Eliane Catanhêde

Eliane Cantanhêde: Sem intermediação?

Para governar, é preciso boa comunicação com a sociedade e negociação com Congresso

Presidir o País é tomar decisões muitas vezes duras, desagradar a interesses e mediar conflitos, ciúmes e invejas na própria equipe, o que exige força popular e política. Logo, é preciso ter uma excelente comunicação com a sociedade e uma negociação azeitada com o Congresso.

É estranho, portanto, que o presidente eleito, Jair Bolsonaro, tenha usado sua diplomação para dar uma canelada desnecessária na mídia. No “novo tempo”, segundo ele, “o poder popular não precisa mais de intermediação”. E fez questão de especificar que falava das “novas mídias, que permitiram uma relação direta entre eleitor e seus representantes”.

Jornais, revistas, rádios e TVs são canais não só tradicionais, mas também legítimos e de grande alcance para a mediação entre poderosos e sociedade, eleitos e eleitores. Dispensá-los, ou desdenhá-los, é apostar numa anarquia na comunicação entres os três Poderes e os cidadãos e cidadãs.

As “novas mídias” são importantes e vieram para ficar, mas carregam um perigo: a difusão rápida e irresponsável, muitas vezes paga, de mentiras, manipulações e falsificação grosseira dos fatos, tanto a favor quanto contra. O efeito é deletério e isso pode virar uma guerra sangrenta, num mundo paralelo de verdades e mentiras. O “novo tempo” não pode se transformar no “paraíso das fake news”, nem na propaganda acrítica de governos.

Bolsonaro também está dando sinais confusos nas relações com o Congresso, essencial para sua agenda de reformas e seu plano de governo. Ok, é compreensível que bata de frente com Renan Calheiros e tente bombardear sua volta à presidência do Senado, porque o senador, apesar de muito experiente e implacável, é campeão de processos no Supremo e ele se elegeu para “mudar tudo”. Ninguém muda nada com Renan Calheiros numa posição tão estratégica em Brasília.

Mas e Rodrigo Maia? Por que trabalhar contra a reeleição dele à presidência da Câmara e ainda por cima alardear publicamente? Maia é do DEM que, dos partidos médios a grandes, é o que saiu menos chamuscado da Lava Jato. Basta comparar com o MDB de Renan, o PT, o PP, o PTB, o PSDB... Até por isso, emplacou a Casa Civil e os ministérios da Agricultura e da Saúde. Não por pressão ou reivindicação, mas porque o partido tem bons quadros.

Além de a sigla ser muito conveniente, ninguém como Rodrigo Maia reúne tantas condições para ser uma mão na roda para o futuro governo no Congresso. Já está no cargo, negocia bem com esquerda, centro e direita, conhece o regimento e, principalmente, é um economista identificado com a agenda, as reformas e a equipe de Paulo Guedes. Quem melhor do que ele para tocar a reforma da Previdência?

Entre os erros políticos de Bolsonaro, está desperdiçar a oferta de Michel Temer para aprovar em dezembro a primeira fase da reforma previdenciária. Jogou fora essa chance de dividir o ônus e ficar com todo o bônus, está descartando Rodrigo Maia e ainda não providenciou um adversário à altura de Renan no Senado.

A reforma da Previdência não é só a primeira nem só a mais importante. Ela é “A” reforma. Os investidores internacionais olham para o Brasil com lupa e com a caneta na mão. Mas só vão usá-la se essa reforma passar, sinalizando ajuste fiscal e enxugamento do Estado. É o desafio mais dramático do novo governo, do “novo tempo”, do “novo Congresso” e das “novas mídias”. Desprezar intermediação e negociação pode ser uma péssima ideia.

Guardanapo
Governador eleito do Rio, Wilson Witzel está em Israel com o presidente e o vice do PSL, todos com suas mulheres. As despesas são pagas pelo partido, mas fica a pergunta: qual será a cor do guardanapo na cabeça desta vez?


Eliane Cantanhêde: Vidraças de Bolsonaro

Foi a pior semana após a vitória, mas o mais grave está por vir: a pressão por aumento de soldos

A lua de mel do presidente Jair Bolsonaro com o poder está acabando cedo demais e ele sai hoje de sua pior semana depois da euforia da vitória e de abrir imensas expectativas na população brasileira, tão machucada pela decepção com a política, erros crassos de governo, corrupção galopante, a divisão do “nós e eles”. A promessa era fazer “tudo diferente”. E agora?

Bolsonaro começa a sentir o peso do poder antes mesmo de assumir, acuado pela abertura de investigação contra seu chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e pela movimentação atípica de R$ 1,2 milhão na conta de um ex-assessor de Flávio Bolsonaro, seu filho e senador eleito. Sem falar, como revelado também pelo Estado, no cheque de R$ 24 mil desse assessor para Michelle, a futura primeira-dama.

O pivô é o PM Fabrício Queiroz, o que remete à ligação muito próxima e agora explosiva do presidente Michel Temer com o coronel aposentado também da PM João Baptista Lima Filho, apontado como “operador” de Temer para mil e uma utilidades, inclusive a reforma da casa da filha. Um PM pode não ter nada a ver com o outro, mas é importante a história ser muito bem esclarecida.

Se isso não bastasse, a nova Legislatura só começa em fevereiro, mas o PSL já está dando dor de cabeça e comprovando a velha máxima de que tamanho não é documento, ou que quantidade não significa qualidade. E aí está a troca de desaforos por WhatsApp entre os campeões de votos Joyce Hasselmann e Major Olímpio, aliás, mais um policial militar.

Hasselmann, que não tem papas na língua, nem sutileza na escrita, quer ser líder do partido do presidente na Câmara e partiu para cima do Major Olímpio. E mais: quando o racha vazou, ela subiu ainda mais o tom, postando na internet que ele “comanda o partido com truculência, aos gritos, com ameaças”.

Para tentar manter a tropa unida, Bolsonaro reúne a bancada do PSL na quarta-feira, depois de MDB, PSDB, PRB e PR. Mas, se repetir o script com os demais, vai dizer à sua própria bancada que o fim do “toma lá, dá cá” é para valer e não vai se meter em disputa no Congresso. Ou seja, não esperem muito dele.

Para piorar, o outro filho do presidente eleito, o deputado e chanceler extraoficial Eduardo Bolsonaro, está no centro da confusão. É Joice quem adverte, em conversa também pelo WhatsApp e revelada pelo O Globo: “Filho de presidente carrega o peso de ser filho de presidente e isso pode prejudicar o partido e até mesmo virar vidraça para o presidente”. Quem haveria de discordar?

Na conversa, Eduardo alegou que não pode “botar a cara publicamente” (só nos EUA?) para não atiçar o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que só pensa em manter o cargo. Qual o temor? Que Maia, desagradado, use esse restinho de ano para por em plenário pautas bombas que podem explodir as contas públicas em mais R$ 50 bilhões.

Por falar nisso, Bolsonaro está às voltas com os filhos, a conta do assessor, o PSL, os demais partidos, o Meio Ambiente e a reforma da Previdência, mas o medo de Rodrigo Maia é fichinha diante da reverência aos militares. Eles estão calados em público, mas nos bastidores há enorme ebulição por aumento dos soldos, há anos defasados. O capitão da reserva Jair Bolsonaro vai dizer “não”?

Ele, aliás, cancelou a ida a Pirassununga para uma cerimônia justamente da FAB, a prima pobre no novo governo, porque precisa se cuidar, descansar, manter as energias. Nunca se pode esquecer - ele próprio, principalmente -, que foi esfaqueado, passou por cirurgias complexas, carrega uma bolsa de colostomia e ainda sofre resquícios de infecção. Quem tem proximidade com o futuro presidente diz que ele está “muito pálido”. Vamos combinar que motivo não falta.


Eliane Cantanhêde: Os enjeitados

Para que servem Direitos Humanos, Meio Ambiente, mulheres e Funai?

Não foi por acaso que a Funai virou batata quente e os ministérios de Meio Ambiente e de Direitos Humanos ficaram no fim da fila da composição do futuro governo. Simplesmente, esses são temas desconhecidos pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro, e por todo seu grupo de poder. Eles rejeitam tudo o que foi feito nas três áreas, mas não sabem exatamente o que por no lugar.

Em suas declarações, Bolsonaro reclama que índio não pode ser tratado como “animal de zoológico”, tem de ser assimilado, ter direitos iguais aos de todos os cidadãos e poder explorar e plantar ou arrendar as suas terras. E reclamou que a Funai atrasa e dificulta os alvarás para empreendimentos e obras no País.

Se o chefe pensa assim, nenhum chefiado queria assumir a Funai, as reservas, os índios, os alvarás. Sérgio Moro (Justiça) já está “muito sobrecarregado”, segundo o próprio Bolsonaro. Tereza Cristina (Agricultura) ponderou que não seria adequado cuidar de dois polos tão conflitantes (agricultura e índios vivem de terras, ou melhor, disputam terras). A sensação era de que o abacaxi acabaria no Planalto. Caiu em Direitos Humanos.

Quanto ao Meio Ambiente, ficou realmente difícil arranjar alguém para desmontar tudo o que foi feito nessa área. Que ambientalista assumiria jogar para o alto a candidatura do Brasil para sediar a COP 25? Ou discutiria a retirada do Acordo de Paris, para o qual o País se empenhou tanto? Logo, o futuro ministro teria de ser do agronegócio, evangélico, da bancada da bala ou delegado.

Na opinião do presidente eleito, meio ambiente existe para duas coisas: atravancar o progresso, impondo obstáculos à construção de estradas, pontes e viadutos, e enriquecer essas ONGs esquerdistas que não servem para nada a não ser tomar dinheiro público. Por isso, sua primeira tentativa foi submeter a área à Agricultura. Como não deu certo, mantém-se o ministério. Mas que ministério?

Já as manifestações do seu futuro ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, denotam uma aversão mais grave e profunda. O “ambientalismo” seria instrumento do comunismo internacional para subjugar os países e dominar o mundo. Logo, o ministro do Meio Ambiente teria de ser alguém radicalmente contra o meio ambiente? Fica a dúvida.

Quanto aos Direitos Humanos, a questão é ainda mais complexa, porque em todos os governos pós-redemocratização o foco esteve na reabertura dos arquivos da ditadura militar e na denúncia aos desaparecimentos, mortes e torturas. Obviamente, não será mais assim, não só porque Bolsonaro é militar reformado como se cercou de generais e fez manifestações de apoio à tortura e ao coronel Brilhante Ustra.

Então, manter ou não um ministério para Direitos Humanos? A discussão afunilou para o Ministério de Família, Mulheres e Direitos Humanos, com a Funai de apêndice, mas a coisa encrencou quando o pastor e senador Magno Malta, que perdeu a eleição, foi preterido para o cargo e a agora poderosa bancada evangélica resolveu se meter. O senador não podia, mas a pastora Damares Alves, assessora dele, pôde. Por tabela.

Montagem de ministério – como, de resto, de qualquer equipe – é sempre difícil, mexe com interesses, ambições, vaidades, amizades, inimizades. Logo, é compreensível que Bolsonaro tenha varado novembro sem conseguir fechar todos os 22 nomes e passado a ouvir muito antes de decidir.

Mas, mais do que nomes, aguardam-se informações sobre as intenções do novo governo para meio ambiente, índios, direitos humanos, família, mulheres. Vamos combinar, entra governo, sai governo, e todos esses temas têm a ver diretamente com as pessoas, o Brasil de hoje e o do futuro. Aliás, não só o Brasil, mas o mundo.


Eliane Cantanhêde: Jogando para a plateia

O governo toma forma e Bolsonaro assume seu papel: manter as massas mobilizadas

Prestem atenção a todas as capas dos jornais de ontem: o presidente eleito, Jair Bolsonaro, no centro da cena, empunhando a taça do Palmeiras, em meio a uma multidão em festa. Não foi por acaso, não foi a primeira nem será a última vez. Essa cena será comum, fará parte do dia a dia do governo e do País.

O novo presidente da República terá o papel de animador da torcida, sempre em evidência e em contato com a população, para manter o apoio e o otimismo dos seus milhões de eleitores, entre bolsonaristas puros e antipetistas agregados.

O general Sérgio Etchegoyen, do GSI, ratificou ontem um alerta do seu sucessor, o também general Augusto Heleno: há ameaças a Bolsonaro e ele deve se preservar e ser cauteloso, inclusive na posse. Mas, além de a Polícia Federal ter investigado as ameaças e não endossar o mesmo grau de temor, Bolsonaro construiu sua imagem pública e sua campanha no contato com multidões, gosta disso, fica feliz. Não vai abdicar dessa parte boa do poder.

Ao observar o equilíbrio no seu governo, fica ainda mais claro que Bolsonaro vai deixar a equipe carregar o piano, enquanto ele viaja pelo País, vai a estádios, se reúne com grandes setores aliados, faz festa para sua militância, dá declarações informais à mídia tradicional e usa e abusa das redes sociais para fazer anúncios e dar recados.

Nesse papel, aliás, terá a grande ajuda de um personagem chave: Michelle Bolsonaro, mulher bonita, jovem, despojada, que estudou libras, é mãe da única filha do presidente e vem de uma cidade satélite de classe média baixa do DF. Nem todos vão entender essa afirmação, mas é um luxo, um orgulho, ter uma primeira-dama da Ceilândia num País desigual como o Brasil.

Enquanto Bolsonaro anima plateias e arquibancadas, seu vice, Hamilton Mourão, terá vida própria e os demais generais do Planalto e arredores vão ser cães de guarda do governo, centralizando informações estratégicas (inclusive sobre potenciais colaboradores) e controlando o dinheiro público, a eficiência da administração, o avanço da infraestrutura e as grandes obras.

Até Dilma Rousseff, com todas as suas idiossincrasias, reconhecia que os militares, especialmente do Exército, eram imbatíveis ao garantir eficiência, segurança, prazos e valores de obras públicas. Como também elogiava a Defesa Cibernética do Exército.

Paulo Guedes manda e desmanda na economia, com um time recebido com entusiasmo pelo mercado. Sérgio Moro cria uma superestrutura, ou super-Lava Jato, ou ainda super-PF contra a corrupção e o crime organizado, com amplo apoio popular. Espera-se que também com apoio do Congresso...

As áreas temáticas estão bem entregues, com o almirante Bento Albuquerque em Minas e Energia, a agrônoma Tereza Cristina na Agricultura e o astronauta, engenheiro do ITA e tenente-coronel da reserva da FAB Marcos Pontes em Ciência e Tecnologia. Saúde, com Luiz Henrique Mandetta, e Cidadania, com Osmar Terra, também estão em boas mãos.

Em meio a tudo isso, há dúvidas sobre o grau de autonomia e a munição de Onyx Lorenzoni na articulação política e Gustavo Bebianno na Secretaria-Geral. São duas ilhas civis num Planalto superlotado de militares, aliás, de generais.

Mas, se há áreas potencialmente explosivas, são Relações Exteriores e Educação, enquanto Seu Lobo não vem para Meio Ambiente e Direitos Humanos, cercadas de preconceito com a forte guinada à direita no País e com os filhos do presidente mandando mais do que a maioria dos ministros, e em áreas estratégicas.

O governo vai tomando forma, agradando mais do que desagradando e deixando interrogações no ar. Mas uma coisa é certa: depois de subir a rampa, Bolsonaro continuará em campanha. Ele pegou o gosto.


Eliane Cantanhêde: Cadê o bom senso?

Seguir Trump em tudo e eleger o filho como versão brasileira de Jared Kushner não são boas ideias

De Marina Silva, respeitada pelo mundo afora por suas posições a favor do meio ambiente: “é mais do que constrangedor, é vergonhoso” o presidente eleito, Jair Bolsonaro, retirar a candidatura do Brasil para sediar a COP 25 e alardear que vai sair do Acordo de Paris. Pois não é que ela tem razão?

O Brasil tem limites claros em embates políticos e econômicos internacionais, mas é um líder natural quando o tema é meio ambiente, importante em todo o mundo desenvolvido e democrático e tratado com ligeireza e com viés claramente ideológico pelo governo que vem aí.

Bolsonaro despreza e seu chanceler, Ernesto Araújo, ironiza a questão como “climatismo”. Assim como o “globalismo” e o “antinatalismo”, o “climatismo” e outros ismos seriam parte de um complô perverso contra o Ocidente. Já que o marxismo não conseguiu dominar o mundo pela economia, raciocina o futuro ministro, tenta via domínio cultural.

Esses posicionamentos seguem os do único líder “capaz de salvar o Ocidente”, Donald Trump, e isso não tem graça nenhuma. Ótimo o Brasil se reaproximar dos EUA, mas daí a seguir todos os passos de Trump, além de “constrangedor e vergonhoso”, pode ser desastroso, com altíssimo custo.

A União Europeia, por exemplo, condicionou a aliança com o Mercosul ao Acordo de Paris e o presidente Temer já assumiu o compromisso de Estado nesse sentido, mas Bolsonaro torce o nariz para esse acordo e Araújo explica por que em seus textos. E agora? Tudo combinado? Também é difícil entender o motivo para se meter numa guerra de gigantes, EUA e China, só porque Trump quer barrar o avanço chinês e impôs sobretaxas ao país. O que ganhamos, tomando partido? Nada.

O saldo comercial com a China foi de US$ 50 bi em 2017, maior do que com UE e Mercosul, com superávit de US$ 32 bi a nosso favor. O PT pode até ter “eleito” a China como parceiro número um por ideologia, mas há também pragmatismo e complementariedade. A China é o grande comprador e o Brasil um grande vendedor de commodities. Aliás, reataram relações em 1974, no regime militar.

O mesmo vale para a mudança da embaixada do Brasil para Jerusalém. Trump mudou a dos EUA? Problema dele. O Brasil mantém desde sempre a neutralidade no Oriente Médio, tem profundos laços afetivos, culturais e econômicos com o mundo árabe e, mesmo com a má vontade do PT com Israel, manteve livres as fronteiras comerciais e de cooperação. Bolsonaro pode ampliar essas fronteiras sem dar um tapa na Palestina.

Foi o filho do presidente eleito, deputado Eduardo Bolsonaro, quem se comprometeu com isso em solo americano. Aliás, por que alçar o próprio filho à condição de gênio e interlocutor na política externa, capaz de fazer a primeira viagem internacional e até de sabatinar o futuro chanceler?

Até isso lembra Trump nos EUA, onde a filha Ivanka e o genro Jared Kushner são os únicos com real desenvoltura na Casa Branca, enquanto o presidente vai jogando ao mar um homem atrás do outro e uma mulher atrás da outra de sua equipe. Detalhe: a “expertise” de Kushner, assessor sênior, é justamente a área externa e... o Oriente Médio.

No encontro com John Bolton, no Rio, Bolsonaro quis mostrar a imagem de homem simples e uma falsa intimidade, com um café da manhã sem toalha, com copo de geleia, suco de caixinha e biscoitos, como se fosse para um parente, um velho amigo. Mas era um encontro de trabalho entre um futuro presidente da oitava economia do mundo e o secretário de Segurança da maior potência.

O correto é não trocar a ideologia do PT pela de quem quer que seja, nem caneladas por “relação carnal” com os EUA (como a Argentina tentou), nem punhos de renda por copos de geleia. Aliás, não se trata só de diplomacia, mas de puro bom senso.


Eliane Cantanhêde: Justiça vira grande PF

Assim como Bolsonaro atrai generais, Moro monta Justiça com delegados da PF

O Ministério da Justiça atraiu de novo a segurança pública, cresceu tanto que está virando uma grande Polícia Federal. Cuida de vários assuntos, mas os principais postos, quadros e recursos irão para as investigações contra corrupção, crime organizado e violência urbana.

Sérgio Moro estará às voltas, teoricamente, com índios, drogas, ordem econômica, consumidores, estrangeiros, arquivos nacionais, pirataria, tráfico de pessoas, patrulhamento de estradas e a sempre explosiva política penitenciária. Ufa!

Na prática, porém, Moro valeu-se de sua própria experiência de juiz criminal e ícone da Lava Jato e das duas mais contundentes promessas de campanha do presidente eleito, Jair Bolsonaro: acabar com a corrupção desbragada e a insegurança dos cidadãos e cidadãs de Norte a Sul.

Foi com base na sua experiência profissional e da sólida aliança que construiu com a PF que Moro encheu o seu ministério de delegados federais, assim como Bolsonaro montou seu governo – particularmente o próprio Planalto – com os velhos companheiros do Exército, hoje todos generais.

O anúncio de Moro para o superministério da Justiça, à semelhança de Paulo Guedes no superministério da Economia, foi recebido com enorme apoio pela sociedade, com ressalva para o PT, setores da esquerda e uma parte do Judiciário preocupada com a simbiose da figura jurídica e da figura política do ícone da Lava Jato.

Assim, a expectativa quanto ao trabalho de Moro é imensa e, quanto mais alta a expectativa, maior o risco de frustração. A sociedade está exausta de tanta corrupção, mas está ainda mais desesperada com a insegurança. Se o tempo passa e nada acontece, há o temor de Moro ser confrontado pela mãe irada com o assassinato da filha, o pai desesperado com mais um assalto na sua loja, todos achando que nada mudou e, injustamente, frise-se, cobrando: “E esse Moro, não faz nada?”.

Pior: ele não pode, por pressão da sociedade, sofreguidão do novo governo ou excesso de exigência consigo mesmo, sair numa corrida desabalada para mostrar serviço e resultados logo. Tudo é um processo. E em andamento.

A PF já é um exemplo de eficiência e bate recordes, mesmo em tempos de orçamento curto e olhares tortos dos poderosos de plantão. Com dez mil homens (contra 20 mil do FBI nos EUA), apreendeu 60 toneladas de cocaína neste ano até agora e realizou 297 operações contra corrupção e desvio de recursos, sem incidentes graves.

O momento mais tenso foi em 6 de setembro, com a facada que quase matou Bolsonaro. Três dias antes, o diretor-geral da PF, Rogério Galloro, se reuniu com o candidato e pediu que tivesse mais cautela, usasse colete à prova de balas e evitasse ficar vulnerável em manifestações com milhares de pessoas. Ele não lhe deu ouvidos.

Galloro estava nos EUA, numa reunião com autoridades policiais do País, quando um assessor lhe mostrou a notícia pelo celular. Minutos depois, o delegado americano que se sentava à sua frente recebeu a mesma notícia. A reunião acabou abruptamente e ele voltou ao País.

Antes de passar o bastão para o seu velho colega e também delegado Maurício Valeixo, Galloro fica devendo uma espécie de balanço sobre sua curta gestão de menos de um ano, focando em duas investigações bem avançadas, mas sem conclusão: o próprio esfaqueamento de Bolsonaro, considerado até agora o um ato insano e solitário, e o assassinato de Marielle Franco. Neste caso, pode haver fortes novidades.

Se a expectativa nacional é de que Moro vire tudo do avesso, o mais provável é que continue e aprofunde ainda mais um bom trabalho que já vem sendo feito pela PF, MP, Receita e Justiça. Muito já foi feito, falta ainda muito a fazer.


Eliane Cantanhêde: Governo verde-oliva

Bolsonaro monta governo de generais e a única surpresa é na articulação política

Taí, essa ficou difícil de entender no futuro governo Jair Bolsonaro: um general na articulação com o Congresso? Duas explicações plausíveis: ou vai mudar tudo ou pôr um general é para intimidar deputados e senadores e inibir pedidos de verbas e cargos que os militares – como, de resto, a sociedade – consideram pouco republicanos.

É assim que o futuro governo “não é militar”, como dizem generais, brigadeiros e almirantes, mas cada vez mais vai assumindo o jeito, a cara, a cor e o cheiro dos militares do Exército, que somam sete no primeiro escalão, por ora.

Além do próprio presidente, que passou para a reserva como capitão, temos o vice Hamilton Mourão, general de Exército (quatro estrelas) que saiu recentemente do Alto-Comando e ainda tem um pé, e amigos, lá dentro.

Também general de quatro estrelas da reserva, Augusto Heleno não apenas tem muita influência sobre Bolsonaro como foi deslocado da Defesa para o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), para ficar bem perto do gabinete do presidente e com acesso à maior fonte de poder: informação.

Entram para a linha de frente do governo também os generais Fernando Azevedo Silva, na Defesa, Carlos Alberto Santos Cruz, na Secretaria de Governo, e Joaquim Brandão, a ser anunciado para a Infraestrutura, juntando Transportes e Comunicações.

E tem mais: um dos homens fortes na formatação do projeto de poder é o general Sérgio Etchegoyen, atual chefe do GSI, homem inteligente, preparado, de grande linhagem militar e boa capacidade de articulação com políticos e sociedade civil. Não faz sentido deixá-lo fora do governo. Só falta saber exatamente onde se encaixará.

Uma falha na montagem é o excesso de verde-oliva, ou seja, de Exército, e a ausência do branco da Marinha e do azul da Aeronáutica, que teve uma espécie de prêmio de consolação: o futuro ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, é tenente-coronel da reserva da Aeronáutica e formado em engenharia pelo ITA, o instituto de excelência da Força Aérea. Mas ele não foi escolhido por nada disso, mas por ser astronauta, uma estrela.

O Palácio do Planalto e seu anexo (onde é a Vice-Presidência) vão ficar lotados de militares, mas, além do incômodo nas duas outras Forças, há um outro problema: os civis, Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral) e Onyx Lorenzoni (Casa Civil) não estariam ficando asfixiados nessa composição?

Lorenzoni já está perdendo a coordenação dos ministérios para o vice Mourão e nunca se viu vice coordenar ministros. Além disso, ele pode estar sofrendo novo ataque especulativo, porque atua desde já como articulador político do governo, promovendo encontros, almoços e jantares com líderes partidários, mas o secretário de Governo, que será o general Santos Cruz, é que vai coordenar os projetos. Até onde vai a atuação de um e até onde vai a do outro? Não está claro.

Essa questão é chave para o êxito do futuro governo, que assume com um baita rombo nas contas públicas, já levou uma lambada do Senado com o aumento dos salários dos ministros do Judiciário (sancionado ontem por Temer) e pode ficar refém de um Congresso sempre insubordinado, que sabe usar o seu poder e já ameaça impor nova derrota a um governo que nem começou.

Em 2017, muitos parlamentares renegociaram suas dívidas com o governo obtendo descontos de até 90% de juros e 70% de multas. Quem sai perdendo é o Tesouro. E o Estado alerta que os congressistas de 2019 têm R$ 660 milhões de dívidas com a União, a começar de Jader Barbalho (R$ 135 milhões). Ou a articulação política do Planalto joga unida, azeitada e competente, ou vem aí mais uma derrota. Aí, já pode esquecer a reforma da Previdência.


Eliane Cantanhêde: Sujeito (não tão) oculto

Talvez fosse melhor Jair Bolsonaro trocar a metafísica do distante Olavo de Carvalho pelos critérios de Paulo Guedes

Assim como o “Escola sem Partido” significa na verdade trocar um partido por outro, a nova ordem está trocando a “ideologização da esquerda” pela “ideologização da direita”, sob a mesma inspiração, grandiloquência, antipetismo, atingindo em cheio duas das áreas mais sensíveis: Relações Exteriores, com o diplomata Ernesto Araújo, e Educação, com o filósofo Ricardo Vélez Rodríguez.

A inspiração vem de fora, do também filósofo Olavo de Carvalho, ideólogo da direita brasileira, que mora desde 2005 nos Estados Unidos, tem Twitter em inglês e já avisou que até topa um cargo no governo do qual ele é mentor, mas com uma condição: que seja lá, nos EUA, como embaixador. O PT já era e Jair Bolsonaro está chegando, mas bom mesmo continua sendo a Virgínia.

Assim como Ernesto Araújo causou enorme perplexidade ao ver o “globalismo” como complô interplanetário liderado pela “China maoista” para exterminar o Ocidente e os valores cristãos, Vélez Rodríguez se coloca como um Dom Quixote na guerra pela preservação do “valores tradicionais de nossa sociedade”. Ambos, aliás, pelo mesmo veículo: seu blog anti-PT e pró-Bolsonaro.

Professor emérito da Escola de Comando do Estado Maior do Exército e professor colaborador de Pós-graduação em Ciência da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora, o futuro ministro da Educação se destaca por ser contra o PT, o Enem, as cotas, a ideologia de gênero e, claro, a favor do “Escola sem Partido”, mas sem pressa.

Nascido na Colômbia, está convencido de que as escolas brasileiras vêm sendo usadas para impor à sociedade uma doutrinação marxista e desmontar os valores tradicionais “no que tange à preservação da vida, da família, da religião, da cidadania, em suma, do patriotismo”.

Ou seja: na visão do novo governo, o Itamaraty e as escolas estão infestados de comunistas, contaminados pela ideologia marxista, servindo de instrumentos para o “climatismo” e o “antinatalismo”, conceitos criados por Araújo para explicar como os ambientalistas, abortistas e ateus se articulam para, ardilosamente, destruir o mundo.

No “Novo Brasil”, portanto, há o risco de expurgos, dedos em riste, dossiês, acusações, suspeitas, danças estonteante de cadeiras, sabatinas para apurar a ideologia de servidores e professores concursados e “depurar” o Estado. Ou é só impressão, um temor delirante? Tomara que sim.

Num campo mais concreto: assim como o futuro chanceler deve explicações sobre como projetar a imagem do Brasil, atrair investimentos, melhorar as condições de comércio e fortalecer parcerias, espera-se que o ministro da Educação diga com clareza o que ele pretende fazer pela... educação.

Pela valorização dos professores, qualidade do aprendizado, a escola como fator de igualdade de oportunidades, a qualificação dos jovens, a excelência das universidades. No primeiro texto depois de anunciado, ele prometeu focar nos municípios, na perspectiva individual e nas diferenças regionais. E terminou com a saudação bolsonarista: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.

Com Mozart Neves, sabia-se o que ele significava e pretendia, porque ele não divaga sobre ideologias e ameaças fantasmagóricas e é, sim, uma reluzente referência do Instituto Ayrton Senna. Precisa dizer mais? Por isso, foi descartado com tanta ligeireza e escorraçado pela bancada evangélicas, que testou forças e ganhou.

Talvez fosse melhor Jair Bolsonaro trocar a metafísica do distante Olavo de Carvalho pelos critérios de Paulo Guedes. Vamos combinar que as escolhas do ministro da Fazenda para salvar a economia do País estão sendo bem mais pragmáticas, úteis e consensuais do que as do filósofo erudito para salvar o mundo e o Brasil dos próprios demônios dele.


Eliane Cantanhêde: Escola sem religião

Nem ‘escola sem partido’ nem religião definindo ministro da Educação

Há quem seja rechaçado pelos seus defeitos e há quem seja pelas suas virtudes. É neste segundo caso que se encaixa o doutor Mozart Neves, educador, engenheiro químico, ex-reitor da UFPE, ex-secretário de Educação de Pernambuco e diretor do Instituo Ayrton Senna, uma das referências em Educação no Brasil.

Qual o “defeito” de Mozart a impedi-lo de assumir a Educação do governo Jair Bolsonaro? Ele é respeitadíssimo na área, tem foco na alfabetização, na valorização do professor, na igualdade de condições para os brasileiros das diferentes regiões, rendas, etnias. Não tem partido, não é militante de esquerda nem de direita. O negócio dele é educação, educação, educação, como gosta de martelar o senador Cristovam Buarque.

Então, o que há de errado? Resposta: a bancada evangélica acha que ele é bom demais. Tão bom que não quer “politicar” ainda mais a educação com o “escola sem partido”, como certamente discorda também da escola pública com religião. Nem partido nem religião nas escolas brasileiras. E Bolsonaro foi obrigado a optar entre a simbologia do Instituto Ayrton Senna e o desejo de poder da Bancada Evangélica.

É uma área tão sensível como a educação, pois, que provoca o primeiro embate entre o Congresso e o futuro presidente, que desde a campanha despreza as negociações de varejo, partido a partido, e se concentra nas de atacado, com as frentes partidárias. Dá menos trabalho, calculou Bolsonaro, há quase 30 anos na Câmara. Deve entender de política. Ou não?

A deputada Tereza Cristina foi líder do PSB e é do DEM, mas foi lançada à Agricultura pela Frente Parlamentar do Agronegócio. O deputado Luiz Henrique Mandetta, também do DEM, assume com apoio da Frente Parlamentar da Saúde. O fato de serem ambos do mesmo partido e do mesmo estado, Mato Grosso do Sul, é mera coincidência.

Falta contemplar a Frente Evangélica, essa contra uma escola “desideologizada”, e a da Bala, ou melhor, do desarmamento. O deputado Alberto Fraga, derrotado para o Governo do DF, tentou pular no barco, mas não colou. O que será que a turma dele vai reivindicar agora?

A lição que Bolsonaro vai aprendendo, mesmo se tenta resistir a ela, é que a democracia tem suas manhas. Quem tem mais votos ganha a eleição e quem perde respeita o resultado, mantendo o direito de minoria de fazer oposição. Isso vale tanto para os parlamentares quanto para o presidente.

O Congresso extrapolou todos os limites na prática do toma lá, dá cá e nas sucessivas tentativas de mudar leis e regras para garantir a impunidade dos enrolados em suspeitas e denúncias. E Bolsonaro se elegeu com a promessa de mudar o jogo, fazer diferente, não ceder a chantagens. OK. Excelente.

Ele, porém, não pode simplesmente jogar o tabuleiro e as peças fora. Pode até tentar impor o jogo dele, mas vai ter de jogar. O mesmo “povo” que lhe deu o mandato enviou junto os deputados e senadores, essenciais não só para aprovar leis, medidas, emendas, mas para o sucesso ou não do seu governo.

O teste de forças com a Frente Evangélica, uma das principais forças do bolsonarismo, é um aviso do que Bolsonaro vai enfrentar na Presidência, como qualquer presidente. E a corda bamba é a mesma: se cair para um lado, a opinião pública grita; se for para o outro, vai largando náufragos de mau humor, prontos a dar o troco na primeira votação. Não raro, e dependendo da irritação, na primeira, a segunda, na terceira...

Presidentes (assim como crianças, homens, mulheres, patrões e empregados) não fazem tudo o que querem, mas o que podem. A grande sabedoria é poder fazer o máximo do que querem, atraindo atenção, simpatia, boa vontade e sólidas alianças. Depende de talento, personalidade, experiência, vontade e equipe. Ah! E saber perder, quando necessário.


Eliane Cantanhêde: Os sem-partido

Planalto assume ar militar, enquanto Guedes replica Campos, Delfim e Simonsen

O governo Jair Bolsonaro pode até não ser um “governo militar”, como generais, almirantes e civis ligados ao futuro presidente fazem fila para garantir, mas que está ficando parecido, lá isso está. Até com um superministro civil definindo a pauta, a cara e a personalidade da economia.

No regime militar, havia uma divisão clara entre os generais que presidiram o País e os grandes economistas todo-poderosos: Roberto Campos, Delfim Netto e Mário Henrique Simonsen. Os dois grupos tinham poderes bem definidos e eram obviamente de direita, mas como se fossem de dois mundos diferentes. Os economistas, por exemplo, nunca perguntaram sobre tortura e repressão.

Hoje, o economista Paulo Guedes vai assumindo poderes equivalentes a Campos, Delfim e Simonsen, com o presidente eleito cumprindo à risca sua promessa de dar independência ao ministro. Ou “carta branca”, como o próprio Bolsonaro definiu ontem.

E assim vão chegando ao novo governo economistas que comungam a mesma filosofia liberal, com prioridade fiscal, Estado enxuto e três desafios-chave do mundo moderno: eficiência, produtividade e competitividade. Isso significa, entre outros, combater privilégios, promover reformas e assumir o ônus político das privatizações. Mas e o “social”, palavrinha mágica num país tão desigual como o Brasil?

Durante a eleição, uma das grandes interrogações que rondavam a campanha de Bolsonaro era o quanto, ou até onde, ele conseguiria reprimir sua alma corporativista, estatizante, nada liberal. Na própria campanha, ele deu pano pra manga a esses temores, ao desdizer Paulo Guedes e negar a privatização da Eletrobrás, empresa considerada privatizável por nove entre dez economistas, só não pelos políticos que mantém ali suas boquinhas.

Na formação do governo, Guedes vai em frente e não apenas o mercado, mas também os especialistas e o setor produtivo elogiam suas escolhas, como Roberto Campos Neto (olha a simbologia!) no Banco Central, uma das poucas áreas poupadas por Lula e Dilma e bem mantida por Temer. Ou como Roberto Castello Branco na Petrobrás, tão atacada, mas já saneada por Pedro Parente e Ivan Monteiro.

Aplausos também para Joaquim Levy, no BNDES, que serviu aos “campeões nacionais”, mas vem sendo revirado do avesso com Temer; Mansueto Almeida com mão de ferro e antipedaladas na Secretaria do Tesouro; Ivan Monteiro, saindo da Petrobrás para o Banco do Brasil, sua casa original.

Como no regime militar, esses nomes de ponta da economia não têm deuses nem partidos, ostentam diplomas das melhores universidades, especialmente dos EUA, e transitam bem de Fernando Henrique para Lula, Dilma, Temer e agora Bolsonaro. Como transitam facilmente entre os setores privado e público. A exceção, por enquanto, é o neto do ministro, embaixador e senador Roberto Campos, o ícone do liberalismo nacional. Ele, o neto, fez toda a carreira na área financeira privada.

Além dos economistas do regime militar, há que se trazer à tona os grandes economistas que um dia foram apelidados de “tucanos”, articularam o Plano Real, ajustaram o País, voltaram para a iniciativa privada e se dividiram em 2018 entre Alckmin, Marina, Amoêdo e independência. Eles criaram uma “escola”.

Enquanto o super Guedes recruta economistas liberais, Bolsonaro cede mais e mais poder e espaço no Planalto aos oriundos do Exército, em especial ao vice, general Hamilton Mourão. Eles continuam jurando que o governo não será militar, mas há controvérsias.

Petrobrás. Apesar da versão de que “os generais” reivindicavam a presidência da Petrobrás, militares ligados a Bolsonaro garantiam desde 30/10 que seria um civil. E foi.


Eliane Cantanhêde: Pensamento de Bolsonaro

Chanceler Ernesto Araújo dá revestimento teórico às falas do futuro presidente

O presidente eleito Jair Bolsonaro ficou fascinado com o diplomata Ernesto Araújo, não apenas porque ele endeusa Donald Trump e demoniza o PT, mas porque consegue uma façanha espetacular: conferir um arcabouço teórico para as ideias atabalhoadas e descoordenadas que Bolsonaro lança no ar nas mais variadas áreas.

“Brilhante intelectual”, na definição do futuro presidente, Ernesto Araújo usou os seus dons teóricos não apenas para instigar ou corroborar as posições leigas de Bolsonaro na política externa, mas também sobre família, religião, aborto, PT, Trump, China. Só não se meteu, por enquanto, na área militar e diretamente na economia.

Enquanto chanceler, ele estará mais para assessor do presidente, desses que escrevem seus discursos, desenvolvendo de forma articulada as ideias do chefe. Bolsonaro adora Trump? Araújo lhe fornece motivos teóricos. Implica com a China, maior parceiro comercial do Brasil? Lá está ele a postos para dar alguma sustentação à implicância.

O cruzamento entre o que Bolsonaro dizia e o que Ernesto Araújo escrevia na campanha presidencial mostra de forma clara, óbvia, que os dois têm o mesmo pensamento sobre a vida e o mundo, apesar de formas bem diferentes. Um sai falando o que lhe vem na cabeça. O outro em textos grandiloquentes.

Nos Cadernos de Política Exterior, Ernesto Araújo escreve que “somente um Deus poderia ainda salvar o Ocidente, um Deus operando pela nação – inclusive e principalmente a nação americana”. E conclui: “Trump pode ainda salvar o Ocidente”. Seu xará Ernesto Geisel ficaria horrorizado, mas a profunda admiração a Trump é uma das muitas coisas que unem o futuro presidente e seu chanceler.

No seu blog “Metapolítica 17”, Ernesto Araújo alerta contra a “China maoísta que vai dominar o mundo” e, assim como o futuro presidente já falou em romper com o Acordo de Paris, ele ataca: “O climatismo é basicamente uma tática globalista de instilar o medo para obter mais poder”.

Também cria o conceito do “antinatalismo”: “A esquerda quer fazer tudo para que as pessoas não nasçam. Aborto, criminalização do desejo do homem pela mulher, contestação do patriarcado e da diferenciação entre os sexos, desmerecimento da reprodução, sexualização das crianças e dessexualização dos adultos...”. Logo, Ernesto Araújo, 51 anos, que jamais chefiou uma embaixada, além de ser nomeado para “botar pra quebrar” no Itamaraty – fechar postos e embaixadas, fazer uma profunda dança de cadeiras e alijar todos os que, sendo ou não, são acusados de petistas – é o pensamento vivo de Jair Bolsonaro.

Só falta saber o que vai ser da política externa. Endeusamento de Trump? Alinhamento automático a Washington, que nem o regime militar fez? Confronto com a China? Esvaziamento do Mercosul? Saída do Acordo de Paris? E a mudança da embaixada em Israel, de Tel Aviv para Jerusalém?

Afora não ser trivial diplomatas usarem blogs contra e a favor de candidaturas partidárias, os textos de Araújo, como diz um brilhante embaixador, que não tem nada de petista, são “de filosofia, religião, comportamento, mas, quando virar chanceler de fato, é pão-pão, queijo-queijo”.

É ótimo o Brasil aprofundar suas relações com os Estados Unidos, parceiro tradicional, o maior mercado e o maior investidor do mundo, mas daí à volta a um alinhamento automático e a caneladas na China, na Europa, no Mercosul e no Oriente Médio já são outros quinhentos.

A conta vem rápida e pesada. O Itamaraty está perplexo e os militares estão adorando, mas política externa é pragmatismo e defesa dos interesses políticos, econômicos, sociais e estratégicos do Brasil, que são bem diferentes dos americanos. Há uma nova onda ideológica e Ernesto Araújo é candidato a Celso Amorim às avessas.


Eliane Cantanhêde: Vem aí o novo Itamaraty, ‘trumpista’ e ‘bolsonarista’

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, deu muitas voltas até chegar ao ponto zero e anunciar quem ele queria desde o início para Relações Exteriores: o diplomata “trumpista” e “bolsonarista” Ernesto Araújo, que é “júnior” (nunca exerceu a função de embaixador), mas encantou Bolsonaro como intelectual chegado aos clássicos, contrário ao globalismo, pró-Ocidente e fascinado por Donald Trump.

A principal recomendação do futuro presidente ao seu chanceler é promover a “regeneração” do Itamaraty. Leia-se: eliminar os vestígios, programas e diplomatas da era PT, particularmente ligados ao ministro dos oito anos do ex-presidente Lula, Celso Amorim. “Fazer uma limpeza, mudar tudo”, resume-se na equipe de Bolsonaro.

Na prática, porém, Araújo terá uma tarefa bem mais imediata: apagar incêndios criados por manifestações tão leigas quanto perigosas do futuro chefe sobre China, Egito, Palestina e mundo árabe, assim como assustou o Mercosul e a União Europeia. Sair da ONU? Do Acordo de Paris? Mudar a embaixada em Israel para Jerusalém?

No Itamaraty, o clima é de apreensão. Na área militar, de comemoração. Num, o temor de uma caça às bruxas e um novo viés ideológico às avessas. Na outra, a certeza de que o PT será varrido e a política externa voltará à sua tradição de pragmatismo e respeito aos interesses nacionais.

Bolsonaro demorou a anunciar Araújo porque testou uma extensa lista de candidatos ao Itamaraty e, além de serem bombardeados, não fariam dobradinha dos sonhos: presidente e chanceler anti-PT e pró-Trump com a mesma intensidade. Isso diz tudo da política externa na nova era.