Eliane Catanhêde

Eliane Cantanhêde: Suicídio

Com mortes e caos econômico e social, Bolsonaro só vê ele, filhos e Adélio

Uma imagem vale mais do que mil palavras, e a do superministro Paulo Guedes no pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro, na sexta-feira, diz tudo. O único de máscara, em mangas e sem sapatos, o segundo pilar do governo parecia seguir, só de meias, os passos do já ex-ministro Sérgio Moro. Ou seja, está se lixando para o cargo e para Bolsonaro. Fim de festa.

Com o governo esfarelando, um militar de alta patente define o clima: “Muita tristeza”. Junto com o governo, esfarelam-se os sonhos de por ordem na bagunça, combater com Moro a corrupção e o crime organizado, recuperar com Guedes a economia, os empregos e a esperança. Seria impossível com um tenente rechaçado, depois um parlamentar inútil. Mas só agora eles admitem. Talvez, tarde demais para descolar as Forças Armadas do desastre. Triste mesmo.

Jair Bolsonaro é incansável em seus movimentos suicidas, envolto em sombras, combatendo inimigos por toda parte, fazendo só o que lhe dá na cabeça. Ou o que os filhos lhe põem na cabeça. Por que a obsessão em demitir o delegado Maurício Valeixo da Polícia Federal? Em nomear um pau-mandado na PF do Rio, sua base? E abrir crise na PF e derrubar Moro, o maior troféu do governo, dias depois de Mandetta e em meio ao caos?

Moro resumiu numa única palavra, ao pedir “a razão” de tudo isso. A resposta está na psicologia, egolatria, medo, culpa e na proteção dos filhos 01, 02 e 03 de investigações sobre rachadinhas, fake news, gabinete do ódio e organização e financiamento de atos golpistas. Ante pandemia, mais de 4 mil mortos, o desespero de empresários, empregados e Ministério da Economia, Bolsonaro só pensou nele e nos filhos.

Completamente perdido na pandemia, com escavadeiras abrindo covas a mil por hora, economia implodindo, governo esfarelando, miséria disparando e violência ameaçando, Bolsonaro foi acusado, nada mais, nada menos, por Sérgio Moro, e nada mais, nada menos, de exigir acesso aos relatórios de inteligência e às investigações sigilosas da PF. Essas sobre os filhos e amigos e aquelas contra inimigos. Um arsenal político que ditadores adoram.

Mas, depois de saracotear por aí contra o isolamento, tudo o que o presidente ofereceu à Nação no seu pronunciamento foi um personagem bonzinho e simples, que economiza com piscina, menu e gabinete. Até da triste história familiar da mulher ele falou. Há quem tenha achado comovente. Certamente não é o caso de Judiciário, Legislativo e parte do próprio Executivo. Nem de OAB, ABI, mundo empresarial e financeiro e grandes democracias.

O pronunciamento foi sobre ele, ele e ele. Por que demitir Valeixo? Porque, depois de milhares de horas de investigações, a PF não concluiu o que “ele” queria: que a facada foi um complô, quem sabe da China comunista? E Valeixo não atropelou as leis e o MP-RJ nas investigações sobre Marielle, o condomínio da Barra da Tijuca e as namoradas do filho 04 - que, aliás, traçou metade das vizinhas, típica questão de Estado. Valeixo tinha de fazer isso? Sim, “ele” queria. “Eu sou a Constituição.”

O novo ministro da Justiça chega no fim da festa, sem PF, Coaf e a aura de Moro. O delegado Alexandre Ramagem, que deve migrar da Abin para a PF, vai precisar comer muito feijão para ficar parrudo como Valeixo e convencer a corporação de que não é um Fernando Segóvia, o indicado político que resistiu só 99 dias no cargo no governo Temer. E... que vai seguir o manual.

A Bolsonaro e Moro resta uma acareação jurídica, política e midiática. Bolsonaro não entende nada dessa seara, como de tantas e tantas outras, mas Moro estará em seu habitat. Se um afunda, o outro emerge na política, o que pode dar em tudo ou nada, mas passa a ser o grande pesadelo de um ser conturbado e sob risco real de impeachment.


Eliane Catanhêde: Chance zero?

Além de recados, cúpula militar tem de manifestar claramente repúdio a golpes e AI-5

Enquanto Jair Bolsonaro fazia discurso inflamado em manifestação não só contra o Supremo e o Congresso, mas a favor de um golpe militar e a volta do famigerado AI-5, um de seus filhos divulgava o vídeo de uma fila de sujeitos praticando tiro, alguns metidos em camisetas pretas com o rosto do presidente e todos gritando: Bolsonaro!

No mesmo domingo, o presidente e seus três filhos mais velhos, um senador, um deputado federal e um vereador licenciado, postavam a foto do café da manhã familiar com uma curiosidade: o quadro na parede não era de uma natureza morta ou da tradicional Santa Ceia, tão comuns nos lares brasileiros, mas de uma metralhadora AK-47, deveras inspiradora.

No dia seguinte, circulava um vídeo em que várias dezenas de soldados corriam num calçadão da zona sul do Rio e no fim se aglomeravam, ainda na praia, à luz do dia, gritando “Bolsonaro” e “mito”. Fariam isso sem orientação de superiores? Esses superiores pediram autorização ao Comando Militar do Leste? O comandante consultou o Comando do Exército em Brasília? Afinal, pode?

O que mais impressionou civis e até militares, porém, foi o local onde Bolsonaro discursou para militantes pró-golpe e AI-5: o Setor Militar Urbano, com o Quartel-General do Exército ao fundo. Um oficial pergunta: e se os políticos decidirem fazer protesto ali? Eu acrescento: e se a CUT e o MST também?

Aboletado na carroceria de uma caminhonete, vestido e agindo como vereador em campanha para a prefeitura de Cabrobó e liderando um ato ostensivamente antidemocrático, Jair Bolsonaro esquecia-se de que, além de presidente da República, eleito por 57 milhões de brasileiros, ele é também comandante em chefe das Forças Armadas - ambas as funções exigem decoro e compostura.

O episódio - que estressou o domingo e que o ministro do STF Luís Roberto Barroso chamou de “assustador” - deixou uma dúvida perturbadora: os comandos militares compactuam com pedidos de golpe e AI-5? Acham normal o uso do SMU e do QG - ou seja, da imagem das FFAA - para atos golpistas? Na primeira reação, generais do governo demonstraram “desconforto”, depois falaram em “saia-justa” e no fim do dia passaram a admitir “irritação”, enquanto discutiam como “reduzir danos”.

E os danos são muitos. As Forças Armadas, instituições de Estado, não de governo, durante décadas mantiveram-se profissionais e imunes à política e a governos que vêm e vão. Consolidaram-se assim no primeiro lugar de prestígio junto à sociedade, sem concorrentes. Vão jogar tudo fora em favor de um presidente, e logo de um que só faz o que lhe dá na veneta?

Há, ainda, a questão da hierarquia. Bolsonaro expõe Exército, Marinha e Aeronáutica a um velho fantasma: as divisões internas. Como já me ensinava o general Ernesto Geisel, quando a política entra por uma porta nos quartéis, a hierarquia se vai pela outra. Tendo como fato que a cúpula militar realmente considerou “péssimo” o teatro antidemocrático de Bolsonaro no domingo, a pergunta seguinte é: e as bases, os capitães, majores, sargentos - e suas famílias - acharam o quê?

O vice Hamilton Mourão já disse marotamente que “está tudo sob controle, só não sabe de quem” e nós, meros mortais, ficamos sem entender nada. É uma grande enrascada e remete à entrevista do então comandante do Exército, general Eduardo Villas Boas, em dezembro de 2016, em que ele me relatou como respondia aos civis “tresloucados” que vinham bater à sua porta pedindo intervenção militar: “Chance zero!” Em nota, nesta segunda-feira, o Ministério da Defesa foi mais suave, mas disse que as FFAA trabalham pela “paz e a estabilidade”, “sempre obedientes à Constituição”. Logo, contra o golpe. É o que se espera dos líderes militares, diante não apenas da Nação, mas da história.


Eliane Cantanhêde: De caminhões a aviões

Fim de isolamento com mortos de 9 Boeings e corpos na rua? Teich e governadores não farão

O Brasil ainda não chegou na fase de “caminhões do Exército transportando corpos pelas ruas”, como advertia o agora ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, mas já exibe cenas horripilantes de caminhões frigoríficos à saída de hospitais em Manaus para evitar outras cenas horripilantes, de corpos e pacientes, lado a lado, pelos corredores. Preparem suas almas e estômagos, porque o Brasil não é uma bolha e essas imagens vão se repetir.

Por ora, alternam-se números da realidade com imagens da realidade paralela em que habitam milhões de brasileiros e o presidente da República. São mais de 2 milhões de contaminados e 150 mil mortos no mundo, mais de 33 mil e 2 mil no Brasil, mas incautos amontoam-se pelas ruas, sem máscara, cuidado e medo. “Indo para o matadouro”, definiu a jornalista Monica Waldvogel.

Na mesma reunião com Bolsonaro e ministros em que falou dos “caminhões do Exército”, Mandetta comparou: se morressem mil pessoas, seria o correspondente à queda de quatro Boeings. Logo, hoje já seriam nove. Em frente ao aeroporto de Congonhas, o Memorial 17 de julho lembra os 199 mortos do voo TAM 3054, em 2007, meses depois que um Legacy se chocou no ar com o Gol 1907, deixando 154 vítimas. Foram os dois maiores acidentes aéreos brasileiros, com grande comoção nacional. Hoje, a Covid-19 já faz 2.347 mortos e famílias destroçadas, quase 12 vezes que em cada acidente, num só mês.

E o mundo parou (dizem que nunca mais voltou a ser o mesmo) naquele 11 de Setembro em que ataques terroristas fizeram 3 mil mortos em Nova York. Pois o terrorista coronavírus agora mata mais de 2 mil por dia – por dia! As vítimas já beiram 15 mil em NY e 35 mil na maior potência do mundo. Quantas Torres Gêmeas dá isso? E que mundo sairá dessa pandemia, que não tem ideologia, religião, raça e não poupa ricos e pobres?

No Brasil, como nos EUA, o coronavírus atacou “por cima”, os que podiam passear pelo mundo, e chega aos “de baixo”, que mal têm onde morar. Se em Nova York o maior índice de mortos é de negros e pobres, o que prever quando a Covid-19 sair dos bairros elegantes e se espraiar por periferias e favelas? E já saiu, está se espraiando.

E quando a pandemia deixar seu rastro macabro na Ásia, Europa e EUA, sossegar no resto das Américas e desabar na África? Não haverá caminhões do Exército nem frigoríficos suficientes e o continente pode se transformar num imenso Guayaquil, cidade do Equador com cadáveres pelas ruas.

Chocante? Sim, a realidade é chocante e quem ainda está sonhando precisa de uma chacoalhada. E é aí que entram as dúvidas sobre o novo ministro da Saúde, Nelson Teich. Com belo currículo e respeito dos pares, ele já defendeu publicamente o isolamento como principal arma para evitar uma tragédia maior, mas assumiu o ministério prometendo “alinhamento total” com um presidente que confronta, petulantemente, o isolamento.

Na conversa decisiva, Teich deixou boa impressão nos presentes, mas dúvidas na cabeça conturbada do presidente: seria capaz de transformar os achismos presidenciais em política de saúde? O mundo inteiro está aflito com os efeitos calamitosos da pandemia nas empresas e nos empregos, mas, como médico, gestor e especialista em saúde e economia, é improvável que o novo ministro jogue fora sua biografia assumindo o “risco” de um chefe eventual.

A melhor aposta está na senha do próprio presidente para Teich na posse: “Junte eu e o Mandetta e divida por dois”. Leia-se: o governo vai relaxar o isolamento, mas o ministro não topa loucuras e planeja um pouso controlado. Mesmo que topasse, governadores, Supremo e Congresso barrariam. Oremos!


Eliane Cantanhêde: A grande cartada

Com quebra do isolamento, Bolsonaro joga o destino dele e de milhões. O futuro dirá

O presidente Jair Bolsonaro jogou sua maior cartada na última quinta-feira, 16, ao demitir Luiz Henrique Mandetta, o ministro mais popular do seu governo, e substituí-lo por Nelson Teich, que vai começar tudo de novo com a função de dar um cavalo de pau na política do isolamento social – ou, como disse Bolsonaro, “redirecionar a posição do governo e dos 22 ministros”.

O recado teve endereço certo: os ministros, particularmente os superministros Paulo Guedes e Sérgio Moro, que apoiam, ou apoiavam, a posição de Mandetta, do Ministério da Saúde, da OMS e de todos os países desenvolvidos do mundo pró-isolamento social como a melhor forma de conter a contaminação e, consequentemente, as mortes pela covid-19.

Ainda no carro, a caminho do Ministério da Saúde para se despedir, Mandetta me disse num rápido telefonema que a derradeira conversa com Bolsonaro foi “cordial, gentil”. “Eu não posso entregar o que ele me pede”, conformava-se. “Vem aí uma dinâmica social totalmente nova, que muda tudo”, explicou, desejando sorte ao “Nelson, como é mesmo o nome dele?”. “Que Deus nos ajude a todos”, concluiu.

Para amenizar o cavalo de pau, ou o “redirecionamento”, como anunciou o presidente, ou a “nova dinâmica social”, como chama Mandetta, o dr. Nelson Teich tratou de deixar claro que a flexibilização do isolamento virá, mas não será “brusca nem radical”.

Isso pode ser bom, se significar cautela, dentro da técnica e da ciência e com base sólida de dados, como prometeu. Mas pode ser ruim, se ele esperar para agir só depois de “um diagnóstico da doença”, de um trabalho de inteligência e de uma massificação de testes (como? de onde?) que, em resumo, pode corresponder a começar do zero. No meio da pandemia? Com o número de mortos batendo em 2 mil pessoas? Emergência é emergência.

Mandetta se vai, aliás, com alta aprovação popular, mas a pandemia fica e, o pior, o presidente Jair Bolsonaro e suas manias também ficam. O novo ministro conseguiu arrancar o compromisso do presidente de parar com provocações, de causar aglomerações, tocar pessoas nas ruas sem máscara, pular de absurdos em absurdos públicos? Provavelmente sim, o que vai confirmar que, mais do que uma questão “técnica e científica” em torno da quebra do isolamento, a birra de Bolsonaro era pessoal, contra Mandetta, e política, por ciúme da sombra que o ministro lhe fazia.

Mandetta sai da Saúde e entra nas bolsas de apostas políticas, mexendo sobretudo com o tabuleiro do DEM, seu partido e dos presidentes da Câmara e do Senado e do mais novo adversário do presidente, Ronaldo Caiado (GO). Mas o que interessa nesse momento não é política, é saúde, vida, combate ao coronavírus e o equilíbrio de tudo isso com economia, empresas e empregos. Um equilíbrio delicadíssimo, agora nas mãos de Nelson Teich. Mas com Bolsonaro mandando.

A quebra do isolamento é certa, mas é preciso saber como, quando, em que bases. E como Teich, muito respeitado no ambiente médico, vai tratar a questão, que exige não só liderança na equipe da Saúde, que não terá dificuldade em conquistar, mas também negociação com governadores, o Congresso e, eventualmente, o Supremo – que estão em pé de guerra com Bolsonaro. Teich tem de ter estratégia e também se familiarizar com a máquina e a política.

Outro grande embate entre Bolsonaro e Mandetta era em torno da cloroquina como a varinha de condão. Alguém notou que o presidente nunca mais falou nisso? E que a cloroquina foi a grande ausente dos discursos no derradeiro dia de Mandetta na Saúde? Pode ser, pode não ser, mas parece que Bolsonaro perdeu essa. Quanto à quebra do isolamento, ao qual o destino de Bolsonaro e de milhões está atrelado, o futuro dirá.


Eliane Cantanhêde: Troca de Mandetta é questão de tempo. Ou de nome

Mandetta sabe que o presidente busca um substituto para ele e Bolsonaro sabe que Mandetta e sua equipe estão com um pé fora

Ao dizer na estreia do Estadão Live Talks, na quarta-feira, 14, que o ministro Luiz Henrique Mandetta “fez uma falta, merecia cartão”, quando cobrou uma “fala única” do governo sobre isolamento social, o vice-presidente Hamilton Mourão não estava manifestando uma posição apenas pessoal, mas dos generais, como ele, que têm gabinete no Palácio do Planalto e compõem hoje o núcleo de bom senso do governo. (Quem diria?, a turma da guerra virou a turma do deixa-disso.)

Depois de defender Mandetta e convencer o presidente Jair Bolsonaro a moderar o tom, esse núcleo não gostou – como disse Mourão com todas as letras – de o ministro manter as provocações contra o chefe nos balanços diários da pandemia e, sobretudo, na entrevista à Globo no domingo, quando admitiu que os brasileiros ficam confusos porque o presidente fala uma coisa e o ministro, outra.

Além de reproduzir a posição comum dos generais, Mourão, de certa forma, também abriu caminho para Bolsonaro demitir o ministro e essa discussão esquentou ontem, quando vários nomes já pululavam na mídia e redes sociais para a Saúde e a pergunta não era mais se Mandetta seria substituído, mas quando e por quem. Um paulista, possivelmente.

Assim, o espanto foi geral quando Mandetta surgiu no fim da tarde para a entrevista diária com os fiéis escudeiros João Gabbardo e Wanderson de Oliveira, demissionário. É, no entanto, só questão de tempo. Mandetta sabe que o presidente busca um substituto para ele e Bolsonaro sabe que Mandetta e sua equipe estão com um pé fora. O coronavírus deve estar morrendo de rir.


Eliane Cantanhêde: Pedra e pedradas

Bolsonaro quer isolamento só acima dos 50 e Mandetta lista 19 condicionantes para saída

O presidente Jair Bolsonaro e o ministro Luiz Henrique Mandetta (Saúde) não se suportam mais, mas não têm alternativa: Bolsonaro não pode demitir Mandetta e Mandetta não pode se demitir. Estão atrelados um ao outro pelo coronavírus. Unidos na alegria e na tristeza, na saúde e na doença. E se detestando.

Entre os dois, há um muro: o isolamento social, única vacina possível para reduzir a audácia e a letalidade do vírus. Mandetta não pode cruzar esse muro, porque sua ação é “técnica e científica” e porque médicos “não abandonam o paciente”. Seu paciente é o Brasil. E Bolsonaro não pode dar uma canetada e criar o tal “isolamento vertical”, que, de isolamento, não tem nada. Não tem apoio para isso.

Cada lado prepara seu arsenal sob sigilo. Bolsonaro, que já falou duas vezes em editar um decreto e nunca editou, trabalha com um corte etário para relaxar o isolamento. O grupo de (maior) risco é acima dos 60 anos, mas ele estuda dar dez anos de lambuja. Abaixo dos 50, volta ao trabalho! Cola? Até agora não, tanto que a ideia está entre as quatro paredes do gabinete presidencial.

Já Mandetta propõe nos bastidores um desmame gradual do isolamento, listando 19 condicionantes técnicas a serem consideradas uma a uma, dependendo do cenário. A cada recuo da doença, um grau de relaxamento. Entretanto, o começo da implementação pode demorar 30 dias e o próprio ministro perguntou para sua equipe: “Ele vai ter paciência?” Quem será “ele”? Enquanto os dois se digladiam, as instituições assumem um lado e isolam Bolsonaro. Ministros do Supremo fazem fila e parlamentares se revezam para advertir o Planalto e apoiar o isolamento social. Até o vice Hamilton Mourão e o ministro Sérgio Moro (este sempre tão reverente à hierarquia) defendem publicamente a medida que o presidente rechaça.

Isolado institucionalmente e sofrendo restrições no próprio governo, Bolsonaro afasta aliados simbólicos, como os governadores Ronaldo Caiado (Goiás) e Carlos Moisés (Santa Catarina) e o ator Carlos Vereza, que foi cotado para a Secretaria de Cultura. Cada um deles corresponde a quantos decepcionados com os “achismos” do presidente?

A maior perda, aliás, vem das pesquisas. Metade das pessoas acha que Bolsonaro atrapalha mais do que ajuda no combate à pandemia e o que dói mesmo e abala o amor próprio do presidente é o aplauso vibrante da população ao seu “inimigo” Mandetta. Em vez de comemorar o grande trunfo do seu governo, Bolsonaro sofre. Só a psicologia, a psicanálise ou a psiquiatria para explicar.

Se Bolsonaro não pode demitir Mandetta “no meio da guerra”, Mandetta não pode se demitir. Desmontaria o Ministério da Saúde e jogaria o País num caos ainda maior. Uma irresponsabilidade histórica. Assim, o ministro avisou ao presidente que está pronto para ser o “bode expiatório” se tudo der errado e que fica até ser demitido.

Na mesma conversa, Mandetta fez enfática defesa do isolamento e alertou para as consequências do relaxamento: “Estamos preparados para caminhões do Exército transportando corpos pelas ruas, ao vivo, pela internet?” No dia seguinte, recorreu a Drummond: “No meio do caminho uma pedra, uma pedra no meio do caminho”.

Todos sabem quem é a “pedra” e o ministro passou a ser apedrejado na internet. Os mesmos que divulgam um falso desabastecimento no Ceasa-MG (burramente, porque é contra o próprio governo) inundam as redes desqualificando Mandetta, governadores e parlamentares pró-isolamento. Como isso ajuda Bolsonaro, não se sabe. Mas é ótimo para o coronavírus, a contaminação e as mortes. Mais do que irresponsável, macabro.


Eliane Cantanhêde: Mandetta à equipe: ‘No meio do caminho, uma pedra’

Bolsonaro nas ruas foi forma de provocar a queda do ministro, mas Mandetta não caiu na armadilha, e enviou poema de Drummond a sua equipe

O presidente Jair Bolsonaro aproveitou o domingo para exercitar sua birra contra o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que na véspera alertou: “Se o sr. for para metrô ou ônibus em São Paulo (como chegou a dizer em entrevista), vou ser obrigado a criticá-lo”. Ao que o presidente rebateu: “E eu vou ter que te demitir”.

Como não havia logística para ir a São Paulo ontem, Bolsonaro decidiu fazer o teste no Distrito Federal mesmo, indo a padarias, mercadinhos, fazendo até fotos com criança. Evidentemente, uma forma de provocar a queda do ministro, mas Mandetta não caiu na armadilha.

A atitude do presidente foi considerada “óbvia”, um pretexto para a exoneração – que, aliás, provocaria um efeito dominó no Ministério da Saúde. Assim, Mandetta se recolheu, pedindo paciência à equipe com um poema de Carlos Drummond de Andrade: No Meio do Caminho. Resta saber o que o ministro dirá na coletiva de hoje à tarde, além de pedir desculpas à mídia. Na guerra contra o coronavírus e a morte, ela é a sua grande aliada.

Outra grande expectativa hoje é se Bolsonaro vai mesmo editar um decreto para liberar todas as profissões para trabalhar em meio à pandemia ou se foi só mais uma ideia jogada ao ar, enquanto confrontava Mandetta nas ruas.

Se não sair decreto nenhum, essa história é mais uma para a longa lista de coisas que o presidente diz e ninguém leva a sério, nem lembra depois. Se sair, a coisa vai ficar muito grave. Além da crise sanitária, teremos uma crise federativa: a União contra os Estados, o presidente contra governadores e prefeitos.

Como o ministro do STF Gilmar Mendes alertou Bolsonaro no sábado, basta que São Paulo, Rio e Minas desobedeçam uma medida legal tomada pelo Planalto para essa medida virar pó, letra morta. Os três Estados reúnem quase cem milhões de pessoas e os governadores João Doria (SP) e Wilson Witzel (RJ) não parecem interessados nem em quebrar a quarentena nem em cumprir decretos e maluquices de Bolsonaro numa hora de vida ou morte.


Eliane Cantanhêde: Isolamento sim!

Governo emite sinais trocados e Brasil começa a se dividir. Coronavírus agradece

Eta gripezinha que está custando caro! O presidente da República fala para um lado e os ministérios agem para o outro, anunciando montanhas de dinheiro para enfrentar o abandono dos miseráveis que precisam do Bolsa Família, a insegurança dos informais e a dramática ameaça aos empregos. Isolamento, sim, para salvar vidas. E medidas emergenciais para reduzir os danos na economia.

É a realidade se impondo, com as lições vindo assustadoramente de fora. Se não quer ouvir a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Ministério da Saúde, a ciência e as estatísticas, o presidente deve ao menos se informar sobre o que aconteceu nos dois países mais afetados pelo Covid-19 no mundo. Nos Estados Unidos, seu tão amado Trump foi obrigado a recuar e agora clama para os americanos ficarem em casa. Na Itália, o mea culpa do prefeito de Milão é um grito de alerta.

Trump, como o “amigo” brasileiro, minimizou o coronavírus até que os EUA passaram a ser o epicentro da doença, ultrapassando os cem mil infectados e beirando 1.500 mortos. Só aí ele se rendeu à única “vacina” contra a pandemia: o isolamento social. Na Itália, o prefeito de Milão desdenhou do tsunami, animando as pessoas a saírem. Agora admite: “Errei”. Tarde demais. Os italianos já contabilizam mais de 9 mil mortes, 919 só na sexta-feira.

“Infelizmente, algumas mortes terão. Paciência, acontece, e vamos tocar o barco”, conformava-se o presidente brasileiro no mesmo dia, ignorando alertas e estatísticas, a lógica, o bom senso, a humanidade. Pior: a responsabilidade. Tudo em nome do seu novo slogan político: “O Brasil não pode parar”. O problema é que, se milhões são contaminados e milhares morrem, aí é que o Brasil vai parar. Só não vê quem põe sua visão pessoal acima das evidências.

Num país dividido, com um governo que emite sinais trocados, governadores e prefeitos, em maioria, decidem deixar o capitão falando sozinho e se articulam para enfrentar a pandemia, acolher os infectados e evitar mortes, enquanto os do Nordeste lançam manifesto “pela vida”. Mas o efeito do comando do presidente contra o isolamento já se faz sentir, com governadores aliados de Mato Grosso, Santa Catarina, Rondônia e Roraima se assanhando para flexibilizar o isolamento.

Na sociedade, o mesmo. CNBB (bispos), OAB (advogados), ABI (imprensa), SBPC (ciência), ABC (ciência) e Comissão de Direitos Humanos de São Paulo fazem alerta “em defesa da vida” e conclamam a população a “ficar em casa”, em respeito à ciência, aos profissionais de saúde e à experiência internacional.

Do outro lado, as falas e a campanha do presidente produzem aumento de pessoas nas ruas, shoppings de Minas reabrindo, a ofertazinha bacana da CNI em tempos de gripezinha: testes rápidos de coronavírus, de 15 em 15 dias, para 9,4 milhões de trabalhadores industriais. Isolamento social? “Só para pessoas com exame positivo.”

Bolsonaristas vão alegremente às ruas contra o isolamento. Mas de carro, que ninguém é besta, enquanto defendem que seus empregados se exponham ao vírus em ônibus e metrôs e garantam seu lucro. Só não entenderam ainda, e vão entender na marra, que, se os trabalhadores se contaminarem, eles também vão se contaminar, depois contaminar seus amores, famílias, amigos. E, “infelizmente, algumas mortes virão...”, lembram?

É profundamente importante, sim, reduzir os danos na economia, nos empregos, na pobreza. E é por isso que o Estado está devidamente flexibilizando a prioridade fiscal para tomar as medidas necessárias. O que não pode é desdenhar da morte em nome da economia. Até porque nada comprova a eficácia desse método ignorante e desumano (para não buscar adjetivos e referências pavorosas na história).


Eliane Cantanhêde: A Escolha de Sofia

O Brasil hoje: se correr, o bicho covid-19 pega; se ficar, o bicho da recessão come

O mundo todo e o Brasil, particularmente, vivem um dilema típico de “A Escolha de Sofia”. Aprofundar o isolamento e a paralisação de estados, cidades, empresas, empregos e pessoas, em nome da saúde e da vida? Ou mitigar o combate radical ao coronavírus para tentar preservar empresas e empregos, em nome da economia?

Na prática, uma guerra da área sanitária com parte de governantes, empresários e economistas. De um lado, governadores que trabalham diretamente com o Ministério da Saúde e os especialistas no setor; de outro, o presidente Jair Bolsonaro, o Ministério da Economia e aliados.

Em tese, todos têm razão. A prioridade absoluta neste momento é trabalhadores, funcionários, autônomos e diaristas em casa para interromper a transmissão do vírus maldito. A prioridade de hoje, porém, não pode desconsiderar a de amanhã: a pandemia acaba e as vítimas não serão só os mortos e contaminados, mas todos que produzem, vendem, trabalham. O horizonte é de terra arrasada, com recessão, quebradeira de empresas e lojas, 40 milhões de desempregados, na previsão de um grupo de empresários.

Como sempre, em todas as crises, dificuldades e momentos, as maiores vítimas todos nós sabemos quem são e serão: velhos, homens, mulheres e crianças da tal da “base da pirâmide”. Passado o momento em que os infectados e mortos eram recém-chegados da Ásia e da Europa, ou por eles foram contaminados, a expectativa, que dá um tremor no corpo e um frio na coluna, é que o vírus chegue às favelas, cortiços, às imensas áreas sem água, sabão, muito menos álcool gel.

São milhões com imunidade baixa, higiene precária, compreensão da situação equivalente ao (mínimo) grau de educação. Logo, serão os alvos fáceis de um vírus oportunista e letal. São os moradores de rua, os que vendem água, milho ou qualquer coisa por aí, os diaristas que só recebem (e comem) quando trabalham e, entre eles, os informais, que crescem freneticamente e sem amparo legal. Eles vão morrer mais com o vírus e vão sofrer mais no pós-vírus. Se correrem, o bicho covid-19 pega; se ficarem, o bicho da recessão come.

O novo coronavírus chegou para valer em todas as unidades da Federação, decretando calamidade pública, prenunciando colapso da saúde e crescendo na velocidade do exemplo mais dramático, a Itália. E tudo isso na pior hora. Um dos líderes mundiais em desigualdade social, o Brasil convive com falta de estado e bolsões de miséria absoluta em todas as suas regiões. E vem de dois anos de recessão, de mais dois “crescendo” 1,3% e desperdiçou 2019 com PIB de 1,1%. Mais: a questão fiscal é o maior obstáculo da economia.

De onde tirar a montanha de dinheiro que o País precisa para salvar vidas, tratar doentes, preservar setores mais atingidos, empregos, milhões de famílias sem renda? O governo tem anunciado medidas, como flexibilização das regras trabalhistas e de pagamento de dívidas e vales de R$ 200,00 para informais e os mais miseráveis entre os miseráveis. Mas, num País populoso como o nosso, significa que a conta é altíssima para os cofres públicos, mas o valor que chega à mesa das famílias é irrisório. Tudo deprimente, apavorante.

A luz no fim do túnel só virá, primeiro, com o máximo rigor contra a transmissão do vírus e, depois, com união, patriotismo, solidariedade, as disputas políticas de lado, o presidente acordando para a realidade e uma certa elite esquecendo, por ora, a eterna ganância e a velha arrogância. Aliás, uma pergunta: como os bancos vão entrar nessa onda? Governos de esquerda, centro e direita vêm e vão e esse é o setor que mais lucra. É hora de retribuir, porque se trata de questão de vida e morte. Das pessoas e da economia.


Eliane Cantanhêde: Colapso

Mortes, contaminação, calamidade, colapso, recessão. Não é ‘gripezinha’

Os mortos pelo novo coronavírus já passam de 11.500 no mundo. Chegaram até ontem a 18 no Brasil, 220 nos Estados Unidos, em torno de 500 na França, 1000 na Espanha, 1.400 no Irã e 4000 mil na Itália, além de mais de 3100 na China. O número de contaminados nem dá mais para contar. E muitos deles vão morrer.

Em sã consciência, é impossível chamar tudo isso de “gripezinha” e defender realização de cultos religiosos, como fez o presidente da República Federativa do Brasil, depois de ter reduzido tudo a uma “fantasia”, criticar a “histeria”, estimular manifestações (aliás, contra o Congresso e o Supremo) e tocar mãos e celulares de centenas de pessoas mesmo ainda sujeito a novos testes para o vírus. Como não criticar esses absurdos?

Quanto mais a doença se abate sobre a humanidade, mais os cidadãos buscam o melhor de si para reforçar a empatia, a solidariedade, o patriotismo, a resistência. Arrasada, a Itália nos brinda com exemplos comoventes de artistas cantando óperas e distribuindo gentileza e esperança pelas janelas e varandas. O Brasil segue o exemplo e faz panelaços em agradecimento ao bravo pessoal da saúde.

Não vamos estragar isso, presidente. Só o uso de máscaras inúteis não resolve nada nem do ponto de vista simbólico nem do epidemiológico.

O ministro Henrique Mandetta prevê “colapso na Saúde” logo ali, em abril, enquanto o governo anuncia transmissão comunitária em todo o País e Câmara e Senado providenciam às pressas votações remotas e aprovam o estado de calamidade pública. O teto de gastos e a tão suada e fundamental Lei de Responsabilidade Fiscal foram devidamente jogados pela janela para abrir espaço ao principal: o combate ao coronavírus.

Nesse quadro de guerra, de responsabilidade, é preciso pensar antes de falar, ter cuidado com o outro, respeitar a dor das famílias dos mortos de hoje e de amanhã. E não custa lembrar que, neste momento, o presidente é uma ilha cercada de contaminados: os chefes do GSI, da Secom, da Segurança, da Ajudância de Ordens e do Cerimonial, que integram a incrível lista de 22 pessoas da comitiva presidencial que trouxeram o coronavírus dos Estados Unidos (e não da China...).

Entre as vítimas mais sensíveis, está a economia. A previsão do governo para o crescimento de 2020 era de 2,4, caiu para 2,1% e já está em 0,02% que, tira daqui, põe dali, significa zero, nada, estagnação. E é considerada otimista. A FGV já trabalha com um tombaço de 4,4%. Recessão das brabas.

Levantamento feito pela Cielo, maior credenciadora de cartões do País, mostra que as vendas do varejo caíram 5,4% nos primeiros 19 dias de março em relação a fevereiro e essa queda vem piorando de semana a semana. O setor mais afetado é exatamente o de serviços, onde se encaixa o turismo: queda de nada mais nada menos que 25,5%. As pessoas, trancadas em casa, não viajam, não consomem. Lojas estão fechadas, não lucram. Empresas param, não produzem. Um ciclo maldito, cujo resultado final, em tese, é quebradeira, queda de empregos e renda. Dor.

Em meio a tudo isso, o Brasil segue os EUA e a Europa e começa a testar cloroquina em pacientes de Covid-19 em situação gravíssima, mas o presidente da Anvisa, médico e contra-almirante Antonio Barra Torres, faz um apelo dramático: “Não comprem cloroquina!”

Segundo ele, 1) os testes para o coronavírus ainda são muito preliminares; 2) há risco sério de efeitos colaterais; 3) o medicamento pode faltar (aliás, já está faltando) para os que realmente precisam: os que têm Lupus, malária, artrite e outras doenças reumáticas. É preciso ouvi-lo. Automedicação é uma praga. Numa pandemia, uma praga ainda mais perigosa. Como a irresponsabilidade e a displicência nos momentos graves.


Eliane Cantanhêde: Salve-se quem puder!

O mundo em guerra contra o coronavírus, mas Bolsonaro mira seus inimigos particulares

Já que o presidente Jair Bolsonaro vive sua realidade paralela, os três Poderes declaram trégua e traçam ações comuns contra os efeitos do novo coronavírus apesar dele. Com isolamento médico ou não, Bolsonaro está se isolando dos demais Poderes e ontem não participou de uma videoconferência de presidentes da América do Sul sobre a doença e a crise econômica. Enquanto isso, o vírus vai se multiplicando dentro e fora do Brasil.

Presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo se reuniram com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, para ouvi-lo, traçar planos de ação e contornar a fogueira política diante do problema maior. Foi Rodrigo Maia, aliás, quem primeiro estendeu a bandeira branca, apesar de ter sido o principal alvo do presidente e dos bolsonaristas no domingo.

Bolsonaro já disse que a crise é uma “fantasia”, uma “histeria”, e considerou que tudo é “superdimensionado”, ora por “interesses econômicos”, ora pela “luta pelo poder”. Das palavras aos atos, tirou a máscara, deu de ombros para o Ministério da Saúde, abandonou o monitoramento, não esperou o segundo teste e foi confraternizar com manifestantes em frente ao Planalto.

“Se eu me contaminei, ninguém tem nada a ver com isso”, disse ontem, mas não é bem assim. O problema não é apenas ele se contaminar, é o risco de ter contaminado as 272 pessoas com quem teve contato, de acordo com levantamento do Estado. E, depois, todo mundo tem muito a ver, sim, com a saúde do presidente da República.

Ele não é uma pessoa privada, é a autoridade pública número um.

O próprio ministro da Saúde classificou protestos e eventos culturais neste momento como “completamente equivocados”. O governador Ronaldo Caiado, um dos raros a apoiar Bolsonaro, foi vaiado por manifestantes em Goiás ao lembrar, como médico, que “não se mostra apoio a governo colocando em risco sua população”. Se eles queriam pôr a própria saúde em risco, problema deles, mas sem o direito de pôr a dos outros. Cada contaminado tem poder de multiplicação do vírus.

A reação de Bolsonaro à contaminação da saúde e da economia tem sido errática, de quem não está entendendo nada nem parece muito interessado. Na terça-feira passada, declarou que era “fantasia da grande mídia”. Dois dias depois, deixou de ser fantasia e ele fez o primeiro teste e uma live com máscara. Mais dois, tirou de novo a máscara e lá se foi, sorridente, cumprimentar manifestantes contra o Supremo e o Congresso. Os contaminados da sua comitiva aos EUA já chegavam a 12.

Diante da perplexidade de Rodrigo Maia e do senador Davi Alcolumbre, abandonou de vez o vírus, a disseminação, a crise do mercado, a previsão do PIB esfarelando para bater boca pela TV com os presidentes da Câmara e do Senado. “Está em jogo uma disputa política por parte desses caras”, disse, resumindo tudo isso a uma “luta pelo poder”. Vocês sabem quem são “esses caras”.

Irritado, Bolsonaro disse que está “há 15 meses calado, apanhando”, e vai passar a revidar. O curioso foi ele dizer que passou todo o mandato calado, o que, absolutamente, não é verdade. E o mais intrigante foi ele anunciar que vai atacar e antecipou os alvos: “Grande parte da mídia, chefes do Legislativo e alguns governadores”. O mundo está em guerra contra o novo coronavírus, mas o presidente brasileiro abre uma guerra particular contra instituições e críticos.

Com o autoisolamento do presidente, são os ministros Mandetta e Paulo Guedes, além de Maia, Alcolumbre e Dias Toffoli, do STF, que vão ter de segurar a onda, ou o tsunami. Mandetta sobrevive bem, mas o conceito de Guedes já foi melhor e o dos demais vem sendo sistematicamente atingido pelo presidente, seu entorno e a tropa bolsonarista. Logo, salve-se quem puder!


Eliane Cantanhêde: Brincadeira de vida ou morte

Há tempos o Brasil não assiste, à luz do sol, a uma irresponsabilidade como a do presidente da República, que jogou para o alto as recomendações de saúde e se encontrou com manifestantes em frente ao Planalto. Em nova versão da “fantasia”, Jair Bolsonaro passou para a população a mensagem de danem-se o Ministério da Saúde, os especialistas, os médicos!

Entre o correto e o conveniente politicamente, Bolsonaro optou pela conveniência política, o que se torna ainda mais irresponsável quando a epidemia está só começando no País e, ao lado dele, estava o diretor substituto da própria Anvisa. Chocante.

Paulo Guedes defende reformas, mas Bolsonaro senta em cima das propostas e publica fotos justamente com faixas de “Fora Maia” nas manifestações. E o ministro Luiz Henrique Mandetta tenta evitar mortes e contaminação e adverte que em pessoas acima de 60 anos a covid-19 é mais letal e todos que tiveram contato com contaminados devem se preservar – e preservar os outros –, mas o que faz Bolsonaro? Vai à rua, toca pessoas e seus celulares.

É contra a ciência, os deveres do cargo, os direitos dos cidadãos. E danem-se as pessoas que, ingenuamente, foram colocadas em risco por quem ainda é sujeito a um segundo teste e tem recomendação de isolamento, depois de dias ao lado de contaminados. Mas Bolsonaro não foi o único irresponsável.

Nas manifestações do “Fora Maia”, “Fora STF” e “SOS Forças Armadas”, tudo foi grave: o ataque às instituições, o uso do nome das FFAA em vão e o risco em que aquelas pessoas se colocavam e colocarão as outras, todas as outras. Não viram China, Itália, EUA? Acreditam na versão de Bolsonaro de que tudo era fantasia? Não é fantasia. É um pesadelo, questão de vida ou morte.