Eliane Catanhêde

Eliane Cantanhêde: Larga o osso, Lula!

Haddad tem de parar de fingir que não é candidato; Manuela, de fingir que é

Fecha-se o tabuleiro presidencial hoje, com aquela peça disforme e mal colocada que segura o jogo e imobiliza o próprio lado: Lula, preso há 100 dias, sem conseguir dar o sinal verde para Fernando Haddad parar de fingir que não é candidato e para Manuela Dávila parar de fingir que é.

Com a avalanche de convenções no fim de semana, vai se fechando a escolha dos vices com dois focos claros, resultados não de amor ou de saudável afinidade ideológica, mas do puro pragmatismo. Daí a preferência por mulheres e/ou nomes do Rio Grande do Sul.

A síntese disso é a senadora gaúcha Ana Amélia, que entra na chapa do tucano Geraldo Alckmin não apenas como três em um, mas seis em um. É mulher, do PP, do Sul, da área de comunicação, assumidamente de direita e crítica contundente das maracutaias na política.

Ana Amélia não está aí para só embelezar as fotos do PSDB, mas para conquistar os 80% do eleitorado feminino ainda indecisos ou dispostos a anular voto e para tentar frear o ímpeto do PP gaúcho para Jair Bolsonaro e do PP do Piauí para o PT. Além disso, ela tem uma missão específica: resgatar os 4% de votos surrupiados do PSDB no Sul pelo paranaense Alvaro Dias, ex-tucano hoje no Podemos.

E ela também cumpre funções mais subjetivas. Alckmin tem de se firmar à direita, para disputar com Bolsonaro a vaga de principal contraponto ao PT. Ana Amélia, clara e contundente, tem ação e discurso que calam fundo no agronegócio e no eleitorado irritado com os políticos e conservador nos costumes. Ou seja, nos bolsões do Bolsonaro (com perdão do trocadilho).

Assim como ela, são ou foram consideradas para vice, de olho nas mulheres, sempre desconfiadas: Janaína Paschoal, a advogada e professora histriônica, na chapa de Bolsonaro, e Manuela d’ Á vila, a jovem e aguerrida “candidata” do PCdoB, que espera sentada o anúncio para ser vice de Lula, ops!, do PT.

Manuela é outra do Rio Grande do Sul, que foi governado pelos petistas de raiz Olívio Dutra e Tarso Genro e onde o PT mantém núcleo forte, mas fraco eleitoralmente. Também gaúcho e ex-governador, Germano Rigotto é opção de vice para Henrique Meirelles. Atualmente, ele é.... o que mesmo? Bem, Rigotto anda sumido, mas resta a Meirelles chapa puro sangue (MDB-MDB) e quem quer ter mandato em 2019 pula fora.

Se o grande MDB só atraiu o pequeno PHS, quais são os aliados do PDT e as opções de vice de Ciro Gomes? Sufocado pela aliança do Centrão com Alckmin e o ataque frontal do PT, que garantiu a neutralidade do PSB, Ciro tenta colher os dissidentes de um lado e do outro, enquanto o PT parte para a terceira etapa de aniquilar Ciro: a investida final para reunir as esquerdas. Viva-se – no caso de Ciro, sobreviva-se – com um barulho desses. Na GloboNews, Ciro se declarou “um cabra marcado para morrer”.

E, no Estado, Marta Suplicy ponderou que Ciro pode ser o melhor candidato, mas “talvez não queira ser presidente, porque ele se sabota. Como psicanalista, vejo isso claramente”.

Alvaro Dias compôs chapa insossa com o ex-BNDES Paulo Rabello de Castro e Marina fugiu ao mero pragmatismo de seus adversários. O médico e ex-deputado Eduardo Jorge é do PV, que tem tudo a ver com a Rede Sustentabilidade – ao menos no nome. Se há cálculo na escolha, é que ele fez carreira em São Paulo, onde reluzem 33 milhões de eleitores. Agora, só faltam duas coisas: Lula largar o osso e os candidatos convencerem quem mais importa, Sua Excelência, o eleitor, de que o vice é para continuar sendo só vice até o fim, sem impeachment. Que os céus nos protejam!

Fim de uma era
Depois de militar apaixonadamente no PT por 33 anos e de passar pelo MDB, Marta Suplicy abandona a vida pública, mas jamais a política e as boas causas da igualdade.


Eliane Cantanhêde: Alianças não são para quem quer, só para quem pode

Na convenção que o lançou ao governo de São Paulo, o ex-prefeito João Doria deu uma resposta que pode parecer atrevida, mas é simplesmente verdadeira, às críticas contra a aliança do também tucano Geraldo Alckmin com o Centrão: “Quem advoga contra alianças é quem não conseguiu fazer”.

Marina Silva (Rede) pode até não vestir a carapuça, já que ela enfrenta dificuldades com seu próprio partido e tem sido seletiva nas suas conversas com outras siglas, como o PDT de Ciro Gomes. Mas a provocação de Doria, em estilo machadiano, atinge em cheio o próprio Ciro.

Ao contrário de Marina, Ciro – que já foi PDS, PMDB, PSDB, PSB e PPS antes de se filiar ao PDT para disputar a Presidência em 2018 – se empenhou publica e ostensivamente por alianças à esquerda e à direita. Até agora, a duas semanas do fim do registro de candidaturas na Justiça Eleitoral, sem êxito.

Errático, Ciro acenava para o PT enquanto, daqui e dali, dava estocadas no ex-presidente Lula. Quando o PT tirou o corpo fora, ele se virou para o lado oposto, o DEM, parceiro do PSDB desde 1994. E, quando o DEM se rendeu à gritante ausência de convergências, o que fez Ciro? Tentou voltar-se novamente para o PT e as esquerdas.

Hoje, Marina Silva e Ciro Gomes conversam, mas sem perspectiva de aliança, enquanto o PDT ainda sonha com algum acordo com o PSB, replicando a nível nacional a aliança em São Paulo a favor da continuação de Márcio França (PSB) no Palácio dos Bandeirantes.

Mas, se Marina e Ciro não conseguiram fazer alianças, o PSB não consegue nem mesmo decidir que caminho seguir. Pode ir para o PDT, pode ir para o PT, pode ter dissidentes para todo lado e pode, simplesmente, tomar uma decisão temerária: liberar geral, cada um votando como bem entenda. Isso, convenhamos, não é próprio de partidos, mas de ajuntamentos de futuro incerto.


Eliane Cantanhêde: Alckmin versus Bolsonaro

Eleição embica para candidato do PT contra tucano ou ex-capitão

As pesquisas ainda não registram, mas a eleição presidencial embicou para três candidatos principais: o sr. X do PT, a ser definido, mas já com a força eleitoral do ex-presidente Lula, contra Jair Bolsonaro, do PSL, ou Geraldo Alckmin, do PSDB. Isso projeta um segundo turno entre esquerda e direita e uma guerra entre Bolsonaro e Alckmin para ver quem chega lá contra o PT. Chova ou faça sol, o candidato do PT parece imbatível no Nordeste e deve colher os votos de Lula no resto do País. Já dá ao menos 20%, suficientes para jogar o partido no segundo turno numa eleição com tantos candidatos. Em sendo Fernando Haddad, agregue-se a boa vontade de não petistas da classe média escolarizada com um professor com jeitão confiável.

Partindo-se da premissa de que o PT estará no segundo, resta a outra vaga. Mais uma vez, Ciro Gomes foi uma boa promessa, mas derrota-se a si próprio pelo destempero e incapacidade de fazer política, de atrair apoios. E Marina Silva tende a, pela terceira vez, inflar no início, murchar no final.

Henrique Meirelles tem campanha azeitada, mas o candidato não ajuda e o MDB cumpre tabela. Álvaro Dias entrou no vácuo do PSDB no Sul, sem ampliar fronteiras. João Amoedo é um desconhecido após meses de campanha. Manuela Dávila e Guilherme Boulos, estão naquela do “tudo que seu mestre mandar”. Assim, sobram Bolsonaro, campeão nas pesquisas sem Lula, e Alckmin, campeão na batalha por alianças.

Bolsonaro consolidou-se entre os mais jovens, os homens, os ricos e os mais escolarizados (aliás, bastante curioso). Mas, segundo o instituto Ideia Big Data, ele não conquistou as mulheres, nada satisfeitas ao ouvir o candidato defender, por exemplo, que têm filhos e, ora, devem ganhar menos que os homens... Seu eleitorado masculino é três vezes maior que o feminino, que prefere o discurso ético e educativo de Marina.

Alckmin, vários pontos atrás de Bolsonaro nas pesquisas, tem potencial nesse eleitorado feminino, sempre mais desconfiado, mais cauteloso, e precisará converter o apoio do establishment em votos do eleitor e da eleitora com curso médio e superior. Todo o cuidado é pouco, porém, para transformar a aliança com o Centrão em ativo, não passivo. Seu ponto forte, particularmente no contraste com Bolsonaro, foi destacado pelo empresário Josué Gomes da Silva, ao recusar a vice, mas anunciar apoio: “Prova de sua (de Alckmin) competência é a maneira firme, serena e eficaz com a qual tem conduzido o governo paulista em meio à gravíssima crise que enfrentamos.” O Brasil e os Estados estão em petição de miséria, mas São Paulo resiste bravamente.

Em linguagem clara, Bolsonaro precisa atacar a alianças PSDB-Centrão, e Alckmin tem de convencer a D. Maria e a Mariazinha da importância de ter dez partidos, tempo de TV e força política. Presidentes sem sólida liderança no Congresso não têm governabilidade, não aprovam projetos fundamentais e ficam sujeitos até a ameaças de impeachment.

Mas, além de convencer o eleitorado feminino, que não embarcou na canoa de Bolsonaro, o candidato tucano terá também de furar a afoiteza do jovem eleitor e a irritação do eleitor escolarizado, encantados com o discurso antipolítica do ex-capitão do Exército. Alckmin terá uma arma poderosa: 40 vezes mais tempo de TV. Mas Bolsonaro tem o mais moderno arsenal de campanhas: as redes sociais.

Assim, as duas grandes apostas que se cruzam são: Bolsonaro está cristalizado ou vai esfarelar por falta de tempo na TV e de consistência nos debates? E Alckmin, que entrou definitivamente no jogo ao fechar o apoio de dez partidos, vai deslanchar ou continuar patinando pela resistência do eleitorado aos “políticos e partidos tradicionais”?


Foto: Beto Barata\PR

Eliane Cantanhêde: Coisa de lunático

No mundo político, só se fala em vices; no mundo real, nem se fala nos presidenciáveis

Os eleitores demonstram profunda indiferença pela eleição e não estão nem aí para os próprios candidatos à Presidência da República, quanto mais para aqueles que disputam as vagas de vice. Mas, no mundo político, só se fala nisso, freneticamente: quem vai ser vice de quem?

As pesquisas em São Paulo – São Paulo! – mostram que muita gente ainda nem sabe que Geraldo Alckmin, ex-governador do Estado por três vezes, é candidato novamente à Presidência. E elas vão se preocupar com o vice? Sem Josué Gomes da Silva, que nove entre dez presidenciáveis disputavam, está aberta a disputa entre PP, PR, DEM, Solidariedade e PRB para indicar o (ou a) vice. Sem esquecer o PSD.

Já o caso do PT de Lula e do PSL de Jair Bolsonaro é ainda pior. Oficialmente, o PT nem candidato a presidente tem, com Lula preso em Curitiba e Fernando Haddad rouco de tanto dar entrevistas, mas só como “coordenador do programa”. As opções para vice dependem do cabeça de chapa e de alianças que, até agora, não vieram.

Já Bolsonaro convive com uma profusão de nomes para a vice, um mais engraçado do que o outro. Os últimos são o do “príncipe” Luiz Philippe de Orleans e Bragança e do astronauta Marcos Pontes. Os marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto devem estar se remoendo no céu, ou na cova, diante desse namoro de um capitão reformado do Exército com a monarquia, derrubada a duras penas. E o que dizer de um astronauta na vice? É piada pronta, ou coisa de lunático.

Bolsonaro já pensou em ter na vice o senador Magno Malta, pastor evangélico, e dois generais reformados, Augusto Heleno e Hamilton Mourão, mas a preferida é a professora Janaina Paschoal, uma das autoras do impeachment de Dilma Rousseff – e que chorou quando o próprio pedido deu certo.

Se Bolsonaro tem essa profusão de opções, Ciro Gomes está no lado oposto: rejeitado pela esquerda e pelo Centrão, não consegue fechar alianças e chega à reta final sem nenhum nome forte para a vice. Vai depender das negociações do PDT com o PSB – que está dividido entre apoiar Ciro, agarrar-se a Lula ou liberar geral para cada um fazer o que bem quiser.

E Marina Silva, que era vice de Eduardo Campos e assumiu a cabeça de chapa com a morte dele, só acena com nomes da própria Rede, o que equivale a chover no molhado. Chapas puro-sangue (com candidato a presidente e a vice do mesmo partido) são próprias de siglas fortes, com estrutura, boas bancadas e tempo de TV. Não para pequenos partidos isolados, sem nenhuma dessas condições ou vantagens.

Mas, afinal, por que esse frenesi pela definição da vice, se nem os próprios candidatos a presidente empolgam? Primeiro, por uma questão prática: vice consolida alianças, traz tempo de TV, “agrega valor” regional, ou de gênero, ou financeiro, às campanhas. Segundo, por uma questão mais simbólica, hipotética: a história registra que José Sarney, Itamar Franco e Michel Temer só viraram presidentes por impedimento dos titulares. Um golpe de sorte? Só tem sorte quem está bem colocado, no lugar certo e na hora certa.

Os próprios eleitores já encamparam a ideia de que impeachments não são bichos de sete cabeças e podem muito bem acontecer. São parte do jogo. Aliás, pesquisa estimulada Record-Real Time detectou que 33% se declaram “muito preocupados” e 17% “razoavelmente preocupados” com a possibilidade de o futuro presidente seguir a trajetória de Collor e Dilma e sofrer impeachment. E lá viria mais um vice.

A advertência do juiz Sérgio Moro no Fórum Estadão de quarta cai como uma luva nesse contexto: o resultado da eleição não pode pôr em risco a Lava Jato. Senão, o pau vai comer e o vice é que vai se dar bem.


Eliane Cantanhêde: Fogo no circo

No Judiciário, um põe fogo, todos apagam; no Legislativo, a maioria incendeia o País

Se o Judiciário fez um mutirão para apagar o incêndio causado pelo desembargador Rogério Favreto, do TRF-4, o Legislativo pôs fogo nas contas públicas e queimou a largada do próximo governo, seja quem for o presidente. A sociedade civil e os quartéis estão indóceis com tanta fumaça.

O cerco contra a tentativa de soltar o ex-presidente Lula à custa do descrédito do Judiciário (como acusa Raquel Dodge) incluiu Sérgio Moro, Gebran Neto, Thompson Flores, Cármen Lúcia, Raul Jungmann, PF, Laurita Vaz e a própria Raquel. Não seria surpresa se, nos bastidores, também a cúpula militar.

Destaca-se Thompson Flores, eixo da reação ao habeas corpus dado por Favreto contra o TRF-4, o STJ e o Supremo. Como presidente do TRF-4, ele falou com Moro, que agiu após consultá-lo; com o relator Gebran Neto, que desautorizou Favreto; com a PF, via Jungmann, que esperou a solução do conflito de competência antes de agir; com Cármen Lúcia, que reafirmou em nota a hierarquia. E foi dele a negativa final.

A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, previu que “ia morrer gente” se prendessem Lula e ninguém morreu, o País manteve a normalidade e as ruas vazias, apesar da dramaticidade da prisão de um homem com a biografia e a popularidade de Lula.

E agora? E se um único desembargador, que foi filiado ao PT por 20 anos e serviu a Lula no Planalto, soltasse Lula em uma hora, a pedido de três petistas, com alegações risíveis e sem consultar ninguém do seu próprio tribunal? Poderia não morrer gente nem lotar as ruas, mas o clima institucional ficaria irrespirável. Líderes civis e militares sofreriam imensa pressão.

Soltar Lula por maioria colegiada e argumentos sólidos, assim como absolvê-lo por falta de provas na ação por obstrução de Justiça, geraria chororô nas redes sociais, mas seria respeitado nas instâncias decisórias dentro e fora do Judiciário. Mas uma canetada monocrática? Num plantão de fim de semana? É inadmissível, como concluiu toda a cúpula do Judiciário.

Enquanto isso, o Congresso perdeu todos os pruridos e aproveitou a última semana antes do recesso para por fogo no circo, esse circo em que os brasileiros que produzem, geram empregos, trabalham, estudam e precisam de escolas e hospitais é que saem chamuscados.

O ataque às contas públicas foi brutal, de até R$ 100 bilhões, segundo o Estado. Deputados e senadores criaram novos municípios (e novos vereadores...), obrigaram aumento ao funcionalismo, jogaram o custo dos “gatos” nas contas de luz e deram anistia a transportadoras e caminhoneiros que explodiram a recuperação econômica. Na farra, deram até benefícios fiscais à produção de refrigerantes na Zona Franca de Manaus.

Significa aumento de impostos e destruição das chances do futuro presidente já na posse. Com quatro anos consecutivos de déficit fiscal, previsão de crescimento caindo mês a mês e 13 milhões de desempregados, a ação do Congresso é de uma irresponsabilidade histórica, grave, irritante.

Os presidenciáveis gritaram? Não, porque a prioridade deles, neste momento, não é o País e a própria governabilidade, mas a vitória em outubro. Ou seja, é hora de negociar e atrair partidos e políticos, não de botar o dedo na cara deles, dizer cobras e lagartos e chamá-los à razão.

A diferença entre o que houve no Judiciário e no Legislativo na semana passada é que, em um, um único desembargador ameaçou toda a credibilidade da Justiça e foi rechaçado energicamente pelos demais. No outro (o Legislativo), quem ateou fogo foi a maioria, com a minoria responsável esperneando inutilmente.

A chance de inverter essa maioria no Congresso será nas eleições de outubro, mas, sinceramente, é muito difícil manter qualquer faísca de otimismo.


Eliane Catanhêde: Não brinquem com elas

As mulheres viraram feras para defender o Judiciário de ‘instabilidade e descrédito’

A cúpula feminina do Judiciário e do Ministério Público ganhou espaço e respeito ao pôr as coisas nos seus devidos lugares depois do domingo passado, quando novos “aloprados” petistas se aliaram ao desembargador Rogério Favreto para passar por cima do TRF-4, do STJ e do próprio STF na tentativa de libertar o ex-presidente Lula a qualquer custo.

Laurita Vaz, uma goiana de Anicuns, pouco conhecida, pouco polêmica, reproduziu de forma contundente o que boa parte do Judiciário pensa, mas não pode dizer. E ela não foi contundente numa nota ou entrevista, mas numa decisão oficial, em que negou habeas corpus para soltar Lula, desferiu duras críticas a Rogério Favreto e defendeu a atuação do juiz Sérgio Moro, acusado de “perseguir” o ex-presidente por não cumprir o ato estapafúrdio do desembargador.

Laurita classificou Favreto de “manifestamente incompetente” para conceder HC para Lula num mero plantão, disse que é “óbvio e ululante” que os argumentos dele não fazem sentido e concluiu que sua ação “causa perplexidade e intolerável insegurança jurídica”. Para a ministra, Moro reagiu “com oportuna precaução” ao consultar o presidente do TRF-4 para saber o que deveria cumprir, a decisão do tribunal (que mandou prender Lula) ou o HC monocrático de um desembargador (para soltá-lo).

Se Favreto chocou o País com sua audácia, Laurita Vaz surpreendeu o mundo jurídico, o mundo político e a mídia com sua decisão duríssima. Não bastasse, completou o serviço no dia seguinte, quarta-feira, ao derrubar de uma canetada só 143 pedidos de habeas corpus para Lula que tinham o mesmo formato, o mesmo jeitão, os mesmos argumentos, só mudando o autor. O Judiciário, reclamou, “não pode ser utilizado como balcão de reivindicações e manifestações políticas ou ideológico-partidárias”. O tom foi de advertência, de “bronca”.

Nos estertores de sua passagem pela presidência do STJ, que assumiu em setembro de 2016, Laurita Vaz vem se juntar a um time de mulheres que têm posições, se expõem e dão exemplos de coragem no Judiciário, como Cármen Lúcia, presidente do STF, e Rosa Weber, que já deu um voto na Corte que tem tudo a ver com o imbróglio detonado agora por Rogério Favreto.

Depois de se recusar a pôr em pauta pela quarta vez uma mesma questão, a prisão após segunda instância, Cármen Lúcia agora soltou nota, já no domingo, lembrando a impessoalidade e o respeito à hierarquia no Poder Judiciário. E, numa votação de HC para Lula, Rosa Weber jogou luzes num princípio precioso que Favreto jogou no lixo. Ela votou contra o HC, apesar de contrária à tese da prisão em segunda instância, ensinando que, num colegiado, derrotados seguem a decisão da maioria. “Vozes individuais devem ceder em favor de uma voz institucional”, lembrou. Senão, vira bagunça.

Ainda na quarta-feira, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, encaminhou a Laurita Vaz o pedido de instauração de inquérito judicial contra Rogério Favreto. Num tom tão duro e contundente quanto o usado pela própria Laurita, Raquel acusa Favreto de agir “sem imparcialidade”, “dolosamente” e “motivado por sentimentos pessoais contrários à lei”. De quebra, pediu ao CNJ a aposentadoria compulsória do desembargador.

Contrariando o estereótipo de mulheres delicadas, medrosas e frágeis, Laurita, Cármen e Raquel foram fortes na defesa das instituições que comandam, ou, como diz Raquel, contra “a exposição do Poder Judiciário brasileiro (...) a sentimentos que variaram de insegurança à perplexidade, da instabilidade ao descrédito”. Isso não poderia passar em branco. E não passou. A reação é à altura da ação tresloucada.


Eliane Cantanhêde: Todos contra um: Favreto

PT vende que Moro foi maior derrotado, mas quem ficou ilhado foi desembargador

Que o PT é bom de marketing não há a mínima dúvida, mas insistir na versão de que o partido e o ex-presidente Lula foram os grandes vitoriosos, enquanto o TRF-4 e o juiz Sérgio Moro foram os grandes derrotados na lambança de domingo já é demais. O pior é que tem quem acredite e passe adiante.

Para além do marketing, existe o fato, ou a realidade: quem ficou totalmente isolado durante todas as longas horas do imbróglio foi justamente quem o gerou, o desembargador Rogério Favreto, filiado ao PT por 20 anos, auxiliar dos presidentes Lula e Dilma Rousseff no Planalto e em ministérios e agora, como plantonista do TRF-4, autor do bombástico habeas corpus para soltar Lula.

Senão, vejamos. O juiz Sérgio Moro o declarou “absolutamente incompetente” para derrubar uma decisão do TRF-4, ratificada, nada mais nada menos, pela mais alta Corte do País, o Supremo Tribunal Federal. A Polícia Federal, perplexa, como todo o meio jurídico e o próprio Brasil, alegou que não é obrigada a cumprir uma decisão ilegal e em meio a um evidente conflito de competência.

Dentro do próprio TRF-4, ninguém abriu a boca ou tomou qualquer atitude para apoiar, concordar ou ratificar a posição do plantonista de fim de semana. Ao contrário, o desembargador que é relator da Lava Jato, João Pedro Gebran Neto, suspendeu o habeas corpus assinado por ele. E quem bateu o martelo foi o próprio presidente do tribunal, Carlos Eduardo Thompson Flores, contra o HC de Favreto e a favor da suspensão decidida por Gebran.

Para fechar o cerco – e a condenação ao voluntarismo de Favreto – a própria presidente do Supremo, Cármen Lúcia, distribuiu nota em tom de advertência, pedindo Justiça “sem quebra de hierarquia”. Uma alusão direta à audácia do desembargador ao contrariar a 8.ª Turma do TRF-4 e, incrível!, o STF. Logo, foram todos contra um – o que se aproveitou de um plantão para botar fogo no circo.

E Moro? Há quem reclame porque ele estava de férias e não tinha nada que se meter na decisão de Favreto, representante de uma instância superior. Mas há muita gente que vai em sua defesa, de procuradores a atuais e ex-ministros do próprio Supremo, alegando que juízes não deixam de ser juízes porque estão de férias e ele tem pleno direito de se manifestar 24 horas por dia, esteja onde estiver.

Ok, essa divergência reflete o “ame-o ou deixe-o” que persegue Sérgio Moro desde que ele virou a principal cara da Lava Jato, mas não tem nada de nova, muito menos o transforma no principal derrotado de um vexame que extrapola o TRF-4 e agrava ainda mais o momento conturbado, tenso e beligerante da Justiça brasileira, a começar da mais alta Corte do País.

A guerra agora está no CNJ e logo vai parar no STJ. Um punhado de advogados entrou contra Moro no CNJ, mas promotores e procuradores entraram contra Favreto. É um jogo de perde-perde, enquanto Lula continua preso, seus advogados juram que não tiveram nada a ver com aquele habeas corpus e nesta segunda-feira, 9, o PT novamente decidiu não decidir sobre a candidatura presidencial de outubro. Logo, o que Lula e o PT ganharam? Holofotes? Visibilidade? O velho “falem mal, mas falem de mim?”

Quanto ao TRF-4, realmente ficou dividido e correndo atrás do prejuízo causado por Rogério Favreto, mas nada que se compare ao desgaste acumulado, por exemplo, pelo próprio Supremo. E pode piorar.

O presidente Temer vai para o exterior duas vezes em julho, os presidentes da Câmara e do Senado não podem substituí-lo, pois serão candidatos e a Presidência vai sobrar para Cármen Lúcia. E quem assume o Supremo? Dias Toffoli. Vamos combinar que Toffoli no STF e Favreto no TRF-4 podem dar o que falar...


Eliane Cantanhêde: Operação Tabajara 2

O que está ocorrendo no TRF-4, de Porto Alegre, não é uma decisão jurídica, mas uma articulação claramente político-partidária entre deputados e um desembargador que mandaram “às favas os escrúpulos de consciência” (como na edição do AI-5, na ditadura militar) para soltar o ex-presidente Lula.

Lembram quando o vice-presidente da Câmara Waldir Maranhão (na época do PP) desembarcou em Brasília com um texto mequetrefe suspendendo a votação do impeachment de Dilma Rousseff pelos deputados em plenário? A situação é muito semelhante, e os dois casos caracterizam uma tentativa de ganhar no tapetão.

Na operação anti-impeachment, chamada pelo ministro Gilmar Mendes de “Operação Tabajara”, houve uma manobra do governador Flávio Dino (PCdoB) e do então ministro José Eduardo Cardozo (PT), usando a ingenuidade – ou a vaidade – de Maranhão. Foi um vexame e deu em nada.

Na “Operação Tabajara 2”, neste domingo, 8, os deputados petistas Wadih Damous e Paulo Pimenta entraram com pedido de habeas corpus para Lula quando já tinha começado o plantão, ora, ora, do desembargador Rogério Favreto, que foi filiado ao PT e trabalhou anos com o ex-governador e ex-ministro do PT Tarso Genro. Não só em uma, mas em três canetadas monocráticas, ele mandou soltar Lula.

Tudo indica um movimento coordenado contra decisões da 8.ª Turma do TRF-4 e do próprio Supremo Tribunal Federal, última instância do País. O TRF-4 manteve a sentença do juiz Sérgio Moro, condenou Lula e mandou prendê-lo. O Supremo, que aprovara em plenário a prisão após condenação em segunda instância, negou o HC de Lula com base nessa decisão.

O que alegou o desembargador Favreto para passar por cima das instâncias superiores à dele? Um: que faltou fundamentação na ordem de prisão de Lula. Ele quis dizer que o juiz e a Turma do seu tribunal fizeram tudo errado e foram irresponsáveis? Dois: que há um “fato novo”, a pré-candidatura de Lula à Presidência. Novo?!

O conluio gerou reações e contrarreações que jogam a Justiça brasileira num ridículo sem fim perante a população e o mundo. Um tribunal federal decide uma coisa, a Suprema Corte confirma, um desembargador desfaz tudo, um juiz de primeira instância (Moro) decreta que o desembargador é “absolutamente incompetente” para dar o HC. É para rir ou para chorar? Aliás, é ou não para soltar Lula? Tudo isso é estarrecedor, e Jair Bolsonaro já tenta tirar uma casquinha.


Eliane Cantanhêde: Guerra de foice

Eleição vai ter de afunilar, apesar dos temores e inseguranças de candidatos

Acaba a Copa para nós e começa de fato a eleição, ainda cercada de interrogações, mas com o tempo correndo cada vez mais rápido. Até 15 de agosto, prazo final para o registro de candidaturas, as respostas mais importantes terão que ser dadas, queiram ou não os partidos. É quando ficará claro quem entra, quem sai, quem está com quem.

Cresce a pressão para que o ex-presidente Lula faça uma “Carta à Nação” a ser lida na convenção do PT, no dia 28, para sair de campo espetacularmente, lançar Fernando Haddad e articular a candidatura dele a partir da cela em Curitiba – enquanto ainda estiver na cela em Curitiba.

Essa carta, com a renúncia à candidatura, serviria, ou servirá, como sinal verde para o Supremo dar o passo seguinte: livrar Lula da prisão. Em resumo, Lula abdica de ser candidato em troca de conquistar a liberdade. Uma complexa negociação, com Dias Toffoli afirmando-se não só como o próximo presidente de fato do STF, mas como o mais audacioso entre os onze ministros.

Fora da prisão e da chapa, Lula apresenta um candidato que mantém o PT e as esquerdas unidas, oferece enfim um nome ao Nordeste, que vota em quem seu mestre Lula mandar – e atrai dois tipos essenciais de eleitores: petistas decepcionados com o partido, mas sem alternativa, e também eleitores de outras siglas, igualmente desanimados com os nomes já colocados.

Do lado oposto, na raia da direita, Jair Bolsonaro repete Collor em 1989 e Trump agora nos EUA: a mídia e os analistas não conseguem acreditar que ele está consolidado para o segundo turno, mas ele vai vencendo resistências. Aplaudido na CNI? Sem entender de economia e sem ter administrado coisa nenhuma? Pois é. Collor, o marajá número um, venceu com o marketing de “caçador de marajás”.

Bolsonaro desdenha de alianças e partidos e cobre preventivamente a falta de tempo na TV com as redes sociais, enquanto seus principais concorrentes fazem o oposto: desdenham a internet e mergulham em cafés, almoços, jantares e reuniões em busca de alianças que lhes deem minutos de TV, palanques e condições futuras de governabilidade.

No foco está o tucano Geraldo Alckmin, que, pelo currículo ou pelo partido (que vence ou disputa o segundo turno desde 1994), é, ou seria, o maior beneficiário de uma união ao centro. Mas o aliado e até afilhado João Doria lhe fez o imenso favor de criar, antes do início da eleição, a sensação de que ele “não tem chance”. A cada pesquisa, a cada nome alternativo, aumenta o medo dos aliados naturais do PSDB, a começar do DEM. Os partidos querem que Alckmin cresça nas pesquisas para se definir. Alckmin quer que eles se definam para poder crescer nas pesquisas.

O futuro de Ciro Gomes está atrelado ao PT, desde que ele cismou de se colocar como opção de esquerda, mas fez um movimento esquizofrênico: disputava o PT, enquanto soltava cobras e lagartos contra o partido e contra Lula. Agora, disputa o DEM, que pode ser tudo, menos de esquerda. “O que nós temos em comum com o Ciro? Nada!”, resume José Carlos Aleluia (DEM-BA).

Marina Silva é o voto confortável, de quem valoriza ética, biografia, simbologia, mas isso nunca será suficiente para levar uma candidatura ao segundo turno, muito menos para empurrá-la rampa acima. Mais uma vez, Marina parece candidata a válvula de escape para aqueles que não encontrarem uma opção entre os que são “para valer”.

É assim que a eleição mais pulverizada desde 1989 vai caminhando, trôpega, surpreendente e, de certa forma, amedrontadora. Mas, com o fim da Copa e a chegada, já, já, de agosto, tudo vai começar a afunilar. E a exigir que você, eleitor, eleitora, pare de resmungar e passe a fazer o mais difícil: analisar e decidir.


Eliane Cantanhêde: Haddad em campo

Tudo caminha para Lula se materializar no ex-prefeito de São Paulo e chacoalhar a eleição

A grande novidade da eleição presidencial, tão pulverizada e incerta, está para surgir: a entrada em cena do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, que une o útil, a força do ex-presidente Lula, ao agradável, a sua própria imagem, que extrapola o PT.

Condenado, preso, longe de holofotes e microfones, Lula mantém seus inacreditáveis 30% das pesquisas, numa eleição com tantos nomes e nenhuma certeza. Logo, Lula é quem tem o maior capital e o maior potencial de transferência de votos.

Livre, passando ao largo de denúncias de corrupção, Haddad é aquele bom moço sem a pecha, as marcas e as cicatrizes do PT e amplia o leque de eleitores do partido. Petista só vota em petista, mas tem muita gente que não morre de amores pelo PT, mas poderia votar de bom grado no professor Haddad.

Lula e Haddad, portanto, se complementam. Um tem voto, mas alta rejeição. O outro não tem voto, mas não tem rejeição. Um garante a largada, o outro tem de fazer o resto, ganhar fôlego, abrir horizontes. Ou atrair as elites, assim como José Alencar, em 2002, atraiu o capital.

De bobo, Lula não tem nada, muito pelo contrário. E ele acha plenamente possível que em algum momento seja solto, mas dificilmente trabalha com a hipótese de ser candidato até o fim. Sabe que sua candidatura tem mil e uma utilidades, mas é uma ficção.

Aliás, será mesmo que Lula gostaria de voltar à Presidência? Ele saiu do Planalto com 80% de popularidade, governou com a herança bendita de Fernando Henrique e numa época de prosperidade na América do Sul raramente vista. Voltar para quê? Para enfrentar a crise, a dívida, os 13 milhões de desempregados e os Estados falidos?

É muito mais cômodo – e prudente – que Lula use a “candidatura” para manter força política, exposição na mídia e carregar um candidato nas costas. Alguém que não precise ter o que ele já tem, mas agregue o que ele não tem. Quem poderia ser, além de Fernando Haddad?

Lê-se que Haddad acaba de se lembrar que é bacharel em Direito, foi buscar a carteira da OAB e vai integrar a equipe de defesa de Lula – já tão congestionada, causando atropelos e batidas. Para disputar com Cristiano Zanin, que está desde o começo? E com Sepúlveda Pertence, que é um ás?

Logo, o advogado Haddad tem um único objetivo: obter passe livre para entrar e sair da prisão de Curitiba, com acesso direto a Lula. E não me venham dizer que vão falar de flores. O (muito) mais provável é que falem de... eleição.

Até aqui, Jair Bolsonaro está isolado na liderança, petulante ao ponto de prever vitória em primeiro turno, e o segundo pelotão está embolado com Marina, Ciro, Alckmin e, tentando correr atrás, Alvaro Dias. O resto é o resto. Mas a entrada de Haddad para valer tem potencial para dar uma boa chacoalhada nisso.

O primeiro efeito tende a ser nas pretensões de Ciro, que só chegou até onde chegou no vácuo do PT, troca desaforos com a própria sombra e cria constrangimento para empresários na casa deles, a CNI. A um sinal de Lula, boa parte dos votos do Nordeste migram para Haddad. E, sem Nordeste, não há Ciro.

Consolidadas a direita, com Bolsonaro, e a esquerda, com Lula materializado em Haddad, que o centro trate de jogar a sério, deixando vaidades de lado. O treino está acabando e a pergunta é: quem quer levar a culpa por um segundo turno entre Bolsonaro e PT?

Tem candidato que não tem voto para se eleger, mas tem para impedir as chances do centro. Aliás, é isso que Fernando Henrique e o próprio Alckmin tentam dizer para Alvaro Dias, que divide os votos de centro no Sul. Assim como não seria surpresa a candidatura de Haddad a presidente, não seria a de Dias ao governo do Paraná.

P.S.: O jogo de hoje, o de futebol, vai ser de matar do coração. Dá-lhe, Brasil!


Eliane Cantanhêde: A volta de quem não foi

O que, afinal, Dilma Rousseff tem a defender na campanha ao Senado pelo PT em Minas?

O anúncio da candidatura de Dilma Rousseff ao Senado por Minas Gerais é duplamente, digamos, curioso. Ela, como Lula, é tecnicamente inelegível. E como vai defender o seu legado na Presidência da República durante a campanha?

Quem esqueceu de como Dilma manteve a possibilidade de disputar eleições, apesar do impeachment? No último segundo do segundo tempo, os então presidentes do Senado, Renan Calheiros, e do Supremo, Ricardo Lewandowski, fizeram um acordão e inventaram a novidade.

Pela letra fria das leis e da Constituição, presidente da República que sofre impeachment se torna automaticamente inelegível durante oito anos, como ocorreu com Fernando Collor de Mello, e ninguém jamais questionou. Ele cumpriu pacientemente sua quarentena, antes voltar à política com mandato de senador.

Collor era Collor, o inimigo número um da Nação, que na reta final não tinha mais aliados, só adversários. Já Dilma tinha por trás o padrinho Lula e o PT, um dos maiores partidos do País, então com 13 anos de Presidência. Por causa de Lula e do partido, Renan e Lewandowski deram um jeitinho e Dilma manteve o direito de se candidatar.

Dilma nasceu em Minas, mas fez carreira política no Rio Grande do Sul e praticamente estabeleceu residência no Rio de Janeiro. Como vai fazer campanha em Minas, um dos três Estados mais importantes e mais politizados? Vai defender o seu próprio legado, desastroso? Ou o do governador Fernando Pimentel, seu amigão, que enfrenta problemas na Justiça e encerra o mandato com uma baita crise econômica, até atraso de salários de funcionários?

Apesar da tese de “golpe”, Dilma caiu por inapetência política, inaptidão administrativa e erros crassos na economia. Afundou o Brasil em dois dolorosos anos de recessão econômica; inflação acima da meta; juros estratosféricos; fundos de pensão depenados; agências desarticuladas; estatais sem prumo; setor elétrico de pernas para o ar; pré-sal condenado a ficar para sempre nas profundezas do oceano.

Foi assim que o País mergulhou no desemprego. Hoje, são 13 milhões de desempregados e precisa-se reconhecer que Michel Temer não conseguiu controlá-lo, mas a culpada número um foi Dilma, sua autossuficiência, suas noções antiquadas de economia, sua incapacidade de entender a importância dos pilares macroeconômicos. “Coisa da direita...”, diria ela.

A eleição em Minas, portanto, parece ir de mal a pior. Dilma disputando o Senado como revanche pelo impeachment e seu contendor no segundo turno de 2014, Aécio Neves, do PSDB, pior ainda: sem ter para onde correr. Presidência de novo? Governo de novo? Senado de novo? Nem perto. Se der sorte, pode até encontrar uma vaga de deputado federal, mas sem ilusões: mandato não é mais garantia de foro privilegiado. Nem de impunidade.

Já confuso desde 2016, o politizado eleitor mineiro acabou levando à prefeitura de Belo Horizonte o verdadeiro outsider daquela eleição, Alexandre Kalil, do inexpressivo PHS. E esse é o maior risco da eleição presidencial no Estado este ano.

Para o governo, o PT aposta na reeleição de Pimentel e o PSDB foi buscar o ex-governador Antonio Anastasia, que encerrou a primeira gestão bem avaliado e passa ao largo das infindáveis descobertas da Lava Jato. Por fora, corre o ex-prefeito de BH Marcio Lacerda (PSB), que aguarda articulações de seu partido com o PDT de Ciro Gomes.

O pior em Minas é a eleição para a Presidência. Com o Norte e o Nordeste petistas e o Sul e o Centro-Oeste antipetistas, Minas é um Estado-chave para definir o sucessor de Temer. Se mantiver o “espírito do contra” que levou Kalil para a prefeitura, vocês sabem quem vai se dar bem, não é? Ou já está se dando...


Eliane Cantanhêde: Lula no mata-mata

Decisão do STF impacta Lava Jato, eleição, autoestima brasileira e até rumo da história

Com a chegada do recesso do Judiciário, bateu o desespero no ex-presidente Lula e nos seus advogados, que saíram em desabalada carreira para entupir o Supremo de recursos, tentando atropelar o plenário e até o sorteio eletrônico (!) para escolher não só a turma, mas o próprio relator desses recursos. Esse serve, esse não serve... Uma audácia incrível, no vale tudo para Lula trocar a prisão em Curitiba pela campanha à Presidência.

Nessa corrida, com chute, cotovelada e empurrão, os advogados Sepúlveda Pertence e Cristiano Zanin disputam homem a homem quem apresenta seus recursos primeiro e, no fundo, quem cai mais nas graças do cliente famoso. Sepúlveda tem mais credenciais, como ex-presidente e grande referência no Supremo. Zanin, bastante esforçado, foi escolhido por ser genro de um dos maiores benfeitores de Lula, Roberto Teixeira.

Assim, Pertence, mais experiente, mais pé no chão, trabalha com a prisão domiciliar de Lula como lance na negociação com o Supremo. Mas o próprio Lula, a cúpula do PT e Zanin aderiram ao tudo ou nada, têm uma posição menos jurídica e mais política e não admitem um milímetro a menos do que a anulação da condenação do juiz Sérgio Moro e do TRF-4, com a conversão do réu em vítima. Por isso, a defesa acabou apresentando dois recursos conflitantes.

O primeiro foi para anular a condenação e todos os seus efeitos: a prisão e a inelegibilidade. O segundo, num evidente recuo, para anular apenas a prisão e deixar a questão da inelegibilidade para lá. Por que? Porque o PT pretende registrar a candidatura Lula até 15 de agosto e a partir daí guerrear contra a impugnação na Justiça Eleitoral, mas, se o STF confirmar a inelegibilidade antes, nada feito, a guerra já estará perdida. O STF tem sempre a última palavra.

Enquanto rola solto o confronto de egos e estratégias entre os advogados de Lula, mais o Supremo vai se organizando em três grupos. O dos que gritam pelo fim da prisão em segunda instância e, até lá, soltam todo mundo e abrem caminho para soltar Lula também. O dos que não soltam ninguém, não admitem votar pela quarta vez a prisão em segunda instância e não parecem dispostos a salvar Lula. E um terceiro que serve de pêndulo.

Assim, foram eleitos os “amigos” de Lula, os “inimigos” e as “incógnitas”. Entre os amigos, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello. Entre os inimigos, Cármen Lúcia – que vai chegando ao fim de sua presidência sem por em pauta a revisão da prisão após a segunda instância – e Edson Fachin, o “petista roxo” que bate de frente o tempo todo com os lulistas (desde sempre ou de ocasião) na Segunda Turma. Entre as incógnitas, Celso de Melo e Rosa Weber, que guardam seus votos para... a hora do voto.

E, assim, chegamos a julho com Cármen Lúcia no olho do furacão. Ela distribuiu a pauta de agosto sem os recursos de Lula, mas assume poderes monocráticos durante o recesso e pode decidir a qualquer momento levar esses recursos ao plenário na primeira quinzena de agosto. Uma responsabilidade monumental, porque impacta a Lava Jato, a autoestima do brasileiro, a percepção internacional sobre o combate à corrupção no Brasil, a eleição presidencial e, sem exagero, o rumo da história.

O Brasil está parado, com a respiração suspensa, não só pela disputa do hexa na Rússia, mas também pela indefinição de uma eleição que praticamente congelou. O líder nas pesquisas é uma ficção, o segundo é um perigo, os demais não vão nem para a frente nem para trás. Passada a Copa e decidido finalmente o destino de Lula (e, com ele, o da Lava Jato e da Ficha Limpa...), os advogados vão parar de correr e a eleição vai enfim andar. Na verdade, enfim começar.