Eliane Catanhêde

Eliane Cantanhêde: Alívio no STF, por ora

Soltar Temer faz sentido, Athié soltar Temer vem sendo questionado

Ao mandar soltar o ex-presidente Temer, o desembargador Antonio Ivan Athié tirou um imenso peso do Supremo Tribunal Federal, que vem sendo atacado pelos bolsonaristas de internet e criticado duramente pela opinião pública em geral. Foi um alívio.

Há um certo consenso entre políticos e juristas de que Temer pode não ser nenhum santo e que, mais cedo ou mais tarde, irá responder pelas acusações que pesam contra ele em dez inquéritos. Mas também é consensual que a sua prisão preventiva foi excessiva.

A comparação foi inevitável desde o primeiro momento: o ex-presidente Lula, que também coleciona inquéritos, prestou depoimento, foi indiciado, virou réu, foi condenado em primeira instância e finalmente pelo TRF-4 até ser preso. Temer nem sequer tinha sido ouvido e já foi parar atrás das grades preventivamente.

A pergunta cruzou os ares de Brasília: o que justifica a prisão cautelar, se ele por ora não tem ficha corrida, mantém endereço fixo e conhecido, não deu nenhum indício de que pretendia fugir do País nem estava, diretamente, obstruindo a justiça? Os muitos que fizeram essa pergunta ofereciam em seguida a resposta: Temer é um troféu, uma demonstração de força da Lava Jato, uma retaliação à decisão do STF de jogar para a Justiça Eleitoral crimes de corrupção e lavagem de dinheiro conexos a caixa 2 de campanha.

Em seu despacho determinando a prisão, o juiz Marcelo Bretas fez um duplo “hedge”: disse explicitamente que as imputações contra Temer não têm nada a ver com caixa 2 e tentou desviar a relatoria do caso do ministro Gilmar Mendes para um outro ministro mais, digamos, implacável: Luís Roberto Barroso.

Fosse Gilmar ou Barroso que mandasse soltar Temer, a turba da internet iria à loucura e as pessoas comuns ficariam ainda mais indignadas contra o Supremo. Se fosse Gilmar, sempre apontado como o ministro que “solta todo mundo”, a coisa ficaria ainda mais feia. Nessas horas, não importam as razões, o julgamento técnico, as argumentações. Os partidários querem massacres em praça pública, os leigos querem sangue.

O primeiro teste do STF foi com o pedido de habeas corpus em favor do ex-ministro Moreira Franco, do mesmo partido, o MDB, e do mesmo grupo político de Temer. Mas, nesse caso, o relator Marco Aurélio Mello saiu-se muito bem: alegou que não fazia sentido queimar etapas (o TRF-2 e o STJ) e a decisão não cabia ao STF.

É aí que entra a polêmica figura do desembargador Athié, que, entre tantas façanhas, já ficou afastado por sete anos da magistratura, sob acusação de estelionato. Sete anos?! Estelionato?! E foi ele também que reclamou da mania de chamarem propinas de propinas, já que em muitos casos não passam de “gorjeta”. É muita cara de pau. Logo, desqualifica e turva a decisão favorável ao ex-presidente.

Pode fazer o maior sentido mandar livrar Temer da prisão provisória, não só do ponto de vista político, mas principalmente jurídico, além de ser um enorme alívio para o Supremo e seus ministros, que se livraram de ter de anunciá-la. O fato de ter sido Athié, porém, enfraquece a decisão pró-Temer, aumenta o clima de desconfiança, joga ainda mais irritação sobre a Justiça. O STF se livrou por enquanto, a Justiça não. As instituições se confundem com seus personagens.

Círculo virtuoso. Viagem aos EUA, Bovespa em 100 mil pontos, o sucesso dos leilões de aeroportos... Era o momento certo para o presidente Jair Bolsonaro decolar, mas parece que ele gosta mesmo é de ficar patinando nos ataques ao Congresso, à política, ao presidente da Câmara. Prefere manter a guerra na internet e abortar o círculo virtuoso.


Eliane Cantanhêde: 'Não tem governo'

Rodrigo Maia: “É um governo vazio, sem ideia, sem proposta, sem articulação”

Mais uma semana infernal no Congresso, no Executivo, no Judiciário, no mercado e, muito especialmente, no twitter. Começou e terminou com o presidente Jair Bolsonaro ajustando as posições brasileiras às de Donald Trump, enquanto o Brasil pegava fogo. Mais um ex-presidente preso, o presidente da Câmara em pé de guerra e os filhos do presidente desgovernados nas redes sociais.

A maior vítima é a reforma da Previdência, que sofreu vários solavancos: críticas no Congresso à proposta dos militares, considerada mais branda do que para outras categorias; parlamentares do PSL comemorando a prisão de Michel Temer, maior nome do MDB; a queda de 15 pontos na popularidade de Bolsonaro no Ibope; a desarticulação do governo com sua base.

Nada, porém, foi tão nocivo às chances da reforma da Previdência quanto os ataques de bolsonaristas e até do governo ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que é, nada mais, nada menos, a peça principal para a aprovação da proposta no Congresso.

De pavio curto, como se sabe, Maia não gostou quando o ministro Sérgio Moro se reuniu com a “bancada da bala” e disse que iria insistir na tramitação do pacote anticrime o quanto antes. Maia, que tinha acertado com Bolsonaro dar prioridade à Previdência e deixar o pacote Moro para o segundo semestre, deu um pulo. E avisou que não falava com funcionários, só com o chefe. Ou seja, não falava com Moro, só com Bolsonaro.

O clima piorou quando Carlos Bolsonaro, o 02, usou a trincheira da internet para defender Moro e atacar o presidente da Câmara com insinuações. A coisa mudou de figura. E de patamar. Nesse meio tempo, Maia ameaçou não receber o projeto dos militares e abandonar a articulação da reforma, furioso com uns e outros. Inclusive os que usaram a prisão do padrasto da sua mulher, Moreira Franco, para atingi-lo.

Quando liguei para ele, Rodrigo Maia contra-atacou: “Não tem governo. É um governo vazio, que não tem ideia, proposta, articulação”. E continuou: “Para dissimular, criou esse confronto do bem contra o mal, do bonito contra o feio, do quente contra o frio. Eles são o bem, os bonitos, os quentes. E nós, os políticos, somos os maus, os feios. É só para manter a base ultraconservadora na internet”.

Bolsonaro sabe que a reforma da Previdência é questão de vida ou morte para o País e para o governo dele, mas finge que não queria, que não é com ele. “Ele tira o corpo fora e vende a imagem de que nós é que estamos obrigando o governo a fazer a reforma”, diz Maia.

Ainda na sexta-feira, o filho 01, senador Flávio Bolsonaro, tentou consertar o estrago (pelo twitter...) e elogiou o presidente da Câmara: “Assim como nós, ele está engajado em fazer o Brasil dar certo”. Maia devolveu o elogio, mas com ressalva: “O Flávio é bom, mas ele é do Parlamento, não do Executivo”.

É assim que o governo, em vez de aglutinar, vai dividindo, afastando, criando atritos, dificultando não só a reforma da Previdência como a sua própria vida. O 01 tem mais noção política e mais responsabilidade, mas o 02 e 0 03 precisam lembrar que Bolsonaro não governa para seus eleitores, muito menos para os eleitores genuínos (que votaram efetivamente nele, não contra o PT). Governa para todos.

O Planalto não pode correr o risco de perder o apoio de Maia, porque ele abriria uma longa fila de adversários, o DEM, o PSDB, o MDB, parte dos evangélicos do PRB e vai por aí afora. O que sobraria? O PSL, novo inexperiente e dividido?

O pior é que a culpa da guerra de guerrilhas na internet sempre cai sobre os filhos, mas Maia tem uma certeza: “É tudo patrocinado por ele”. Quem é ele? Jair Bolsonaro.


Eliane Cantanhêde: Álcool na fogueira

Prisão de Temer era questão de tempo, mas acirra os ânimos no STF e no Congresso

Não há surpresa na prisão do ex-presidente Michel Temer, alvo de dez inquéritos e agora sem foro privilegiado, mas há uma preocupação: foi também um lance na guerra do Ministério Público e da Justiça contra o Supremo e o Congresso? Álcool na fogueira?

Há décadas ouve-se falar das ligações pouco heterodoxas de Temer com o Porto de Santos, mas a prisão do ex-presidente não foi determinada por isso, nem por desvios de mais de R$ 10 milhões da Odebrecht para o MDB, nem mesmo pela conversa de Temer com Joesley Batista no Palácio do Jaburu.

A prisão foi determinada pelo juiz Marcelo Bretas, do Rio, e por uma quarta frente contra Temer: a roubalheira na Eletronuclear e nas obras de Angra 3. E veio no rastro da decisão do Supremo – por um voto de diferença – de jogar para a Justiça Eleitoral os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro conectados com caixa 2 de campanha. Segundo o MP, foi “o fim da Lava Jato”.

A dúvida no STF e entre políticos é se a prisão de Temer é um contra-ataque, uma demonstração de força da Lava Jato. E isso provoca uma aliança tácita e por baixo dos panos entre ministros “garantistas” e líderes importantes do Congresso, que acusam excesso de poder do MP e correspondente “demonização da política”.

No centro da guerra e da polêmica está uma pergunta bastante objetiva: há ou não justificativa para a prisão temporária (por tempo indeterminado), particularmente por se tratar de um ex-presidente da República?

Na versão de juristas e políticos que acusam procuradores e policiais federais de atropelarem leis e regras em nome do combate à corrupção, a prisão de Temer é injustificada, porque ele é réu primário, tem endereço certo, não ameaça a ordem pública. Logo, poderia ter sido simplesmente chamado a prestar esclarecimentos, sem prisão.

Na entrevista coletiva, porém, os procuradores classificaram Temer como “chefe da organização criminosa” e elencaram três motivos para a prisão temporária: 1) os desvios ocorrem há 40 anos e podem chegar R$ 1,8 bilhão; 2) é preciso “reparar os danos”, impedindo que o resultado da propina evapore; 3) a quadrilha estava destruindo todos os papéis dos escritórios e até coletando dados dos investigadores.

Esse embate sobre a legalidade da prisão pode incendiar de vez não apenas as relações entre Supremo e MP como incendiar de vez a irritação popular contra a mais alta Corte do País. Basta que a defesa de Temer apresente pedido de habeas corpus e um dos ministros mande soltar o ex-presidente. Já imaginou? A tentativa de Bretas e dos procuradores é tirar Gilmar Mendes e empurrar a relatoria do eventual HC para Luís Roberto Barroso ou Edson Fachin, ambos pró-Lava Jato.

No Congresso, o efeito é imprevisível, mas não é absurdo dizer que há uma confluência de fatores adversários à votação da reforma da Previdência. Assim como a delação de Joesley Batista abortou a aprovação no governo Temer, agora há a percepção de que o MP, ao prender o ex-presidente, atacou o MDB e cutucou o mundo político. E mais: a proposta dos militares e a queda brusca de Bolsonaro no Ibope, com apenas três meses.

O PT odeia Temer, mas sua prisão pode promover uma aliança entre parte da esquerda e parte da direita, contra o MP e atropelando a pauta do governo. Em vez de priorizar o pacote do ministro Sérgio Moro contra a corrupção e o crime organizado, o Congresso poderá ressuscitar justamente o oposto: a proposta contra o abuso de autoridade.

Por mais que haja um bilhão e 800 milhões de razões para a prisão de Michel Temer, que era só questão de tempo, “há muito mais mistério entre o céu e a terra do que supõe a nossa vã filosofia”.


Eliane Cantanhêde: Ciclo virtuoso?

Leilão de aeroportos, Bovespa em 100 mil pontos e acerto nos EUA (?) abrem novo ciclo

Foi um alívio quando a visita oficial do presidente Jair Bolsonaro aos Estados Unidos começou efetivamente ontem, com os principais recados dados e os primeiros atos assinados. E por que o alívio? Porque a prévia da viagem tinha sido assustadora.

O guru Olavo de Carvalho xingou o vice Hamilton Mourão de “idiota”, disse que adora Bolsonaro, mas não tem ideia do que ele pensa, e previu que, “se continuar como está, o governo acaba em seis meses”. Coisa de amigo ou inimigo?

Mas, no dia seguinte, lá estava o autor da múltipla grosseria sendo reverenciado pela comitiva brasileira. Como se Bolsonaro endossasse ou fizesse vista grossa para o ataque ao vice, ele foi ladeado no jantar por Olavo de Carvalho, guru tupiniquim, e Steve Bannon, guru planetário. Ambos, porém, são polêmicos e enfrentam fortes reações, um no Brasil, outro nos EUA.

Olavo não se satisfaz em mirar no vice e usa sua metralhadora giratória (com apoio dos filhos do presidente) inclusive contra os militares, decisivos na eleição e pilar mais sólido do governo. E Bannon, estrategista da campanha de Trump, atribui a si a vitória, bateu de frente com a filha e o genro dele, Ivanka Trump e Jared Kushner, e já foi chamado de “traidor” pelo presidente norte-americano.

Bem, mas a viagem de Bolsonaro começou de verdade ontem, depois desse festival ideológico, e os resultados começaram a aparecer. No Brasil, o Diário Oficial da União, como previsto, dispensou de visto não apenas turistas, empresários, artistas e desportistas americanos, mas também japoneses, australianos e canadenses, por um período de 90 dias, prorrogáveis por mais 90. Nos EUA, os dois lados assinaram o acordo para uso comercial da Base de Alcântara, bom para eles, bom para nós, e discutido por 20 anos.

Tanto a dispensa unilateral de vistos quanto o lançamento de satélites americanos a partir de Alcântara já foram rechaçados pela diplomacia e pelas Forças Armadas no Brasil, com base no mesmo princípio: a defesa da soberania nacional. Os tempos, porém, são outros e ambas as decisões estão sendo facilmente assimiláveis.

Apesar da enorme resistência do Itamaraty à inexistência de reciprocidade na concessão de vistos – a dispensa daqui corresponderia à dispensa lá –, o embaixador aposentado Marcílio Marques Moreira, ex-ministro da Fazenda do governo Fernando Collor de Mello, defende a medida e até a abertura unilateral do comércio.

“Ambas as iniciativas merecem ser respeitadas e mesmo aplaudidas, pois irão trazer bons benefícios para nosso país.” No caso dos vistos, acrescenta: “Trazer mais turistas para o Brasil não significa só trazer relevantes ganhos em moeda forte em favor do consumo e da nossa balança em conta-corrente, mas também para futuros investidores”. Uma coisa puxa a outra.

Quanto ao uso da Base de Alcântara, os termos do Acordo de Salvaguardas foram longamente discutidos, sofreram incontáveis mudanças e são considerados positivos tanto para os EUA quanto para o Brasil.

Nos discursos de ontem, Bolsonaro e Paulo Guedes criticaram os anos de esquerda no Brasil e fizeram a pregação da abertura da economia, das privatizações, do pragmatismo, do fim dos entraves para investimentos e negócios. Tudo que os investidores querem ouvir.

Bolsonaro acertando o tom nos EUA, o sucesso do leilão de aeroportos (desenhado no governo Temer) e a Bovespa batendo nos 100 mil pontos abrem um novo ciclo virtuoso, com efeito, inclusive, na aprovação da reforma da Previdência.

Se for assim, o tal guru, o besteirol dos filhos, as chantagens de evangélicos e as suspeitas sobre as reais intenções dos militares ficam para trás. Mas Bolsonaro precisa querer.


Eliane Cantanhêde: Nas terras do Tio Sam

O Jair Bolsonaro dos EUA precisa superar em muito o Jair Bolsonaro de Davos

O Brasil de Bolsonaro e os EUA de Trump fazem juras de amor e assinam atos importantes a partir de hoje, quando Bolsonaro desembarca em Washington com tratamento vip, direito a hospedagem na exclusiva Blair House e entrevista ao lado de Trump no Rose Garden, que são deferências especiais, concedidas a muito poucos.

Em compensação, Bolsonaro deverá fazer um anúncio que diplomatas tremem só de ouvir: a dispensa unilateral de vistos para americanos (além de canadenses, australianos e japoneses), sem exigência de reciprocidade. Significa que eles poderão vir livremente ao Brasil, mas os brasileiros não poderão ir ao país deles.

A ideia já tinha sido apresentada pelo ministro do Turismo de Michel Temer, Henrique Eduardo Alves (que acabou preso), mas só valeu para a Olimpíada do Rio, como forma de incentivar a vinda desses estrangeiros – que têm baixo índice de risco e carteiras recheadas. Mas foi temporário, agora será permanente. Diplomatas acham que é coisa de país sem autoestima e Bolsonaro pretende negociar a dispensa de visto para brasileiros irem aos EUA. Duvido que o Tio Sam tope.

O principal anúncio deverá ser o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas para uso da Base de Alcântara (MA) para fins comerciais, negociado há uma década. Os EUA ganham, porque Alcântara é um ponto estratégico que permite economia de até 30% nos lançamentos de satélites. E o Brasil também lucra, porque entra no mercado de cooperação espacial.

Na comitiva, Augusto Heleno, Paulo Guedes, Sérgio Moro, Ernesto Araújo (chanceler), Tereza Cristina (Agricultura), Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia) e Ricardo Salles (Meio Ambiente), com agendas diferentes. Guedes está interessado em medidas, lá e cá, para destravar investimentos e negócios. Moro vai ao FBI para acordos de inteligência, segurança pública e combate ao crime organizado.

Depois de desperdiçar Davos e ocupar seis dos 45 minutos a que tinha direito para atrair o interesse do mundo para o Brasil, Bolsonaro terá novamente todos os holofotes e não pode amarelar, fugir de entrevista e posar de “simplesinho”, mas, sobretudo, é preciso afastar a ideia de um alinhamento automático com os EUA.

Bolsonaro gosta da ideia, assim como seu filho Eduardo, o chanceler Araújo e o guru Olavo de Carvalho, que já trocou o Brasil pelos EUA. Já os diplomatas de várias gerações se opõem e o que conta mesmo no governo é um outro foco de resistência ao tal alinhamento automático: os militares, que prezam muito a noção de soberania. Aliás, nem aos próprios EUA encanta a ideia de se jogar de cabeça num governo que está mal começando. Pode ser um sucesso, pode não ser. Logo, aproximação é ótimo; alinhamento automático é excessivo.

Além das relações bilaterais, que avançam muito, Bolsonaro e Trump vão discutir questões regionais (Venezuela, por pressuposto) e internacionais, as mais cabeludas. China, Oriente Médio, Coreia do Norte e Irã estão na agenda, mas Bolsonaro deve ter algumas coisas em mente. A China é o maior parceiro comercial brasileiro, o Brasil desde sempre independente na disputa Israel-Palestina e... nem tudo o que é bom para os EUA é bom para o Brasil.

Depois dos EUA, ele vai ao Chile e no final do mês a Israel, onde Benjamin Netanyahu é um aliado e fez a gentileza de vir ao Brasil para prestigiar a vitória de Bolsonaro, mas agora está às voltas com a Justiça. Tudo bem ir a Israel, a questão é de oportunidade.

O avião está decolando e lança Bolsonaro no seu primeiro teste realmente diplomático. Vai precisar de inteligência, sorte, jeito, discursos escritos e muitos conselhos para se superar. O Bolsonaro de Washington tem de ser muito melhor do que o Bolsonaro de Davos.


Eliane Cantanhêde: Legítima defesa

Pessoas, grupos e instituições cansaram de apanhar calados nas redes sociais. E reagem

Um por um, lentamente, os atingidos por fake news e calúnias pela internet começam a reagir. O Estado abriu a fila, depois de uma deturpação grosseira da declaração de uma repórter. Agora, é o próprio Supremo Tribunal Federal que cansou de “apanhar” nas redes e resolveu abrir investigação para identificar os criminosos. É uma postura corajosa, que não é apenas um direito como um dever.

Essa guerra pela internet começou lá atrás com o PT criando um feroz exército virtual para atacar todos e qualquer um que ousassem questionar o partido ou o governo do então presidente Lula. Com o tempo, como fatalmente iria acontecer, essa prática virou corriqueira entre os partidos e veio o efeito bumerangue: de estilingue, o PT passou a ser alvo.

A tropa bolsonarista aprofundou a prática e ganhou adesões pelo país afora. Foi um sucesso na eleição. Está sendo particularmente danoso no exercício do governo, quando é difícil distinguir o que é coisa de malucos agindo por conta própria e o que é movimento articulado e executado sob orientação de gente do próprio governo.

Isso tudo ganha ainda mais peso quando os ataques não são apenas contra a imprensa, contra o Supremo, contra inimigos (reais ou não), mas atingem até o vice-presidente e os militares, genericamente, com mensagens contendo impropérios. O que se pretende com isso?

Não é prudente, nem conveniente, reproduzir aqui as graves agressões disparadas por robôs e multiplicadas por irresponsáveis nas redes contra o STF, pilar da democracia. Seu presidente, Dias Toffoli, justificou a abertura de investigação com “a existência de notícias fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas, ameaças e infrações (...) que atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo, de seus membros e familiares”.

É razoável supor que, após a reação corajosa do Estado e agora da investigação do Supremo – ambos em legítima defesa –, que outras vítimas se sintam animadas a dar um basta, não importa de onde, de que partidos, de que forças, eles partam. Tudo tem limite. Vamos ver se as fake news também.

Por trás da decisão do Supremo, está também a irritação diante de uma investida crescente contra o tribunal, contra ministros, contra até familiares. Essas coisas são assim: começam daqui, evoluem para ali e, de repente, contaminam a sociedade e ficam fora de controle. Aliás, já atingem o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ninguém lucra com isso, nem o Judiciário, nem o Executivo, nem o Legislativo.

Ninguém está acima da lei, ninguém pode sair por aí fazendo o que bem entende e as autoridades estão sujeitas a fiscalização e a críticas públicas. Mas... de fiscalização e críticas a agressões e mentiras, calúnias e difamação vai uma diferença enorme.

Quem circula na área econômica do governo detecta ânimo, energia, uma sensação de que “agora vai”. A reforma da Previdência vai passar sem problemas na CCJ da Câmara, o presidente Jair Bolsonaro entrou em campo, os presidentes da Câmara e do Senado jogam um bolão, a sociedade percebe que chegou a hora da reforma. É agora ou nunca. E nunca significa o colapso.

Há ali, também, uma frenética conexão com as outras áreas do governo, como Infraestrutura, Minas e Energia, Agricultura e Justiça, até para preparar o “day after” da reforma: iniciar o regime de capitalização, desindexar o orçamento, destravar investimentos, garantir crescimento (hoje estagnado) do País.

Paulo Guedes, que se articula também com os demais Poderes, prevê e comemora um “círculo virtuoso”, mas guerra pela internet, ataques à mídia e ao STF, manifestações fora de propósito, nada disso ajuda. Não atrapalhem, por favor!


Eliane Cantanhêde: Toma lá, dá cá

Proposta dos militares tira na Previdência e põe nos soldos. Guedes quer “conta zero”

A proposta das Forças Armadas para a previdência dos militares é, na verdade, um pacote que tira de um lado (o da previdência) e põe no outro (nos soldos). A intenção é cobrar cota de sacrifício até de pensionistas, mas criando gratificações para os da ativa que fizerem cursos, como compensação para perdas acumuladas há décadas.

“Sempre perguntam se nós não vamos contribuir com a reforma. Mas nunca deixamos de contribuir”, diz o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva. Para ele, os militares são sempre os primeiros a sofrer cortes, “para o bem do País”, e acabaram com soldos muito defasados em relação à inflação e às carreiras de Estado. “Em relação ao Judiciário e ao Legislativo, nem se fala.”

O ministro entrega nesta semana a proposta dos militares à equipe econômica e à área jurídica do governo e estima levá-la ao Congresso até início de abril. Esse é um passo importante para esvaziar as desconfianças dos parlamentares, inclusive da base aliada, que resistem a privilégios para militares.

Azevedo e Silva foi pessoalmente à residência oficial do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, na quinta-feira passada, não só para antecipar a ideia geral da proposta para os militares como para falar das compensações: “Vamos subir a receita, mas também equilibrar melhor as despesas”, resumiu.

Maia pensa como o ministro Paulo Guedes e o secretário Rogério Marinho: os militares não podem aproveitar a reforma para compensar defasagens antigas. No mínimo, a conta tem de zerar. Pelo projeto, só vai zerar no quinto ano. Até lá, eles ficam no lucro.

Além de aumentar o tempo de contribuição dos militares, de 30 para 35 anos, a proposta prevê aumento da alíquota para todos, de 11% para 14%, com um detalhe: viúvas, cadetes e recrutas, hoje isentos, também passarão a contribuir com o mesmo porcentual.

Do outro lado, está a recuperação de uma das vantagens perdidas com a MP 2215, do final do governo FHC, mexendo nas gratificações pelos vários cursos que, sargentos ou oficiais, eles têm de fazer ao longo da carreira. Gratificação não tem impacto na previdência, aumento de salário teria. Está descartada a volta de auxílio-moradia, pensão para as filhas, ida para a reserva com um posto acima e licença especial.

Uma facilidade para aprovação do pacote militar, conforme enfatizou o próprio presidente Jair Bolsonaro, é que não precisa emenda constitucional, só projetos de lei. É fato, mas não exagera! Uma semana na Câmara e outra no Senado, só em sonho.

O grande esforço não só das Forças Armadas, mas da própria cúpula do governo – até porque as coisas se confundem – é martelar que os militares não estão incluídos no regime de previdência. Têm regime próprio e, aliás, estão fora das normas trabalhistas: não têm hora extra, adicional noturno, adicional de periculosidade.

Se elas tivessem esses benefícios, um tenente atuando na fronteira com a Venezuela ou nas enchentes na BR 163 (Cuiabá-Santarém) mais do que dobraria seu salário – que é mais baixo do que seus correspondentes civis no serviço público.

Uma terceira frente, além dos soldos e da previdência diferenciada, é o orçamento para as atividades-fim e os projetos estratégicos do Exército, Marinha e Aeronáutica que, como diz o ministro, “precisam de condições para sustentar a paz”.

Ter Bolsonaro, oito militares no topo do Executivo e mais de cem no segundo escalão é faca de dois gumes: é bem mais fácil para as três Forças defenderem seus pleitos no governo, mas gera desconfianças e confrontos fora dele. Principalmente quando se vende o militar como santo e o político como demônio. É melhor para o governo e para o presidente calibrar melhor o tom. A reforma passa e o Brasil ganha.


Eliane Cantanhêde: ‘Brazil first’

No Itamaraty, ideia é ‘desligar o botão automático’ e rever tradição e multilateralismo

Enquanto o presidente Jair Bolsonaro distrai o digníssimo público com uma barbaridade por dia, o mercado só quer saber da reforma da Previdência e o mundo, os investidores, os exportadores e os importadores perguntam qual é a política externa brasileira. Aliás, se há uma. Se há, pode ser resumida assim: “Brazil first”.

É, obviamente, um plágio do slogan de Donald Trump nos Estados Unidos: “America first”. A questão, levantada por ex-presidentes, ex-chanceleres e diplomatas da ativa é se é “Brazil first” ou se vai acabar sendo “Brazil after America”.

Além de causar perplexidade de novo ontem, ao dizer que “liberdade e democracia só existem quando as Forças Armadas assim o querem”, Bolsonaro enumerou os seus aliados no governo e incluiu aí “aqueles que querem aproximação com países que têm ideologia semelhante à nossa (Brasil)”.

Mais do que uma manifestação de ojeriza a Cuba e Venezuela, foi uma referência à aliança com os EUA e com Trump, pedra fundamental da política externa da “nova era”. Há consenso quanto a aprofundar as relações com a maior potência mundial, tradicional parceira brasileira.

A dúvida é sobre a calibragem. Alinhamento automático? Brasil caudatário dos EUA?

Tudo isso vai ficar mais claro no encontro de Bolsonaro com Trump, dia 19. Além da gorda pauta bilateral de negócios, cooperação e facilitação de trânsito de pessoas e produtos, os dois terão muito a conversar sobre temas globais e regionais e interesses estratégicos de EUA e Brasil, como Venezuela e China.

Setores do Itamaraty lembram que Bolsonaro deixou muito claro na campanha eleitoral o que pensava, o que significava e o que pretendia. Logo, o eleitorado chancelou uma forte guinada ideológica no poder e isso, evidentemente, tem reflexo direto no Itamaraty. Na montagem do gabinete, na distribuição das peças no tabuleiro e na própria política externa.

A equipe do chanceler rechaça “caça às bruxas” e diz que os movimentos são naturais. Mudou o governo, muda o Itamaraty. Quanto à política externa, a intenção é “quebrar a inércia”. Ou seja: rever conceitos, práticas e hábitos que vêm de décadas, de governo após governo, como se fossem cláusulas pétreas. “É desligar o botão automático”, resumiu um dos artífices das mudanças, sempre enfatizando que tudo está sendo suave, sem solavancos.

Uma das “verdades absolutas” é justamente que o multilateralismo tem de se sobrepor a tudo. “Por quê?”, pergunta ele. Decisões de organismos internacionais são boas quando são boas para o Brasil. Não são quando não convêm ao País. Simples assim. Quer dizer... mais ou menos simples, porque a ONU tem seus problemas, mas é fonte de estabilidade internacional, e a OMC, útil nas guerras comerciais, é fundamental para países médios como o Brasil. E vai por aí afora.

Quanto aos temas mais bombásticos da campanha, eles trariam enorme prejuízo ao Brasil e foram estacionando no caminho para o poder: embaixada em Jerusalém, retirada do Acordo do Clima, cacetadas na China. Parecem bem distantes.

Após reduzir a estrutura do Itamaraty – “escolher pessoas para cargos, não cargos para pessoas”, diz Araújo –, há sérias dificuldades para fechar postos no exterior criados pelo ex-chanceler Celso Amorim como forma de atrair votos para uma vaga no Conselho de Segurança da ONU. Criar é fácil, fechar é que são elas. É o oposto do “soft power”, é como dizer aos países: “Vocês não têm a menor importância”.

E a exoneração do embaixador Paulo Roberto de Almeida por críticas ao chanceler? Resposta: não é nenhuma novidade, que o digam os embaixadores Moscardo, Bustani e Samuel Pinheiro Guimarães no governo FHC. Turma é turma.


Eliane Cantanhêde: Ruído e constrangimento

É melhor buscar colegiados, consenso e segurança antes do que depois de falar

A inteligência de conselhos, debates e reuniões é ouvir ideias novas, contrapor visões diferentes, abrir alas ao contraditório e buscar consensos para a melhor decisão. Por definição, eles são incompatíveis com o pensamento único – que é o oposto da inteligência. Então, por que o governo desidrata os conselhos e desconvida uma cientista política respeitada para um deles?

Uma das qualidades do presidente Jair Bolsonaro – que Michel Temer tinha e Dilma Rousseff, definitivamente, não tinha – é saber ouvir e ter a humildade, ou a grandeza, de mudar de opinião. O problema é que ele inverte o processo: em vez de ouvir, debater (e ampliar o leque de opiniões) antes de chegar a um consenso, ele anuncia e depois vai ouvir, debater e chegar a um consenso.

Isso gera ruídos e constrangimentos. Nesses dois meses de governo, eles não foram poucos. Aliás, já começaram na transição, com o anúncio, e depois o “desanúncio”, da fusão dos ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente. Ministros e assessores primeiro intuíram, e depois concluíram, que é preciso muita atenção ao que o presidente diz ou divulga pelas redes sociais, para poder apagar os incêndios rapidamente.

Quem primeiro teve a coragem de corrigir Bolsonaro em público, para neutralizar reações negativas, foi o secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, que negou a intenção, anunciada informalmente pelo presidente, de aumentar o IOF e mexer no IR.

Na mesma ocasião, o chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, teve de fazer um contorcionismo verbal para corrigir a informação do presidente de que a idade mínima na reforma da Previdência seria de 57 anos para mulheres e 62 para homens. Segundo Onyx, a ideia tinha “muita força”, mas a proposta ainda não estava fechada. E não estava mesmo, como se viu no anúncio oficial de 62 e 65 anos.

O mais desembaraçado para desmentir uma afirmação de Bolsonaro foi o ministro do GSI, Augusto Heleno, um general da reserva que joga vôlei e tem jogo de cintura. Depois de Bolsonaro dizer, e o chanceler Ernesto Araújo confirmar, que o Brasil poderia ceder território para uma base militar americana, Heleno deu uma entrevista definitiva: “Fizeram um auê por nada. Não tem nada disso”. Nunca mais se falou em base militar.

O último desmentido partiu do vice-presidente Hamilton Mourão, cada dia mais político, mais cuidadoso. Bolsonaro tinha admitido reduzir a idade mínima das mulheres para 60 anos na reforma e desistir de pagar só R$ 400 para miseráveis. A área econômica reagiu, o mercado sacolejou e lá se foi o vice reduzir tudo a um “mal-entendido”.

Em vez de enxugar ou extinguir conselhos, o presidente anda precisando do contrário: um conselho para monitorar suas manifestações públicas, seja sobre bases, seja sobre a “nova Previdência”, seja sobre imposto, seja sobre o que for. Como já disse Onyx Lorenzoni, qualquer coisa que o presidente disser, ou tuitar, tem “muita força”. Logo, toda prudência é necessária, todo cuidado é pouco.

Louve-se, novamente, a capacidade de Bolsonaro de recuar quando necessário, mas buscar consensos e segurança antes de falar, e não depois, evita dissabores e constrangimentos. Em outras palavras, “é melhor prevenir do que remediar”.

Educação. Segundo o presidente, pelo Twitter, o Brasil gasta mais em Educação em relação ao PIB do que a média de países desenvolvidos (cerca de R$ 130 bilhões em 2016) e ocupa as últimas posições do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). Um escândalo! Mas isso não se combate com ideologia, teologia e fantasmas. O setor precisa mesmo é de administração: planejamento, ações, qualificação e, eventualmente, punições.


Eliane Cantanhêde: Maduro, larga o osso!

Desde já, avaliação é de que os EUA são o grande vitorioso da queda iminente de Maduro

Os gravíssimos problemas da Venezuela foram afunilando para uma única cara, uma única voz: as do presidente ilegítimo Nicolás Maduro, incapaz de admitir a obviedade de que suas condições de governabilidade se esgotaram e agarrado a uma lasca de poder como cão faminto, quando faminta de fato está a população.

Como disse ontem o vice Hamilton Mourão, que participou da reunião do Grupo de Lima, na Colômbia, não existe a possibilidade de intervenção militar e a estratégia é manter uma ação conjunta e a pressão financeira e econômica, até asfixiar o regime. O resto, quem tem de fazer são os próprios venezuelanos.

Depende da opinião pública, das lideranças políticas, do comando do Judiciário e das Forças Armadas do país garantir a deposição do ditador, que impediu a entrada de remédios e alimentos que aliviariam a dor de seu povo e perde os apoios que lhe restam. Maduro é um cadáver político e deve acordar de sua insanidade, antes que um tresloucado transforme a metáfora em realidade.

Uma tragédia dessas não está fora do horizonte. Os inimigos e adversários de Maduro não suportam mais sua audácia e podem estar a um passo de “mandar às favas os escrúpulos de consciência”, o que não seria inédito na história do continente. Do outro lado, os ainda aliados dele sabem que não há luz no fim do túnel e podem passar a preferir um Maduro “mártir” a um Maduro podre e fora de si.

Seja como for, por renúncia ou ação institucional, a queda parece iminente e já começa uma outra etapa: a da avaliação de perdas e ganhos. Quem mais lucra são os Estados Unidos, que voltam com tudo para a América do Sul, agora “saneada” dos regimes de esquerda e embalando a direita, como no Brasil.

O vice americano, Mike Pence, postou-se ao lado do autoproclamado presidente Juan Guaidó e tornou-se a estrela do Grupo de Lima em Bogotá. Ameaçou os militares venezuelanos – “Vocês serão responsabilizados” – e incitou as outras nações a seguirem o exemplo dos EUA, congelando ativos dos líderes chavistas e da petroleira PDVSA em seus países.

Enquanto Pence brilhava na Colômbia, a subsecretária de Estado para o Hemisfério Sul, Kimberly Breier, desembarcava no Brasil para encontros com o presidente Jair Bolsonaro, o chanceler Ernesto Araújo e... o deputado Eduardo Bolsonaro. Em pauta, a Venezuela.

Por que o deputado? Porque ele não é só filho do presidente da República, como também “o cara” da política externa da “nova era”, que sabatina os candidatos a chanceler, bate o martelo no de sua preferência, foi o primeiro enviado do novo governo à Casa Branca.

Não satisfeito em meter na cabeça um boné da campanha de reeleição de Donald Trump, Eduardo Bolsonaro acaba de divulgar um vídeo dele próprio apoiando ardorosamente, ao microfone, um muro entre os EUA e os mexicanos.

Seria ótimo saber o que Forças Armadas, os grandes diplomatas, os nacionalistas e os simplesmente de bom senso pensam disso no Brasil. Inclusive o vice Mourão, que teve uma participação devidamente prudente em Bogotá. Aliás, essa é a palavra-chave: prudência.

O Grande Irmão. A colega Renata Cafardo informa que o MEC enviou e-mail a escolas públicas e particulares, exigindo, ops!, recomendando que elas leiam diante da Bandeira, gravem e enviem ao ministério o vídeo da leitura de uma mensagem do ministro Vélez Rodrigues para alunos, professores e funcionários, que termina com o lema bolsonarista: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos!” Uso das crianças para fins políticos, seja para que lado for, é o fim da picada.


Eliane Cantanhêde: Venezuela é uma fria

Impasse: o Brasil não pode lavar as mãos nem vai usar a força militar, mas qual a alternativa?

Direto e realista, como sempre, o vice-presidente Hamilton Mourão admite que “um dos cenários na Venezuela é de guerra civil, o que pode respingar para todo lado”. Ele ressalva que, mesmo assim, trata-se de uma questão interna do país vizinho e cabe à ONU interferir, não ao Brasil.

“Enquanto eles continuarem matando uns aos outros, a gente não pode fazer nada”, disse Mourão, que viaja ainda neste domingo para Bogotá, na Colômbia, para a reunião, amanhã, em que o Grupo de Lima discutirá a situação de emergência na Venezuela.

Uma das grandes preocupações do governo brasileiro é com o grau de beligerância entre Venezuela e Colômbia. Segundo Mourão, que é general de exército, “80% do dispositivo militar venezuelano é voltado para a fronteira com a Colômbia. Na fronteira com o Brasil, tudo o que Maduro tem é uma brigada de engenharia de selva muito capenga”.

O Grupo de Lima foi criado justamente por causa da dramática crise venezuelana e, dos seus 14 países, só um, o México, se manteve aliado ao inacreditável Nicolás Maduro e se recusou a reconhecer Juan Guaidó como presidente interino. Além de Mourão, a reunião contará também com a presença de presidentes da região e do vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence. Os dois vices discursarão.

Maduro pode ser louco, irresponsável e patético, deu um xeque-mate na comunidade internacional e jogou a Venezuela no centro de uma delicada questão geopolítica. Ilhado, rejeitado por meia centena de países, ele contrapôs EUA, de um lado, e China e Rússia, de outro. E o Brasil, como a Colômbia, foi arregimentado por Washington para agir.

Parece absurdo, mas as potências reagem ao colapso da Venezuela, que mata pessoas e gera o êxodo de milhares de famílias, como questão meramente ideológica. Os EUA tentam recuperar a velha hegemonia na América Latina, a China e a Rússia usam o pobre país contra a grande potência, ou contra um mundo unipolar.

A ação brasileira, a reboque dos EUA, combina com o discurso de campanha do presidente Jair Bolsonaro e com os escritos do chanceler Ernesto Araújo, mas deixa setores produtivos, exportadores e até oficiais de alta patente de cabelo em pé. Segundo um deles, que não quis se identificar, “nós entramos numa fria”. E explicou: “Não faz muito sentido essa aliança tão incondicional com os EUA. Qualquer consequência negativa (da ação na Venezuela) não vai recair sobre eles, vai recair sobre nós”.

A verdade é que era impossível simplesmente lavar as mãos diante do caos na Venezuela, mas são poucas as alternativas. As pontes diplomáticas implodiram, uma invasão militar é fora de cogitação e não dá para recuar. O impasse é que o Brasil tem de fazer alguma coisa, mas não tem ideia do que fazer.

Um grande complicador, como reconhece o vice Mourão, é a falta de canais com o governo e as instituições venezuelanas. “Estamos sem informações fidedignas, sem tem com quem falar e em quem confiar”, admitiu. Como já dito neste espaço, militares brasileiros olham com desconfiança os venezuelanos, considerados muito vulneráveis à corrupção.

Quanto mais o regime fazia água, mais oficiais iam sendo promovidos e hoje há 1.300 generais, o que seria cômico, não fosse trágico. Essa gente toda está pendurada na PDVSA (a petroleira equivalente à Petrobrás), nos projetos e obras ao longo do Rio Orinoco, em confortáveis embaixadas mundo afora.

Quem sofre é o povo, como sempre na história. A Venezuela virou um bunker de Maduro, enquanto Brasil, Colômbia e Chile, entre outros, quebram a cabeça para intervir sem uso de armas. “Ninguém vai entrar numa canoa furada”, diz Mourão, rechaçando ação militar. Ainda bem, mas só fazer show na fronteira não vai resolver nada. Qual a alternativa?


Eliane Cantanhêde: Maduro e os militares

Maduro só não caiu porque tem sustentação das Forças Armadas, altamente corruptas

É altamente constrangedor, mas a verdade é que o último elo de sustentação do agonizante regime de Nicolás Maduro são as Forças Armadas da Venezuela e elas são, antes mesmo de Hugo Chávez, incluídas entre as mais corruptas das Américas.

Essa avaliação percorre os gabinetes militares do governo Jair Bolsonaro, que busca portas e atalhos para manter-se informado não apenas sobre a situação e os movimentos do próprio Maduro, como também sobre a disposição e as divisões dentro das Forças Armadas, que têm mais de mil generais. Um espanto!

Maduro é tratado no Brasil, no governo e fora dele (exceto em parte do PT), como patético, mas, ainda assim, perigoso. As Forças Armadas são fundamentais para apagar esse último adjetivo, mas insistem em apoiá-lo.

Um dia depois do grande momento de Bolsonaro, com o lançamento da “nova Previdência”, a quinta-feira foi tomada pela surpresa e pela discussão sobre a decisão de Maduro de fechar as fronteiras entre os dois países para impedir a entrada de caminhões com alimentos e medicamentos.

De certa forma, é uma declaração de guerra, ao menos de guerra branca. Curiosamente, o vice Hamilton Mourão vai participar da reunião do Grupo de Lima, em Bogotá, e Bolsonaro se reuniu com os ministros Augusto Heleno (GSI) e Santos Cruz (Secretaria de Governo), além de Onyx Lorenzoni (Casa Civil), sem convocar o chanceler Ernesto Araújo, só contatado por telefone. Depois, o porta-voz Rêgo Barros evitou um tom beligerante ou qualquer vestígio de ameaça, só avisando que a “Operação Acolhida” está mantida.

A situação é delicada por vários motivos, principalmente porque há um cerco de 50 países à Venezuela, isolada, desabastecida, em desgraça, mas ninguém sabe, ou diz, qual a saída de fora para dentro. Em articulação, ou até arregimentados pelos EUA, o Brasil e a Colômbia atraíram para si não apenas os holofotes, mas a responsabilidade pela solução do problema, e sem a via diplomática, implodida por Maduro. Sem a via diplomática, o que resta?

No mais, a gravíssima crise na Venezuela envia claros sinais para o Brasil, até porque, lá, o regime Chávez surgiu de um acordo entre a cúpula das Forças Armadas e parcelas da esquerda, sendo o próprio Chávez o instrumento e uma síntese dessa aliança. No Brasil, a “nova era” é resultado da indignação das Forças Armadas, muito particularmente do Exército, e de parcelas da direita, sendo Bolsonaro o instrumento e uma síntese dessa aliança.

Lá e cá, o estopim foi a exaustão, dos militares, de setores políticos e da própria população, diante da desordem, da corrupção, dos abusos das elites. Logo, os objetivos foram os melhores possíveis, mas, entre a teoria e a prática, entre a intenção e a execução, há um inferno cheio de variados demônios.

Como todo autoritário, convicto de que é dono da verdade, da pureza, das melhores intenções e da solução, Chávez foi cometendo um erro atrás do outro, até chegar ao mais dramático deles: não preparou um sucessor e, ao morrer, jogou o seu país no colo de Maduro, despreparado e irresponsável.

O mais chocante é que, assim como deram suporte à aventura Chávez, os militares garantiram a ascensão de Maduro. Logo, como lamentam generais brasileiros, os dois fatores confluíram: a velha corrupção arraigada nos comandos venezuelanos e a nova e doce sensação de poder, com a política entrando e inundando os quartéis.

Os militares brasileiros não têm absolutamente nada a ver com os venezuelanos. Profissionais, muito bem treinados, respeitados no mundo todo e sempre líderes das pesquisas, eles estão no centro das discussões sobre as saídas para o país vizinho, mas com uma certeza: o uso da força não é uma dessas saídas.