Eliane Catanhêde

Eliane Cantanhêde: Quem é o ‘oponente’?

Bebianno é lutador de jiu-jítsu, conhece e treina técnicas para golpear os ‘oponentes’

O governo Jair Bolsonaro repete os governos de Lula e Dilma Rousseff: quando alguma coisa vai mal, a culpa é da mídia. Os presidentes fazem tudo certo, os ministros são impecáveis, as coisas vão sempre às mil maravilhas e só quem não reconhece isso são tevês, rádios, jornais, revistas. Os “inimigos do Brasil”.

É como se houvesse um complô midiático pronto a derrubar qualquer governo, coitado, tão frágil, tão desprovidos de canais de comunicação e propaganda. Mas o pior de tudo isso é que tem muita gente que acredita. Ou quer acreditar.

Esse script da vitimização, usado com muito êxito por Lula nos seus oito anos, passa por jogar eleitores, eleitoras e incautos em geral contra a mídia que divulga informações – na maioria oficiais –, relata fatos muitas vezes desagradáveis sobre os poderosos, publica entrevistas de adversários e de antigos aliados cheios de mágoa.

A virulência dos bolsonaristas equivale à dos petistas e Bolsonaro repete Lula, só que não se limita a jogar sua tropa contra a mídia e usa diretamente um instrumento poderoso nessa guerra: as redes sociais, um mundo virtual com uma “verdade” própria, uma realidade paralela entre “bons” e “maus”.

A novela Gustavo Bebianno tem esse script. O presidente da República grava entrevista chamando o ministro de mentiroso e dizendo que ele pode “voltar às origens”. O filho do presidente, vereador Carlos Bolsonaro, reafirma que o ministro é mentiroso e divulga o áudio de um “não” do pai para ele. E, a partir daí, Bebianno vira uma fera ferida, cheio de ameaças.

E de quem é a culpa? Do presidente? Não. Do filho? Não. Do ministro? Não. Do PSL? Não. A culpa, gente, é da imprensa, que divulgou todas essas etapas sem retoque, a verdade como ela é.

Circulam textos falando que a imprensa faz uma “defesa apaixonada” de Bebianno porque tem uma ideia fixa: derrubar o presidente Bolsonaro. Seria cômico, não fosse trágico, que muita gente “esclarecida” acredite e divulgue esse tipo de coisa. É jogar os fatos fora, tampar bocas, olhos e ouvidos para não enfrentar a realidade e poder engolir qualquer coisa que o “Grande Irmão” diga ou mande dizer.

Fatos são fatos e, contra fatos, não há argumentos. Bebianno era um ilustre desconhecido, virou advogado de Bolsonaro, depois presidente do PSL durante a campanha e – diferentemente do que dizem – foi um dos primeiros ministros anunciado por Bolsonaro após se eleger presidente. E com gabinete no Palácio do Planalto, um dos dois únicos civis no coração do poder.

Fosse o governo de A, B ou C, de direita ou esquerda, a queda e a troca de desaforos em público seriam um escândalo e ocupariam as capas dos jornais e os horários nobres, ainda mais pelas circunstâncias: é a primeira crise de um governo que só começou há um mês e meio, um dos pivôs é um amigo do presidente e outro é um dos filhos dele, em meio ao constrangimento e a uma saraivada de críticas ao excesso de poder do 01, do 02 e do 03.

Saem os (poucos) amigos, aumentam os (muitos) militares. Quem assume a vaga do ex-amigo Bebianno é o general de divisão Floriano Peixoto, que é o oitavo militar no primeiro escalão do governo Bolsonaro e deixa o ministro Onyx Lorenzoni na incômoda posição de único civil com destaque no Planalto e adjacências. Uma ilha.

Bebianno vai, mas as dúvidas ficam. Ele vai falar tudo o que sabe? Vai manter a versão de que Bolsonaro é “muito fraco”? E a investigação sobre o “laranjal” do partido do presidente, o PSL, vai evaporar?

Como lembrança, Bebianno luta jiu-jítsu, arte marcial japonesa que utiliza golpes de alavancas, torções e pressões para derrubar e dominar os oponentes. Bolsonaro passa a ser o grande oponente. Jogar a culpa na mídia não resolve nada.


Eliane Cantanhêde: A militarização do governo

Enquanto Bolsonaro gera crises, generais executam uma política clara de ocupação de espaços

A queda estrondosa do ministro Gustavo Bebianno e a confirmação de que o Brasil vive a era da “filhocracia” reforçam uma tendência clara: quanto mais o presidente Jair Bolsonaro tropeça nos próprios pés, mais os militares se aprumam, ganham poder e se infiltram em todos os setores do governo, não mais apenas em áreas fortes do Exército, como a infraestrutura, mas até em política externa, educação e meio ambiente.

Ao anunciar nesta semana o fim da Superintendência do Ibama no DF e a substituição de exatamente todos os demais 26 superintendentes estaduais, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tem um objetivo muito claro: substituir pelo menos 20 deles por militares.

“Não se pode brincar com isso, os superintendentes é que concedem licenças e alvarás e eu não sou obrigado a conhecer gente confiável em todos os Estados, no Amapá, no Acre, em tantos lugares em que nunca fui”, diz Salles.

Ele pediu ajuda ao Ministério da Defesa e aos generais do entorno de Bolsonaro para sugerir nomes. Como os militares têm boa formação e se aposentam cedo, como coronéis e capitães, não é difícil encontrar mão de obra. Eles, aliás, já ocupam cargos-chave no ministério de Salles, inclusive a chefia de gabinete.

No caso da Educação, houve até quem sonhasse em ter um general no MEC, mas a ideia não vingou porque a reação poderia ser de surpresa, primeiro, e de confronto, depois. Mas o que não falta no governo é gente enaltecendo os colégios e institutos militares, que de fato são de excelência, e articulando um processo de longo prazo para militarizar o ensino público.

A experiência-piloto pode ser no Distrito Federal, onde o governador Ibaneis Rocha criou por portaria a “gestão compartilhada” das escolas, entre as secretarias da Educação e da Segurança, e assim empurrar policiais militares e bombeiros da reserva para 40 escolas até o fim do ano. Isso implica “mais disciplina”, com Hino Nacional todo dia, alunos de fardas e marchando.

Assustados com a violência que grassa no DF – quanto mais violenta a região, mais violenta a escola –, pais e mães até se animam com a ideia, mas os pedagogos, assustados, argumentam que “militarização” das escolas é muito diferente de policiamento ostensivo para garantir a segurança de alunos e professores.

Aliás, fica uma dúvida: se o presidente da República pode usar chinelo e camiseta de time de futebol em reunião com ministros, com foto distribuída publicamente, por que alunos têm de vestir fardas, as meninas precisam andar de coque e os meninos de cabelo curto?

Os generais que cercam (em vários sentidos) Bolsonaro no Planalto também têm posições muito claras sobre política externa e agem para o fim das maluquices e a volta do pragmatismo. Se combatem a “esquerdização” do Itamaraty após a era Lula, eles também não gostaram dos excessos do chanceler Ernesto Araújo para o outro lado e trataram de reequilibrar as coisas.

Enquanto recebiam representantes da China e do mundo árabe para amenizar o mal-estar causado pelo novo governo, também amansavam o próprio Araújo, que foi escolhido por Eduardo Bolsonaro, o 02 do presidente, e agora parou de escrever aquelas excentricidades. Ele parece bem mais razoável ao vivo do que por escrito.

Por fim, foram os generais Hamilton Mourão, Augusto Heleno e Santos Cruz que se investiram de uma função política ao tentar – inutilmente, aliás – apagar o incêndio que está torrando o ministro Gustavo Bebianno, um dos dois únicos civis com algum poder no Planalto de Bolsonaro. O outro é Onyx Lorenzoni. Ele que se cuide, enquanto Paulo Guedes, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre se blindam da crise e tocam o que interessa: a reforma da Previdência e a recuperação da economia.


Eliane Cantanhêde: O cheiro do poder

O Exército está irritado com o filho, mas quem gerou a crise foi o pai presidente

Nunca antes neste País se viu uma mera troca de chefia do Centro de Comunicação do Exército (Cecomsex) se transformar num super evento, não apenas pela grande presença de militares e civis como também pela duração. O papo foi longe.

O general que entra é Richard Nunes e o que sai é Otávio do Rêgo Barros, que virou porta-voz do presidente Jair Bolsonaro. Esse foi um chamariz para a solenidade e pesou também a eficiência e a gentileza no trato de Rêgo Barros com a mídia, mas o fator principal para o sucesso foi a força do Exército neste momento. Todo mundo sente o cheiro do poder.

Atenção: está-se falando especificamente do Exército, não genericamente dos militares ou das Forças Armadas. Aliás, uma curiosidade da transmissão de cargo é que, naquela selva verde, só havia uma farda azul da FAB e uma branca da Marinha. Eram os dois oficiais da imprensa nas duas Forças, que riam quando alguém brincava que pareciam “peixes fora d’água”.

O Exército está em alta. Ocupa quase todos os postos do Planalto e, além de não criar problemas, tem de resolver problemas criados pelos outros. Inclusive, ou principalmente, pelo próprio presidente e seus três filhos, o 01, o 02 e o 03. Numa fase da ditadura, quando cutucavam o presidente Figueiredo, ele ameaçava acionar o ministro do Exército, linha dura: “Chama o Pires!”. Agora, quando é preciso segurar os filhos do presidente, os generais gritam por um moderado: “Chama o Heleno!”.

No centro da festa, estavam justamente os generais Augusto Heleno, chefe do GSI e apagador-geral de incêndios da República, e Eduardo Villas Bôas, que o assessora no GSI. Ambos têm enorme responsabilidade para salvar o barco, que está sacudindo depois que o PSL foi flagrado fazendo peraltices e o filho 02 do presidente, Carlos Bolsonaro, desmentiu pelo twitter o ministro Gustavo Bebianno, presidente do partido nas eleições e agora sob risco de cair da Secretaria-Geral da Presidência e “voltar às origens”.

Todos ali sabiam que, num clima como esses, só uma pessoa tem coragem, legitimidade, respeito e jeito para alertar o presidente contra o excesso de poder dos filhos e para o excesso de problemas que eles estão jogando no colo do pai. Esta pessoa é Heleno. Os militares recorrem a ele, a quem cabe dizer verdades difíceis a Bolsonaro.

Na crise de Bebianno, porém, quem matou a charada foi o Estado, ao recompor a cronologia da quarta-feira, que deveria ser de comemoração da alta de Bolsonaro e virou uma guerra entre o filho do presidente e um dos únicos civis com algum poder no Planalto.

E qual foi a charada? Os mundos político, militar e econômico passaram o dia crucificando Carlos Bolsonaro por ter tido a audácia e o voluntarismo de atacar um ministro. Mas a história é diferente. Primeiro, o presidente desmentiu Bebianno ao gravar a entrevista para a TV Record ainda no Hospital Albert Einstein. Só depois, enquanto o presidente voava para Brasília, Carlos divulgou o desmentido do pai pelo twitter, inclusive com o áudio em que ele se recusa a falar com Bebianno. Por fim, Bolsonaro retuitou o ataque de Carlos.

Ou seja: todo mundo incomodado, aflito e preocupado com o ato de Carlos, mas o problema era outro: não foi o filho quem gerou o problema, nem foi o pai quem tomou partido dele a posteriori. Foi o presidente quem atacou o ministro, Carlos só amplificou a posição do pai. Logo, Carlos não age da própria cabeça, ele é a voz do presidente.

Conclusões: 1) desta vez, o problema não foi Carlos, foi Jair; 2) Bebianno está frito, mas ele também tem muito óleo na frigideira; 3) Se é assim com Bebianno, o que será com os demais? 4) Heleno pode fazer queixa de Carlos para Jair, mas pode dar uma bronca no presidente?


Eliane Cantanhêde: Mais um fantasma

Jogar a Igreja Católica no balaio de adversários não é prudente nem bom negócio

Razões para animosidade até há, mas alguém pode explicar por que, raios, o governo Bolsonaro precisava abrir mais um flanco e mirar na secular e poderosa Igreja Católica? Logo quando precisa concentrar energias e ampliar o leque de aliados para aprovar a reforma da Previdência e o pacote anticorrupção?

É verdade que o “clero progressista” – as Comunidades Eclesiais de Base, o Cimi e as comissões pastorais (Carcerária, da Terra, da Criança...) – manteve relações conflituosas com os militares e próximas com as esquerdas. O PT, aliás, foi criado em 1980 com base em sindicatos, universidades e setores da Igreja.

Daí o governo abrir uma guerra com bispos e padres não é prudente, nem um bom negócio. A Igreja Católica pode não estar no seu melhor momento, com suspeitas, denúncias e perda de fiéis para as denominações evangélicas, mas ainda é... a Igreja Católica. Está em toda parte, tem ramificação, tem eco, tem contato direto com as populações mais distantes e mais desamparadas pelo Estado. E canais no exterior.

A investida do Planalto contra a CNBB fica pior ainda porque Bolsonaro se rebatizou, foi eleito com apoio maciço dos evangélicos e até nomeou a pastora Damares Alves para um ministério fortemente social. A sensação é de que, além de optar por uma religião, em detrimento da outra, há uma tentativa de jogar católicos e evangélicos uns contra os outros.

Para piorar, setores de inteligência do governo parecem confundir e embolar bispos progressistas e padres que atuam na ponta com ambientalistas e indigenistas num mesmo saco de esquerda e de oposição.

Pela excelente manchete de Tânia Monteiro, no Estado, o que acendeu a luz amarela do Planalto foram relatórios da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) alertando para a possibilidade de os inimigos do governo aproveitarem o Sínodo da Amazônia, no Vaticano, em outubro, como plataforma para criticar o governo Bolsonaro e ganhar espaço na mídia internacional – que, vale lembrar, tem sido muito refratária a Bolsonaro desde a campanha.

Em nota, o GSI, ao qual a Abin é vinculada, diz que alguns temas do Sínodo “tratam de aspectos que afetam, de certa forma, a soberania nacional” e encerra avisando: “cabe ao Brasil cuidar da Amazônia brasileira”.

Todo cuidado é pouco, porém, para não multiplicar os fantasmas. O governo já trata o Itamaraty, a mídia, o Coaf, as ONGs, as universidades e as escolas, além dos ambientalistas e indigenistas... como inimigos. Aliás, como esquerdistas ávidos para destruir os valores cristãos do Ocidente e, junto com eles, o próprio governo brasileiro.

É assim, criando fantasmas e inimigos comuns, que o bolsonarismo vai alimentando seu “braço armado” na internet, que atira para todo lado, indiscriminadamente. Não viu, não ouviu, não leu ou não entendeu nada, mas já não gostou. Incluir a Igreja Católica nesse balaio para quê?

Papel de pão. Ricardo Boechat viveu a mil por hora até o fim. Trabalhava muito, apurava notícia o tempo todo, curtia a vida ao máximo, teve seis filhos. Ácido nas críticas aos poderosos, tinha um humor especial. Até contra ele próprio.

Eu era colunista do Estado em Brasília, ele era diretor da Sucursal do jornal no Rio. Fui fazer uma entrevista, passei na redação e achei os colegas com uma cara meio esquisita. É que ele tinha passado a noite na farra e levado uma bronca em casa, estava na maior ressaca e ia chegar um pouco atrasado, de cara inchada.

De repente, abre-se a porta e eis que entra o Boechat. Como? Morrendo de vergonha, encolhido, com um saco de pão metido na cabeça, desses de papel, só com dois furos na área dos olhos. “Vão desculpando aí...” Quem não desculparia?


Eliane Cantanhêde: O Brasil em choque

Na guerra entre esquerda e direita, que só piora, quem vence é o descaso e a morte

Este ano de 2019 começou com 339 mortos e desaparecidos em Brumadinho, dez lindos talentos dizimados no Flamengo, sete vítimas da tempestade no Rio, 13 mortos num único tiroteio também no Rio, o presidente da República internado em São Paulo em função de uma facada brutal, o ex-presidente mais popular da história preso e condenado pela segunda vez por corrupção e os senadores dando vexame ao vivo e em cores.

O Brasil está perplexo, irritado, desanimado e a palavra-chave por trás das três catástrofes foi dada pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge: “Estamos vendo fatos e desastres evitáveis, preveníveis e precisamos estar atentos a eles”. De todas as tragédias, a maior tragédia é descobrir que todas aquelas perdas seriam perfeitamente “evitáveis” se todos e cada um cumprissem com responsabilidade suas funções.

O que foi Brumadinho? De certa forma, uma repetição espantosa do crime de Mariana, em que setor público, companhias privadas e legisladores se embolaram numa valsa macabra de descaso, negligência, omissão, quem sabe embalada pela velha e arraigada corrupção. Uma represa ultrapassada, fiscalização precária, alertas frágeis e ignorados, refeitório e administração como alvo diretos. Imaginem a mãe, o pai, os avós, filhos, irmãos, namorados, amigos e colegas daqueles que foram soterrados, agonizando na lama.

O que foi o fogo voraz no Ninho do Urubu? De certa forma, uma repetição aterrorizante do que ocorreu na Boate Kiss, em Santa Maria, Rio Grande do Sul. Mete-se um monte de jovens numa arapuca e lá se vão os craques mais promissores e saudáveis universitários cheios de sonhos. Locais precários, fechados, sem alvará, sem fiscalização. E o CT do Flamengo com pedido de interdição ignorado desde 2017.

Imaginem a mãe, o pai, os avós, filhos, irmãos, namorados, amigos e colegas daqueles que seriam a saída para o futuro e arderam em chamas, sem chance de escapar.

O que foi o temporal que matou sete pessoas na cidade maravilhosa? A história anunciada de desabamentos, destruição e mortes que se repete a cada ano, a cada verão, a cada temporal, embalada pela incapacidade dos governos, pela má-educação da população, por erros que se eternizam.

Imaginem a mãe, o pai, os avós, filhos, irmãos, namorados, amigos e colegas daqueles que afundaram na água, asfixiados, impotentes para reagir.

O que foi a morte dos 13 bandidos no bucólico (e perigoso) morro de Santa Tereza? Armados até os dentes e cada vez mais audaciosos, eles montaram um bunker para reagir à polícia. Foram dizimados, na maior chacina de criminosos desde 2007 no Rio. Por trás dessa única cena, uma realidade carioca e nacional: a violência fora de controle. Não se combatem as causas, se passa a eliminar o efeito. Na “nova era”, vão ter de matar milhões de bandidos. Uma carnificina.

Imaginem a mãe, o pai, os avós, filhos, irmãos, namorados, amigos e colegas das vítimas daqueles criminosos, mas também os dos próprios criminosos mortos. Por trás de cada um, provavelmente há a história de uma criança sem futuro.

Nós, a Nação dessas mães, pais, avós, filhos, irmãos, namorados, amigos e colegas de toda essa tragédia coletiva, nos perguntamos: onde foi que erramos? São muitas respostas, uma dor que dói na alma e estremece o corpo, mas uma coisa é certa: os representantes do povo, os funcionários do povo e quem deveria proteger o povo estavam mais preocupados em combater os adversários do que garantir a segurança e o bem-estar das pessoas.

Na guerra entre direita e esquerda - que não acabou, só piora -, os vencedores são o descaso, a incompetência, a corrupção e a impunidade. O Brasil está em choque.


Eliane Cantanhêde: Saúde, presidente!

Febre e pneumonia nunca é bom, muito menos para presidente recém-empossado

Elogiável o presidente Jair Bolsonaro manter a sociedade informada sobre o seu quadro clínico, com boletins e entrevistas do porta-voz, Otávio Rêgo Barros. Dito isso, não é possível achar que a situação está absolutamente sob controle, após dez dias no hospital Albert Einstein. Não é tão tranquila e reconhecer isso não é “sensacionalismo”, como advertiu Bolsonaro pelo Twitter, mas sim trabalhar com a realidade.

Normalmente, fechar uma colostomia é um procedimento rápido, de baixo risco, sem complicações. Não é o que vem ocorrendo no caso do presidente, esfaqueado grave e covardemente num comício em que era carregado pela multidão.

A bolsa seria retirada em dezembro, mas adiaram para janeiro. A cirurgia era estimada em três horas, mas durou sete. Ele sairia do hospital na quarta-feira passada, mas os médicos adiaram a alta, sem nova previsão. Primeiro, enjoo e vômitos. Depois, febre. Em seguida, volta ao semi-intensivo. E, ontem, a notícia de que, apesar dos antibióticos, os exames de tórax detectaram pneumonia. Bom não é.

Do ponto de vista do governo, o impacto é quase imperceptível, já que Bolsonaro vem recebendo todas as informações no hospital, os dois ministros-chave, Paulo Guedes e Sérgio Moro, estão a mil por hora e o Planalto e o próprio governo estão sob o controle do ministro Augusto Heleno, do GSI.

Guedes cumpre uma agenda cheia, com governadores, presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo, assuntando, sentindo o ambiente político, vendendo a reforma da Previdência. E Moro repete o script, estreando inclusive numa seara que não costuma ser muito fácil para neófitos em política: o corpo a corpo com parlamentares, para ouvir mais do que falar e garantir viabilidade ao seu pacote – que, na verdade, são dois em um, contra a corrupção e contra o crime organizado.

Assim, o que incomoda na internação de Bolsonaro, mais longa do que o previsto e mais difícil do que o desejável, é que ele continua sendo coadjuvante no seu governo, assim como na sua campanha à Presidência. Após a facada, a campanha andou sozinha e Bolsonaro se limitava a posts pelas redes sociais e a entrevistas pontuais à mídia mais camarada. Com a terceira cirurgia, ele está comandando o País a partir do hospital e do Twitter e o governo também anda sozinho.

Na campanha, o resultado foi a forte entrada em cena de seus três filhos mais velhos, Flávio, agora senador, Eduardo, o deputado metido em política externa, e Carlos, o responsável pela imagem do pai. No governo, o resultado é um constrangimento: a desenvoltura do vice Hamilton Mourão.

General de quatro estrelas, bem preparado, com opiniões fortes sobre tudo e sem papas na língua, Mourão deu de ombros à ordem de Bolsonaro para todos calarem a boca durante as eleições e também dá de ombros à sugestão (em falta de uma palavra melhor) de Augusto Heleno, seu colega de farda e de Alto-Comando do Exército, no mesmo sentido. Não calou a boca na campanha, não cala agora no governo.

Bolsonaro e seu entorno providenciaram um “gabinete de emergência” no hospital, mas as visitas estão vetadas, as videoconferências não deslancharam e eles não estão conseguindo evitar o protagonismo do vice-presidente.

Se mudança houve, foi no tom de Mourão. Na eleição, conservador e polêmico. No governo, equilibrado e até surpreendente. Já falou com naturalidade sobre aborto, embaixada em Israel e ameaças contra o ex-deputado Jean Wyllys. E, ontem, recebeu a CUT, nada mais nada menos. Mourão politicamente correto?

Homem saudável e razoavelmente jovem, Jair Bolsonaro deve estar louco para ter alta logo e assumir, de fato, a Presidência. Bons votos!


Eliane Cantanhêde: O governo começou!

Com minuta da Previdência e pacote de Moro, governo sai do papel e Congresso se move

O governo começou de fato nesta segunda-feira, 4, com a abertura oficial do Ano Legislativo, o anúncio do pacote antiviolência e anticorrupção e a divulgação pelo Estado da minuta da reforma da Previdência. Foi o melhor e mais produtivo dia da Presidência de Jair Bolsonaro desde a posse.

Na mensagem presidencial lida no plenário da Câmara, ele lançou a “guerra ao crime organizado”, o que soa como música aos ouvidos da população, estarrecida e amedrontada com a violência. Resta saber se a guerra contra a corrupção será tão musical para senadores e deputados, que terão de votar as medidas do ministro Sérgio Moro.

Estrategicamente, Moro detalhou seu pacote primeiro para governadores e falou várias vezes nos “anseios da sociedade”. Tanto um empurrão de governadores quanto a pressão popular costumam ser tiro e queda para a aprovação de projetos no Congresso.

O pacote de Moro contém medidas que podem até não agradar aos eleitos, mas certamente agradam aos eleitores. Exemplo: a ratificação da prisão de condenados em segunda instância, em sintonia com o entendimento do Supremo. O pacote prevê até um desestímulo a recursos, inclusive ao próprio STF, ao formalizar que a presunção de inocência não é suficiente para evitar, ou suspender, a prisão nesse caso.

Também pode assustar os congressistas, mas recebe aplausos da sociedade, o endurecimento das regras: o confisco de bens que ultrapassem valores obtidos com rendimentos comprovadamente lícitos; regime fechado desde o início da pena por corrupção e peculato; presídio de segurança máxima para condenados por organização criminosa que forem pegos com armas.

Nos casos de prisão em segunda instância, mais rigor no confisco de bens e obstáculos para regime aberto e semiaberto para corrupto, assim como a criminalização do caixa 2, haverá resistências no Congresso, mas a pressão virá de fora para dentro, da opinião pública para os plenários. A previsão é de uma divisão entre novos e antigos parlamentares, muitos de barbas de molho e já refratários desde as frustradas 10 Medidas Contra a Corrupção.

Mais complicado, exigindo um sério debate com especialistas, é a tentativa de redução ou até mesmo isenção de pena para policial que cometer assassinato. Militares, policiais e a família Bolsonaro são entusiastas dessa medida, mas não se pode dizer o mesmo de entidades de direitos humanos. Preventivamente, Moro avisa que “não existe licença para matar”, mas é justamente isso que essas entidades acusam.

Na economia, outra área vital para o governo Bolsonaro – e para o País – houve dois movimentos para esquentar os debates sobre a reformada Previdência. Um foi a publicação da minuta que prevê idade igual para homens e mulheres – 65 anos – e 40 anos de contribuição para a aposentadoria integral.

O outro movimento foi o compromisso dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, com a agenda do governo, particularmente na questão da Previdência. Para Maia, a aprovação da reforma é fundamental até como “indicador de que há condições para aprovar outras medidas para o desenvolvimento do País”. Alcolumbre defendeu os “ajustes prementes e necessários” e avisou que “não há como evitar a avaliação de reformas sensíveis e a primeira delas é a reforma da Previdência”.

Uma segunda-feira, portanto, muito produtiva, com o governo saindo do papel, as propostas se materializando, o Congresso se posicionando e a sociedade tendo, enfim, dados concretos para debater. Pena que, internado, Bolsonaro não tenha podido participar e comemorar diretamente. Ele voltou para o semi-intensivo e não vai mais ter alta nesta quarta, 6. Não é bom para ele nem para o governo nessa hora vital.


Eliane Cantanhêde: O líder da oposição

Com Senado dividido, Renan vai dar o troco e Alcolumbre terá dificuldade para virar protagonista

Diante da derrota iminente, Renan Calheiros renunciou à disputa por um quinto mandato na presidência do Senado e automaticamente vira candidato a líder da oposição ao governo Jair Bolsonaro, reunindo parte da esquerda, do centro e da direita. Será um teste de força para um dos últimos líderes políticos remanescentes, num momento de grande fragilidade do Congresso. Renan tanto pode estar nos estertores de seu poder quanto diante de uma janela de oportunidade na oposição.

Experiente e audacioso, o senador alagoano foi considerado favorito até a quinta-feira, quando começou a receber um turbilhão de más notícias: a vitória apertada (7 x 5) para a senadora Simone Tebet no MDB, 50 votos do plenário a favor da eleição aberta, a determinação do opositor Davi Alcolumbre (DEM-AP) e a histeria de Kátia Abreu, que teve efeito oposto.

Renan não acordou otimista nem mesmo depois que Dias Toffoli, do STF, providencialmente determinou o voto secreto. Os senadores deram de ombros a Toffoli, ao STF e ao próprio regimento do Senado e, um a um, abriam seu voto, desafiadoramente. Na segunda votação, quando os apoiadores do próprio Renan começaram a fazer o mesmo, só restou jogar a toalha.

Ao contrário da Câmara, a renovação foi decisiva no Senado, não só contra Renan, mas contra o que ele representa, como campeão de investigações entre os que têm foro privilegiado no Supremo. De um lado, ficaram os que defendem a Lava Jato e Sérgio Moro e, de outro, os que preferiam blindar o mundo político. Pena as cenas lamentáveis: Alcolumbre na dupla condição de juiz e competidor, Kátia Abreu apropriando-se da pasta com questões de ordem, o vexaminoso voto a mais, o festival de manobras.

O presidente Jair Bolsonaro foi prudente e sai ileso da guerra pelas presidências da Câmara e do Senado, mas é cedo para se dizer o mesmo do chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Ele bancou Alcolumbre, que ganhou por um mísero voto, e cutucou um adversário implacável. Como bem sabem FHC, Lula e Dilma, Renan é um precioso aliado ou um temível adversário.

Onyx torceu o nariz para a reeleição de Rodrigo Maia e, quando o Planalto abriu o olho, Maia já tinha cristalizado sua vitória. O PSL aderiu e Jair Bolsonaro reagiu bem, mas Maia pode exibir orgulhosa independência. Outro erro de Onyx foi optar pelo desconhecido Alcolumbre e dar a chance ao seu partido, o DEM, de levar três ministérios importantes, mais a presidência das duas Casas. Se o partido ratear, a culpa vai cair no chefe da Casa Civil.

O foco de poder de Onyx é Jair Bolsonaro, o que, obviamente, não é pouco. O presidente é grato a ele porque, lá atrás, aquele gaúcho do DEM jogou todas as suas fichas na campanha do capitão, contra o seu partido e todas previsões. Comprou na baixa. Já o vice Mourão deixa claro que não tem nada a ver com Onyx, o general Heleno (GSI) mantém distância e olhar crítico, Eduardo Bolsonaro já bateu de frente, Paulo Guedes corre por fora, Bebianno (Secretaria-Geral), padrinho do recente casamento de Onyx, tem lá seus próprios planos de poder e vem, discretamente, ganhando espaços na articulação política.

O Legislativo sabe para onde os ventos sopram, tem canal direto com Paulo Guedes e Bebianno e tem à disposição Flávio e Eduardo Bolsonaro, para emergências. Todo mundo sabe para onde os ventos sopram. Onyx respira aliviado com o resultado de ontem, mas que se prepare para a independência e os canais próprios de Maia, o troco de Renan num Senado dividido ao meio e as dificuldades que o coadjuvante Alcolumbre vai enfrentar para assumir protagonismo. A vida de Onyx não parece fácil nem no governo nem na nova composição da Câmara e do Senado.


Eliane Cantanhêde: Com emoção, sem brilho

Governo estreou sem brilho e entra na fase de ‘tourear’ o Congresso de Renan Calheiros

Governo Bolsonaro completa o primeiro mês com muita emoção e nenhum brilho e começa hoje uma nova etapa em que terá de se relacionar com o Congresso invertendo o jogo: com menos emoção e mais brilho. Bolsonaro ainda não se afirmou, mas isso pode ficar em segundo plano se Paulo Guedes se articular bem com a equipe política, o programa econômico deslanchar e a “nova era” mantiver as expectativas. Se não, complica.

Em janeiro, Bolsonaro desperdiçou a chance de estrear em grande estilo no cenário internacional. Sem Trump, Macron e os principais líderes, o foco estava no novo presidente do Brasil, mas ele não soube aproveitar as condições favoráveis. Com tanto a dizer, a explicar, a oferecer, Bolsonaro limitou-se a um discurso de seis minutos, chocho, óbvio. E, do total de 45 minutos a que teria direito, só usou 15 para vender o Brasil, seu governo e ele próprio. Para piorar, fugiu d a entrevista à imprensa internacional.

No front interno, Bolsonaro consumiu a maior parte do tempo confraternizando com militares em posses e almoços. Aliás, só discursou em uma: a do novo ministro da Defesa, general Fernando Azevedo. Isso é catequizar os já catequizados. O importante seria ampliar o leque político para atrair o centro, onde há ainda setores refratários, ou desconfiados.

A história do agora senador Flávio Bolsonaro e do motorista e amigo da família Fabrício Queiroz pairou como um fantasma inconveniente, insistente, lembrando a cada momento movimentações financeiras atípicas, depósitos picados mal explicados, súbito aumento de patrimônio, funcionários que recebiam dinheiro público enquanto trabalhavam para particulares.

Já não bastasse o senador, o motorista, a mulher e a filha deste darem de ombros para o MP, Flávio entrou no STF para suspender a investigação e vai perder hoje, quando o ministro Marco Aurélio derrubar a liminar da suspensão. Nem pode reclamar. Quem não deve não teme, certo?

Não foram “esquerdopatas” que exigiram explicações, foram os próprios generais do entorno do gabinete presidencial, inclusive, talvez principalmente, o vice-presidente Hamilton Mourão. Aliás, um capítulo à parte na campanha, na transição e no primeiro mês.

Se Bolsonaro foi obrigado vez ou outra a recuar de decisões na fase de transição, ao assumir, ele precisou ser desmentido pela própria equipe, ora por um ministro, ora por um alto assessor, ao falar de IOF, IR, reforma da Previdência. Isso mexe com o mercado, os humores e a percepção sobre a competência do presidente.

Até o general Augusto Heleno, do GSI, teve de recorrer ao seu jogo de cintura para desmentir a intenção de ter uma base militar americana em solo brasileiro. Segundo Heleno, fizeram um “auê” por nada. Mas ele certamente sabe que quem fez o “auê” foi o próprio Bolsonaro. Possivelmente, por ter confundido a “base” de Alcântara com base militar. Erro elementar.

Brumadinho foi um ponto positivo para Bolsonaro, rápido ao ir já no primeiro momento à área e mobilizar a equipe. A tragédia alavancou o ministro Ricardo Salles e serviu de alerta contra o certo desdém do próprio presidente e de parte dos ministros diante do meio ambiente.

A partir de hoje, Bolsonaro e seu governo entram numa segunda fase: a de tourear um Congresso que parece dividido entre os neófitos, que não sabem muito bem a que vieram, e os muito experientes, que são craques em pressionar governos. Em especial governos que precisam aprovar reformas difíceis e compensar, na economia, o que falta no desempenho do próprio presidente.

Rodrigo Maia será uma mão na roda na presidência da Câmara, mas o Senado tem tudo para virar problema, com o super experiente Renan Calheiros.


Eliane Cantanhêde: Tragédia sem ideologia

Em Brumadinho, setores público e privado destruíram famílias e atingiram o futuro

Em entrevista à Rádio Eldorado, o ministro Ricardo Salles disse que o meio ambiente “não é questão de direita e esquerda” e “não pode ser capturado por barreiras ideológicas”. Quem haveria de discordar? O ministro tem toda razão, mas nem por isso deixou de jogar pesadas críticas sobre a esquerda.

Segundo ele, a esquerda tem mania de se apossar da defesa do ambiente como se fosse a única preocupada com a preservação do planeta, mas, ora, ora, tanto a tragédia de Mariana quanto a de Brumadinho ocorreram ou durante ou em seguida aos governos da petista Dilma Rousseff em Brasília e Fernando Pimentel em Minas.

Logo, o ministro não quer que a discussão seja entre esquerda e direita, mas ele bem que deu um empurrãozinho para que assim seja. E lembrou que, logo no início, o presidente Jair Bolsonaro sobrevoou a região mineira e sete ministros foram pessoalmente lá. Tomara que esse empenho no calor dos acontecimentos decante em medidas realmente eficazes. Já imaginaram uma terceira Mariana?

Quem também foi pessoalmente a Brumadinho foi ex-ministra Marina Silva, que é uma das principais referências brasileiras do setor no cenário internacional, mas foi bastante criticada por omissão no desastre de Mariana e desta vez ficou esperta.

Em outras palavras, ela também disse à Rádio Eldorado que a questão não é de direita ou esquerda e apontou o dedo em várias direções. Segundo Marina, “é um erro demonizar os agentes ambientalistas” e há três culpados no rompimento de represas: a ganância do setor privado, a falta de ética na política e a flexibilização oportunista de regras pelo setor público.

Como ministra de Lula, e ainda no PT, Marina vivenciou intensos debates e embates com Dilma, chefe da Casa Civil. Uma exigia rigor nos licenciamentos e na fiscalização. A outra, pretendendo-se mais pragmática, queria apressar licenças e agilizar empreendimentos.

A questão central, portanto, não é ideológica, é o velho embate entre ambientalistas, chamados de “puristas” (ou “sonháticos”?), e os que defendem “passar o trator” e dar toda a prioridade a represas, plantações, pecuária. O “desenvolvimento” a qualquer custo.

Como novo ingrediente, o governo Bolsonaro demonstra desdém pelo meio ambiente, quase empurrou a pasta para a Agricultura e abriga um chanceler que acusa o “ambientalismo” de ser uma espécie de facção da esquerda mundial para destruir o Ocidente.

Para Marina, Brumadinho é um alerta para o governo Bolsonaro, que “sucateou e diminuiu o ministério de alto a baixo”. Ela exemplificou: a Agência Nacional de Águas e o Serviço Florestal saíram da pasta e os contratos com ONGs ambientalistas foram suspensos. E cutucou: “Pela primeira vez um ministro do Meio Ambiente assumiu com discurso de interesse dos ruralistas”.

Para Salles, o alerta é “para toda a sociedade”. Mas, com tantos mortos e centenas de desaparecidos, que Brumadinho sacuda os poderosos, provoque debates, gere punições e, sobretudo, relembre a todos, principalmente ao novo governo, sim, que Meio Ambiente não é uma questão supérflua, diletante nem coisa de esquerdopatas. Assim como mata pessoas e destrói famílias inteiras, ameaça o próprio futuro do planeta e da humanidade.

Discutam muito senhores e senhoras de esquerda e de direita, mas que o setor privado não privilegie a ganância em detrimento da vida, os governos não flexibilizem regras para favorecer negócios e os políticos tenham ética e respeitem seus mandatos e seus eleitores.

Utopia? Pode ser. Mas não há alternativa: é salvar ou salvar o futuro da humanidade. Quem ameaçá-lo e quem for culpado por tragédias e mortes não apenas deve, mas tem de ser punido pesadamente. Aliás, e os culpados por Mariana, por onde andam?


Eliane Cantanhêde: Renan e Deltan

Já pensou Dallagnol na PGR e Calheiros na presidência do Senado? Vai pegar fogo

Adversários ácidos e públicos, o senador Renan Calheiros e o procurador Deltan Dallagnol podem ter um encontro marcado para setembro deste ano, quando Renan espera estar de volta à presidência do Senado e Deltan estará concorrendo a procurador-geral da República. Inimigos, disputam o apoio, mesmo que velado, do presidente Jair Bolsonaro.

Renan é um dos campeões de investigações entre os que têm foro privilegiado no Supremo e Deltan é uma das estrelas – certamente a mais estridente – da Lava Jato. Logo, os dois são como gato e rato. Enquanto um é senador e o outro é procurador, vá lá. Quando, e se, virarem presidente do Senado e procurador-geral, vai ter barulho.

Renan acaba de chamar Deltan de “ser possuído”, mas ele também reúne uma coleção de adversários e ambos seriam facilmente apontados como “seres possuídos”. Apesar disso, o governo Bolsonaro – a “nova era” – dá sinais de apoio a Deltan na PGR e pode ficar entre Renan e Fernando Collor no Senado. Seis por meia dúzia.

Depois de dizer que não se meteria na disputa pelas presidências do Congresso, Bolsonaro já apoiou, via PSL, a reeleição de Rodrigo Maia na Câmara (anda até trocando bilhetinhos com ele em solenidades públicas) e agora pode jogar a toalha no Senado.

Renan é do MDB, esteve na linha de frente dos governos Fernando Henrique, Lula e Dilma, fez dobradinha com o PT em Alagoas em 2018 e tem “problemas” na Justiça. Mas, como parlamentar, é competente, praticamente fechou o cerco a seu favor, e o PSL está aprendendo pragmatismo rapidamente.

Do outro lado, Dallagnol é porta-voz da Lava Jato e conquistou notoriedade com o PowerPoint de 2016 em que apontou Lula como “maestro da orquestra criminosa” e relevou as provas como “pedaços da realidade que geram convicção”. Ministros do STF, juristas e, claro, petistas, ficaram de cabelo em pé.

O mandato de dois anos de Raquel Dodge só vence em setembro, mas desde já a “República de Curitiba” faz campanha por Dallagnol. Dodge denunciou Lula, Aécio e o próprio Temer, que a nomeou. Seu “pecado” foi denunciar também Bolsonaro, por um discurso sobre quilombolas que ela considerou racista.

Para os “curitibanos”, “é preciso uma chacoalhada na PGR”, não há lei exigindo lista tríplice para o cargo e o procurador da Lava Jato seria o homem certo, no lugar certo, na hora certa. Aliás, como todos os paranaenses ou os que fizeram carreira no Estado e estão em alta: Sérgio Moro, Maurício Valeixo, Gebran Neto, Edson Fachin, Felix Fischer, Roberto Leonel, Igor Romário de Paula, Erika Marena e Fabiano Bordignon. É o que eles próprios chamam de “alinhamento dos astros”. Uma sorte e um gol de Bolsonaro.

Prudência. Lá se foram três semanas e o governo não para de produzir manchetes surpreendentes e as piores envolvem o filho do presidente, Flávio Bolsonaro. Primeiro, ele pediu para suspender investigações sobre seu gabinete na Alerj, sem ser o investigado. Depois viu-se por quê: as dezenas de depósitos em dinheiro na sua conta.

Não satisfeito em transferir o Serviço Florestal para a Agricultura, o governo nomeou para o cargo um ruralista antiflorestas derrotado nas eleições. Raposa tomando conta do galinheiro.

Após tantos elogios de Jair e Eduardo Bolsonaro a Murilo Resende Ferreira, por que ele não resistiu mais que 24 horas na coordenação do Enem? E a guerra contra ONGs? E a discussão sobre a China? E o relatório do Human Rights Watch?

Como fecho de ouro da semana, o vice Mourão verbaliza na revista Época o que todos se perguntam: “Terá Ernesto (Araújo) condições de tocar (...) a política externa do Brasil?”. Atenção, bolsonaristas de internet: Mourão não é petista, comunista nem esquerdopata. Aliás, o alerta é dele: “Está faltando prudência”.


Eliane Cantanhêde: Fux infla especulações

Se Flávio Bolsonaro nem era investigado, por que tanto medo das investigações?

A liminar do ministro Luiz Fux suspendendo as investigações do Ministério Público do Rio sobre as contas do ex-assessor do senador eleito Flávio Bolsonaro é daquelas que parecem coisa de amigo, mas só podem ser de inimigo. O filho do presidente nem sequer era investigado, mas se jogou no olho do furacão. E, na sofreguidão de agradar ao presidente da República, Fux acabou dando mais um empurrão.

Em vez de “hay gobierno, soy contra”, Fux é adepto do “hay gobierno, soy a favor”. A liminar de ontem, porém, pode ter um efeito prático oposto ao pretendido pela família Bolsonaro. Em vez de suspender, ampliar e apressar as investigações.

Desde o início, as reações à história levantada pelo Coaf e divulgada pelo Estado têm sido erradas do ponto de vista jurídico, político e midiático. Não é admissível que o policial militar e ex-assessor Fabrício Queiroz, sua mulher e suas filhas não apareçam para depor. É um desrespeito inaceitável com as instituições republicanas. Para piorar, Fabrício alegou questões de saúde para não depor, enquanto aparecia bem serelepe em entrevista à TV. Sem falar na dancinha do hospital...

Em vez de esclarecer, os Bolsonaro trataram de complicar e quem cobrou publicamente explicações não foram o PT, a imprensa, a oposição, foram os generais, à frente o vice-presidente Hamilton Mourão. Se nem assim as explicações vieram, é porque provavelmente os envolvidos não as têm.

Depois de também não atender ao chamado do MP-RJ (no caso dele um mero convite), Flávio Bolsonaro agora parte para uma estratégia de altíssimo risco. Ele havia dito que não tem nada a ver com isso e que o assessor do seu gabinete é quem deveria se explicar. Se não tem nada a ver com isso, por que entrar com pedido de suspensão de investigações junto ao Supremo?

No caso de Luiz Fux, a situação é mais do que apenas constrangedora, como admitem seus colegas no Supremo. Ferrenho defensor do fim do foro privilegiado, ele usou justamente o foro para privilegiar o filho do presidente. E com argumentações questionáveis, segundo seus próprios pares, que passaram o dia ontem trocando telefonemas, informações e impressões.

Em sua decisão, Fux – que responde pelo STF nessa segunda fase do recesso do Judiciário – alegou que Flávio Bolsonaro foi eleito senador e assumirá o mandato e ganhará foro privilegiado em primeiro de fevereiro e, segundo o ministro, cabe ao plenário decidir o que deve ou não se encaixar no foro.

Só que... a decisão do plenário foi clara: o foro no STF para senadores e deputados vale para crimes cometidos durante o mandato e em função do mandato. No caso de Flávio Bolsonaro: 1) até agora, não há crime; 2) se houve algum foi quando ele era deputado estadual no Rio; 3) nada disso tem a ver com o seu futuro mandato no Senado.

Logo, tudo isso demonstra um certo desespero e joga ainda mais suspeitas, intrigas e especulações sobre os envolvidos. Uma delas, que circulava ontem em Brasília, é de que as investigações estariam evoluindo rapidamente e deixando não apenas Flávio como o próprio pai, agora presidente, numa situação delicada. A conta de Fabrício não seria abastecida só pelos funcionários? E seria um “caixa comum” da família?

O fato é que o tema viralizou na internet – um front em que as tropas bolsonaristas venceram a guerra das eleições e vinham ganhando as batalhas de governo. Isso pode mudar e os generais não estão mais sozinhos ao pedir explicações. Seus soldados nas redes também querem entender o que acontecia no gabinete de Flávio, que dinheiro era aquele, de onde vinha e para onde ia. Os Bolsonaro ganharam as eleições, não um habeas corpus para fazerem o que bem entendem. Ninguém está mais acima da lei, lembram?