Eliane Catanhêde

Eliane Cantanhêde: Battisti, um troféu

Com a troca de poder, do PT para Bolsonaro, muda a situação do italiano Cesare Battisti

Depois de uma profusão de manifestações equivocadas e até chocantes na política externa, e de começar a levar o troco, o presidente eleito, Jair Bolsonaro, já tem uma carta na manga para virar o jogo: a extradição do terrorista Cesare Battisti. A ideia agrada a Itália e, por extensão, a toda a Europa. E é mais uma estocada no PT e na esquerda brasileira, com apoio do eleitorado conservador de Bolsonaro.

A tese tem o apoio do governo de Michel Temer, professor de Direito Constitucional. Além dele, os ministérios da Justiça e da Relações Exteriores já acenaram com o apoio à extradição de Battisti, não por questões de legalidade e diplomacia.

Há um problema: a decisão depende do Supremo e pode demorar, porque não tem consenso no plenário, quando os 11 ministros parecem enfim falar a mesma língua, na defesa da democracia, das instituições e do próprio Supremo.

No governo Lula, tanto o Itamaraty quanto o Ministério da Justiça, via Comitê Nacional para Refugiados (Conare), recomendaram a extradição de Battisti, condenado à prisão perpétua no seu país por quatro assassinatos quando integrava um movimento terrorista e refugiado no Brasil desde 2004.

O então ministro da Justiça, Tarso Genro, do PT, mexeu mundos e fundos, mudou a posição do Conare, desconsiderou a do Itamaraty, convenceu Lula e manteve Battisti no Brasil, como “preso político”, não um assassino julgado pela Justiça italiana.

Na Itália, mobilizou Justiça, polícia, governo, parlamento e opinião pública. No Brasil, virou debate nacional e foi parar no Supremo, que chegou a uma decisão salomônica: autorizou a extradição de Battisti, mas delegando ao presidente Lula a decisão final.

No apagar das luzes do seu governo, Lula concedeu o refúgio ao italiano, deixando críticas no meio jurídico, sequelas na relação com a Itália e uma nuvem de incertezas sobre próprio Battisti, agora casado, pai e com ocupação regular.

A Itália retaliou com luvas de pelica, quando o ex-diretor do BB Henrique Pizzolato fugiu para o país após condenado no mensalão e acabou preso. Pela reciprocidade, refúgio de Battisti no Brasil seria igual a refúgio de Pizzolato na Itália, e seus advogados alegavam que as prisões brasileiras eram medievais (o que não é de todo mentira) e ele acabaria morto (improvável).

Em vez da reciprocidade fria e pragmática, a Itália cumpriu todos os trâmites legais e extraditou Pizzolato para o Brasil, onde ele cumpriu pena, saiu vivinho da Silva da cadeia em 2017 e volta à tona como argumento a favor de devolver Battisti para Roma.

Sabe-se lá como os ministros do Supremo votarão. O argumento contra a extradição é que a decisão de Lula foi um “ato de soberania nacional” e não pode ser revista pela corte. O argumento a favor é que, se o STF delegou a Lula a decisão final, por que não delegaria agora para Temer, até 31 de dezembro, ou para Bolsonaro, a partir de então?

O julgamento de Battisti e seus desdobramentos, qualquer que seja o desfecho, tendem a ocupar a mídia, uma esquerda em baixa e uma direita em alta. Em vez de falar em sair da ONU e do Acordo de Paris, dar um chega-pra-lá na China e no Mercosul e mudar a embaixada para Jerusalém, Bolsonaro poderá badalar suas diferenças com o PT.

A União Europeia, já satisfeita com o recuo na fusão de Agricultura e Meio Ambiente, abaixaria o tom e a apreensão com Bolsonaro. No Brasil, os bolsonaristas entrariam em êxtase, a esquerda faria barulho e o meio jurídico se dividiria. Battisti, portanto, é candidato a troféu.

Ciro. Ao disputar a liderança da oposição, Ciro Gomes bate no PT e em Lula com a mesma ênfase com que, na campanha, atacava o PSDB e FHC para defender... o PT e Lula.


Eliane Cantanhêde: Erros e acertos

Senado dá tiro no pé, enquanto Bolsonaro surpreende positivamente

O aumento dos salários dos ministros do Supremo foi a primeira derrota imposta pelo Senado ao governo Jair Bolsonaro, antes mesmo da posse, mas o tiro saiu pela culatra. O aumento atiçou a irritação popular contra o Congresso e os partidos. Bolsonaro ficou do “lado certo”, os políticos, do “lado errado”.

Dinheiro para saúde, educação, saneamento, cultura e infraestrutura não há, mas para marajá do serviço público nunca falta. E o aumento do Supremo tem um efeito cascata que inunda todos os poderes e unidades da federação, com impacto danoso num déficit já pavoroso e no estado fiscal lamentável dos estados.

Derrota de Bolsonaro? Ou derrota do Brasil, do contribuinte, dos investimentos, da responsabilidade fiscal, do Congresso? O presidente Michel Temer, que poderia corrigir o erro, não pode nem o fará, porque já vinha negociando o aumento há meses com o presidente do STF, Dias Toffoli.

O Congresso insiste em não ver, ouvir, sentir e entender nada, mesmo após a vitória de Bolsonaro e a derrota de incontáveis políticos tradicionais, particularmente senadores, alguns deles até muito sérios, porque “os justos pagam pelos pecadores”.

Enquanto a imagem do Congresso continua afundando, Bolsonaro vai surpreendendo para melhor. As ameaças e manifestações fora do tom, tão chocantes na campanha, vêm sendo trocadas por reverência à Constituição, respeito às instituições – até ao presidente Michel Temer –, e uma relação civilizada com a imprensa.

Após a ameaça a um jornal e a exclusão da imprensa escrita da primeira coletiva, ambas decisões inadmissíveis, ele vem cedendo à realidade de que a mídia incomoda, mas é parte fundamental da democracia. Deu entrevistas às TVs e responde a perguntas improvisadas pelos repórteres. Seus homens fortes têm dado declarações e coletivas sobre suas intenções: o general Augusto Heleno, o economista Paulo Guedes, o juiz Sérgio Moro. Só o vice Hamilton Mourão anda calado.

Aliás, os novos ministros são a outra surpresa positiva. Gostem-se ou não deles e esgoele-se ou não a oposição, o fato é que a opinião pública e o mercado receberam bem os já citados, particularmente Moro, assim como o militar e astronauta Marcos Pontes para Ciência e Tecnologia e, agora, a deputada, agrônoma e ruralista Tereza Cristina, aplaudida no próprio Congresso.

Ex-líder do PSB, ela mudou para o DEM por votar no impeachment de Dilma Rousseff e, se vira ministra por indicação da Frente Parlamentar do Agronegócio, é um trunfo por ser a primeira mulher no primeiro escalão e tem um plus: o DEM tende a ser uma mão na roda para Bolsonaro, porque os dois são complementares. O partido do presidente eleito, o PSL, deu um salto, virou a segunda bancada na Câmara e, logo, roubará o primeiro lugar do PT. Mas quantidade nem sempre é qualidade nem garante resultados.

O PSL é um amontoado de caras novas, que mal se conhecem entre elas e têm pouca ou nenhuma experiência de Congresso. Já o DEM é muito experiente, disciplinado, passou por uma renovação que alavancou líderes mais novos e modernos. E o partido tem muita identidade com a pauta liberal de Bolsonaro, ou melhor, de Paulo Guedes.

Bolsonaro quer um diplomata de carreira no Itamaraty (logo, please!) e pode levar militares para duas áreas que eles consideram pontos fortes do regime de 1964: Infraestrutura e, não se assuste, Educação.

Por último, Heleno vai para o Planalto. Na Defesa, ficaria voltado para as Forças Armadas. No GSI, órgão de inteligência, terá acesso direto ao presidente e às principais informações e segredos do País. Ele já tem natural influência sobre Bolsonaro e informação é poder. Logo, é forte candidato a eminência parda.


Eliane Cantanhêde: Brincando com fogo

Bolsonaro condena a política externa ideológica do PT e não deve incorrer nesse erro

Quem brinca com fogo pode se queimar, mas quem está saindo chamuscado das propostas do presidente eleito Jair Bolsonaro não é ele, mas o Brasil. O duro artigo do governo da China e o duríssimo cancelamento de uma visita oficial do chanceler brasileiro ao Egito devem acender o sinal amarelo no QG de Bolsonaro, que tem uma grande vantagem: sabe recuar. Pois é hora de recuar.

Política externa é “de Estado”, não “de governo”, mas é óbvio que novos presidentes têm direito de fazer ajustes, calibrar o tom e deixar a sua marca nas relações com o mundo. Só não podem dar cavalo de pau, porque política externa se faz com credibilidade e estabilidade, para não atrair retaliações imediatas ou perda de imagem do País a médio prazo.

Aliás, se Bolsonaro condena a política externa ideológica do PT, ele não pode incorrer no mesmo erro, com uma política externa igualmente ideológica, no sentido inverso. Também não convém ignorar que o governo Temer já promoveu uma guinada de pragmatismo, reaproximando Brasília de Washington e afastando de Caracas.

Entre as bombas acionadas pelas falas de Bolsonaro na área internacional destaca-se a transferência da embaixada de Tel-Aviv para Jerusalém, rompendo décadas de neutralidade do Brasil no Oriente Médio, a favor de Israel e contra os Países Árabes, que têm fortes laços comerciais e culturais aqui.

O Egito – um dos árabes mais moderados – já chutou o pau da barraca, cancelando o convite para o chanceler Aloysio Nunes Ferreira ir ao país nesta semana com dezenas de empresários que, inclusive, já estavam no Cairo. E tudo por um voluntarismo de Bolsonaro. Mudar a embaixada para Jerusalém não muda absolutamente nada a favor do Brasil. Muito ônus para zero bônus. Aliás, só a Guatemala e os EUA de Donald Trump fizeram isso. O Paraguai, que tinha feito, já voltou atrás.

Outra bomba de Bolsonaro é acenar para Taiwan e dizer que “a China pode comprar no Brasil, mas não comprar o Brasil”. Em texto pouco usual no Daily News, seu porta-voz extraoficial, o governo chinês ameaçou retaliar e lembrou que a China é o nosso principal parceiro comercial, com um superávit mais do que favorável ao Brasil, e os dois países não competem entre eles, ao contrário, têm economias e interesses complementares.

Está em pauta a extradição de Cesare Battisti, que agrada a Itália e depende do STF, mas Bolsonaro já desativou três outras bombas: não fala mais em retirar o Brasil da ONU, que seria um escândalo; romper com o Acordo de Paris, no qual o Brasil defende não só os interesses do mundo, mas os seus próprios, inclusive do agronegócio; e unir Agricultura e Meio Ambiente, que foi um susto para a União Europeia, forte importadora de carne e soja e ciosa da sustentabilidade do planeta.

Quanto à ameaça de Bolsonaro de simplesmente romper relações com Cuba, ela não pareceu tão absurda assim para experientes diplomatas brasileiros, que ridicularizam a “grande democracia cubana” boicotando o Brasil em defesa do PT. Afinal, foi Havana quem retirou sua embaixadora de Brasília após o impeachment de Dilma Rousseff e jamais concedeu agrément para o embaixador Fred Meyer, um amigo de Cuba.

Fora isso, Bolsonaro está causando tanto ruído, à toa, por três motivos: desconhecimento de política externa, aliança com os evangélicos e um alinhamento, mais do que político, quase psicológico, a Trump. Vale dizer que, afora pequenos hiatos, o Brasil jamais teve alinhamento automático com nenhum parceiro, nem com a grande potência.

“Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, diz o bordão de Bolsonaro. Em política externa, é “o interesse do Brasil acima de tudo e de todos”, inclusive das ideologias que, assim como vêm, também vão.


Eliane Cantanhêde: “Pouco contato”?!

Inteligente, preparado e falante, o vice Mourão ainda vai dar muita dor de cabeça

Passou suavemente, quase despercebida, a frase do presidente eleito, capitão reformado Jair Bolsonaro, sobre seu vice, general de quatro estrelas da reserva Hamilton Mourão, mas ela diz e projeta muito de um governo que nem começou. “Tenho pouco contato com ele”, disse Bolsonaro, com um ar de pouco caso, deixando uma pulga atrás da orelha de atentos e curiosos.

Mourão tem respeitável carreira no Exército, ocupou postos de destaque dentro e fora do País, inclusive o Comando Militar do Sul, foi bem em entrevistas às tevês (dizem que até melhor do que o próprio Bolsonaro) e acaba de passar muito bem no teste de inglês ao falar à BBC. Mas é dado a declarações polêmicas, às vezes chocantes.

Sua primeira vitória foi ultrapassar Janaína Paschoal, Marcos Pontes, Magno Malta, Luiz Philippe Orleans e Bragança na corrida pela vice. Entre professores, políticos, astronautas e príncipes, Bolsonaro ficou com um general gaúcho que surgiu no cenário político ainda na ativa, ao ser afastado da Secretaria de Economia e Finanças do Exército em 2017, não por coincidência, após defender intervenção militar.

Já candidato, ele produziu as pérolas da eleição, atribuindo as mazelas brasileiras à “indolência dos índios” e à “malandragem dos negros” e confirmando suas crenças mais profundas ao orgulhar-se da beleza do neto e do “branqueamento da raça”, o que remete ao que há de pior na história da humanidade e é nevrálgico no Brasil. Ainda foi adiante ao chamar as famílias sem homens, comandadas por mães e avós, de “fábricas de desajustados”.

Até aí, Bolsonaro e a campanha tratavam Mourão como um boquirroto, que sai falando tudo que passa pela cabeça sem atentar para as consequências, mas o caldo entornou quando ele se meteu a falar de intenções de governo. Defendeu uma Constituinte exclusiva, formada por “notáveis” e passando ao largo do Congresso eleito pelo povo, aliás, uma ideia lançada pelo ministro Tarso Genro no governo do PT.

O general também virou estrela das redes sociais ao chamar o 13º salário de “jabuticaba brasileira”, mesmo depois de Bolsonaro alertá-lo duas vezes para ter “cuidado” com o que dizia. As advertências entraram por um ouvido, saíram pelo outro. E, no pior momento da campanha, quando o PT acertou o passo e os bolsonaristas não paravam de dar tiro no pé, Bolsonaro deu um freio de arrumação: mandou Mourão e Paulo Guedescalarem a boca. O economista atendeu, o general se deu por desentendido.

Inteligente e preparado, seria grosseiro e injusto tratar Mourão como apenas folclórico, até porque suas falas não são sobre banalidades, mas sobre coisas sérias, num País onde os vices não são apenas enfeite. Na prática, vice está na antessala de assumir a Presidência.

Sarney só entrou na chapa do adversário Tancredo para dividir a base do governo militar e garantir a transição. Itamar virou vice de Collor para dar consistência política e partidária a uma aventura do PRN. Temer foi resultado de uma aliança PT-MDB para dominar o Congresso, apesar de Dilma. Todos viraram presidentes.

Os demais nem sempre foram reforço, mas dor de cabeça. Aureliano Chaves infernizou (com boas razões) o general Figueiredo, último presidente militar. José Alencar virou arauto contra os juros altos e sonhava ser presidente um dia, mas Lula conquistou-o com lábia e jeitinho. O vice dos sonhos de qualquer um, ou uma, foi Marco Maciel, o pernambucano intelectual suave e discreto que jamais criou problemas para FHC.

Convenhamos, Hamilton Mourão está mais para Aureliano do que para Maciel e pode dar muito trabalho ainda para o presidente Bolsonaro, com quem tem “pouco contato” e, quando tem, parece não dar tanta bola assim.


Eliane Cantanhêde: O soldado Moro

Mercado e redes comemoram Moro na Justiça, mas o PT vai passar de palavras a atos

Petistas, esquerdistas, condenados, investigados, juristas e advogados reagiram mal à ida do juiz Sérgio Moro para o Ministério da Justiça de Jair Bolsonaro, mas, mais uma vez, eles estão em minoria e, no fim, o PT vai ficar falando sozinho. A grande maioria, principalmente nas redes sociais e no mercado financeiro, não foi só a favor, mas entusiasticamente a favor da novidade.

Segundo Bolsonaro, Moro agiu como “soldado, indo à guerra sem medo de morrer”. De fato, Moro sabia que os ataques seriam implacáveis, mas balançou os prós e contras e assumiu a trincheira com inimigos definidos, objetivos claros e a ambição de reunir todo o aparato federal possível para jogar o combate à corrupção e ao crime organizado no centro do governo e da própria agenda política.

Ao resgatar para a Justiça o recém-criado Ministério da Segurança Pública, Moro terá uma Polícia Federal fortalecida, a Controladoria-Geral da República e, se a lei permitir, também o Coaf, unidade de inteligência para detectar movimentações atípicas e crimes financeiros transnacionais.

Assim, Moro deixa de ser o juiz de Curitiba e passa a ser o principal responsável pelo combate à corrupção na administração pública e o “xerife” contra organizações criminosas que pululam pelo País afora. Lutará também por novas regras anticorrupção, contra a lei de abuso de autoridade e para evitar retrocessos na Lava Jato. Com ele, vai ser difícil “estancar a sangria”.

Moro nem deve ter se dado conta disso, mas pode vir também a ter um papel adicional: funcionar como escudo contra quaisquer ameaças ou investidas verbais contra o estado democrático de direito. Por mais que tenha divergências, até rusgas, com um ministro ou outro, nesse caso cerrará fileiras com o Supremo pela Constituição.

Bolsonaro, que disparou graças à condenação firme à corrupção, prometeu aparato e munição a Moro, seu maior troféu na formação do Ministério. Estava tão feliz pelo golaço que ontem mesmo deu entrevista coletiva, leve, coloquial. Só errou ao barrar os jornais, uma implicância boba. E atiçou a curiosidade ao admitir que tem “pouco contato” com o vice, general Hamilton Mourão, mas isso é outra história.

A ida de Sérgio Moro para a Justiça, porém, ainda vai dar muito pano para a manga da oposição, particularmente do PT. Ontem, petistas diziam que “caiu a máscara” de Moro e enumeravam decisões que tomou como magistrado que, segundo eles, prejudicaram diretamente o ex-presidente Lula, preso em Curitiba e impedido pela Lei da Ficha Limpa de concorrer contra Bolsonaro na eleição.

Segundo eles, tudo está explicado. O vazamento da conversa entre a então presidente Dilma Rousseff e Lula às vésperas da nomeação dele para a Casa Civil, com o foro privilegiado de brinde, além da divulgação de parte da delação premiada do ex-ministro Antonio Palocci contra Lula e o PT bem no meio da eleição. Agora, o partido promete passar das palavras aos atos, ou melhor, às ações para tentar até mesmo anular a condenação – logo, a prisão – de Lula.

Não dará em nada, mas chateia, cria saias, ou melhor, “togas-justas” no Supremo e engrossa o discurso de entidades internacionais que até agora ainda querem acreditar que o impeachment de Dilma foi “golpe” e que Lula é “preso político”.

Como se diz no jargão da economia, Moro já tinha precificado essa reação e essas acusações antes de desembarcar no Rio ontem para dizer sim a Jair Bolsonaro. Além da vaidade, da ambição profissional e do sonho de se firmar para sempre como o líder do combate à corrupção – tudo isso legítimo –, Moro aceitou o cargo com duas certezas: a de que dará um choque na corrupção sistêmica e a de que o Brasil nunca será como antes. Boa sorte!


Eliane Cantanhêde: O novo Bolsonaro

Passada a eleição, Bolsonaro mostra que sabe ouvir e sabe recuar. E na economia?

Já nos primeiros momentos e dias o presidente eleito, Jair Bolsonaro, dá indicações sobre o seu governo bem mais claras do que durante a longa campanha eleitoral. Ele mudou o tom, faz apelos à união dos brasileiros, deixa vazar nomes do futuro Ministério e decide que suas primeiras viagens internacionais serão aos Estados Unidos, ao Chile e a Israel. Isso diz tudo sobre o eixo da política externa.

Para reforçar a descompressão política, o petista Fernando Haddad, que não tinha telefonado para Bolsonaro no domingo, enviou-lhe ontem uma mensagem de paz pelas redes sociais. Num tom coloquial, mas respeitoso, Haddad disse que o Brasil merece “o melhor” e desejou sorte ao futuro presidente. Seco, mas sem belicosidade, Bolsonaro enfatizou “o melhor”.

Essa troca de mensagens, se foge à tradição pós-eleições, sobretudo eleições presidenciais, pelo menos sinaliza aos eleitores e à militância do PT e de Bolsonaro que o pior da guerra passou e é hora de uma trégua para respirar, recuperar forças e reduzir o nível de estresse no País.

Durante a campanha Bolsonaro foi alvo de duríssimas reportagens das publicações mais importantes do mundo, inclusive, ou principalmente, dos grandes veículos liberais, mas bastou ser eleito para atrair telefonemas, mensagens e votos de sucesso dos maiores líderes mundiais, a começar do americano Donald Trump, de quem o futuro presidente brasileiro é um admirador declarado.

Ao escolher os EUA como destino prioritário, Bolsonaro cumpre a promessa, ou o aceno, de que vai dar uma forte guinada na política externa para trazê-la de volta ao seu leito histórico e natural, priorizando as alianças estratégicas com a grande potência, os maiores líderes, os investidores e mercados mais atrativos.

Quando se descobriu que a agência americana NSA espionava a Petrobrás e até o gabinete presidencial no Brasil, a então presidente Dilma Rousseff, audaciosamente, mas com boa dose de razão, cancelou uma visita bilateral a Barack Obama em Washington. Apesar disso, as relações diplomáticas e os programas e acordos de cooperação não sofreram interrupção.

Com Bolsonaro e Trump, os dois países devem aprofundar acordos nas áreas de agricultura e saúde, por exemplo, mas especialmente na área militar, na segurança pública e na proteção de fronteiras, inclusive ampliando as trocas de informações e de experiência entre a inteligência dos dois países contra tráfico de drogas, armas e até pessoas.

Aí entra também o Chile, exemplo de economia aberta, liberal, beneficiário de amplos acordos bilaterais – vetados à época dos governos do PT – e refratário ao “bolivarianismo” da Venezuela. Assim como Colômbia, Peru, Argentina e Paraguai, o Chile está no foco da política externa de Bolsonaro.

O problema é a paixão por Israel, contrariando uma posição histórica do Brasil, de equilíbrio entre Israel e Palestina, e ele chegou a anunciar que, a exemplo de Trump, mudaria a embaixada brasileira de Tel-Aviv para Jerusalém. Seria tomar partido numa guerra que não é do Brasil.

Além disso, preocuparam a diplomacia brasileira a intenção dele de abandonar a ONU e rechaçar o Acordo de Paris, sobre metas de contenção de gás carbônico. Nos dois casos, foi um Deus nos acuda que extrapolou as belas vidraças do Itamaraty, mas ele já voltou atrás em ambos. Agora é rezar para que não haja recuo do recuo.

Bolsonaro parece estar tateando, testando, indo e voltando, mas o importante é que ele sabe ouvir e recuar. Que seja assim na definição das prioridades, da pauta e dos rumos da política econômica, porque os holofotes estão em Bolsonaro, no economista Paulo Guedes e no tamanho e grau de convicção da conversão liberal e privatizante do presidente eleito. É o futuro que está em jogo.


Eliane Cantanhêde: Bolsonaro promete ‘Nação grande, livre e próspera’. Mas como?

Mais do que as palavras, destacam-se os símbolos no primeiro pronunciamento do presidente eleito

O grande desafio a partir de agora é decifrar quem é, o que pretende e o que vai conseguir efetivamente fazer o novo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, que quebra todos os paradigmas e foi eleito num dos maiores movimentos de renovação já vistos no País. Há uma esperança enorme, mas também muitos temores.

Após a vitória, Bolsonaro fez um apelo à pacificação de um País que sai profundamente dividido da eleição e se comprometeu com “a Constituição, a democracia e a liberdade”. Isso é importante não só para a Nação, mas para o próprio Bolsonaro, que chocava ao defender a ditadura e a tortura, mas deixa para trás a persona candidato e assume a de presidente eleito, contemporizador e pragmático como deve ser.

Mais do que as palavras, destacam-se no primeiro pronunciamento os símbolos. Ele desdenhou a TV e optou pelas redes sociais, tão fundamentais para a construção de sua candidatura e a vitória. E mais: a simplicidade dele e de sua mulher, a Bíblia e a Constituição sobre a mesa, o broche de deputado federal na lapela do paletó, sem gravata.

Além de símbolos, porém, Bolsonaro precisa finalmente mostrar a que veio, detalhar um programa econômico sólido, definir prioridades e metas. Nada disso ficou claro durante a campanha, mas acabou o tempo. Não há alternativa: é mostrar ou mostrar qual será o governo, e com quem.

Para começar, tem de deixar claro qual a autonomia do economista Paulo Guedes, a dimensão e a forma do ajuste fiscal e do enxugamento do Estado. E, afinal, onde se encaixa a fundamental preocupação social?

Bolsonaro não ganhou de goleada, mas saiu das urnas com enorme legitimidade e corre um risco: qualquer erro será amplificado proporcionalmente ao tamanho da expectativa gerada. Foram muitas as promessas, serão igualmente muitas as cobranças. E, além de encarnar o “novo”, os valores da família, da ordem e do progresso, muito pouco, praticamente nada, se sabe do capitão que chegou à Presidência da República.

Todos os candidatos, todos os cidadãos querem e sonham transformar o Brasil “numa grande, livre e próspera Nação”, como ele anunciou ontem. O problema não é querer, é saber como e em quanto tempo fazer.


Eliane Cantanhêde: Bolsonaro, o novo Lula

Se perder, o PT amanhece na oposição contra um ‘novo Lula’ com dogmas e multidões

Enfim, chegamos ao final dessa eleição que teve de tudo, até candidato presidiário e facada no líder das pesquisas. Se houve algo estável em toda a campanha, desde o primeiro turno, foi a dianteira firme e segura do candidato Jair Bolsonaro, do PSL, um capitão reformado que está há 28 anos na Câmara e meteu os filhos na política, mas surge como “o novo”, para fazer “tudo diferente”. Acaba a eleição, vem aí a prova dos 9.

O grande marco de 2018 foi o fim da disputa PT versus PSDB, que atravessou décadas desde 1994, e o início da polarização PT versus Bolsonaro, mas com fortes mudanças no velho petismo e o surgimento de um “novo Lula”, só que pela direita.

A estrela do PT já tinha sido jogada pela janela em outros carnavais, ou eleições, e nesta até o vermelho foi deixado de lado, mas o maior ausente não foram os símbolos, foram os atores. A famosa militância petista ficou em casa, a nova militância bolsonarista é que ocupou as ruas e a guerra eleitoral migrou para as redes sociais. Para o bem, principalmente para o mal.

Assim como tudo o que Lula diz é dogma para os petistas, tudo o que o capitão Bolsonaro diz passou a mover multidões pelo País afora, por mais barbaridades que tenha dito, sobre ditadura, tortura, mulheres, gays e por menos que tenha falado de pobres e do principal problema brasileiro: a desigualdade social.

Bolsonaro é um novo Lula, mas às avessas. Enquanto Lula garantia a fidelidade cega de artistas, intelectuais e da Igreja Católica cativando um eleitorado inabalável no Nordeste e entre os de baixa renda e escolaridade, Bolsonaro domina a classe média e se enraizou por todos os segmentos alavancado pelos ricos com diploma que emergiram como força política em junho de 2013. Mas a adoração a ambos tem muita semelhança, com uma realidade virtual em que tudo o que eles dizem vira verdade.

São esses dois polos que estarão se enfrentando nas urnas de hoje, de onde surgirá o futuro presidente do País e automaticamente a maior e mais aguerrida oposição que jamais se viu. Se Fernando Haddad (PT) vencer, terá contra ele um exército bolsonarista que bate o PT tanto nas ruas quanto nas redes, em número e em agressividade.

Se for Bolsonaro, como todas as pesquisas indicam, o que sobra de esquerda organizada para reagir e se contrapor é o PT. Esmagado nas eleições de 2016, com Lula preso, seus demais líderes também presos e até Dilma derrotada, mesmo assim o PT foi para o segundo turno. Ferido, não morto.

Logo, o que as pesquisas indicam que estará saindo das urnas hoje é um Bolsonaro eleito presidente e aprendendo o beabá da negociação política, da construção de maiorias parlamentares, da importância do equilíbrio fiscal, da dificílima tarefa de dizer “não”, muito especial para aliados, e tendo de conviver com algo inerente à democracia: a oposição. Confrontado, o general Ernesto Geisel fechou o Congresso. O capitão Bolsonaro não terá essa opção.

Ali na espreita estarão as instituições, a própria sociedade, os partidos e movimentos organizados e... o PT. Se perder a eleição hoje, o PT já amanhece amanhã como o grande vitorioso para liderar a oposição ao próximo governo. No início, devagar, auscultando, tateando. Pelo óbvio, quanto mais o governo errar, mais a oposição vai crescer.

E é assim que a terrível polarização da eleição vai ser transportada para o novo governo. Aí, é torcer e rezar pelo bom senso e o equilíbrio porque, para além das ideologias, dos partidos e das diferenças, há uma turminha que tem muita pressa: os 13 milhões de desempregados na rua da amargura. É por eles, pelo Brasil e pelo futuro que fica aqui o meu voto: sucesso, presidente, seja você quem for!


Eliane Cantanhêde: Não vai ser de goleada

Bolsonaro perde e Haddad ganha milhões de votos, mas sem tempo para virada

O PT espanca Fernando Henrique Cardoso há quase 20 anos, fez uma campanha canalha contra Marina Silva em 2014 e atacou a candidatura Ciro Gomes em todos os flancos em 2018, mas os petistas estão indignados, ou irados, porque FH, Marina e Ciro têm enorme dificuldade em apoiar Fernando Haddad antes do domingo. Engraçado, não é?

Aliás, se fosse o PSDB, a Rede ou o PDT contra Jair Bolsonaro, o PT iria manifestar apoio a eles? Ou faria como sempre, em cima do muro, vendo o circo (e o País) pegar fogo para depois lucrar ao apagar o incêndio?

Bolsonaro é franco favorito para a Presidência, mas a diferença entre ele e Haddad vem caindo e isso mexe com os nervos das duas campanhas. Bolsonaro ameniza o tom e acena com um governo de coalizão. O PT aumenta a pressão e o constrangimento para que outras forças políticas se manifestem pró-Haddad, contra o “autoritarismo”.

Ciro teve 12% dos votos, mas o tucano Alckmin nem chegou a 5% e Marina despencou do segundo lugar até um raso 1%. FH nem voto tem. Mas, para o PT, um sinal deles a favor de Haddad poderia tirar do muro milhões de eleitores que oscilam entre votar nulo ou em Haddad. Seria um empurrão.

Assediado pela mídia, por telefone, pela internet e ao vivo, Fernando Henrique reclama que “intimidação é inaceitável”. Parece se deliciar com a insistência e com a própria resistência a apoiar automaticamente o PT, que nunca apoiou automaticamente ninguém. Muito pelo contrário.

Marina e o PDT anunciaram um “apoio crítico” a Haddad, enquanto Ciro Gomes viajava com a família para a Europa e seu irmão Cid fazia a papagaiada no evento do PT – “Vocês vão perder! Vocês vão perder!”. Depois, anunciou apoio a Haddad, mas simplesmente ignorou os eventos de campanha do PT no Ceará.

É muito provável que FH, Marina, Ciro e Cid venham a votar em Haddad no domingo, mesmo que não anunciem publicamente o apoio. Mas não pelo PT, nem mesmo pelo próprio Haddad, mas contra Bolsonaro e o que ele representa. Assim como há antipetismo, há um forte antibolsonarismo.

As intenções de voto em Bolsonaro recuam tanto como as de Haddad sobem, mostrando que o sentimento contra Bolsonaro está crescendo, depois do vídeo do deputado federal reeleito Eduardo Bolsonaro dizendo que “bastam um soldado e um cabo para fechar o Supremo” e da acusação dos petistas de que empresários foram pagos por Bolsonaro para disseminar fake news contra Haddad.

Além disso, a diferença entre os dois candidatos diminuiu por causa dos programas do PT com Bolsonaro defendendo a tortura e um torturador, contra direitos das empregadas domésticas e ao lado do presidente Temer e do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, um dos presos mais famosos da Lava Jato. Como pano de fundo, a massificação da ideia de que, eleito, Bolsonaro será uma ameaça à democracia, às minorias e aos pobres.

De outro lado, Haddad também andou fazendo besteiras. A principal delas foi usar uma sabatina para acusar o vice de Bolsonaro, general Hamilton Mourão, de ter sido torturador na ditadura militar. O general tinha 16 anos na época e a declaração de Haddad não foi apenas irresponsável como voltou como bumerangue na testa dele. Na reta final, o fundamental é não errar.

Rio. A distância entre Witzel (PSC) e Eduardo Paes (DEM), de 12 pontos, é igual à de Bolsonaro e Haddad, com uma diferença: a redução é bem mais acentuada no Rio e as curvas podem cruzar até domingo.

Marielle. Alta fonte nega que o governo tenha jogado a toalha nas investigações sobre o assassinato de Marielle e espera novidades “a médio prazo”. Quem tem razão?


Eliane Cantanhêde: ‘Meu garoto!’

Nem arroubo juvenil nem mau gosto, deboche de Eduardo Bolsonaro contra STF é grave

É inacreditável a capacidade da campanha de Jair Bolsonaro (PSL) de criar solavancos e constrangimentos absolutamente dispensáveis para o candidato. Depois de mandar o vice Hamilton Mourão e o Posto Ipiranga Paulo Guedes calarem a boca, agora é a vez de Bolsonaro dar uma bronca e dizer para “o garoto” ficar mudo. Se é que não vai despachá-lo para um psiquiatra.

E quem vem a ser “o garoto”? Eduardo Bolsonaro, um dos três filhos do candidato que vivem da política e estão em alta, graças à onda Bolsonaro em todo o País. Eduardo, de 34 anos, não só foi reeleito por São Paulo como é o deputado federal mais votado em toda a história do Brasil, com 1,8 milhão de votos. Flávio, de 37, ficou em primeiro lugar para o Senado no Rio. Carlos, de 35, está licenciado do quinto mandato de vereador também no Rio.

Numa aula no Paraná, em julho, o “garoto” Eduardo disse que “não precisa nem mandar jeep, cara, é só mandar um soldado e um cabo para fechar o Supremo Tribunal Federal”. E acrescentou que, se um ministro do STF for preso, não acontece nada.

Poderia ser só uma brincadeira de mau gosto ou um “arroubo juvenil” como dizem na campanha. Mas não é só isso. Eduardo não é nenhum adolescente, sabe bem o que fala e, mais do que representante do povo e recordista de votos, é filho de quem é: o favorito absoluto para a Presidência da República, num momento de grande tensão e de acusações, dentro e fora do País, de que o pacote Bolsonaro tende ao autoritarismo e ameaça a democracia.

Tudo o que Bolsonaro, seus filhos, o vice, os futuros ministros e todos ligados à campanha não devem fazer (aliás, nem agora nem nunca) é alimentar esses ataques e esse tipo de desconfiança. E logo agora, quando chega ao Brasil o livro Como as democracias morrem, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, ensinando que, em vez de golpes de Estado, tiros e sangue, as ditaduras modernas são insidiosas, chegam via eleição, endeusamento popular, grandes maiorias parlamentares e intervenção legal nas instituições – como as Supremas Cortes de Justiça.

Bolsonaro está a um passo de subir a rampa do Planalto, levando atrás dele sólido apoio popular, um séquito de centenas de deputados e senadores aliados e a boa vontade do mercado. Para que marola, dar munição aos adversários e alimentar a mídia internacional, escancaradamente contra ele?

Ao tentar consertar, a campanha Bolsonaro recorre a uma velha prática do PT. Quando se perguntava aos petistas sobre a corrupção do governo Lula e a série de presidentes e tesoureiros presos, além do próprio Lula, a resposta era sempre a mesma: “E o PSDB?” Agora, quando se pergunta aos bolsonaristas sobre a investida de Eduardo Bolsonaro contra o Supremo, a resposta é: “E o Wadih Damous?”.

Deputado do PT e advogado, Damous presidiu a OAB-RJ, mas defendeu “fechar o Supremo” para criar uma corte constitucional. Grave? É. Mas não tem o mesmo peso e não ameniza o deboche de Eduardo Bolsonaro contra o STF e seus ministros. Um erro não justifica outro.

Toffoli, Celso de Mello, Marco Aurélio, Alexandre de Moraes... Os ministros do Supremo reagiram duramente ao deputado Eduardo Bolsonaro, mas a reação não é deles, para eles. A reação é da sociedade em defesa da democracia, das instituições e da própria sociedade brasileira.

Marielle. Sete meses depois, o governo federal joga a toalha e admite, nos bastidores, que o assassinato da vereadora e ativista Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes jamais será esclarecido e seus responsáveis jamais serão punidos. Ao impedir a federalização das investigações, a Polícia do Rio de Janeiro praticamente garantiu a impunidade dos culpados. Polícia investigando polícia?! No Rio?!


Eliane Cantanhêde: Caça às bruxas

Com Bolsonaro, guinada na política externa e dança de cadeiras no Itamaraty

A polarização política chegou ao Itamaraty, com acusações mútuas de caça às bruxas e perspectiva de grandes mudanças a partir de janeiro de 2019, se o presidente for Jair Bolsonaro, como indicam as pesquisas. Nesse caso, haverá uma guinada na política externa e uma forte dança de cadeiras.

A campanha de Bolsonaro acusa diplomatas de estarem por trás da avalanche de reportagens negativas ao candidato nas principais publicações da Europa, Estados Unidos e América Latina. E ressalta: elas não apenas classificam Bolsonaro como “racista”, “homofóbico” e “ameaça à democracia”, como poupam ou até enaltecem o PT.

Na fila, The Economist, um bastião do liberalismo econômico internacional, Financial Times, Liberation, The New York Times e Le Figaro, além de importantes jornais da América Latina, no que o comando bolsonarista classifica de campanha externa contra o candidato e que atinge também organismos internacionais.

Ao acusarem diplomatas brasileiros de municiarem jornais e jornalistas estrangeiros, aliados do candidato do PSL apontam os que seriam “líderes da campanha”: os embaixadores aposentados Celso Amorim e José Viegas, que foram ministros da Defesa nos governos do PT e recebidos com desconfiança principalmente pelo Exército.

Amorim foi chanceler nos oito anos de Lula e participou ativamente da campanha dele à Presidência. Ao liderar a política externa “ativa e proativa”, ou Sul-Sul, Amorim direcionou o foco para países emergentes e alternativos e foi assim que a China desbancou os EUA como principal parceiro comercial brasileiro e Amorim forjou toda uma geração de diplomatas. Bolsonaristas dizem que são “todos petistas” e estão em cargos-chave que, aliás, citam de cor.

Paulo de Oliveira Campos, o POC, chefe do Cerimonial da Presidência de Lula, é embaixador em Paris; Mauro Vieira, ex-chanceler, na ONU, em Nova York; Antonio Patriota, também ex-chanceler de Dilma, em Roma; Antonio Simões, em Montevidéu, sede do Mercosul. Eles são a elite do Itamaraty. Patriota, por exemplo, é primeiro de turma.

Apesar de listar os “inimigos” sem cerimônia, a equipe de Bolsonaro acusa “os petistas do Itamaraty” de estarem fazendo listas de colegas que tenham manifestado apoio ou simpatia pelo capitão. Grosso modo, assim como há uma guerra de guerrilhas das duas campanhas na internet, ela poderia estar ocorrendo também na Casa de Rio Branco.

A campanha de Bolsonaro também diz que o “aparelhamento” do PT na administração pública, estatais, bancos públicos e agências reguladoras se estendeu a órgãos internacionais e cita a ex-ministra de Dilma Ideli Salvatti, que ganhou uma função na Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington.

É desses órgãos, segundo bolsonaristas, que saem as notícias negativas não apenas contra Bolsonaro, “mas contra o Brasil”, desde atribuir o impeachment de Dilma a um “golpe” até a manifestação de dois integrantes de um comitê da ONU “determinando” que Lula tinha de concorrer às eleições, mesmo preso em Curitiba.

A intenção de Bolsonaro, caso vença as eleições, é trazer de volta esses técnicos, fazer uma dança de cadeiras nas embaixadas e principais consulados, cancelar postos abertos por Amorim em pequenos países – que considera ser de alto custo e baixo retorno para o Brasil – e, principalmente, mudar a política externa.

Principais objetivos: “recuperar o pragmatismo, a liderança natural do Brasil na América do Sul e os parceiros tradicionais, como os EUA”. O primeiro alvo é a Venezuela. Com Bolsonaro na Presidência, será o fim da aliança com Nicolás Maduro, como na era PT, e da “leniência” com o regime dele, no governo Temer. Falta descobrir os “bolsonaristas do Itamaraty”. Até agora, estão por baixo dos panos.


Eliane Cantanhêde: Risco de contaminação

Há quatro décadas, o general Ernesto Geisel cansou das provocações dos “bolsões radicais, porém sinceros” e, com duas canetadas, reconduziu as Forças Armadas para a hierarquia, a disciplina e a ordem. Foi o fim da politização e o início de uma profissionalização militar que atravessou diferentes governos, dois impeachment e fortes crises.

Geisel demitiu o ministro do Exército, Silvio Frota, que contestava a abertura política, e o então comandante do 2.º Exército, Ednardo D’Ávila Mello, por não conter os seus “radicais” em São Paulo. E foi assim que o presidente garantiu a “abertura lenta, gradual e segura” até a posse do também general João Figueiredo e a redemocratização de 1985.

Quanto mais o Ibope confirma a virtual vitória do capitão reformado Jair Bolsonaro e do seu vice, general da reserva Hamilton Mourão, mais cresce a dúvida: até que ponto um governo com forte apoio de militares e com participação de altas patentes poderá contaminar as Forças Armadas, com a volta da politização, dos grupos e das consequentes disputas internas de poder?

Ninguém, dentro e fora do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, considera possível ou viável um golpe militar clássico a esta altura, mas quem descarta uma democracia tutelada, ou seja, uma tutela militar sobre o governo civil democraticamente eleito?

Na Venezuela, sempre tão jogada no colo do PT (e com boas razões), o regime Hugo Chávez começou exatamente assim como o governo Bolsonaro está para começar no Brasil: com o desgaste monumental do Congresso, dos partidos e dos políticos; um grau de corrupção insuportável; índices de violência assustadores; um discurso de descrédito da mídia, das instituições, das próprias eleições. Não é preciso dizer no que deu. A democracia, a economia, as empresas, o emprego, a imprensa e as condições sociais implodiram.

Bolsonaro se prepara para assumir com uma bancada própria na Câmara (o PSL elegeu 52 deputados, só atrás do PT) e espera que ruralistas, evangélicos, a “bancada da bala” e o próprio Centrão venham por gravidade. Assim, ele já pode dar um cala-boca nos que o imaginavam ilhado no Planalto, sem condições de governabilidade. Força no Congresso, ele deverá ter.

O problema é saber qual será a simbiose entre o governo Bolsonaro e as Forças Armadas. Mourão, Oswaldo Ferreira, Aléssio Ribeiro Souto e Augusto Heleno são da reserva, mas todos chegaram a generais de quatro estrelas, o mais alto grau da carreira, e conviveram a vida inteira com o atual Alto-Comando do Exército. Mourão, inclusive, fazia parte dele. As visões de mundo, de política e de comportamento são iguais, assim como a velha visão “nacionalista” da economia.

Além de condenar duramente a violência na campanha, Bolsonaro deveria também parar de defender a ditadura e dar sinais de que não fará um “governo militar”, assim como os comandantes deveriam deixar claro que a candidatura, por mais apoios que tenha de militares, não é das Forças Armadas. Isso pode reduzir dois temores: o dos civis diante da volta do regime militar, e o dos militares diante da contaminação política dos comandos e das tropas.

Para começar, ele deve parar de desacreditar as urnas eletrônicas, elogiadas no mundo todo. E deve desestimular as fake news grosseiras e os ataques ao MP, ao meio ambiente, às reservas indígenas, aos currículos das escolas e, claro, à mídia. Governo entra, governo sai, a mídia continua no mesmo lugar: crítica, vigilante, um contrapeso às verdades de ocasião e às tentações do poder. É seu papel na democracia.

FHC tem mágoa da mídia, o PT vivia às turras com a mídia, os bolsonaristas se unem contra a mídia. Mas, se é ruim com ela, é muito pior sem ela. Não é, Venezuela?