Eliane Catanhêde

Rosângela Bittar: Caricatura do ditador

Bolsonaro seguirá neste rumo até a imprevisível cena final. Que não será pacífica

Rosângela Bittar / O Estado de S. Paulo

Formou-se uma multidão surpreendente para dois comícios de atração única. Eventos irregulares da campanha eleitoral permanente de um presidente decidido a manter-se no poder a qualquer custo. Bandeiras e faixas produzidas na mesma fábrica de fantasias e ilegalidades. Encontros sem espontaneidade, que passaram por uma linha de montagem cara, industrial, e de cobertura nacional.

Deu tudo certo. Com seus 58 milhões de votos de 2018 hoje reduzidos, pela rejeição, a menos de 32 milhões, ele não pode se queixar do resultado. Não há certeza, porém, que tenha sido uma renovação de confiança ou voto na reeleição.

Bolsonaro não faria essa mobilização à toa e não se deve, portanto, descartar nenhuma intenção mais ambiciosa a partir de agora.

O presidente atribuiu um protagonismo inédito ao ministro Alexandre de Moraes (STF), tentando jogar contra ele até os que, em meio às multidões, não sabiam de quem se tratava. Foi pensando em Moraes que Bolsonaro disse a frase-chave do seu discurso ao garantir que não será preso. O ministro é o condutor dos inquéritos das notícias falsas e dos atos antidemocráticos, crimes em que estão investigados seus filhos e presos amigos, cúmplices e membros do famigerado gabinete do ódio, além de empresários financiadores do esquema. O mesmo Moraes será presidente do Tribunal Superior Eleitoral quando estiver em votação a inelegibilidade. Uma das duas alternativas de desfecho legal do seu drama. A outra é o impeachment.

Diante das multidões, Bolsonaro nunca pareceu tão isolado do Brasil e do mundo. Em confronto com a maioria dos brasileiros favorável à democracia, às suas instituições e ao próprio estado de direito. Como demonstram os manifestos que estão pipocando País afora.

Os bolsoblocks, que já andavam desaparecidos, não são tantos como se esperava. Deu para perceber que, entre seus eleitores, há cidadãos normais: vacinados, racionais, que acreditam ser a Terra redonda e respeitam a ciência. Não são, como Bolsonaro, caricaturas. Existem, aceitam passagens e hospedagens para uma viagem recreativa no feriado e topam animados o papel de figurantes que representaram.

À distância, parece incapaz de ter a inteligência tática que demonstra. Acredita-se que haja alguém a guiá-lo na concepção e execução das suas insanas ações presidenciais. Será alguma liderança da direita internacional? Isto explicaria o grande número de faixas escritas em inglês para dar satisfações a alguém no exterior.

Seja o que for, Bolsonaro seguirá honrando o método que explora, no seu repertório político, três elementos: a covardia, a boa-fé do povo e a violência.

A covardia é um dos elementos típicos de seu discurso. Ele nunca assume a autoria de nada, diz sempre que age por delegação quando foi ele quem determinou tudo: o que dizer, o que pedir. É dele a voz do comando e da ordem de execução. Assim conduz tanto a milícia digital como a claque matinal diária do cercadinho da porta do Alvorada.

Outro elemento de tal método são as falsas informações que acabam ganhando credibilidade popular. A falsidade é instrumento poderoso de ação política e arma eleitoral deste grupo. Bolsonaro decidiu, inclusive, legalizá-la, por medida provisória inconstitucional, assinada anteontem, tornando-a livre de punição. É esta a liberdade de expressão por ele reclamada nos comícios. Assim, salva a própria pele e a dos propagadores de infâmias e mentiras à sua volta. Muitos brasileiros acreditam que podem virar jacaré, assim como acreditam na fraude eleitoral da urna eletrônica.

O terceiro elemento do método é a violência. Bolsonaro não tem recuo possível, seguirá neste rumo até a imprevisível cena final. Que não será pacífica. Na intenção firme de instalar-se como ditador, fez das manifestações do 7 de Setembro uma evidência do golpe que colocou em andamento.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,caricatura-do-ditador,70003834038


Foco de Bolsonaro hoje é a foto, para manter as chances de 2022 e o mito de pé

Os que irão às ruas, em maioria, não serão contra o presidente, mas a favor dele e contra a democracia e as instituições

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

Em 25 de agosto de 1961, Jânio Quadros chocou o Congresso e o País com seu pedido de renúncia , sete meses depois da posse na Presidência da República, mas as coisas não saíram como ele pretendia. Ao desembarcar em São Paulo, olhou para um lado, olhou para outro e exclamou em sua solidão: “Cadê o povo?”

O “povo” não deu as caras, liberando Congresso e Forças Armadas para acatar a renúncia e tocar o barco, dando posse a João Goulart, que depois foi derrubado pelos militares. O País livrou-se do autogolpe de Jânio, mas abriu caminho para o golpe de 1964

Em 16 de agosto de 1992, Fernando Collor, primeiro presidente eleito por voto direto após a ditadura militar, tinha mudado seus principais ministros para enfrentar uma CPI, mas havia perdido as condições de governabilidade e jogava sua última cartada: a convocação do “povo” para vestir o verde e amarelo e ir às ruas garantir seu mandato.

Mais uma vez, o “povo” surpreendeu. Vestiu-se de preto, pintou a cara com as cores da bandeira brasileira e inundou as ruas do País para o oposto: clamar pelo impeachment. Collor caiu e os “caras pintadas” emergiram, abrindo um longo caminho de paz, mas coisas, numa curva, ou encruzilhada, começaram a dar errado.

Dilma Rousseff, primeira mulher eleita presidente do Brasil, dona dos mais altos índices de aprovação em início de mandato na redemocratização, revelou-se péssima política, trancou-se em palácio com seu núcleo duro, avalizou pedaladas fiscais em dimensões nunca vistas antes e fingiu não ouvir o ruído ao redor.

O “povo”, de preto contra Collor e de vermelho a favor de Lula, insurgiu-se contra PT, Dilma e o status quo, influenciando o Congresso. A indiferença e a turrice de Dilma e os erros do PT custaram o mandato dela e anos de ataques e descrédito contra o partido, por mensalão, petrolão e o impeachment, com a economia e a política no fundo do poço.

Hoje, os que irão às ruas, em maioria, não serão contra o presidente, mas a favor dele e contra a democracia e as instituições. Nem indiferença, como foi com Jânio, o da “vassourinha”, nem de preto, como contra Collor, o que combatia “os marajás”, nem multicolorido, como a oposição a Dilma, que não conseguia mobilizar nem o PT a seu favor.

Muito bem articulado pelo Planalto, internet e tropas bolsonaristas, à custa de valentia, armas, ameaças e falsas narrativas, o movimento de hoje nas ruas conseguiu tomar de assalto a bandeira e o verde e amarelo da Nação, o discurso de que o Supremo é quem ataca a democracia, as urnas é que ameaçam a reeleição e Bolsonaro é o “salvador da Pátria”. E ele exige a presença da cúpula das Forças Armadas...

Os hotéis de Brasília estão lotados, acampamentos foram improvisados e a expectativa é de público recorde também no Rio e em São Paulo, como nas marchas por Jesus, com milhões de fiéis sem compromisso com a realidade e a racionalidade. Haverá bolhas da oposição, daqui e dali, mas sem pretensão de concorrer em tamanho e visibilidade.

Há temor de violência, depois dos vídeos de alucinados famosos e anônimos com armas e ameaças contra o Supremo. Mas, atenção, não interessa a Bolsonaro que o 7 de Setembro descambe para o quebra-quebra. A imagem que ele pretende vender para o Brasil e o mundo é de ter apoio popular e pacífico.

Pergunte-se aos manifestantes o que Bolsonaro fez de bom para o Brasil nas mais variadas áreas e eles não terão o que dizer. Sem nada a favor, a resposta será com ataques e inverdades contra os Poderes da República e os que cobram o que o presidente é incapaz de oferecer: governo, estabilidade, conhecimento e equilíbrio pessoal. O que interessa a ele e seus seguidores não é nada disso, é a foto, a foto para manter o mito de pé.

COMENTARISTA DA RÁDIO ELDORADO, DA RÁDIO JORNAL (PE) E DO TELEJORNAL GLOBONEWS EM PAUTA

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,o-foco-de-bolsonaro-hoje-e-a-foto-para-manter-o-governo-as-chances-de-2022-e-o-mito-de-pe,70003833309


Por que o ‘PIB nacional’ desistiu de pedir serenidade? Por covardia?

Só num país conflagrado, nervoso, apavorado com a ideia de golpes e guerras, isso pode mobilizar tantos e desaguar no adiamento do manifesto

Eliane Cantanhêde / O Estado de S.Paulo

Não foi preciso nem um cabo e um soldado para cancelar um manifesto cheio de obviedades, articulado pela poderosa Febraban, encampado pela igualmente poderosa Fiesp e com mais de 200 assinaturas. Realmente, o Brasil não é para amadores. E está se tornando ridículo diante dos brasileiros e do mundo com um presidente da República que ameaça a democracia por palavras e atos e com um “PIB nacional” covarde.

O que há de tão grave e assustador em cinco parágrafos defendendo a “aproximação e a coordenação” entre Executivo, Legislativo e Judiciário? Pedindo “serenidade, diálogo, pacificação política, estabilidade institucional”? Só num país conflagrado, nervoso, apavorado com a ideia de golpes e guerras, isso pode mobilizar tantos e desaguar no adiamento do manifesto.

Isso, aliás, é parte do ridículo. A publicação oficial, que seria paga pela Fiesp, foi adiada “para depois do 7 de Setembro”. Mas a publicação extraoficial, de graça, foi feita nesta segunda-feira, 30, mesmo, com um dia de antecedência, por toda a mídia. Logo, o texto foi suspenso, mas não foi, todo mundo leu.

E mais: se Fiesp e Febraban miaram, o agronegócio rugiu. O texto anódino foi “adiado”, mas o setor rural lançou um outro, por conta própria, defendendo a Constituição, três décadas de democracia, liberdade, pluralismo e – atenção! – “alternância de poder”. Aplausos!

Já no caso de bancos e empresas, bastou um telefonema do presidente da Câmara, Arthur Lira, para Paulo Skaf abortar “monocraticamente” – no jargão do Supremo – a publicação oficial e deixar Fiesp, Febraban e 200 signatários passando vergonha. Já imaginou se fosse com cabo, soldado, general e tanque fumacento?

Presidente da Fiesp só até dezembro, Skaf foi derrotado duas ou três vezes para o governo de São Paulo e é aliado de qualquer governo, do PSDB, PT, MDB ou de Jair Bolsonaro, sem partido. Em e-mail na quinta-feira aos envolvidos no manifesto, ele pediu a confirmação de adesão até o dia seguinte e avisou que a Fiesp assumiria os custos da publicação. Bastou um telefonema para jogar tudo para o alto.

O grande debate nacional, agora, não é mais democracia, instituições, Federação, eleições, impeachment de ministro do Supremo, pandemia, morte, fome, inflação, juros, desemprego e iminência de crise hídrica e elétrica. Que nada! O País discute é se Skaf se saiu bem ou mal desse episódio envolvendo o “PIB nacional”. Ah! E se Arthur Lira tem esse poder todo.

Skaf, porém, é só um detalhe, num ambiente político, econômico e social contaminado e absurdo, que levou o ministro do STF Luís Roberto Barroso, presidente do TSE, a ironizar: “Tem risco de golpe? Eu gostava de dizer que não, gosto de dizer que não e acho que não. Mas o número de vezes que me perguntam isso começa a me preocupar”.

Como ele, todos nós, todos os dias, toda hora, ouvimos isso de todo mundo: vai ter golpe? É a banalização das ameaças à democracia, às instituições e às eleições que partem do presidente da República, viciado em armas, com delírios de guerra e de inimigos, incutindo na cabeça dos brasileiros que há risco iminente de comunismo no País. Seria cômico, não fosse trágico.

Queiram ou não os banqueiros e empresários, continua necessária a defesa de “um foco em ações e medidas urgentes para que o Brasil supere a pandemia, volte a crescer, a gerar empregos e reduzir as carências sociais que atingem amplos segmentos da população”.

Se a CEF, o Banco do Brasil e o ministro Paulo Guedes veem nisso um ataque comunista, esquerdista ou sei lá o quê contra Bolsonaro, o problema é deles. O que realmente choca é o tal “PIB nacional” não ter coragem nem de defender algo tão óbvio e tão normal quanto deveriam ser a democracia e as eleições no Brasil. Uma vergonha!

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,por-que-o-pib-nacional-desistiu-de-pedir-serenidade-dialogo-paz-e-estabilidade-por-covardia,70003826299


O grito de Bolsonaro é para jogar o país numa guerra inútil e insana

Ninguém ameaça matar o presidente, ele é que tem obsessão em fuzis. Logo, o presidente precisa, urgentemente, de um médico

Eliane Cantanhêde / O Estado de S. Paulo

O presidente Jair Bolsonaro quer botar o povo na rua no Sete de Setembro com a fake news de que é “impedido de governar” pelo Supremo e o Congresso, materializando seu sonho infantil e doentio de estar em guerra: “Tenho três alternativas: estar preso, ser morto ou a vitória”.

Ninguém ameaça matar Bolsonaro, ele é que tem obsessão em fuzis e sua tropa é que ataca os outros. Logo, o presidente precisa, urgentemente, de um médico.

Bem, é verdade que ele não governa, mas o STF, a Câmara e o Senado não têm nada a ver com isso. O problema é dele, que não tem talento, vontade, experiência e o mínimo de bagagem e equilíbrio para administrar o País. Só sabe fazer campanha e enganar os bobos.

Bolsonaro está sendo impedido de fazer o quê? Se o Congresso atrapalhou algo, foi a sua sanha por mais fuzil e menos feijão e ele teve de trocar projetos de lei armamentistas por decretos, que têm mais autonomia em relação ao Legislativo. E, se o Supremo impediu algo, foi quando Bolsonaro quis transformar igrejas, academias e cabeleireiros em “serviços essenciais”, com objetivo claro de matar o isolamento social – o que pode matar pessoas.

Deve-se ao STF, aliás, a exigência de um Plano Nacional de Imunização contra a covid, quando o governo guerreava contra Coronavac, Pfizer e o consórcio da OMS, apostando que a vacina seria a imunidade de rebanho (Bolsonaro acha até hoje).

Assim, o presidente empurra as culpas do governo para o STF. Exemplo: os R$ 16 bilhões que a União tem de pagar em 2022 aos Estados pelo Fundef (o fundo do ensino fundamental e do magistério). A AGU levou três vezes ao ministro Paulo Guedes a sugestão de um acordo com deságio de 40%, mas não vingou. Favoreceria a Bahia, governada pelo PT... Um encontro de contas, descontando das dívidas dos Estados com a União, ou um embargo de declaração, empurrando o desembolso para 2023, nem ocorreram ao governo.

Pela Lei de Responsabilidade Fiscal, ele é obrigado a monitorar todos os riscos fiscais, como é o caso, mas não o fez. Com o leite derramado, Guedes ligou para ministros do STF dizendo-se perplexo. Perguntei sobre isso ao ministro Gilmar Mendes e ele: “O ministro ficou surpreso? Pois a minha surpresa está na surpresa do ministro”.

Essas coisas acontecem porque o governo é disfuncional e os órgãos de informação não informam, fazem intriga, como dizer ao presidente que o STF mandaria prender o filho 02, vereador Carlos Bolsonaro. Querosene na fogueira contra o ministro Alexandre de Moraes. Quem ganha o quê com isso?

Em vez de informar sobre crise hídrica e de energia, fome, famílias na rua, ameaças ao Supremo, perspectivas da economia e da pandemia..., os órgãos de inteligência estão no mundo da lua, depois de o presidente jogar no lixo, por exemplo, os estudos da Abin e do Exército defendendo isolamento social. Ficou claro que prefere curandeiros, palpiteiros e fofocas.

O governo não tem presidente, estratégia, coordenação e preocupação com o País. O foco é a reeleição e bajular Bolsonaro. Se algo funciona, é o marketing e o gabinete paralelo para vender as versões que interessam a ele, o negacionismo e as fake news. Milhões caem feito patinhos e viram feras contra os críticos e a realidade.

O pretexto para falar de fuzis, prisão e morte é a guerra ao comunismo. Que comunismo? É só a mistificação contra quem defende Amazônia, educação pública, nossa música, nosso cinema, nosso teatro, os povos originários, a boa diplomacia, a saúde e a vida. Como o País é livre, cada um escolhe seu rumo: a favor da vida, da ciência, dos direitos, dos valores e das riquezas nacionais ou contra as instituições, as eleições, a democracia e a Amazônia. A maioria defende feijão. A minoria histérica, fuzil.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,vitoria-ou-morte-o-grito-de-bolsonaro-e-para-jogar-o-pais-numa-guerra-inutil-e-insana,70003824469

*Título do texto original alterado para publicação no site da FAP


Reeleição se deteriora e botar bolsonaristas na rua não resolve

Na análise governista, o pior já teria passado até outubro de 2022. Não é bem assim

Eliane Catanhede / O Estado de S. Paulo

Diferentemente do que imaginavam o Planalto, assessores, aliados e bolsonaristas resilientes, o tempo não está contando a favor, mas contra a reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Quanto mais 2021 avança e 2022 se aproxima, mais as condições de Bolsonaro se deterioram na política, na economia, na confiança dos cidadãos. Se ele acha que basta incendiar a internet e botar sua turma na rua, pode estar redondamente enganado.

Na análise governista, o pior já teria passado até outubro de 2022. Fim da pandemia, maioria da população vacinada, mortos esquecidos e cada um se virando com suas sequelas. Economia reaquecida, PIB surpreendendo, investimentos a rodo, empresas produzindo, serviços voltando e empregos se multiplicando. Não é bem assim.

Bolsonaro jogou no lixo as bandeiras e o discurso de 2018 e não construiu nada sobre os escombros. Lá se foram o combate à corrupção, a defesa da Lava Jato, a “nova política” e a ojeriza ao Centrão, arrastando junto a balela de uma política econômica liberal, moderna e reformista. Nada foi colocado no lugar e, enquanto presidente, ele nunca deixou de ser candidato.

Concorrer à reeleição como paladino da moralidade, não dá. Como líder responsável e eficaz na pandemia, nem como piada de mau gosto. Como gestor e chefe do governo, impossível. Como salvador da Pátria, do ambiente, da Amazônia, da educação, da cultura, da política externa..., façam-me o favor!

Logo, Bolsonaro precisaria apostar todas as fichas na economia e no ministro Paulo Guedes, mas ele não dá a menor bola para uma nem para o outro. A previsão do PIB, modesta para 2021, mas animadora para 2022, cai mês a mês. Os investimentos recuam com as crises que Bolsonaro cria o tempo todo. A inflação assusta, os juros sobem a cada reunião do Copom.

Não adianta bater no IBGE, porque a realidade é que o desemprego tem uma recuperação lentíssima e joga famílias inteiras na rua, com pratos vazios. Não custa repetir que, além da questão social, até humanitária, o emprego é o mais político dos indicadores econômicos.

A isso somem-se três fatores que não são consequência direta do Executivo, mas têm peso extraordinário no humor da classe média, que por sua vez tem peso significativo nas eleições: gasolina (perto de R$ 7 o litro da comum), gás de cozinha (mais de R$ 100 o bujão) e conta de luz de lares e empresas (e a crise hídrica e energética ainda não chegou ao pico). “Não adianta ficar chorando”, ministro Guedes?!!

Exatamente por isso, como publicou ontem o repórter Lauriberto Pompeu, com fartura de depoimentos, o Centrão está ressabiado, trabalha com a perspectiva de derrota de Bolsonaro e reclama de Guedes. Ninguém ali está preocupado com macroeconomia, teto de gastos, responsabilidade fiscal, só com o próprio interesse eleitoral, que envolve o pacote clássico do populismo: gastança, programas sociais de ocasião, compra de votos.

Guedes que se cuide, enquanto o Centrão reabre os canais com o expresidente Lula, principalmente no Nordeste, única região em que Fernando Haddad venceu em 2018. Pouco importa se o PP abocanhou a “alma do governo”, com Ciro Nogueira na Casa Civil, e Câmara, com Arthur Lira na presidência. O futuro é muito mais apetitoso do que o presente.

Se o Centrão e o próprio PP já estão se cuidando, imaginem o resto da turma. O bolsonarismo se infiltrou em praticamente todos os partidos do centro à direita, mas todos têm equilíbrio delicado, que pode ser fugaz e depende sobretudo do próprio Bolsonaro. Ele vai de solenidade em solenidade militar, faz agrados às polícias, mantém a tropa bolsonarista unida atacando tudo e todos, mas não percebe o principal: só isso não ganha eleição.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,condicoes-de-reeleicao-se-deterioram-e-so-inflamar-e-botar-bolsonaristas-na-rua-nao-resolve,70003822909

* Título do artigo original foi alterado para publicação no portal da FAP


Eliane Catanhede: Planalto vê 7 de Setembro como divisor de águas

Crises são sempre desastrosas, mas crises artificiais e ameaças de golpe são ainda piores: demolidoras

Eliane Catanhede / O Estado de S. Paulo

Há mais entre o céu e a terra do que a vã filosofia, os aviões de carreira e a fumaça dos tanques militares que desfilaram na Praça dos Três Poderes no dia nervoso da votação da cédula de papel no Congresso. O clima é de tensão e preocupação, depois de o presidente Jair Bolsonaro pedir o impeachment do ministro do STF Alexandre de Moraes e resolver se apoderar do nosso 7 de Setembro para transformá-lo num divisor de águas a seu favor.

Bolsonaro passou anos construindo ligações com a milícia. Ao assumir a Presidência, liberou geral as armas para a população civil para deixar as tropas bolsonaristas de prontidão. Depois, minou o comando dos governadores sobre as polícias estaduais, enquanto metia a mão na Polícia Federal. Por fim, rachou as Forças Armadas, ao intervir no Ministério da Defesa e nos comandos de Marinha, Exército e Aeronáutica. 



(Resende - RJ, 14/08/2021) Cerimônia de Entrega de Espadim aos Cadetes da Turma Bicentenário do General João Manoel Menna Barreto.
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 10/08/2021) Desfile Operação Formosa 2021. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 10/08/2021) Desfile Operação Formosa 2021. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 31/03/2021) Encontro com os novos comandantes das Forças Armadas. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 20/04/2021) Solenidade de Passagem do Cargo de Comandante do Exército, do General de Exército Edson Leal Pujol ao General de Exército Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira.
(Resende - RJ, 14/08/2021) Cerimônia de Entrega de Espadim aos Cadetes da Turma Bicentenário do General João Manoel Menna Barreto.
(Resende - RJ, 14/08/2021) Cerimônia de Entrega de Espadim aos Cadetes da Turma Bicentenário do General João Manoel Menna Barreto.
(Resende - RJ, 14/08/2021) Cerimônia de Entrega de Espadim aos Cadetes da Turma Bicentenário do General João Manoel Menna Barreto.
(Brasília - DF, 10/08/2021) Desfile Operação Formosa 2021. Foto: Marcos Corrêa/PR
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(Resende - RJ, 14/08/2021) Cerimônia de Entrega de Espadim aos Cadetes da Turma Bicentenário do General João Manoel Menna Barreto.
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 10/08/2021) Desfile Operação Formosa 2021. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 10/08/2021) Desfile Operação Formosa 2021. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 31/03/2021) Encontro com os novos comandantes das Forças Armadas. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 20/04/2021) Solenidade de Passagem do Cargo de Comandante do Exército, do General de Exército Edson Leal Pujol ao General de Exército Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira.
(Resende - RJ, 14/08/2021) Cerimônia de Entrega de Espadim aos Cadetes da Turma Bicentenário do General João Manoel Menna Barreto.
(Resende - RJ, 14/08/2021) Cerimônia de Entrega de Espadim aos Cadetes da Turma Bicentenário do General João Manoel Menna Barreto.
(Resende - RJ, 14/08/2021) Cerimônia de Entrega de Espadim aos Cadetes da Turma Bicentenário do General João Manoel Menna Barreto.
(Brasília - DF, 10/08/2021) Desfile Operação Formosa 2021. Foto: Marcos Corrêa/PR
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Resultado: o Brasil está como o diabo gosta. Roberto Jefferson, Sérgio Reis, Ottoni de Paula, Daniel Silveira, oficiais baderneiros da PM de São Paulo e adoradores de armas em geral conclamam as tropas para as ruas. Dane-se a Pátria! Dane-se a Nação! O objetivo confesso é endeusar o mito e atiçar a invasão do Supremo e do Congresso, ameaçando ministros e parlamentares.

“É fogo de palha, preocupação zero”, declarou o vice Hamilton Mourão, tentando tranquilizar o País, mas está difícil. Basta um punhado de malucos, ou de infiltrados, para transformar esse fogo de palha num incêndio de grandes proporções. Quem vai impedir? E, depois, quem vai apagá-lo?

O Brasil está feroz e doentiamente dividido, mas há um desequilíbrio de forças. A minoria ameaça com revólveres, fuzis, invasões e agressões. A maioria, desarmada, defende-se com declarações e manifestos do STF, Senado, ex-presidentes, ex-ministros, lideranças políticas, econômicas, financeiras, profissionais e religiosas.

No Planalto, o 7 de Setembro é visto como um “divisor de águas”, com expectativa de recorde de bolsonaristas nas ruas, mas sem risco de ataques a tiros contra instituições e seus representantes. “Isso, não”, diz um ministro. Fora do Planalto, inclusive nos governos estaduais, não há essa certeza e João Doria (SP) alerta para “militantes bolsonaristas armados”. O sinal amarelo piscou quando dois coronéis da PM paulista, um da ativa, outro da reserva, subverteram a ordem: convocaram a turba que a PM, depois, terá, ou teria, de controlar.

Na visão da oposição, a crise começa com o presidente, que ataca, atiça, ameaça agir fora da Constituição e contra as eleições e não para de fustigar Judiciário, governadores e mídia. Logo, o Supremo apenas reage em defesa da democracia, das instituições e do equilíbrio da Federação, ao atender ora à PF, ora à Procuradoria-Geral da República, e determinar a prisão ou busca e apreensão daqueles que acatam a orientação de cima e atemorizam instituições e pessoas.

Já a versão do Planalto, encampada sem restrições pelo núcleo bolsonarista, é oposta: o Supremo e particularmente Alexandre de Moraes é que provocam, esticam a corda e ameaçam Bolsonaro, ao, por exemplo, mandarem para a prisão os aliados Roberto Jefferson, trabalhista-integralista, e Daniel Silveira, um valentão. Assim, Bolsonaro apenas reagiria aos ataques. O pedido de impeachment de Moraes foi “para incomodar”. O 7 de Setembro é para “mostrar força”.

Nesse clima, 25 dos 27 governadores se reuniram ontem e estão dispostos a patrocinar uma reunião entre os poderes, para baixar a tensão e as labaredas. Até porque, enquanto Bolsonaro brinca perigosamente de guerra, armas e xingamentos, a economia recua, a pandemia é incerta e quem sofre? A população. Crises são sempre desastrosas, mas crises artificiais e ameaças de golpe são ainda piores: demolidoras.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,planalto-ve-7-de-setembro-como-divisor-de-aguas-governadores-temem-armas-e-invasoes,70003819402


Eliane Cantanhêde: Bolsonaro e as fake news - mortes, urnas, cloroquina, vacina...

O pior não é o presidente Jair Messias Bolsonaro insistir nas suas fake news; é milhões de pessoas continuarem engolindo, degustando e gostando delas

Eliane Cantanhêde / O Estado de S. Paulo

O presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, anunciou para o povo brasileiro um “documento do tal do Tribunal de Contas da União”, o TCU, concluindo que os números de mortes pela covid-19 não chegavam à metade e teriam sido fraudados pelos governadores para abocanhar mais verbas na pandemia. A verdadeira e chocante fraude, porém, foi a fala do presidente, o rei das fake news.

Em depoimento à Polícia Federal, o funcionário do tribunal Alexandre Marques, autor do “documento”, contou a verdade nua e crua: o texto não era “do tal do TCU”, era só uma espécie de rascunho pessoal e foi adulterado na Presidência da República, porque o original não tinha o logotipo do TCU, nem nome, nem cabeçalho, como o que foi espalhado pelos bolsonaristas via internet. Gravíssimo.

“Fiquei totalmente indignado e achei uma total irresponsabilidade do mandatário da Nação”, disse Marques à PF sobre o pronunciamento do presidente. Conforme o depoimento, divulgado pela TV Globo, foi o seu pai, militar da reserva e contratado da Petrobrás, quem repassou o rascunho para o presidente. Que, como se viu, não pensou duas vezes antes de fazer uso político dele.

O mesmo Bolsonaro usou a TV e recursos públicos durante duas horas para anunciar uma “prova bomba” contra as urnas eletrônicas. Não apresentou prova nenhuma, só um apanhado velho e irrelevante da internet, e passou a ser a comprovação viva de que o sistema eleitoral é sólido e confiável. Ele não só foi eleito por esse sistema como nunca encontrou uma única prova, apesar de GSI, Abin, PF, inteligência militar...

Aliás, Bolsonaro divulgou um inquérito da PF pelas redes sociais, como se confirmasse a existência de fraude em 2018. Segundo a PF, oficialmente, a história é velha, já foi divulgada pela mídia e “não houve qualquer risco à integridade das eleições”. O ataque foi ao sistema do TSE, não ao das urnas eletrônicas. Elas não são conectadas à internet nem passíveis de invasão remota, o que todo brasileiro minimamente informado e “de boa fé”, como diz o ministro Luís Roberto Barroso (TSE), está careca de saber.

Bem, Bolsonaro é o único presidente na história a fazer propaganda de remédio – propaganda enganosa, diga-se – e nega até hoje isolamento social, máscaras e vacinas contra a pandemia de covid. Isso, segundo especialistas e a CPI do Senado, pode ter custado milhares de vidas de brasileiros.

E não podemos esquecer de Bolsonaro falando aos brasileiros de “uma pesquisa de uma universidade alemã” confirmando que “máscara faz mal às crianças”. Oh, céus! Tudo doentiamente fake. E ele nega também o desmatamento da Amazônia, o tamanho do desemprego, as estatísticas e a realidade.

Foi assim que entrou em choque com OMS, ONU, Inpe, PF, IBGE, entidades sanitárias, governos e entidades estrangeiras... E é alvo de quatro inquéritos no Supremo e mais um inquérito administrativo no TSE, enquanto não é incluído no das fake news mais uma vez, agora pelo “documento” sobre as mortes e pelo uso do TCU em vão.

Só falta o presidente Jair Messias Bolsonaro endossar a fala do general Luiz Eduardo Ramos sobre o líder trabalhista-integralista Roberto Jefferson, dois dias antes de a PF pedir sua prisão. Para Ramos, Jefferson, que aparece armado em vídeos pedindo o fechamento do STF, é “mais um soldado pela liberdade do nosso povo e da nossa democracia”. Uau!

Mas o pior não é o presidente Jair Messias Bolsonaro insistir nas suas fake news e ameaçar pedir o impeachment dos ministros Barroso e Alexandre de Moraes. É milhões de pessoas continuarem engolindo, degustando e gostando de suas fake news. Bolsonaro a gente já sabe quem é, o incompreensível é como tantos caem nessa esparrela.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,bolsonaro-e-as-fake-news-mortes-urnas-cloroquina-vacina-mascara-isolamento,70003811512


O Brasil está em guerra pela democracia. E o Congresso, cadê?

O País está no pior dos mundos, com mais de 560 mil mortos pela covid-19 e enfrentando uma crise institucional; e o Congresso, onde está?

Eliane Catanhede / O Estado de S. Paulo

Primeiro, o Congresso triplicou o fundo eleitoral para escandalosos R$ 5,7 bilhões em plena pandemia de covid-19 e de desemprego. Depois, tratou de reduzir os mecanismos de controle sobre essa dinheirama, propondo um código que tira a Justiça Eleitoral da frente e praticamente deixa a “fiscalização” do fundo e das campanhas por conta dos... partidos.

O País está no pior dos mundos, com mais de 560 mil mortos pela covid-19 e enfrentando uma crise institucional de um presidente da República que ameaça rasgar a Constituição contra o Supremo Tribunal Federal, o Tribunal Superior Eleitoral e os próprios ministros, que resistem bravamente em nome da democracia. E o Congresso, onde está?

STF, TSE, milhares de empresários, intelectuais e líderes religiosos, sociedades de ciência e direitos humanos, entidades profissionais e religiosas, subprocuradores da República e grupos de parlamentares cerram fileiras contra os ataques de Bolsonaro à Constituição e às eleições. A resistência, porém, não encontra o devido eco na “casa do povo”, onde a maioria está mais preocupada com a própria reeleição e com o próprio bolso do que com a democracia.

O Congresso está nas nuvens, cuidando dos próprios interesses, ampliando seus privilégios. Na Câmara, com apoio explícito do presidente Arthur Lira (PP-AL). No Senado, com a atitude excessivamente, digamos, elegante do presidente Rodrigo Pacheco (quase exDEM-MG). É preciso mais. É preciso gritar e articular uma defesa enérgica das instituições, da democracia.

E é urgente, depois que o líder do Centrão Ciro Nogueira abocanhou a “alma do governo” e tem de pagar com a alma do Congresso. Nogueira é unha e carne com Arthur Lira, fiel guardião do cofre onde estão em torno de 130 pedidos de impeachment, e acaba de ignorar a derrota do voto impresso na Comissão Especial. Vai tentar ressuscitar a proposta – atual obsessão de Bolsonaro – no plenário. O regimento permite, mas nunca se viu.

Há, porém, focos de resistência democrática também no Parlamento, ativos e ruidosos. No Senado, a CPI da Covid confirma o quanto o governo, sob o descaso ou a inspiração de Bolsonaro, virou uma casa da mãe Joana aberta a picaretas e picaretagens na pandemia. Na Câmara, a união de 11 partidos pela urna eletrônica e de parlamentares de diferentes orientações ideológicas pró Supremo, democracia e eleições.

Num único dia, Bolsonaro sofreu tripla derrota: o presidente do Supremo, Luiz Fux, rompeu o diálogo com ele; o PIB e a inteligência brasileira finalmente deram as caras pela democracia e as eleições; e, por 23 votos a 11, a Comissão Especial da Câmara rejeitou a volta do famigerado voto impresso. Com 11 partidos contrários, a proposta deve sofrer nova derrota em plenário. Se passar, vai enfrentar uma muralha no Senado, como o presidente Pacheco anuncia.

Nada disso, porém, consegue disfarçar o esforço parlamentar para criar o “distritão” e um Código Eleitoral obscurantista. Pelo “distritão”, só terão chance de vitória para a Câmara as celebridades, os pastores de almas, os muito ricos, os que já têm mandato e... as milícias. E a proposta de Código Eleitoral reduz as cotas da diversidade e o poder de fiscalização e punição da Justiça Eleitoral, com as raposas tomando conta do galinheiro.

Logo, a poderosa resistência que ganha corpo no Brasil deve não apenas mirar nas ameaças contumazes do presidente da República à democracia, mas também nas “boiadas” no Congresso contra a moralidade pública, a lisura das campanhas eleitorais, o meio ambiente. Bolsonaro não dá bola para nada, mas deputados e senadores são suscetíveis à opinião pública e aos setores responsáveis da sociedade. O grito deve ser: sim à democracia, não às “boiadas”!

Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,o-brasil-esta-em-guerra-pela-democracia-mas-a-casa-do-povo-cuida-dos-proprios-interesses,70003803847


Bolsonaro mexe as peças com um só objetivo: salvar o pescoço e garantir reeleição em 2022

O governo virou comitê de campanha de presidente, onde as peças se movem para salvar seu mandato e pavimentar o caminho para 2022

Eliane Cantanhêde / O Estado de S. Paulo

Goste-se ou não de Roberto Jefferson, o polêmico político do PTB e do Centrão que detonou a crise do mensalão no governo Lula, ele tem razão: a reforma ministerial do presidente Jair Bolsonaro lembra a manobra de Fernando Collor para salvar o pescoço em 1992, quando mudou o seu governo para ampliar a base de apoio no Congresso. No caso de Collor, foi tarde demais. E no de Bolsonaro?

O fato é que foi uma decisão drástica entregar a “alma do governo” para o senador Ciro Nogueira, do PP, líder do Centrão e aliado do PT em 2018, quando chamava Bolsonaro de “fascista”. O Centrão está com tudo, os militares vão escorregando para o segundo pelotão e Paulo Guedes perde de nacos de poder para Onyx Lorenzoni construir sua campanha durante curtos – ou longos? – oito meses, até se desincompatibilizar para disputar o Governo do Rio Grande do Sul.

Onyx foi da Casa Civil, do Ministério da Cidadania e da Secretaria Geral da Presidência, até Bolsonaro criar o Ministério de Emprego para gerar um único emprego, o dele. E Guedes tinha um latifúndio ministerial, mas nunca teve poder. Agora, não tem um nem outro. Seu ministério vai continuar sendo fatiado para o Centrão e ele desliza para o ostracismo, não pelo que não fez, mas pelo que insiste em fazer: engolir sapos em nome da reeleição.

O argumento de Guedes é o mesmo dos generais que insistem em se submeter ao capitão insubordinado: “espírito de missão”. Heroico, mas não verdadeiro. Ele só fica pela sensação de poder e por resistir a admitir a derrota, ao contrário do também “superministro” Sérgio Moro, que demorou mais do que o razoável, mas mostrou que tinha limite. Guedes não tem limite.

O governo virou comitê de campanha de Bolsonaro, onde as peças se movem para salvar seu mandato e pavimentar o caminho da reeleição. Ao atravessar a rua e ir para o Planalto,

Ciro Nogueira anula as chances do seu amigo Arthur Lira abrir um dos 125 pedidos de impeachment, reforça a articulação com o Senado e abre espaço para o filho “01”, Flávio Bolsonaro, virar suplente da CPI da Covid com direito a palavra, impropérios contra a cúpula da comissão e acesso direto a todos os documentos da CPI. Presentão para o papai.

Além de reformar a casa, melhorar os alicerces governistas da CPI e penetrar mais firmemente no Nordeste (Ciro é do Piauí e Lira, de Alagoas), Bolsonaro também cria vales e aumenta as bolsas para o eleitorado mais pobre, e mais numeroso. De quebra, fideliza o núcleo duro do seu eleitorado ao se assumir cada dia mais radical.

Vem daí a foto, às gargalhadas, com a líder de um partido alemão xenófobo e de inspiração nazista, investigado no próprio país por mensagens e práticas ilegais. Não é trivial presidentes receberem deputados estrangeiros. Menos ainda, presidentes de países democráticos receberem parlamentares antidemocráticos.

Além disso, o presidente deu a Michelle Bolsonaro a medalha Oswaldo Cruz, para quem se destaca em ciência, educação e saúde, e o governo comemorou o Dia do Agricultor com uma foto, não de um trabalhador com sua enxada, mas de um jagunço com um rifle. Nem Michelle se destaca em nenhuma dessas áreas, nem o sofrido agricultor é jagunço, grileiro, desmatador, miliciano do campo. O governo estimula a guerra no campo?

O presidente também assinou um decreto para regulamentar a Lei Rouanet e, como tem sido um desastre para a Cultura, boa coisa não sai daí. E ele ainda não vetou o fundão eleitoral de R$ 5,7 bilhões, mas atendeu aos planos de saúde e vetou a lei que os obrigava a custear a quimioterapia oral para pacientes com câncer. É esse Jair Bolsonaro, o verdadeiro, que disputará voto na urna eletrônica em 2022.


Fonte:
O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,bolsonaro-mexe-as-pecas-com-um-so-objetivo-salvar-o-pescoco-e-garantir-sua-reeleicao-em-2022,70003794364


Militares rejeitam Lula, mas ele investiu pesado nas Forças Armadas

Uma das dúvidas que mais incomodam o ex-presidente e pré-candidato de 2022 é por que, afinal, os militares têm tanto ódio dele e do PT

Eliane Cantanhêde / O Estado de S. Paulo

Uma das dúvidas que mais incomodam o ex-presidente e pré-candidato de 2022 Luiz Inácio Lula da Silva é por que, afinal, os militares têm tanto ódio dele e do PT. Uma dúvida justa, justíssima, porque os dois mandatos de Lula foram de paz na área militar, com o Ministério da Defesa forte, boas relações entre presidente e comandantes militares e capacitação e reaparelhamento das Forças Armadas. É inegável, é fato.

Replique-se a dúvida de Lula a militares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica e a resposta é unânime: “O PT roubou! Lula montou dentro do Planalto o maior esquema de corrupção do País”. Alguns acrescentam a ojeriza à esquerda, a polêmica da Comissão da Verdade (sobre tortura e mortes na ditadura militar) e o desastre Dilma Rousseff na economia. Nenhum deles, porém, reclama dos investimentos nas três Forças.

Ministro da Defesa de 2007 a 2011, o ex-presidente do STF e ex-deputado Constituinte Nelson Jobim assumiu a pasta no caos aéreo após os dois então maiores acidentes da aviação brasileira. Sua missão: botar a casa em ordem. Foi o que ele fez. Na sua gestão, foram criados a Estratégia Nacional de Defesa, o Conselho Sul-Americano de Defesa e o Comando Conjunto das Forças Armadas. E as três Forças tiveram um recorde de investimentos.

Na FAB, foi definido no governo Lula e aprovado no de Dilma o programa FX-2, que renovou a frota com caças suecos Gripen NG, trazendo tecnologia, treinamento e poder bélico. Lula preferia o francês Rafale, Dilma chegou a apoiar o Boeing americano, mas prevaleceu a opção técnica da FAB. E teve também o KC 130, um cargueiro construído no Brasil pela Embraer, estratégico para a locomoção de tropas.

Na Marinha, o Prosub, ambicioso programa de submarinos, em parceria com a França, que inclui um submarino de propulsão nuclear e a construção de um estaleiro e uma base em Itaguaí (RJ). No Exército, o blindado Guarani, de tecnologia nacional, e dois sistemas, o de comando e controle e o de guerra cibernética, um orgulho e um sucesso na Olimpíada e na Copa do Mundo.

Com Lula-Jobim, as Forças Armadas também instalaram o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron), do Exército, e o Sistema de Monitoramento da Amazônia Azul (Sisgaaz), da Marinha. São sofisticados programas de radares para controle das fronteiras terrestres e do imenso mar territorial brasileiro.

“A compreensão do Lula sobre a necessidade e a importância estratégica das Forças Armadas foi extraordinária”, diz Jobim, lembrando também que o então presidente convivia bem com os três comandantes da época e respeitava as decisões de cada área, a começar da própria escolha dos comandantes: os Altos Comandos definiram os nomes e Lula encampou sem ressalvas, sem qualquer avaliação ideológica ou coisa do gênero.

O presidente Jair Bolsonaro entupiu o Planalto e a administração de militares, melhorou os soldos, aumentou um bocado o salário dos mais íntimos e foi camarada na reforma da Previdência, além de ir a todo e qualquer evento militar. Mas foi Lula quem investiu firmemente na modernização das Forças Armadas.

Na época de Lula, aliás, não se ouvia falar de coronéis, tenentes-coronéis e generais metidos na Saúde e em confusões. Quando houve sindicâncias sobre desvios de conduta, foram internas, discretas e rigorosas. Ninguém precisou se referir, em nenhum momento, ao “lado podre” militar. Essa expressão só emerge com o capitão insubordinado na Presidência, nomeando pessoas erradas, em lugares errados, e usando a marca Forças Armadas ao falar de golpes. Se é para ser contra, seria melhor ser contra ambos.


Eliane Cantanhêde: Tratoraço, ou orçamento secreto, serve para o quê? Comprar votos, como o mensalão

Já compararam o “tratoraço” do governo Jair Bolsonaro aos “anões do Orçamento”, aos “atos secretos” do Senado e ao “mensalão” da era Luiz Inácio Lula da Silva, mas todos eles foram punidos, com maior ou menor rigor, e o que se espera é que não se jogue a poeira para debaixo do tapete e também o tratoraço seja ao menos investigado. Passar em branco é que não dá. A planilha e as evidências obtidas pelo Estadão não deixam alternativa.

No caso do tratoraço, o resumo da ópera é o mesmo dos escândalos anteriores: jeitinhos, emendas disfarçadas, orçamentos sigilosos que são engendrados no submundo político com um objetivo muito claro: comprar votos. Em geral, com participação direta, no mínimo aval do Palácio do Planalto. Por isso, não é surpresa o surgimento do nome do então articulador político do governo, atual chefe da Casa Civil, na operação.

O que realmente surpreende é que ele, Luiz Eduardo Ramos, é um general de quatro estrelas que há pouco passou para a reserva. Como, aliás, o novo ministro da Defesa, Walter Braga Netto, que não perde uma aglomeração política, seja para a campanha eleitoral antecipada de Bolsonaro, seja para a campanha de bolsonaristas contra o Supremo e o regime civil.

Como nos velhos casos, tudo é estranho no tratoraço, a começar do valor secreto – R$3 bilhões –, e das explicações dos agraciados ouvidos pelo Estadão. Segurança nacional? Segurança pessoal e familiar? É reação de quem foi pego com a mão na botija e não tem o que dizer. O que só confirma que algo não estava dentro dos conformes, daí porque precisava ser secreto, escondido de quem paga impostos.

Suas Excelências íntimas do Planalto ou úteis ao governo, têm direito a emendas parlamentares tradicionais, como todos, e mais as secretas, como poucos. A partir dessa “curiosidade”, começam a surgir outras. Exemplo: emendas são para as bases eleitorais, mas os privilegiados podem destiná-las para outros Estados a muitos quilômetros de distância. Quem conhece o jogo desconfia: ou é para favorecer empresas amigas ou efeito bumerangue sem dar na vista: vai para a cidade tal e volta para o autor da emenda extra na forma de um porcentual camarada.

E por que o governador do DF, Ibaneis Rocha, está numa planilha de senadores e destinou verbas para o Piauí, onde tem fazendas de gado? Foi depois disso que ele mudou sua relação com Bolsonaro? Até relaxou subitamente as restrições para conter a pandemia, do jeito que o presidente gosta.

Os “anões do Orçamento” eram uma quadrilha no Congresso para desviar dinheiro público via empreiteiras ou entidades fantasmas e geraram a primeira CPI para investigar os próprios parlamentares, nos anos 1990. Dez políticos foram cassados ou renunciaram para fugir da cassação. Entre eles, o baiano João Alves, que alegou ter ficado milionário ganhando na loteria: 56 vezes num ano.

Os “atos secretos” do Senado, no fim dos anos 2000, eram um festival de cargos e privilégios concedidos às escondidas pela mesa diretora para parentes e apadrinhados de 37 senadores e 25 ex-parlamentares. Após uma sindicância, 663 atos foram cancelados. José Sarney, que presidia a Casa, balançou, mas não caiu.

Já o “mensalão” consistia em pagamentos à base aliada do então presidente Lula, e o Supremo foi implacável, apesar de recheado de ministros indicados pelo PT. Foram 25 condenações, incluindo presidentes e tesoureiros do PT. Os bolsonaristas que hoje atacam o STF esqueceram disso?

A PGR e o TCU estão estudando o tratoraço, mas o pedido de nova CPI não andou. Por que será? Nós, os “idiotas” que defendemos a vida, distanciamento social, máscaras e vacinas, temos o direito de saber.

Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,tratoraco-ou-orcamento-secreto-serve-para-o-que-comprar-votos-como-o-mensalao,70003718278


Eliane Catanhede: Quem obedece não precisa se incriminar, mas tem de contar tudo sobre quem manda

Quando o general da ativa Eduardo Pazuello sentar como testemunha na CPI da Covid, nesta quarta-feira, quem estará no foco não será ele, mas quem mandava nele no Ministério da Saúde. “Um manda, o outro obedece.” Logo, Pazuello é insignificante, o que importa são as ordens, ações e maquinações do presidente Jair Bolsonaro para manter e piorar a pandemia.

Foi isso que a decisão do ministro Ricardo Lewandowski preservou. Com linguagem simples, mas sofisticada engenharia jurídica, que ele não construiu sozinho, o ministro do STF deu um habeas corpus que diz o seguinte: Pazuello pode ficar mudo quando a questão for sobre ele, mas continua obrigado a falar quando for sobre Bolsonaro.

É o suficiente para a CPI, porque ninguém quer saber de Pazuello e todo mundo quer saber de Bolsonaro. O ex-ministro, homem errado na hora errada, tem o direito de não se incriminar e não produzir provas contra si mesmo, mas tem de responder e contar como, quando e onde aquele “que manda” agiu contra isolamento, máscaras e vacinas e a favor da cloroquina.

Lewandowski deve ter acalentado a ideia de simplesmente negar o habeas corpus da Advocacia-Geral da União (AGU) e determinar que Pazuello falasse tudo, sobre todos, sob risco de prisão. Ele, porém, não seria tão voluntarista após as inúmeras vezes em que o Supremo concedeu o direito ao silêncio a depoentes de CPIs, tanto investigados quanto testemunhas. A solução foi o meio termo, mas até a previsão de prisão é dúbia.

O Planalto comemorou a “vitória” da AGU e o senadores Omar AzizRandolfe Rodrigues e Renan Calheiros cumpriram sua parte, “lamentando” o despacho do STF e repetindo docilmente que “decisão da Justiça se cumpre, goste-se ou não”. Tudo teatro. Na vida real, a cúpula da CPI festejou e o governo reclamou.

Cada dia sua agonia. Pazuello dá sinais de pânico e alegou contato com dois infectados pela covid para desertar, ops!, adiar o depoimento. E não é à toa que o presidente aciona AGU, o ministro Onyx Lorenzoni, mundos e fundos. É para tentar se salvar de Pazuello.

E o Exército? Já foi duro engolir Bolsonaro usando um general intendente da ativa para fazer papel de bobo na Saúde, enquanto o “Gabinete das trevas” decidia no Planalto e o presidente espancava a realidade, a ciência e o bom senso. Mais duro ainda foi assistir às patetadas de Pazuello e às humilhações que o presidente lhe impunha – quanto a vacinas, por exemplo. Imaginem a exposição na CPI!

Justificativa do Ministério da Economia ao Congresso por não ter previsões orçamentárias para o combate à covid em 2021, optando por créditos suplementares: ninguém sabia que viria a segunda onda. Por que não? Porque Bolsonaro trocou médicos e epidemiologistas da Saúde por militares que nem conheciam SUS e curva epidemiológica e, portanto, eram incapazes de alertar o Planalto, o governo e o País para os cenários possíveis. Paulo Guedes e seus economistas foram imprevidentes, mas a obrigação de detectar uma nova onda não era deles, era da Saúde. E Bolsonaro nunca quis um real Ministério da Saúde.

A população captou isso. No Datafolha, a atuação do ministério na pandemia despencou de 76% com Luiz Henrique Mandetta para 28% com Pazuello. E, hoje, 51% reprovam e apenas 21% aprovam ação do presidente na pandemia, o que ajuda a entender por que a sua popularidade derrete.

O depoimento de Pazuello não vai reverter isso, pelo contrário, e Bolsonaro faz duas jogadas de risco: tenta usar os contratos mega-atrasados com a Pfizer para apagar tudo o que fez contra as vacinas e ataca grosseiramente a China para sabotar os insumos da “vacina chinesa do Doria”. Ao retaliar o líder errado, a China prejudica a população brasileira. Alguém aí pode dar um toque no Xi Jinping?

Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,quem-obedece-nao-precisa-se-incriminar-mas-tem-de-contar-tudo-sobre-quem-manda,70003716315