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Eliane Catanhede: O presidente sumiu!

Acossado pelas pesquisas e impeachment, Bolsonaro vira pária no próprio governo

O Brasil virou um pária internacional e o presidente Jair Bolsonaro vira um pária no seu próprio governo, onde generais, ministros, assessores e palpiteiros deixam o presidente para lá, enquanto preparam campanhas a favor da vacinação e escrevem mensagens para Joe Biden desconsiderando exatamente tudo o que pensa, diz, faz e representa Bolsonaro. É hora de interditar o presidente e agir para o governo não ruir.

A palavra impeachment circula lado a lado com o vírus, a popularidade despenca e protestos e panelaços pipocam pelo País, diante do fim das trevas nos Estados Unidos, da pandemia inclemente, a asfixia de Manaus, a variação ainda mais ameaçadora da Covid 19, o fim do auxílio emergencial, empresas quebrando, milhões de desempregados. O Planalto acordou.

Bolsonaro fala em “morte, invalidez e anomalia” ao se referir à “tal vacina chinesa do Doria”, diz “não vou tomar, ponto final” e faz campanha aberta contra a vacinação obrigatória. Se não tomar e morrer? Vale seu mantra: “E daí? O que eu posso fazer? Não sou coveiro”. Mas a campanha do seu governo passa a ser diametralmente oposta, enquanto ministros, parlamentares e empresários vivem um corre-corre para curar as feridas com a China e garantir insumos e doses.

Foi até um tanto patético o ministro do marketing, Fábio Faria, arrastar Pazuello, o chanceler Ernesto Araújo e o Zé Gotinha para receber, não uma, mas duas vezes, em São Paulo e no Rio, as mesmas duas milhões de doses da Oxford/Astrazeneca vindas da Índia. A vacinação já tinha começado no Brasil havia cinco dias, a quantidade de doses era um quinto das já disponíveis e só suficiente para uma parcela ínfima das prioridades. Logo, foi muito ministro para pouca vacina. E com discursos não sobre vacinas e sim sobre Bolsonaro.

O presidente combate isolamento e máscaras, mas seus ministros passaram a aparecer em público, mesmo ao ar livre e fora de aglomerações, devidamente mascarados. Ele é garoto propaganda da cloroquina, que custou caro às Forças Armadas, derrubou ministro e virou protocolo do Ministério da Saúde, mas o general Eduardo Pazuello tira o corpo fora e o documentos do ar, negando protocolos de “tratamento precoce”.

E Biden? O alvoroço começou cedo no dia da posse, para Bolsonaro se comportar feito gente grande, depois de encampar a lenga-lenga de fraude na eleição americana, demorar 38 dias e ser o último líder do G-20 a admitir a derrota de Donald Trump. O texto, de 15 parágrafos, valoriza as relações entre os dois países, as liberdades, a democracia, o meio ambiente e o Acordo de Paris. Logo, Bolsonaro deve ter assinado sem ler. O presidente é um, o presidente da mensagem para Biden é outro.

Vira e mexe, o tenente insubordinado, tornado capitão por força das regras, se autoproclama militar e põe as Forças Armadas numa enrascada, ao enveredá-las, via palavras e atos, por numa teia perigosa: a de insinuações e ameaças à democracia e às instituições, usando os nomes e símbolos das três Forças e até o ministro da Defesa. É hora de “meia volta, volver”. Ele cala, o governo e as Forças propagandeiam a democracia. Fica com a PGR acenar com estado de defesa.

“Quem manda sou eu, não abro mão da minha autoridade”, continuará gritando Bolsonaro, enquanto carrega criancinha em palanques, devora canapé em evento militar e deixa os garotos brincarem de líderes de algo como direita revolucionária armada. Há um vácuo na Presidência, mas ele vai controlar o Congresso, trancar o impeachment e deixar o governo manipular a opinião pública. A internet, o Centrão, as bancadas do boi, da bala e da bíblia e parte da esquerda fazem o resto. O Brasil é um pária internacional, com um presidente que mais ajuda sendo pária no seu próprio governo.


Eliane Cantanhêde: No mundo do jet ski

Motivos para processo de impeachment há, o que não há são condições políticas e objetivas

Que o governo Jair Bolsonaro é um desastre nas mais variadas áreas, senão em todas, ninguém minimamente informado e conectado à realidade tem dúvida. Daí a imaginar que o impeachment está à vista é apenas um sonho de verão, ou de tempos de pandemia. Motivos há de sobra. O que falta são ambiente político e condições objetivas, por enquanto.

Como esquecer a reação do presidente quando o Brasil ultrapassou cinco mil mortes por covid-19: “E daí? Querem que faça o quê?”. Como esquecer a cena do presidente passeando de jet ski no dia em que o número de mortos passou de dez mil? A gota d’água é a falta de gotas de vacina. “Querem que eu faça o quê?” Que governe o País, garanta e defenda as vacinas, salve vidas.

Bolsonaro, porém, nunca deixou de passear no seu jet ski pela realidade virtual em que vive, feliz, todo sorrisos, fazendo campanha antecipada pela sua reeleição, em vez de fazer campanha imediata pela vacinação. Ultrapassa todos os limites de provocação, irresponsabilidade, falta de respeito e bom senso. E é o principal culpado por trazer de volta a palavra impeachment ao cotidiano nacional.

Pelo temor de a pandemia gerar processo de impeachment e descambar para crise social, política e institucional, o procurador-geral da República, Augusto Aras, deixou o País de prontidão com uma nota em que admite até estado de defesa, previsto pelo artigo 136 da Constituição para restringir liberdades individuais em cenários de caos.

Soou como ameaça, por vários motivos: Aras é aliado e se sente devedor do presidente, que o pinçou para a PGR fora da lista tríplice; Bolsonaro ultrapassa limites todo santo dia; a incúria do governo compromete a vacinação da população; o auxílio emergencial acabou e milhões ficarão na miséria, cara a cara com a fome. Logo, a hipótese de impeachment não é mais absurda.

A reação a Aras foi forte, de ministros do Supremo, parlamentares e dos próprios procuradores, que focaram em dois pontos da nota: 1) a ameaça de estado de defesa, num ambiente em que o presidente enaltece ditadores e atiça as Forças Armadas e 2) a versão de Aras de que crimes de responsabilidade praticados por agentes públicos são de competência do Legislativo. A avaliação é de que o procurador tenta lavar as mãos e que uma autoridade saber com antecedência do risco iminente de falta de oxigênio e não evitar que pessoas morram sufocadas é crime comum, logo, compete aos tribunais e ao Ministério Público.

A nota de Aras embola Bolsonaro, pandemia, os erros do governo e algo de imensa importância no mundo e no Brasil, que é a troca de Donald Trump por Joe Biden nos EUA. O governo é um desastre internamente e o último fiapo da política externa esgarçou. Em vez de reagir corrigindo os erros, Bolsonaro dobra a aposta e teme-se que, acuado, sinta-se tentado a chutar o pau da barraca, recorrendo a instrumentos excepcionais, como o estado de defesa.

Como imaginar impeachment, porém, se o candidato de Bolsonaro é favorito a presidente da Câmara, o PT apoia o candidato dele no Senado, governadores e prefeitos são investigados por desvios de recursos para leitos e respiradores e, agora, políticos, empresários e imorais de toda sorte furam fila para roubar as (já poucas) vacinas dos profissionais de saúde?

É dramático admitir, mas Bolsonaro é resultado e parte desse descalabro e conta com súditos fiéis para garantir pontos nas pesquisas e até bater bumbo pelas duas milhões de doses que devem pingar hoje no País, vindas da Índia. Chegam atrasadas, não resolvem nada, são uma gota no oceano para os brasileiros, mas os seguidores de Bolsonaro são craques em trocar a realidade pela versão do mito. Que vai ficando.


Eliane Cantanhêde: Para que serve um chanceler?

No Brasil, Ernesto Araújo cai como uma luva para a política externa beligerante do presidente Jair Bolsonaro. Ou melhor, para a não política externa

A emocionante posse de Joe Biden e Kamala Harris dispara uma pergunta que não quer calar no Brasil: para que serve um chanceler, em qualquer país, de qualquer região, que vive numa guerra de nervos com a China e agora também com os Estados Unidos, as duas maiores potências econômicas do mundo? A resposta óbvia seria que não serve para nada, mas depende... No Brasil, o chanceler Ernesto Araújo cai como uma luva para a política externa beligerante do presidente Jair Bolsonaro. Ou melhor, para a não política externa.

E, neste momento de pandemia, aumento de casos, nova cepa do coronavírus e falta de vacinas, há uma segunda questão: para que serve um chanceler que não tem interlocução com a própria China e com a Índia, os dois maiores fornecedores de vacinas e insumos farmacêuticos do mundo? Para nada? Depende. Pode ser perfeitamente adequado quando o próprio presidente nega a pandemia, desdenha das mortes e dá de ombros para a vacina.

Bolsonaro, porém, não tem alternativa. Ou dá um cavalo de pau na política externa e muda Araújo e sua turma ou vai ter muito problema com a era Biden. Se, com Donald Trump, Bolsonaro deu muito e o Brasil não recebeu nada, política e comercialmente, a expectativa é a de que, com Biden, a pressão por democracia, direitos humanos e meio ambiente vá disparar.

Nos dois primeiros anos, Bolsonaro e Araújo se esmeraram em espancar os principais parceiros brasileiros, a partir de China, Argentina, França, Alemanha, Chile e mundo árabe, no pressuposto de que Trump bastava. Assim, o Brasil perdeu o que tinha e não ganhou o que não tinha. Os parceiros se descolaram, os EUA não contribuíram em nada e ainda tiraram vantagem dos devaneios ideológicos juvenis de Bolsonaro. Aliás, dos Bolsonaros.

A especialidade do presidente é usar bodes expiatórios para executar as próprias políticas estapafúrdias. O general Eduardo Pazuello apanha pela incúria no combate à pandemia, Ricardo Salles é alvo até do Ministério Público pelo desmonte no Meio Ambiente e Ernesto Araújo é o para-raios para o desastre da política externa. Mas todo mundo sabe, principalmente os militares do Planalto, que não adianta só trocá-los. Eles têm chefe. É Bolsonaro quem tem bons motivos para não dormir, nem nesta nem nas próximas muitas noites.


Eliane Catanhede: Estado de Defesa, antessala das ditaduras

Aras teme instabilidade institucional com a pandemia e diz que processo de crime de responsabilidade é com Legislativo

O mundo jurídico e político considerou extremamente grave a nota em que o procurador-geral da República, Augusto Aras, acenou com a possibilidade, ou risco, de decretação de Estado de Defesa diante da pandemia e de suas consequências sociais e políticas. Para uns, é um “alerta”. Para outros, uma “ameaça”. Como Aras alertou, o Estado de Calamidade é antessala do Estado de Defesa, mas faltou acrescentar: o Estado de Defesa é a antessala do Estado de Sítio e o Estado de Sítio, antessala das ditaduras.

Pela Constituição, no artigo 136, cabe ao presidente da República decretar o Estado de Defesa para, por exemplo, “restabelecer a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional”. Com a medida, o presidente se autoconcede o poder de determinar pesadas restrições até aos direitos de reunião e aos sigilos de correspondência e de comunicação telefônica e telegráfica.

Portanto, a pergunta que fica no ar é clara: o procurador-geral da República, apontado como aliado e defensor do presidente Jair Bolsonaro, considera seriamente a hipótese de instabilidade institucional, com crise social, econômica e política e até distúrbios de rua no País?

Por telefone, Aras disse que sua intenção “foi alertar que não vivemos um período de normalidade”. Segundo ele, “a segunda onda da pandemia está vindo muito forte e devemos ter temperança e prudência para que a pandemia não gere outros problemas tão ou ainda mais graves”. Na nota, ele deixa no ar o medo de crise política e institucional ao falar da necessidade de respeitar a Constituição e as leis para “preservar a estabilidade do Estado democrático”.

Em Brasília, a interpretação é que Aras sentiu o peso da pressão e refletiu o que todos sentem neste momento: quanto mais a pandemia se alastra e faltam vacinas por culpa direta de Bolsonaro, mais crescem a reação do Supremo e a pressão pelo impeachment do presidente. O temor é que Bolsonaro tente retaliar com alguma medida de exceção.

Na nota, Aras destacou que os processos por crime de responsabilidade de agentes públicos, inclusive do presidente da República, cabem ao Legislativo, não à PGR. Boa lembrança, quando os candidatos de Bolsonaro, deputado Arthur Lira (PP-AL) e senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), são favoritos para as presidências das duas casas do Congresso. No Senado, aliás, com apoio do PT, o principal partido de oposição.

*COMENTARISTA DA RÁDIO ELDORADO, DA RÁDIO JORNAL (PE) E DO TELEJORNAL GLOBONEWS EM PAUTA

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Eliane Cantanhêde: Depois da festa, a ressaca

Mais uma que Jair Bolsonaro perde e ele some, cala e usa o general de escudo

Passada a festa histórica da primeira vacinação em São Paulo, vem a ressaca e, com ela, a realidade de um Brasil onde o presidente da República nega a pandemia e combate a vacina, o ministro da Saúde oscila entre ignorância, prepotência e mentira e, nessas mãos, o futuro da imunização é incerto, não sabido e preocupante.

Goste-se ou não dele, é graças ao governador João Doria que o Brasil pôde começar a vacinar e os Estados estão recebendo avidamente suas primeiras doses. Se dependesse do presidente Jair Bolsonaro e do ministro Eduardo Pazuello, não haveria vacina nenhuma e estaríamos todos chorando as mágoas e os mortos com cloroquina (ou “tratamento precoce”, que a própria Anvisa desautoriza).

Obrigado agora a engolir em seco e requisitar todas as doses de São Paulo, Bolsonaro atacou a Coronavac por meses, depois de desautorizar Pazuello e cancelar a compra de 46 milhões de doses já anunciadas aos governadores: “Vacina chinesa do Doria? Não vou comprar”; “Já mandei cancelar. O presidente sou eu, não abro mão da minha autoridade”. Mais adiante, quando um voluntário se suicidou, o presidente acusou a Coronavac de “morte, invalidez e anomalia” e comemorou: “Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”. Danem-se os brasileiros.

No fim, quem ganha? Derrotado e humilhado, o presidente, que mandava o brasileiro reagir à doença “como homem, não como maricas”, escondeu-se mudo no Alvorada, usando Pazuello como seu escudo, assim como Ricardo Salles no Meio Ambiente. Um manda, outros obedecem. Um erra, outros aguentam o tranco. E Pazuello diz que o governo federal pagou toda a pesquisa, importação e produção da Coronavac (??!!), culpa a umidade pelo colapso de Manaus, alega o fuso horário para justificar a falta de vacinas da Índia e jura que nunca indicou cloroquina. Espantoso.

O “dia D” do general para a vacinação foi em março, dezembro de 2020, janeiro, fevereiro, voltou para janeiro e foi ontem graças a Doria e à Anvisa. E a “hora H” da entrega das doses a Estados seria às 9h, ficou para a tarde em alguns e acabou varando a madrugada para outros, com autoridades plantadas em aeroportos. Bem. Se deixou milhões de testes jogados até perderem a validade, se não negociou nem diversificou acordos com laboratórios, se não providenciou nem seringas e agulhas, por que acertaria na distribuição de vacina?

Depois da festa de domingo em São Paulo, mesmo assim, ontem foi dia de vacinação até no Cristo Redentor, no Rio, mas uma pergunta ronda o País: e quando essas doses acabarem? Seis milhões de doses não cobrem nem os profissionais de saúde e não há previsão para atingir uma população-alvo tão gigantesca. Assim como tem de contar com oxigênio da Venezuela, o Brasil não consegue vacinas da Índia nem insumos da... China. Talvez Bolsonaro tenha de ligar para o presidente Xi Jinping, desculpar-se pelos desaforos e pedir socorro.

De um lado, o início da vacinação abriu uma onda de esperança e a sensação de que está tudo resolvido, aglomeração e abraços já! De outro, as doses disponíveis são poucas, a nova cepa do coronavírus é muito mais contagiosa e a falta de planejamento e de responsabilidade do governo federal não garante a continuidade da vacina. Logo, o temor é de que, neste primeiro momento, os casos, e em consequência as mortes, aumentem.

E escrevam o que o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta diz: cuidado com o uso que Bolsonaro pode fazer de eventuais acidentes de percurso. Se uma pessoa já contaminada for vacinada em período de incubação, corre o risco, sim, de pegar uma forma grave e até de morrer. Não custa muito para Bolsonaro forçar um nexo da morte com a vacina. O fato é que, depois de perder a foto, o timing e a glória pela vacina, ele vai contra-atacar. É só questão de tempo. E como.


Eliane Catanhede: Vacina é vitória do Brasil, derrota de Bolsonaro

Bolsonaro, que, em vez de se empenhar pela vacina, guerreia contra ela, saiu do ar e deixou o general Eduardo Pazuello na linha de frente contra Doria

Antes tarde do que nunca, o Brasil entra na lista de mais de 50 países que já imunizam suas populações contra a covid-19 e o domingo, 17/01/21, é “o dia da vitória, da vacina, da verdade e da vida”, como comemorou o governador de São Paulo, João Doria. Quanto mais isso é real, mais lamentável fica a guerra política, até no dia D, entre Doria, o vitorioso, e o presidente Jair Bolsonaro, o grande derrotado.

Doria foi quem planejou, se dedicou obstinadamente à Coronavac, é o primeiro a vacinar um brasileiro no Brasil e não desperdiçou seus 15 minutos de glória, com direito a emoção e choro. Bolsonaro, que, em vez de se empenhar pela vacina, guerreia contra ela, saiu do ar e deixou o general Eduardo Pazuello na linha de frente contra Doria. E Pazuello não disfarçou a dor de cotovelo.

Enquanto Inglaterra, França, Alemanha, EUA, Chile, Argentina, México... já vacinam seus cidadãos, o Brasil uniu indigência e guerra política. Sem estratégia, sem rumo, o Ministério da Saúde não negociou nas diferentes frentes e pendurou-se numa única vacina, a Oxford/Astrazeneca, que até agora ninguém sabe, ninguém viu no Brasil.

Além de não mexer uma palha para garantir imunização, Bolsonaro atacou a Coronavac como “vacina do Doria” e “vacina da China”, atiçou sua tropa de internet contra a vacina, bateu no peito ao dizer que não se vacinaria. Com que cara fica agora? A foto da primeira vacina é do Doria. E Pazuello só consegue anunciar o início da vacinação nacional na quarta graças à Coronavac. Nesta segunda, às 7 da manhã, ele vai fazer o que acusou Doria de fazer: “golpe de marketing”. Ops! E com a vacina do Doria...

A derrota de Bolsonaro arrasta os bolsonaristas de internet. Eles, que comemoraram a quebra do lockdown em Manaus e agora se calam diante do resultado, compararam as vacinas com a talidomida, desmoralizaram a Coronavac, ironizaram a China e, no próprio Dia D, antes do aval da Anvisa, postavam que idosos doentes se vacinaram e morreram na Noruega. Privilegiaram a guerra ideológica, desdenharam da guerra pela vida. Mas o Brasil vai sobreviver à pandemia. E a eles.

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Eliane Cantanhêde: A dupla do balacobaco

No Brasil faltam oxigênio, vacina, ministro da Saúde e presidente, mas panela faz barulho

Afinal, o que o ministro da Saúde, general da ativa Eduardo Pazuello, foi fazer em Manaus? Não viu, não ouviu e não soube nada, nem que o caos estava instalado e que as pessoas estavam prestes a ver seus pais, filhos e amores morrendo asfixiados, por falta de oxigênio nos hospitais. Ele só foi lá para uma coisa: tirar foto. E aproveitou para empurrar cloroquina encalhada para a população em pânico, como poção mágica. 

O colapso de Manaus e a crise das vacinas são a história de uma tragédia anunciada. Cadê o oxigênio para o Amazonas? Cadê as vacinas para os brasileiros? Cadê as seringas e agulhas? Cadê um plano nacional detalhado com governadores e prefeitos? Cadê o “dia D e a hora H”? Já foram em março, dezembro, fevereiro, janeiro e o último chute foi o dia 20, próxima quarta-feira. Se fosse uma guerra tradicional, os soldados do intendente ficariam sem armas, sem balas e sem coturnos. 

A ida de Pazuello a Manaus teve o efeito oposto ao desejado: jogou a tragédia devidamente no colo do governo federal e agravou de vez a irresponsabilidade criminosa do presidente Jair Bolsonaro na pandemia. Os vídeos, fotos e depoimentos desesperados de médicos e parentes rodaram o mundo, revelando um pandemônio, um inferno. Bolsonaro tentou culpar o Supremo, a nova cepa do vírus, o raio que o parta. Não cola. E ainda produziu duas pérolas: “Do Brasil, cuido eu”, “Fizemos a nossa parte”. Sim, nós vimos. 

E por que Bolsonaro insistiu tanto em trazer um tico de vacina da Índia a toque de caixa? Anunciou avião para um bate-volta, enviou bilhetinho para o primeiro-ministro Narendra Modi e acionou o Itamaraty para implorar aos indianos ao menos 2 milhões de doses (para 260 milhões de habitantes...). Todo esse empenho, que nunca se dignou a ter contra a pandemia, foi com um único objetivo: tirar a foto do primeiro vacinado antes do governador João Doria

Foi tudo um blefe. Desde o início, a Índia desconversou, pois a prioridade, obviamente, eram 1,3 bilhão de indianos. O governo brasileiro, porém, garantiu que as doses viriam, anunciou o voo para quinta-feira, adiou para sexta, contou com a autorização de uso emergencial da Anvisa hoje, convocou governadores para a próxima terça e marcou o início da vacinação para quarta. Puf! O cronograma evaporou. Era só parte da realidade paralela de Bolsonaro. Nem a Fiocruz pôde salvar. 

O presidente, que vai negar a pandemia até o túmulo, combate isolamento e máscara, chama de “maricas” quem leva ciência e vida a sério, desdenha dos agora quase 210 mil mortos e trabalha contra vacinas. “Não tomo, pronto!”, anunciou, para confirmação internacional de que tipo de pessoa preside o Brasil. E insiste em fazer campanha contra a obrigatoriedade da vacina – que salva vidas e é a única fórmula para vencer a pandemia e retomar a normalidade da economia e do País. 

A dupla Bolsonaro-Pazuello é do balacobaco. “Quem manda” se esmera em negar a pandemia e dar maus exemplos. E “quem obedece” virou chacota. Os dois produzem um espetáculo grotesco ao buscar um destino para milhões de doses de cloroquina que Bolsonaro pediu ao “amigão” Donald Trump, obrigou os laboratórios das Forças Armadas a produzir e agora empurra goela abaixo das secretarias de Saúde. 

Sem a vacina da Índia (que é para inglês ver e bolsonarista bater bumbo), sem uma gota da Pfizer ou da Moderna, sem negociação com a Sputnik 5, que corre por fora, Bolsonaro só tem uma chance de dar uma rasteira em Doria e tirar a foto antes dele: “roubando” para si a vacina “do Doria” e “da China”. Goste ou não, ela é a única no Brasil, onde faltam oxigênio, vacina, ministro da Saúde e presidente, mas panela faz barulho. Dilma Rousseff sabe disso. Bolsonaro está começando a aprender. 


Eliane Cantanhêde: À Fiocruz e ao Butantã, tudo!

Sobrevivente das perseguições, Fiocruz pode dar a primeira foto da vacina a Bolsonaro

Fiocruz foi salva da sanha bolsonarista pelo gongo, ou melhor, pela pandemia, e por essas ironias do destino passou a ser crucial para o presidente Jair Bolsonaro e sua obsessão em começar a vacinação contra a covid-19, mesmo que apenas simbolicamente, antes do governador de São Paulo, João Doria. De perseguida, a Fiocruz passou a ser a salvação da lavoura presidencial.

Useiro e vezeiro em perseguir instituições de excelência, em praticamente todas as áreas, Bolsonaro deu aval ao ataque do então ministro Osmar Terra à Fiocruz, logo no primeiro semestre do governo, em 2019. Médico e deputado federal em sexto mandato, Terra cismou com uma pesquisa da Fiocruz que custou R$ 7 milhões, envolveu três anos, 500 pesquisadores e 16 mil entrevistados e concluiu que não havia epidemia de drogas no Brasil.

“Não confio nessa pesquisa da Fiocruz”, disse ele sobre um dos orgulhos nacionais, reconhecido no mundo inteiro. Como não confirmava suas certezas pessoais, só podia ser coisa de esquerdistas. E, assim como crê em epidemias fantasiosas, ele nega a pandemia real – e faz a cabeça do presidente. O Ministério da Saúde alertava para 180 mil mortos em dezembro de 2020. Terra apostou em 4 mil e manteve o desdém mesmo depois de contaminado, com sete dias de UTI e 80% do pulmão comprometido.

A Fiocruz, porém, foi só uma das perseguidas. O presidente é investigado pelo Supremo por interferência política na PFdemitiu o presidente do Inpe por desacreditar nos dados de desmatamento, promoveu o desmanche de ICMBio e Ibama, pôs um simpatizante do nazismo na Cultura e um negro racista na Fundação Palmares. Também mirou BNDES, IBGE, Coaf, Receita, Ancine e o BB, cujo presidente está para cair quatro meses após a posse. Sem falar na Saúde...

A Fiocruz sobreviveu e sua presidente acaba de ser reconduzida até 2024, por causa da pandemia. Nísia Trindade Lima é de áreas diametralmente opostas às que interessam Bolsonaro: servidora da fundação desde 1987, é doutora em Sociologia, mestre em Ciência Política, professora e pesquisadora. E tornou-se fundamental na vacinação contra a covid-19 no Brasil.

A Fiocruz é responsável pela produção da vacina Oxford/AstraZeneca, a grande, ou única, aposta do governo federal que, desde o anúncio da vacinação no dia 25 em São Paulo, passou a ter muita pressa. O primeiro lote, de dois milhões de doses prontas, deve chegar da Índia neste fim de semana e a foto do primeiro vacinado pode sair semana que vem. Depende da Anvisa.

A esse esforço soma-se o do Instituto Butantã, que começou cedo a corrida pelas vacinas e fez parceria com a Sinovac, da China, para produzir a Coronavac, que chegou primeiro ao solo nacional, já tem perto de 11 milhões de doses prontas para aplicação e é resultado do empenho do governo de São Paulo.

A história da Fiocruz começa em 1900, no Rio, e a do Butantã, em 1901, em São Paulo, ambas forjadas na guerra contra a peste bubônica que assolava o País. Ambas merecem respeito, confiança, investimento, orgulho e gratidão de todos os brasileiros e, se há uma guerra política insana entre Bolsonaro e Doria e o general Eduardo Pazuello não fala coisa com coisa, é problema lá deles.

A pandemia salvou a Fiocruz de intervenção e a Fiocruz dá a Bolsonaro a chance da primeira foto da vacinação, mas a história vai registrar o que o ministro do STF Ricardo Lewandowski chamou de “incúria” do governo federal e “diligência” do governo de São Paulo. Para nós, cidadãos, que estamos vendo milhões de pessoas vacinadas mundo afora e os mortos chegando a 210 mil no nosso país – até por asfixia, como no Amazonas –, dane-se a guerra política. Viva o Butantã! Viva a Fiocruz! E que venham as vacinas!


Eliane Cantanhêde: ‘Dia D e hora H’

Como Dilma, Pazuello não tem meta nem vacina, mas vai dobrar meta e vacina, um dia, talvez

papa Francisco, o próximo presidente americano, Joe Biden, a rainha da Inglaterra, Elizabeth II, o seu marido, príncipe Phillips, e até o vice-presidente brasileiro, Hamilton Mourão, que já teve a doença, estão se vacinando ou já anunciaram que vão se vacinar contra a covid-19, dando exemplo para os cidadãos de seus países e para o mundo. E o presidente Jair Bolsonaro?

A pandemia não está no “finalzinho”, como ele chegou a dizer quando o vírus voltou a disparar em dezembro, e as vacinas são a única salvação contra seus efeitos assustadores no número de mortos, contaminados, desempregados e empresas quebradas. A última vítima, muito doída, foi a montadora norte-americana Ford, que foi a primeira indústria automobilística a se instalar no Brasil, em 1919, e abandona o País depois de mais de cem anos.

Em comunicado, a empresa alegou que a covid-19 “amplia a persistente capacidade ociosa da indústria e a redução das vendas, resultando em anos de perdas significativas”. Ou seja: a covid-19 não é a única causa da debandada, mas potencializa o custo Brasil, a falta de segurança jurídica, a desordem tributária, as reformas estruturais que nunca vêm, a crise fiscal que se eterniza, as promessas que não são cumpridas e, como frisou o deputado Rodrigo Maia pelas redes, “a falta de credibilidade do governo brasileiro”. E a Ford joga a toalha justamente quando o Brasil se debate na turbulência das vacinas.

Nem mesmo a ex-presidente Dilma Rousseff, campeã de pérolas, como a mandioca, o cachorro, a “mulher sapiens”, a estocagem do vento e dobrar uma meta sem meta, faria melhor que o general Eduardo Pazuello. Dilma anunciou um programa sem meta e prometeu que, assim que tivesse meta, dobraria essa meta. Pazuello faz tudo o que seu mestre mandar, ataca a mídia e, firme, resoluto, define com precisão que as vacinas vão começar “no dia D, na hora H”. Puxa!

Enquanto EUA, Reino Unido, Canadá, Alemanha, México, Chile, Argentina, Costa Rica e uma fila enorme de países vão vacinando suas populações, no Brasil estamos empacados tanto no “dia D”, que já foi em março, depois fevereiro, depois dezembro e agora pode ser janeiro, ou fevereiro, quanto na “hora H”, que pode ser qualquer uma, desde que Bolsonaro e o ministro da Saúde vacinem o primeiro brasileiro antes do governador João Doria. Para Bolsonaro, que manda, e Pazuello, que obedece, o importante não é vacinar, é vacinar primeiro; não é ter doses para todos, basta uma única dose para a foto.

O problema é que até agora, meados de janeiro, só há uma vacina disponível para ser aplicada no Brasil: a Coronavac. Parte chegou em lotes já prontos da China, outra parte em forma de insumos para o nosso Butantã processar. Assim, a guerra entre Bolsonaro e Doria desabou numa corrida desenfreada entre a Coronavac e a Oxford-AstraZeneca, que, para driblar a falta de doses no Brasil, encomendou às pressas dois milhões à Índia. Não faz nem cosquinha numa população de 210 milhões de habitantes, mas é o suficiente para atropelar a “vacina do Doria”, ou “da China”. E a Anvisa dita o ritmo da corrida...

Bolsonaro olha ao redor, pressiona pelo “dia D”, fica de olho na “hora H” e avalia em que momento vai jogar suas culpas macabras em Pazuello, na mídia, na indústria, nos governadores e no Doria. Ele não quer saber de eficácia de vacina, só do efeito dos atrasos e da incompetência na sua imagem, popularidade e reeleição.

Logo, o importante não é vacinar para salvar vidas e conter a pandemia. É ter uma vacina para se imunizar contra a própria culpa e responsabilidade e continuar contaminando aquele terço da população que pode até não tomar vacina, mas engole tudo o que Bolsonaro fala e faz.


Eliane Cantanhêde: No pântano da irracionalidade

Até o Twitter baniu Trump, mas Bolsonaro insiste em afundar com ele, levando o Brasil junto

"Errar é humano, mas insistir no erro é burrice." Esta velha máxima pode ser usada para o governo Jair Bolsonaro diante da ebulição política dos Estados Unidos, mas com acréscimos. Insistir no erro de apoiar Donald Trump acima de tudo e da razão não é burrice, ou não apenas burrice, é irresponsabilidade com o País e sugere más intenções.

Trump vem sendo condenado pelo mundo democrático por ter incitado sua milícia a atacar a maior democracia, maior economia e maior potência militar do planeta. Foi sob seu comando que a turba se armou, se fantasiou e se animou a ocupar o Capitólio, quebrando, destruindo, ameaçando os representantes do povo.

Até Boris Johnson, primeiro-ministro do Reino Unido e legítimo líder de direita, condenou a inconsequência de Trump, um homem incapaz de conviver com algo inerente à vida: derrotas. Isso mostra o quanto a condenação a Trump não é questão de ideologia, é mais do que isso. Não se trata de direita versus esquerda, mas sim de democracia versus barbárie, até de sanidade versus insanidade.

Um líder mundial banido do Twitter por incitação à violência! Foi isso que aconteceu a Trump, na reação em série que inclui Joe Biden falando em "terrorismo doméstico" (aliás, como escrevi na primeira hora) e a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, advertindo que Trump tem acesso até o dia 20 à "bola de futebol" e ao "biscoito" que podem acionar uma guerra nuclear. Até isso teme-se de Trump!

Assim, por ação do próprio presidente da República, os Estados Unidos foram reduzidos a "republiqueta de bananas", sofrerem um ataque terrorista interno e convivem com suspeitas e temores sobre guerras nucleares. Esse é o clima no País. Não são bobagens, nem meras piadas de mau gosto e, obviamente, preocupam o mundo inteiro.

O "pária" Brasil, porém, continua dentro de uma bolha incompreensível, em que o presidente, seu chanceler e seus filhos se mantêm firmemente agarrados ao Titanic Trump. Enquanto cidadãos, eles têm todo o direito de afundar, é um problema deles, uma decisão individual. Mas levar o Brasil junto para as profundezas dos delírios de Trump e para o perigo que ele representa?

Bolsonaro comprou sem pestanejar a versão de fraude na eleição americana, desmentida pela Justiça, fiscais independentes e... os próprios republicanos. O chanceler Ernesto Araújo, sem citar o grande culpado pelo ataque ao Capitólio, chamou os extremistas de "cidadãos de bem" e até justificou os atos, já que a sociedade "desconfia das eleições". Eduardo Bolsonaro, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, em vez de abrir, fechou ainda mais os canais com o novo governo. Nos EUA, confraternizou com os Trump (aliás, na semana da invasão) e não fez um mísero gesto para Biden.

Seria compreensível a pessoa Bolsonaro enviar um abraço para o “amigo” derrotado, mas o presidente do Brasil cutucar e negar Biden, como fez com China, França, Alemanha, Argentina, mundo árabe? Governantes não agem por impulso, emoção, conveniência pessoal, crença religiosa, certezas íntimas ou tititi de gurus e marcianos. Devem, ou melhor, são obrigados a agir de acordo com o interesse nacional, o desenvolvimento do País e o bem estar das populações.

Bolsonaro, porém, é de outra galáxia e insiste no erro de afundar com Trump no pântano da irracionalidade. Como toda ação corresponde a uma reação, o homem de Joe Biden para a América Latina no Conselho de Segurança Nacional é Juan Gonzales, que já mandou recados diretos para o presidente brasileiro e tem foco nos temas que mais opõem Biden a Bolsonaro: mudanças climáticas, direitos humanos, democracia... É péssimo para Bolsonaro, mas pode ser muito positivo, e oportuno, para o Brasil.

*COMENTARISTA DA RÁDIO ELDORADO, DA RÁDIO JORNAL (PE) E DO TELEJORNAL GLOBONEWS EM PAUTA


Eliane Cantanhêde: ‘Efeito Orloff’

Hoje, ataque à democracia nos Estados Unidos. E amanhã, nas eleições presidenciais no Brasil?

O “Mito”, ou “Trump do Brasil”, aderiu orgulhosamente à minoria extremista e violenta que vê “heróis” no lugar de terroristas naqueles que atacaram a maior democracia do mundo, vandalizaram o Capitólio e ocuparam o plenário e o gabinete da presidente da Câmara, Nancy Pelosi, em nome de uma grande mentira: a de que houve fraudes na vitória do democrata Joe Biden, que assume a presidência dos Estados Unidos no dia 20.

O presidente Jair Bolsonaro, que desde 2018 joga desconfiança sobre o sistema eleitoral brasileiro, que depois de eleito insiste que houve “fraude” na própria eleição que ele venceu, que joga lama diariamente contra a mídia e que continua deslumbrado com o derrotado e absurdo Trump, gostou do caos em Washington e aproveitou para ameaçar também a democracia no Brasil e mobilizar desde já os extremistas antidemocráticos contra as eleições de 2022. Assim como loucos, que estão por toda parte, eles existem também aqui e podem ser contados aos milhares, talvez milhões.

Sempre na contramão do mundo, Bolsonaro foi o último presidente do G20 (as 20 maiores economias do mundo) a reconhecer a vitória de Joe Biden e agora não fez como a alemã Angela Merkel nem como o francês Emmanuel Macron, que condenaram veementemente o ataque à democracia americana. Talvez, no íntimo, esteja até aplaudindo, comemorando, porque insiste na farsa de que as eleições foram fraudadas – ora, ora, nos EUA! – e se une ao esforço de Trump de reduzir a maior democracia e maior economia do planeta à condição de “Republiqueta de Bananas”, um paraíso das fraudes.

Por trás da ação criminosa de Trump e da manifestação ameaçadora de Bolsonaro, está a mesma premissa: a eleição só vale se eu vencer; se eu perder, ela não vale. Bolsonaro esboçava isso em 2018, disse e repetiu que houve fraudes na própria eleição que lhe deu a vitória e agora já projeta o descrédito para o pleito de 2022, ameaçando: “Se nós não tivermos o voto impresso em 2022, uma maneira de auditar o voto, nós vamos ter problema pior que os EUA”. 

É sem pé nem cabeça. A eleição americana, que acusa de fraude, não é por urna eletrônica. A eleição brasileira, que ele venceu, é por urna eletrônica. Logo, o que uma coisa tem a ver com a outra? E não precisa ter um QI muito alto para saber o quanto as cédulas de papel são mais suscetíveis a fraudes. Aliás, a história eleitoral no Brasil comprova.

Ao falar nas “fraudes” daqui e dos EUA sem mostrar uma única, mísera, prova, Bolsonaro aproveitou para mais uma vez desdenhar da “tal pandemia”. Seria risível, apenas vexaminoso, se as declarações não juntassem o descaso com a democracia ao descaso com a vida e a um toque macabro: as manifestações do presidente foram justamente no dia em que o Brasil atingiu 200 mil mortos pela covid-19.

Com suas ideias fixas, egocentrismo e capacidade de manipulação de massas, os presidentes dos EUA e do Brasil são um perigo tanto para a democracia quanto para a vida. Em que mundo Trump e Bolsonaro vivem? No mundinho só deles, em que só importa o que eles acham, o que lhes é conveniente. Mas Trump sai da Casa Branca para o lixo da história e o país volta a respirar normalidade com a chegada de Joe Biden, que tem maioria no Senado e na Câmara, e com a ala responsável dos republicanos dando um basta no trumpismo. E no Brasil?

Com Bolsonaro investindo contra as eleições, estimulando atos antidemocráticos, cooptando militares e policiais e armando milícias, tudo pode acontecer. Contra o Supremo, já houve teste com fogos de artifício. E contra o Congresso e a mídia, como será 2022? Nicolás Maduro, Donald Trump e Jair Bolsonaro vão ficando iguaizinhos e com seguidores dispostos a tudo, até explodir a democracia.


Eliane Cantanhêde: O alvo foi o Capitólio, não as Torres Gêmeas, mas também foi terrorismo

Havia clara previsão de tumultos, depois da ordem de comando de Trump para seus seguidores entrarem em ação. E ele é o grande culpado

Não foi a Al Qaeda, não foram as Torres Gêmeas, não morreram quase três mil americanos, mas ainda assim o que ocorreu na (ainda) maior democracia do mundo não tem outro nome: foi terrorismo, um terrorismo doméstico, interno, contra o Capitólio (o Congresso dos Estados Unidos) e atiçado pelo próprio presidente da República, Donald Trump. E onde estava a Força Nacional?

É de uma gravidade imensa para os EUA e para o mundo, jogando luzes e temores também na democracia brasileira. Não é exagero. Afinal, o presidente Jair Bolsonaro segue todos os passos de Trump, contra o multilateralismo, o Acordo de Paris, a China e todas as orientações científicas no combate à pandemia – da “gripezinha” ao estímulo à cloroquina e ao pouco caso com as vacinas. E, como Trump, ataca o sistema eleitoral, joga denúncias irreais e irresponsáveis de fraudes no ar.

Mas não é só isso. Aqui no Brasil, como lá nos EUA, Bolsonaro e Trump jamais abrem a boca para condenar assassinatos cruéis cometidos por policiais contra negros e pobres, mas fazem todo um jogo de aproximação com as forças policiais e militares. Lá, as Forças Armadas, aparentemente, não caíram na esparrela. E aqui?

Chamam a atenção: 1) o quase embaixador em Washington Eduardo Bolsonaro estar nos EUA, confraternizando com os Trump justamente neste momento; 2) o tuíte misterioso do assessor internacional da Presidência, Filipe Martins, com uma mensagem que parecia ser “a cobra está fumando” e deixou a turba bolsonarista em êxtase, antes de ser apagada; 3) o silêncio do governo brasileiro.

Tudo é chocante: os trumpistas vandalizando o Capitólio, armados, quebrando janelas, ocupando o plenário, o assento e o gabinete da presidente da Câmara, Nancy Pelosi, diante de um punhado de policiais impotentes, assustados e em alguns momentos batendo em retirada.

E não foi por falta de aviso. Havia clara previsão de tumultos, depois da ordem de comando de Trump para seus seguidores entrarem em ação. Trump é o grande culpado. Negacionista, mentiroso, disseminador do ódio, incapaz de aceitar a derrota. Doente.

Ele, porém, não tem apoio apenas daqueles terroristas que invadiram o Capitólio. Tem apoio também de lunáticos de toda ordem que se amparam em ideologias nefastas para estimular armas, maus policiais, militares medrosos ou oportunistas e gerar... mortes.

Trump vai, mas o trumpismo fica e é exportado da maior potência para o mundo. O chanceler Ernesto Araújo dizia que só Deus salva o Ocidente da China e do comunismo. Na verdade, Deus precisa é salvar o mundo de Trump e seus seguidores.