ou vivem. “Nem escravo é visto assim porque ele precisa ficar vivo para continuar sendo explorado”, ressaltou ele. O evento foi realizado em Corumbá de Goiás, a 125 quilômetros de Brasília, de 15 a 18 de janeiro.
Nascimento também abordou a crise ecológica no Brasil. “Dos nove indicadores da saúde ambiental, estamos derrotados em oito, conforme artigos internacionais”, afirma. “No país, está aumentando gases de efeito estufa, a perda da biodiversidade, a pesca degradante”, acentua.
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Elimar Pinheiro do Nascimento: Cidadania
Na semana retrasada, 23/03, o País viu nascer mais um partido. Não deveria ser evento para comemorações, tal a quantidade de partidos hoje existente, e vários sem finalidade maior do que a de arrecadar fundos para alguns pelegos ou servir de guarda-chuva para políticos sem ideologia nem bandeiras. Verdadeiros balcões de negócios. Mas não se trata de mais um partido, nem um partido convencional. O PPS, antigo PCB, decidiu mudar de nome como um primeiro passo para criar uma agremiação política de novo estilo. À mudança de nome deverá seguir-se uma mudança de estrutura e bandeiras para, em sintonia com os novos tempos, acolher forças políticas dispersas que podem reunir-se em torno de uma plataforma mais moderna e antenada com as mudanças técnicas, políticas e econômicas mundialmente em curso.
Cidadania é o novo nome do partido. Nem melhor nem pior do que outros como Rede Sustentabilidade, Podemos, Avante, Solidariedade, Democratas e tantos outros. Alguns destes decidiram mudar o nome para não mudar o conteúdo, nos passos do velho Lampeduza, que o mineiro Antônio Carlos atualizou para nossos trópicos com a frase – Façamos a revolução antes que o povo a faça. Rede é uma exceção e, sem dúvida, a melhor e mais diferenciada das proposições, pois tinha um substrato ideológico e uma líder nacional e de reconhecimento internacional. Porém não vingou. A forte polarização das eleições do ano passado a esmagou, antes que assumisse um corpo visível.
Cidadania parece distinto. Tem uma história importante no País, uma postura de acolhimento do novo, e um espírito democrático começa a ventilarlhe as entranhas. Sua intenção, com a mudança do nome, é a de acolher agremiações partidárias ameaçadas pela nova legislação eleitoral, que impede as coligações em candidaturas proporcionais, ao mesmo tempo que requer um quorummínimo de votos, para ter acesso ao fundo partidário e à propaganda eleitoral nos meios de comunicação, fora dos períodos eleitorais. Nessa situação, ou os partidos pequenos se fundem ou desaparecem. Claro que podem tentar mudar a legislação. Nenhuma novidade para um País que tem uma legislação distinta para cada pleito eleitoral, há mais de 30 anos. Porém, as condições não são favoráveis. Assim, ou se fundem ou morrem.
A intenção da agremiação renovada vai mais além, na tentativa de acolher membros dos novos movimentos nascidos da conjuntura de 2013/2014 e que ganharam visibilidade em várias partes do País: Livres, Acredito, Agora etc.
Contudo, para vingar será necessário que o Cidadania mude sua arcaica estrutura, assumindo feições mais horizontais do que verticais. Estruturas mais transparentes e participativas, com uso das novas tecnologias. Com um novo estilo de direção, de transparência e rotatividade, em que seus dirigentes sejam definidos por períodos de dois anos, renováveis apenas uma vez. Como já é a sua Fundação Astrojildo Pereira. Uma direção mais efetivamente coletiva e democrática, mais horizontal e menos vertical, com valores como a comunicação não violenta e o estímulo à participação efetiva das mulheres, dos jovens e de pessoas de todas as regiões do País.
O nome tem um apelo. Cidadania vem de cidade, que se desdobrou na denominação de seus habitantes, como cidadãos, o que significa hoje indivíduos revestidos de direito. Habitantes de um espaço que participam da gestão pública. Não há democracia, nem sociedade moderna, sem cidadania, sem que os habitantes do país tenham as mesmas chances de estudar, desenvolver-se e participar da vida pública.
Cidadania, portanto, tem um grande desafio. Contribuir para tornar este país uma sociedade de cidadãos. Uma sociedade sem exclusões sociais. Uma sociedade que ofereca aos seus membros o mesmo acesso a uma educação de qualidade, sejam eles pobres ou ricos. Educação é o caminho hoje do desenvolvimento, não é a indústria, nem o agronegócio, mas o conhecimento, com o qual as pessoas, dominando a ciência e a tecnologia modernas, inovam e prosperam, respeitando o meio ambiente. Com educação de qualidade para todos pode-se caminhar para se desfazer as desigualdades que marcam nossa sociedade e fazem do Brasil o décimo país mais desigual do mundo. Um País sem República plena, com semiescravos. Um País que tem tudo para ser rico e saudável, mas as velhas estruturas e uma elite atrasada, como dizia Manuel Bomfim, não o permitem.
Assim, uma forte agenda de reformas deverá erguer a nova agremiação, se quiser, de fato, jogar um papel importante na criação de uma sociedade mais democrática, menos injusta e mais próspera. Reformas que nem o PSDB nem o PT conseguiram realizar. Reformas que destruam as mordomias e as desigualdades gritantes que impedem o nosso avanço para o século XXI, excrecências que se acumulam desde o século XVI, no período colonial. Reformas que destruam esse Estado cartorial e burocrático, e o transformem em uma máquina de serviços efetivamente voltados para os interesses públicos (não confundir com estatais), com mais e melhores serviços e menos intervenção na economia. Reformas que favoreçam a criação de expressões políticas sólidas, e uma governabilidade ancorada nas proposições partidárias, e não no “toma lá, dá cá”. Reformas que estimulem a economia, desonerem a produção, tornando-a de fato eficiente, com o uso racional dos recursos naturais. Condição sine qua nonpara que os brasileiros tenham seus direitos assegurados. Não há justiça social sem economia eficiente. Não há futuro sem economia que respeite a natureza.
Enfim, desafios que demandarão de seus membros, sobretudo, ousadia, muita ousadia nos objetivos e, sobretudo, na forma de alcançá-los. Mais do mesmo ninguém suporta. Organização vertical e autoritária, a cidadão nenhum interessa. Será o suicídio.
FAP Entrevista: Elimar Nascimento
Especialista em Desenvolvimento Sustentável, Elimar Nascimento critica o fato do tema estar fora das discussões neste ano de eleições no Brasil
Por Germano Martiniano
O entrevistado desta semana da série FAP Entrevista é o sociólogo Elimar Pinheiro do Nascimento, professor permanente do Programa de Pós-Graduação de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UnB) e do Programa de Pós-Graduação Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Com doutorado na Universidade Rene Descartes e pós-doutorado na Ecole des Hautes em Ciências Sociais na França, Elimar também foi professor em Moçambique e no Equador. Participou dos governos de Zamora Machel (Moçambique), Miguel Arraes e Cristovam Buarque. Atualmente, também escreve artigos para o site Política Brasileira (http://blogdapoliticabrasileira.com.br/autor/elimarnascimento/). Esta entrevista faz parte de uma série que a FAP está publicando, aos domingos, com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, com o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições.
Elimar tratou de temas que se destacam quando o assunto é o ensino superior no Brasil: aliciamento ideológico, avanço tecnológico e o mundo do trabalho, além do controverso curso “O Golpe de 2016”, referência ao Impeachment de Dilma Rousseff. “A Universidade é um espaço de diálogo, de controvérsias, de confrontos de visões e interpretações diferentes", avalia. "Por minhas impressões, cursos desta natureza não são bons”, destaca Nascimento, sobre o curso que foi ministrado na UnB.
Além das questões relacionadas às universidades brasileiras, o sociólogo também conversou com a FAP sobre o atual momento da política brasileira. Especialista em Desenvolvimento Sustentável, ele analisa com preocupação o momento atual em nosso país, por ver que o tema não faz parte do centro das discussões políticas. “A questão do Desenvolvimento Sustentável é marginal aqui no Brasil, como o é nos Estados Unidos, na França e na maioria dos países democráticos. Ele é muito genérico, pouco palpável para as pessoas”, afirma Nascimento.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista:
FAP Entrevista - Qual a opinião do senhor sobre o curso “O Golpe de 2016”, que também será ministrado em outras reconhecidas universidades brasileiras, como a Unicamp, por exemplo?
Elimar Nascimento - Minhas impressões sobre um curso desta natureza não são boas, porque desde o título ele revela uma visão muito ideologizada e partidária, que não deveria ter espaço na Universidade. Nenhuma instituição de ensino, sobretudo pública, deveria ser espaço de um partido, mas o fórum de muitas visões partidárias, de muitas ideologias, e não de uma única. Os partidos podem ter suas escolas de formação doutrinária, como têm as religiões. A Universidade é um espaço de diálogo, de controvérsias, de confrontos de visões e interpretações diferentes. Como um aluno, que tem a interpretação de que o impeachment foi legal, pode ter lugar em um curso desta natureza? Se o título fosse uma pergunta e não uma afirmação teria sentido. Se fosse uma escola de partido, também. Embora mesmo neste caso, quando o ensino é muito doutrinário não vale de nada. Já fui professor de marxismo na Universidade Eduardo Mondlane de Maputo, Moçambique. Mas mesmo neste caso utilizava textos de Marx, Engels, Lenine, mas também de Mao Tse Tung e Trotsky, além de outros. Os alemães levaram uma denúncia contra mim, por causa disso. E a secretária geral do MEC chamou todos os professores de marxismo da Universidade e disse: “A divergência sino-soviética vocês deixam no aeroporto, aqui ensinamos o marxismo em todas as suas versões. O camarada Elimar está certo”.
Carlos Maurício Ardissone, doutor em Relações Internacionais da PUC/RJ, disse em artigo para o Estado de São Paulo, publicado nesta semana, que existe um aliciamento ideológico nas universidades brasileiras. As quais, em sua maioria, estão dominadas por uma esquerda dogmática. O senhor concorda com esta avaliação?
Plenamente não. Creio que nas universidades públicas existe um conjunto de docentes muito dogmatizado, muito ideologizado, sobretudo nas Ciências Sociais. Mas, existem docentes com visões diferentes, que têm compromisso com as metodologias científicas, valorizam os dados empíricos e estão abertos a examinar os fatos de maneira mais abrangente, em suas diversas dimensões. Professores pesquisadores que têm conhecimento das mudanças que ocorrem no mundo, e da riqueza da produção científica internacional e recente, com abordagens distintas. Outros, muitos dos quais não estudaram o marxismo realmente, ficam repetindo frases de efeito, algumas das quais eles mesmos não compreendem plenamente. Quantos desses professores leram O Capital? A explicação primária do marxismo é fácil e cômoda. Não precisa trabalhar muito, as repostas já estão dadas. O capitalismo é o responsável por tudo que de mal acontece no mundo. Nem se dão conta que a proposta socialista morreu com a queda do Muro de Berlim, em 1989. E agora está sendo enterrada em Cuba. Preguiçosos, não trabalham para construir uma outra alternativa. Vivem olhando o retrovisor, como muitos dos candidatos a presidente no Brasil, atualmente.
O mundo do trabalho se modifica a cada dia de acordo com o avanço tecnológico. Existem estudos que indicam que, dentro de pouco tempo, profissões tradicionais deixarão de existir. As universidades brasileiras estão se atualizando para acompanhar as mudanças que ocorrem em todo o mundo?
O problema é que quando falamos de Universidade no singular. Necessariamente ocorremos em erros de avaliação. Não existe uma Universidade, existem departamentos, faculdades, institutos, centros, laboratórios dos mais diversos. Existem professores e pesquisadores de todos os tipos. Desde os mais produtivos até os mais improdutivos. Existem doutores de ponta e existem doutores semianalfabetos. Existem professores que estão a par do que se passa em sua disciplina e em seu campo de pesquisa, mas também o que se passa no mundo em geral; e outros, que sabem apenas o que se passa em seu campo de pesquisa, pois são superespecialistas. E outros, nem isso. A profunda disciplinaridade que nos orienta faz com que parte dos professores pesquisadores não saiba o que está acontecendo no mundo das tecnologias disruptivas. Não os condeno, foram formados na especialidade e seus méritos e reconhecimentos nascem dos novos conhecimentos que produzem em suas áreas respectivas. Por isso, não posso fazer afirmações genéricas, nem acho que todos os professores deveriam estar a par destas tecnologias. Mas, sei que existem professores e pesquisadores que trabalham com estas questões e estão assustados com alguns de seus efeitos possíveis.
A Segunda Turma do Superior Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta semana, retirar do juiz Sergio Moro as delações da Odebrecht no processo do sítio de Atibaia contra o ex-presidente Lula. Qual sua opinião em relação à essa decisão do Supremo?
Há mais de um ano defendo a tese de que os interesses contra o combate à corrupção serão maiores na medida em que as investigações se aprofundam e os candidatos à punição se ampliam. Portanto, em um certo momento operações investigativas deveriam sofrer duros golpes. Os atores contra o combate à corrupção se ampliam, suas alianças se fortalecem, assim como a ousadia de seus atos. As investigações estiveram, inicialmente, concentradas em empresário, diretores de empresas e políticos sem mandato. A maioria ligados aos PT porque era o partido que estava na Presidência. Por isso, Palocci, Vaccari, José Dirceu e Lula foram presos. Aos poucos, personalidades importantes do MDB também foram atingidas como Cunha; e do PSDB ameaçadas, como Aécio e Azeredo; e do PP, Ciro e cia. Enfim, o mundo do câmbio, dos dirigentes de empresas estatais, das empreiteiras, da comunicação de campanhas eleitorais e dos políticos do PT foram profundamente atingidos. Começou agora a vez dos outros partidos. Mas, outros “mundos” estão, também, na mira das investigações, como o do setor bancário e outros estão apenas no começo como o “mundo” dos TCs, e o mundo do Judiciário? Será que não será atingido?
A Lava-Jato corre riscos de ser minada por essas decisões?
Assim como a Operação Mãos Limpas na Itália foi derrotada, a Operação Lava Jato está sendo minada. Lá, a partir do Legislativo, aqui a partir do Judiciário. Não sabemos ainda se será derrotada, mas os interesses contrários são muitos, e que vão da direita à esquerda. E divide o STF. Sob as mais diversas alegações ministros se colocam contra, mudam regras, soltam suspeitos, fazem de tudo para desmoralizar a Operação e enterrá-la. Interesses de amigos estão sendo atingidos. E têm outros que ainda não sabemos? É impressionante que um partido que se diz de esquerda seja contra a prisão após condenação em segunda instância, que favorece apenas aos ricos e corruptos. Concluindo: os interesses contra o combate à corrupção estão aumentando, incorporando não apenas políticos ameaçados, mas também juízes, artistas e intelectuais (alguns afirmam que o problema da corrupção é um problema de menor importância)
Demétrio Magnoli, em seu último artigo, “O partido que não temos”, falou sobre o esgotamento ideológico do PT e PSDB. Você acredita que, não somente nessas próximas eleições de 2018, mas pensando no futuro da política brasileira, chegou ao fim essa bipolarização?
A polarização que conhecemos de 1994 a 2014 acabou. No momento ela dá lugar a outra polarização, entre o populismo retrógrado e o populismo autoritário. Mas não sabemos se esta polarização prevalecerá nos próximos meses. Os tempos atuais são de muitas mudanças e incertezas.
Como o senhor analisa a candidatura do ex-ministro do STF Joaquim Barbosa à Presidência? Ele seria um nome capaz de unir o centro democrático brasileiro?
Qualquer candidato de centro, que tiver muitas intenções de voto e não estiver nos polos populistas, deverá atrair interesse, mas não será capaz de unir o centro. Caso o ministro Joaquim Barbosa decida ser candidato, deverá ter uma expressiva intenção de voto, mas isso não fará Marina Silva desistir de sua candidatura. E se a direção do PSDB não se manifestar, Alckmin deverá ser manter, na esperança que o tempo de TV lhe proporcione a oportunidade de reverter a fraca intenção de voto que tem hoje. Portanto, a dispersão eleitoral deverá se manter. Embora, aos poucos, se revele que apenas três, no máximo quatro, terão condições de estar no segundo turno.
Pesquisas apontam que a principal pauta das eleições 2018 para os eleitos é o combate à corrupção. Pautas como a do Desenvolvimento Sustentável, que o senhor defende, têm sido colocadas às margens do debate político?
O tema do Desenvolvimento Sustentável é marginal aqui no Brasil como o é nos Estados Unidos, na França e na maioria dos países democráticos. Ele é um tema muito genérico, pouco palpável para as pessoas. Perderá sempre de temas mais prementes como segurança, saúde, educação, emprego etc. O tema da corrupção será importante, mas menos do que dizem as pesquisas – pelo defeito intrínseco que elas carregam. Lula está preso, e muitos de seus eleitores acreditam que ele transgrediu a lei, mas o que fez pelo povo justifica os “poucos deslizes” que cometeu. Nós temos uma cultura muito permissiva. Há discursos que são fundamentais de serem pronunciados porque são “politicamente corretos”, mas nem sempre são fatores decisivos em nossas decisões. Nas redes sociais todos os candidatos serão corruptos, inclusive a Marina. Para isso foram construídos os Fake News. Ninguém vota em um candidato, mas na imagem que se construiu do candidato. Como na vida real, o que importa não são os fatos, mas as suas versões.
O que o próximo presidente deve priorizar para que a economia brasileira cresça de maneira sustentável?
O próximo presidente precisa compreender que o capital natural é um dos capitais mais importantes no futuro, juntamente com o capital cultural (educação e inovação). Temos mais a ganhar com as florestas em pé do que derrubadas. Precisamos colocar a ciência e tecnologia para trabalhar para nós, no sentido de retirar riquezas da floresta, sem degradá-la. Deverá compreender que a crise ambiental não é algo de menor importância, e que não existe planeta B. Temos um só com a população crescendo a cada dia e uma forma de produzir e consumir absolutamente irracional no ponto de vista da sustentabilidade.
Elimar Nascimento: Viva a sociologia, abaixo o corporativismo!
O Brasil é hoje prisioneiro das corporações que foram largamente alimentadas nos últimos quase 30 anos pela Constituição de 1988. Em época de crise o sentimento corporativista apenas se aguça. Cada qual quer garantir o seu, não importa a que custo.
O todo, ninguém pensa, pois, os governantes, que deveriam fazê-lo, têm que administrar as reinvindicações, cada vez mais impossíveis, das diversas corporações. Donas que são do Estado, várias, desde o grande capital até os servidores. E não apenas do Executivo, também do Parlamento e do Judiciário.
Essa posse excessiva sela a impossibilidade de sairmos da crise. Mais ainda, nos empurra para ela, cada vez mais. O exemplo é o Rio de Janeiro hoje, o retrato do que poderemos ser, todos os Estados, amanhã.
Um exemplo singelo, a reforma do ensino médio. Todos os especialistas estão em acordo que há disciplinas demais: matemática, gramática portuguesa, produção de texto, literatura, biologia, física, química, história, geografia, sociologia, filosofia, educação física, inglês e arte. Em algumas escolas soma-se o ensino religioso e, em outras, o espanhol. Ou seja, em torno de 15 disciplinas.
Todos estão em acordo que é preciso reduzir. Deveriam existir algumas poucas disciplinas obrigatórias como matemática, português, inglês, arte e educação física, por exemplo, todas que dizem respeito à linguagem, à lógica, à criatividade, e, em seguida, disciplinas optativas, de 3 a 4 no máximo, selecionadas por livre escolha do aluno e/ou possibilidade da escola.
Tornaria o sistema mais racional, mais flexível e daria mais liberdade aos estudantes. Mas, aqui começa o jogo das corporações: ninguém quer que seja a sua disciplina a tornar-se a optativa.
Uma dessas corporações é a dos sociólogos. São absolutamente contra a transformação da disciplina de sociologia em optativa. Os argumentos são insustentáveis. O mais frequente: retiraria do aluno o senso crítico em relação às mazelas da sociedade. Será? A forma e o tempo que os alunos têm para estudar sociologia no ensino médio não permitem uma afirmação desta natureza.
O mesmo ocorre, por exemplo, com a filosofia. Hoje, o mundo não é igual aos anos 1960. Hoje as pessoas aprendem, certas coisas, e por vezes as mais importantes, muito mais nas suas relações sociais do que nas escolas. O senso crítico não nasce de aulas de sociologia, mas do meio familiar, das relações de amizade, das leituras mil que fazemos diariamente, do trabalho com as informações, imensas, que acessamos cotidianamente.
Enfim, das experiências vivenciais e do trabalho que fazemos, e como o fazemos. Quando o ensino médio era dividido em científico, clássico e técnico, não há indícios suficientes para se afirmar que eram os alunos do clássico mais politizados do que os do científico.
O movimento estudantil estava presente não apenas na Faculdade de Ciências Sociais, mas nas engenharias, agronomia, artes e na medicina. E se a sociologia fosse essencial para alcançar um espírito crítico, seria o caso de eliminar as disciplinas do antigo cientifico? Estaríamos dispostos a defender uma sociedade de críticos famintos?
Por que a sociologia seria mais importante que a história ou a biologia? Quais os argumentos? E mais importante do que a geografia ou a física? Ou mesmo mais do que outras disciplinas que não são oferecidas como educação ambiental, empreendedorismo, educação financeira ou economia, administração ou direito? Quais os argumentos válidos, além da defesa do mercado de trabalho para os sociólogos que decidem ser professores de sociologia? O mais límpido corporativismo.
Fonte: blogdapoliticabrasileira.com.br