Eliane Brum

Eliane Brum: Mulheres contra a opressão

O maior movimento de resistência ao projeto autoritário mostra que apoiar Bolsonaro é votar a favor das forças que empobrecem o país e violentam os mais frágeis

Analistas do bolsonarismo acreditam que, para seus eleitores, ele é um grito contra o que não funciona e contra o desamparo, ou mesmo contra a precariedade das respostas da democracia para os problemas concretos da vida cotidiana. A candidatura de Jair Bolsonaro também representaria o voto do antipetismo, esse sentimento que ganhou força a partir de 2013 e, em 2015, virou ódio. Ao se posicionarem contra o que o candidato de extrema direita representa, o movimento “Mulheres Unidas Contra Bolsonaro”, que abriga quase 3 milhões de brasileiras em sua página no Facebook, denuncia justamente a impossibilidade do voto em Bolsonaro como um voto “antissistema”. O que essas mulheres apontam é que não há nada mais a favor do sistema do que Bolsonaro. Votar nele é votar no que nunca prestou no Brasil, mas sempre existiu. Ou na volta dos que nunca partiram.

Só não é possível votar em Bolsonaro afirmando que está votando para mudar ou votando como protesto contra tudo o que está aí. Aí não. Essa afirmação desaba logo no primeiro olhar. Votar em Bolsonaro é justamente votar a favor de tudo o que sempre esteve aí. Ou que sempre esteve aí por mais tempo do que qualquer outra coisa.

1) Bolsonaro e os novos coronelismos rurais e urbanos

Não é uma coincidência que as velhas (e também as novas) oligarquias rurais, ligadas à violência no campo, têm em Bolsonaro o seu candidato estampado nas caminhonetes. As forças que Bolsonaro representa atravessam a história brasileira. Às vezes com mais, às vezes com menos poder político. São essas forças que tornaram o Brasil um dos países mais desiguais e mais violentos do mundo.

Para os coronéis do Brasil rural, o Brasil será sempre uma grande fazenda

Bolsonaro não dialoga apenas com a ditadura civil-militar que governou o país pela força de 1964 a 1985. Ele dialoga antes com figuras e forças muito mais antigas e fundadoras do Brasil. Bolsonaro dialoga com o coronelismo que marcou o Brasil rural e que, de muitas formas, permanece até hoje. Mas atualizado, já que nada atravessa as épocas sem adquirir novas nuances e agregar novos protagonistas.

Como fenômeno, Bolsonaro faz uma síntese entre a parcela golpista do militarismo profissional, representada pelo seu vice, o general reformado Hamilton Mourão, e o coronelismo político de um Brasil rural que usa o “agronegócio” como roupagem de modernização, mas que mantêm as mesmas práticas violentas no campo. Para estes, o Brasil será sempre uma grande fazenda e a luta será sempre para privatizar o que ainda há de terras públicas e coletivas no país. Essas duas forças se conectaram durante vários momentos da história brasileira. Como hoje.

Em regiões como o Norte e o Centro-Oeste do Brasil, este coronelismo não representa as velhas oligarquias rurais do século 19 e primeira metade do século 20, mas novas oligarquias que se constituíram na segunda metade do século passado, tanto durante o processo de expulsão e massacre dos indígenas, para liberar suas terras ancestrais para projetos da ditadura, quanto na grilagem (roubo de terras públicas) de vastas porções de floresta, um processo que segue em curso até hoje e ganhou novo fôlego nos últimos anos.

Alguns dos que se autodenominam “pastores” são estelionatários da fé ou “coronéis da fé”

Parte da grilagem promovida já no século 21 foi legalizada no governo Temer, que tem na “bancada ruralista” sua principal fiadora. Mas, se garantiram e garantem o governo, estes coronéis e seus representantes no Congresso nunca cogitaram votar no candidato do MDB ou do PSDB, mesmo que este seja o partido com que marcam seu poder local ou regional. São eleitores de Bolsonaro desde que ele despontou como candidato.

Agregada aos novos e velhos coronéis, aparece a parcela urbana e mais barulhenta do Brasil evangélico, que usa as palavras com muita competência. A começar pela própria denominação religiosa. Ao transformarem o que é uma brutal disputa de poder em uma guerra do bem contra o mal, parte das lideranças encobre com o discurso religioso aquilo que é político. As críticas a essas lideranças evangélicas são lidas como uma crítica aos evangélicos como grupo religioso, colaborando para discriminar setores da população que já são historicamente discriminados. É deste truque que alguns líderes abusam. Chamar sua bancada no Congresso de “bancada da Bíblia” só os ajuda nessa transmutação da política em religião.

Os evangélicos são um grupo muito heterogêneo e com posicionamentos morais que variam, às vezes radicalmente, nas diferentes igrejas, o que tornaria imprecisa qualquer unidade. Mas o mais importante é que a crítica não é à religião nem a seus fiéis, muito menos se refere à nenhuma suposta versão de guerra santa. Ao contrário. É uma crítica aos estelionatários que usam a religião para o enriquecimento privado e para a conquista de poder político com fins de enriquecimento privado.

A maioria destes estelionatários da fé, que também podem ser chamados de “coronéis da fé”, está alinhada a Bolsonaro. São ao mesmo tempo novos e velhos. A novidade de suas origens e de sua linguagem não é capaz de encobrir que atuam para manter o Brasil exatamente como está, porque é neste contexto que conseguiram enriquecer e conquistar poder. Dependem da miséria, do desamparo e do medo para manter a clientela. Sua disputa é para continuar multiplicando riqueza privada, assim como garantir as benesses públicas que isentam suas igrejas de pagar impostos.

A religião é só o meio. O lucro privado é o fim. A estratégia de encobrir a disputa de poder com os temas morais mostrou-se tão eficaz que milícias da internet, como o MBL, eminentemente urbanas, a adotaram a partir de 2017 para ampliar seu número de seguidores destruindo artistas e manifestações artísticas.

É interessante observar como o que há de mais atrasado no Brasil se juntou a fenômenos recentes para produzir aquele que tem sido chamado na internet de “o coiso”. A nomeação, típica das redes sociais, aponta para dois objetivos: o primeiro é o de não popularizar ainda mais o candidato, o que pode garantir os votos daqueles que, quando chegam às urnas, votam no nome que lembram; o segundo, de que tudo aquilo que ele representa, em seu autoritarismo, seria inominável, ou não nomeável. No “coiso” cabem muitas coisas. Bolsonaro seria uma espécie de Voldemort, o vilão da série Harry Potter, a quem os bruxos preferem se referir como “você sabem quem”, para que a invocação do nome não o materialize como realidade física.

Bolsonaro é muito menos um capitão do Exército e muito mais um político profissional com desempenho patético

O fato de Jair Bolsonaro liderar as intenções de voto (28%, segundo a última pesquisa do Datafolha), mostra a força com que o que há mais arcaico e sombrio no Brasil emergiu para a luz. E encarnou numa figura que é muito menos um capitão reformado do Exército e muito mais um político profissional. Não um político profissional que disputa a construção de um país, mas um que trabalha para a própria permanência na folha de pagamento do Congresso.

Em 26 anos como parlamentar, segundo levantamento do jornal O Estado de S. Paulo, Bolsonaro conseguiu aprovar apenas dois projetos de sua autoria: 13 anos de salário, benefícios, verba de gabinete etc para cada projeto. Ao ser perguntado sobre sua baixa produtividade, o candidato respondeu: “Tão importante quanto você fazer um gol é não tomar um gol”.

Estes são os fatos, caso os fatos valessem na construção mental dos eleitores. O desempenho que derrubaria qualquer funcionário, em qualquer empresa do mundo, o premiou como funcionário do povo. Tanto que Bolsonaro se tornou o líder nas pesquisas para a presidência da República. Na composição dos seus eleitores, ele lidera entre os mais ricos e os mais escolarizados, justamente aqueles que se supunha terem mais acesso à informação de qualidade, caso isso importasse na tomada de decisões. Na época da autoverdade, porém, os fatos nada valem.

Há vários adjetivos que poderiam ser usados para definir o comportamento do eleitor de Bolsonaro. Ilegítimo não é um deles. Se você acredita que o político ideal é aquele que aprovou dois projetos em 26 anos de serviço público e se sente representado pelo desempenho de Bolsonaro, faz todo sentido votar nele. Por uma questão de coerência, inclusive, este deveria se tornar o critério de produtividade para que os empresários que são também eleitores de Bolsonaro passem a selecionar seus funcionários e estabelecer planos de carreira.

2) Como as elites descobriram que as ruas não são seu “pet”

O fenômeno chamado “coiso” também expõe à luz a monumental arrogância de uma parte da elite política e econômica do Brasil, assim como a arrogância de uma parcela do judiciário. Essas elites compartilhavam da ilusão de controlar as ruas e também os processos políticos. Descobriram que ver o Brasil do alto não é o suficiente para compreender os Brasis. Começam a perceber que, quando achavam que usavam, estavam de fato sendo usadas. Bolsonaro não revela apenas a si mesmo, mas muito além de si mesmo. Não é acontecimento isolado, mas trama.

O PT descobriu em 2013 que já não era o partido das ruas de uma forma bastante dolorosa. Naquele momento, a arrogância do partido era tanta que achava que as ruas seriam dele para sempre. Tanto que nem precisava mais andar por elas. Em 2013, o PT descobriu que estava sendo expulso das ruas. Em 2015, bonecos infláveis de Lula e de Dilma como presidiários invadiram também os céus. O antipetismo virava ódio.

Aécio Neves e o PSDB têm grande responsabilidade sobre o atoleiro atual do Brasil

Mas o exemplo mais evidente ainda é o do PSDB, cujo drama se desenrola neste momento. Quando Aécio Neves (PSDB) perdeu a eleição de 2014 para Dilma Rousseff (PT), ele e seu partido cometeram o ato, ao mesmo tempo oportunista e irresponsável, de questionar o processo eleitoral sem nada que justificasse a suspeição do pleito. O Brasil, com as urnas eletrônicas, tem um dos mais confiáveis sistemas de votação do mundo. Aceitar a derrota faz parte das regras fundamentais da democracia.

Aécio, o corrupto, iniciava ali uma crise e abria um precedente perigoso. Mais tarde, uma gravação revelaria Aécio dizendo que pediu a auditoria dos resultados eleitorais só “para encher o saco”. Aécio deve entrar para história não só pelo seu envolvimento com a corrupção, mas por esse ato de uma irresponsabilidade criminosa. O tucano deve ser marcado como um dos políticos que mais colaborou para a corrosão da democracia neste início de século.

De dentro do hospital, onde se recupera de um ataque à faca, Bolsonaro gravou um vídeo questionando as urnas eletrônicas e sinalizando que pode não aceitar o resultado da eleição em caso de derrota. Seu vice, Hamilton Mourão, já havia dado uma entrevista à Globo News afirmando a possibilidade de um autogolpe do presidente eleito, com o apoio das Forças Armadas. É irresponsável e grave demais que um político anuncie que participa do jogo, mas que só aceitará o resultado em caso de vitória. Qualquer criança jogando uma pelada de futebol num campinho de várzea sabe que não é possível só aceitar as regras do jogo quando se ganha.

O PSDB teve um papel importante no impeachment sem base legal de Dilma Rousseff e participou do governo corrupto de Michel Temer (MDB). Quando aderiram aos movimentos das ruas a favor do impeachment e contra o PT, vestidos com a camiseta da seleção brasileira, políticos tucanos também se iludiram que a rua era deles. Não era nada disso. Recentemente, um dos caciques do partido, Tasso Jereissati, afirmou que entrar no governo Temer foi “o grande erro” do PSDB. “Fomos engolidos pela tentação do poder”, admitiu. Tarde demais.

Quem acha que controla as ruas não estudou nem a história nem a psicologia humana

Quem acha que controla as ruas não estudou nem a história nem a psicologia humana. Com telhado de vidro fino, tanto Aécio quanto o PSDB são hoje menores do que nunca, em todos os sentidos. Pior do que não ter ressonância é ter perdido o respeito. O PSDB que surgiu com a volta da democracia não existe mais. O que existe agora é outra coisa que nem seus caciques sabem mais que formato tem.

Não deixa de ser irônico o destino de Michel Temer. Quase trágico. Temer, o vice traidor, reconhecida raposa política, acreditava que poderia fazer tudo o que fez e ainda ser visto como um estadista. Logo depois do impeachment, era bem claro que Temer e seus apoiadores, no Congresso, no Mercado e em setores da Imprensa, acreditavam que estava tudo dominado e era só voltar ao que sempre foi. Temer está terminando o mandato como o presidente mais impopular da história (ou o mais impopular desde que há institutos de pesquisa para aferir a opinião da população).

O desespero dos liberais e neoliberais também sinaliza o quanto de ilusão aqueles que representam o Mercado alimentam sobre si mesmos. Parte das elites econômicas, tendo como exemplo mais evidente a poderosa Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), que atuou de forma explícita e decisiva para o impeachment da presidente eleita, assim como vários porta-vozes do que se chama “Mercado”, acreditavam que tudo andaria conforme sua receita de bolo. Botariam no Planalto alguém da sua confiança e pronto, fariam uma “ponte para o futuro” que manteria os privilégios do passado. Acreditavam que o povo nas ruas não passava de marionete, que o povo nas ruas era o verdadeiro pato da FIESP.

De repente, Jair Bolsonaro, que deveria ser apenas um parceiro bufão na derrubada do governo do PT, alcançou o primeiro lugar nas pesquisas eleitorais para a presidência. Junto com ele, está Paulo Guedes, um economista ultraliberal que é radical demais até mesmo para os liberais. Quando fala, apavora. Dias atrás lançou uma espécie de nova CPMF. Teve que sair se desmentindo e cancelando compromissos para não dizer mais bobagens sinceras, mas altamente impopulares.

The Economist foi chamada de “The Communist”: no Brasil, o realismo mágico é só realismo

Não fosse a situação do Brasil ser tão trágica, seria delicioso ver uma revista liberal como a britânica The Economist, que já decolou e aterrissou o Cristo Redentor nos tempos de Dilma Rousseff, lançar Jair Bolsonaro como “a mais recente ameaça da América Latina” na capa da semana passada. A revista favorita do Mercado manifestou-se de forma inequívoca contra o ultraliberalismo de Paulo Guedes, o golpismo de Hamilton Mourão e o autoritarismo de Jair Bolsonaro. Foi chamada nas redes sociais de “The Communist”. Sim, no Brasil o realismo mágico é só realismo.

Certamente não era este o roteiro imaginado por aqueles que desrespeitaram o voto dos brasileiros. Também não era este o script que a parcela da grande imprensa que atuou decisivamente para o impeachment sonhava para esse momento. A Globo descobriu logo cedo, ao fracassar em derrubar Michel Temer após as denúncias de corrupção, que seu imenso poder tinha limites. Jair Bolsonaro, aliás, não se cansa de lembrar ao vivo, nos estúdios da emissora, o quanto a Globo apoiou a ditadura civil-militar que ele enaltece com tanto entusiasmo.

O atual cenário dificilmente deve ser o roteiro esperado também por servidores do Judiciário e do Ministério Público que decidiram personalizar a justiça, se esqueceram que são funcionários públicos e acreditaram que eram heróis. Quem venceu – e segue vencendo – é esse poder que atravessa governos e que hoje é representado pela “bancada ruralista”, grande parte dela conectada à escalada de violência no campo e na floresta contra camponeses e indígenas, que vem se acirrando desde 2015. Ao redor da bancada ruralista gravitam a bancada dos defensores de armas, que lucram com a violência, e a dos estelionatários da fé, que manipulam os temas morais para conquistar poder e privilégios.

Bolsonaro é o homem branco ultraconservador, mas bruto e sem lustro, que os ilustrados de direita e de esquerda não querem na sua sala de jantar

É este o mundo de Bolsonaro, que por isso tem assustado não só a esquerda, mas também a direita chique e os liberais genuínos, estes que têm na The Economist o seu oráculo. É a parcela atrasada e violenta do Brasil rural, associada ao que há de mais podre nos fenômenos urbanos, que disputa a presidência do país com chances de ganhar. Bolsonaro representa o homem branco ultraconservador, mas bruto e sem lustro, que os ilustrados de direita e de esquerda não querem na sua sala de jantar.

Com possibilidades cada vez maiores de chegar ao segundo turno, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT), o candidato de Lula, torna o cenário ainda mais complexo. A tal da opção de “centro”, que tantos encheram a boca para falar, a duas semanas da eleição ainda não mobilizou os eleitores. De dentro da prisão, onde foi colocado por um processo rápido demais, com provas frágeis demais e juízes falastrões demais, Lula segue influenciando os destinos do país.

Mesmo tendo sido impedido pelo judiciário de ser candidato, ele ainda é um dos principais protagonistas da eleição. Como nada é simples, Haddad e o PT têm costurado apoio entre aliados que os traíram na batalha do impeachment, têm costurado apoio inclusive entre políticos que participam do governo Temer. Aliados que se tornaram “golpistas” são aliados de novo sem deixarem de ser “golpistas”. No Brasil, a real politik é mágica. Mas, quando o eleitor não vota conforme o esperado, ele é chamado de ignorante.

3) O movimento das mulheres contra Bolsonaro é o mais importante desta eleição

As mulheres são mais da metade da população no Brasil, mas ainda têm pouca representatividade na política formal. Uma de suas representantes mais interessantes e promissoras, Marielle Franco (PSOL), vereadora do Rio, foi executada a tiros num crime ainda não desvendado e impune, apesar de já terem se passado mais de seis meses.

Seu protagonismo político incomodou muitos que estavam acostumados a falar sozinhos e, de repente, viram seus interesses serem atingidos por uma mulher. E não por qualquer mulher. Criada no complexo de favelas da Maré, Marielle era negra, lésbica e pobre. Ao longo da história do Brasil, ela representa os grupos mais frágeis e mais violentados que, graças à muita luta, começam a ter poder político. Foi então exterminada a balas de alto calibre, por uma arma de uso restrito, num percurso de câmeras desligadas.

Com o gesto iniciado na internet e programado para ganhar as ruas, as mulheres tornaram-se protagonistas desta campanha eleitoral tão complexa e delicada. O movimento autônomo começou por mulheres na Bahia, ao largo das lideranças do centro-sul e dos grupos feministas mais conhecidos do Brasil. Do debate no Facebook passou a inspirar as manifestações contra Bolsonaro marcadas para o próximo sábado em várias cidades do Brasil e do mundo. Nos atos de 29 de setembro, elas esperam também o apoio dos homens que amam as mulheres.

Bolsonaro é um homem que, por suas declarações, já provou que odeia as mulheres

A proposta dessas mulheres é fazer atos suprapartidários contra Jair Bolsonaro e tudo o que ele representa. Bolsonaro é um homem que, por suas declarações, já provou que odeia as mulheres, tanto quanto o seu vice, o general reformado Hamilton Mourão. Bolsonaro é um tipo clássico, especialmente em países que viveram suas versões de faroeste: o homem branco, que se sente superior apenas por ter nascido branco; heterossexual, mas do tipo que precisa o tempo todo apregoar sua heterossexualidade, como se silenciar sobre ela pudesse de alguma forma ameaçá-la; que se sente mais potente com uma arma de fogo na mão e, quando não a tem, simula com as mãos a expressão fálica, como uma afirmação de masculinidade que precisa ser constantemente reiterada para não ser posta em dúvida.

Quando qualquer um destes ingredientes que, na sua crença, fazem dele um “homem”, é de alguma forma questionado, sente-se ameaçado e reage com violência. Um psicólogo de almanaque possivelmente diria que Bolsonaro é inseguro. No hospital, fazendo gesto de atirar com as mãos, parecia um garotinho querendo aprovação da plateia numa apresentação da pré-escola. Mas deve ser mais complexo do que isso.

Para manter o privilégio de se sentir superior num mundo em que já não basta ser branco e ter uma arma para se manter no topo da cadeia alimentar, Bolsonaro desrespeita as minorias, raciais e de gênero, justamente as parcelas mais frágeis da população, e estimula a violência contra elas. Neste momento, encarna um outro tipo clássico, o fortão covarde da escola. Faz isso afirmando que está defendendo os “valores tradicionais”. Mas o que chama de valores tradicionais são apenas os seus privilégios.

É interessante observar que Michel Temer, ao assumir o poder, promoveu um retrato amarelado com seu ministério de homens brancos, a maioria deles mais velhos. Pairando sobre essa imagem, especialmente no primeiro ano de governo, estava a figura de sua mulher, 43 anos mais jovem: Marcela Temer, a esposa “bela, recatada e do lar”, como definiu a revista Veja.

Essa conformação simbólica de poder remetia à República Velha, como foi dito, mas muito mais a um folhetim de Nelson Rodrigues. Enquanto foi possível, alguns jornalistas, também homens e brancos, a maioria mais velhos, fizeram comentários encantados, alguns deles bastante constrangedores, sobre a beleza da mulher do presidente. Por algum tempo, antes de seu governo ruir por corrupção e incompetência, Temer ganhou o atributo de uma potência viril aplicada à política, por estar casado com uma mulher bonita e jovem.

Se Temer exaltou a mulher como objeto, Bolsonaro levou o machismo a outro patamar: a mulher é inimiga

Jair Bolsonaro leva o machismo e o patriarcado a outro patamar. As mulheres não são objetos, mas um inimigo. Em 2014, na Câmara dos Deputados, disse que não estupraria a colega Maria do Rosário (PT): “Você não merece ser estuprada, é muito feia”. Depois, repetiu ao jornal Zero Hora: “Ela não merece (ser estuprada). Porque ela é muito ruim, ela é muito feia, não faz meu gênero, jamais a estupraria”. O comentário, dito e repetido, o tornou réu por apologia ao estupro no Supremo Tribunal Federal.

Sobre a licença-maternidade, conquista histórica das mulheres (e também dos homens), o parlamentar que aprovou dois projetos de lei em 26 anos de trabalho maravilhosamente remunerado, afirmou em 2015: “Mulheres devem ganhar um salário menor porque engravidam. Quando ela voltar (da licença-maternidade) vai ter um mês de férias, ou seja, trabalhou cinco meses em um ano”.

Em 2011, ele afirmou: “Sou preconceituoso com muito orgulho”. Embora os juízes brancos do Supremo Tribunal Federal não reconheçam, o que Bolsonaro chama de preconceito é seguidamente racismo. Ao responder a uma pergunta da cantora Preta Gil, ele disse que seus filhos jamais namorariam uma mulher negra ou se tornariam gays: “Eu não corro esse risco. Meus filhos foram muito bem educados e não viveram em ambientes como lamentavelmente é o teu”. Em 2017, ao fazer uma palestra no Clube Hebraica, no Rio de Janeiro, o parlamentar contou que fez uma visita a um quilombo: “O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. (...) Não fazem nada, eu acho que nem pra procriador servem mais”.

O “preconceito” que tanto orgulha Bolsonaro é largamente aplicado contra os homossexuais, num país com alto índice de assassinatos por homofobia. Entre as várias declarações contra gays, Bolsonaro chegou a dizer numa entrevista: “Seria incapaz de amar um filho homossexual. Prefiro que meu filho morra num acidente de carro do que apareça com um bigodudo por aí”.

É importante compreender por que, mesmo com essas declarações, existem mulheres que votam em Bolsonaro. Há quem acredite que seria o mesmo tipo de atração pelo perigo e pela violência que faz com que algumas mulheres se apaixonem por criminosos famosos – ou mesmo não famosos. Os presídios estão cheias de romances como estes. Algumas eleitoras de Bolsonaro já justificaram o voto afirmando que este é o só o “jeitão” dele, que “na verdade” ele seria um “defensor das mulheres”. Uma delas me disse que reconhece que ele é “meio burrão”, mas ainda assim acha que ele “vai botar ordem na casa”. Neste caso, o machismo importaria menos que a crença de que Bolsonaro vai deixá-la “segura”.

Para algumas mulheres, Bolsonaro é um caçula meio bobão, mas carismático

Ao escutar bolsonaristas, outras hipóteses surgiram. Para algumas, não é um voto no macho alfa, como eu supunha no princípio, mas o voto em um caçula meio bobão, mas carismático, por quem sentem um tipo de amor permissivo. Seria importante fazer uma pesquisa qualitativa e quantitativa formal com as eleitoras de Bolsonaro e Mourão, para compreender o que pode levar mulheres a votar em homens que as desrespeitam.

O vice de Bolsonaro é sua alma gêmea. Bolsonaro e Mourão, ambos adoradores de armas, coincidem tanto na ideologia quanto na eloquência de seus discursos. Em agosto, durante um evento no sul do país, Mourão afirmou que o Brasil herdou “a indolência dos indígenas” e “a malandragem dos africanos”. Estava teorizando sobre as raízes do “subdesenvolvimento” do Brasil e da América Latina com a competência habitual.

Em 17 de setembro, o general reformado atacou as mulheres ao relacionar a violência nas “áreas mais carentes” ao fato de as famílias serem chefiadas por “mães e avós”, sem “pais e avôs”. A criação dos filhos por mulheres sozinhas, na opinião do general, resultaria “numa fábrica de elementos desajustados e que tendem a ingressar em narcoquadrilhas que afetam o nosso país”.

Ao afirmar que lares chefiados por mulheres criam uma “fábrica de desajustados”, o vice de Bolsonaro atingiu violentamente as mulheres mais pobres

Ao fazer essa afirmação, o vice de Bolsonaro atingiu violentamente as mulheres mais pobres, a maioria delas negras, que são chefes de família e criam seus filhos sozinhas com enorme esforço. Mas não apenas elas. A afirmação provocou um apoio surpreendente ao movimento das mulheres contra Bolsonaro. A apresentadora de TV Rachel Sheherazade, uma das porta-vozes na imprensa da direita mais truculenta do Brasil, publicou em sua conta no Twitter: “Sou mulher. Crio dois filhos sozinha. Fui criada por minha mãe e minha avó. Não. Não somos criminosas. Somos heroínas”. E acrescentou uma das hashtags do movimento: #EleNão”.

As mulheres são o segmento da população que mais rejeita Jair Bolsonaro. Mas, após ele ter levado uma facada durante um ato de campanha, Bolsonaro cresceu. “Apesar de ter evoluído no estrato, cresceu sete pontos no último mês, o apoio no segmento feminino é mais localizado entre as que têm maior renda familiar —chega a 32% entre as que reúnem mais de 5 salários mínimos, contra apenas 14% entre as mais pobres”, analisam Mauro Paulino e Alessandro Janoni, na Folha de S. Paulo. O primeiro estrato corresponde a apenas 6% do eleitorado e o segundo alcança 28%.

Em entrevista ao El País, o estatístico Paulo Guimarães afirmou: “As mulheres não votam no Bolsonaro, mas as mulheres pobres tendem a decidir o voto mais tarde. O país é absurdamente machista. O marido vai dizer em quem elas devem votar, principalmente nas classes mais baixas, das mulheres mais agredidas. O voto da mulher tem convergido para o voto do homem, historicamente”.

Será que ainda é assim? Minha hipótese é que o crescimento do protagonismo das mulheres também na esfera doméstica, em parte possibilitados pelo Bolsa Família e pelo aumento real do salário mínimo, que beneficiou o grande contingente de empregadas domésticas do país, tenha mudado essas relações de poder. Não totalmente, mas esta é uma força emergente. Como repórter que escuta gente há 30 anos, nunca escutei tantas mulheres discordarem de seus maridos, nas entrevistas que faço com famílias, como hoje. Inclusive no voto.

É uma enormidade o significado de que a principal resistência à candidatura de Bolsonaro e a tudo o que essa candidatura representa venha justamente das mulheres. Elas, que são alijadas da política formal, quando não mortas, tornaram-se a principal força política de oposição a um projeto explicitamente autoritário. E fazem política justamente no território que até então era dominado pelos apoiadores de Bolsonaro: as redes sociais. Exatamente por isso, as administradoras da página do movimento foram haqueadas, ameaçadas e tiveram seus dados expostos, na covardia habitual dos que não confiam nos seus argumentos, só dispõem da força bruta.

Se o movimento é suprapartidário e abarca as mulheres de todas as cores e origens, é importante sublinhar que esse movimento é também racial e de classe. Como já foi dito, Bolsonaro encontra seus eleitores, segundo as pesquisas, entre os homens mais ricos e os mais escolarizados. E tem sua maior rejeição entre as mulheres e entre os mais pobres. Como as estatísticas mostram, a maioria das mulheres mais pobres do país é negra.

O voto das mulheres negras pode determinar o destino de Bolsonaro

O voto das mulheres negras pode determinar o destino de Bolsonaro. Este não é definitivamente um dado qualquer no Brasil. Há grande poder e significado nessa constatação. É bastante simbólico que seja esta a força que toda a repressão dos últimos anos do país, todos os direitos a menos, não conseguiu parar. As mulheres que foram para a universidade pela primeira vez, as mulheres que passaram a ganhar um pouco mais, as mulheres que pela primeira vez tiveram direitos trabalhistas igualitários, como as domésticas. Talvez não seja coincidência que a criadora da página “Mulheres Unidas Contra Bolsonaro”, que por conta das ameaças hoje é citada apenas pelas iniciais, seja negra.

O movimento das Mulheres Unidas Contra Bolsonaro é o mais importante acontecimento desta eleição. Caminhar junto com elas no próximo sábado, 29 de setembro, é escolher dizer juntos, mulheres e homens, em uníssono, não apesar de todas as diferenças, mas com todas as diferenças, que escolhemos a liberdade contra a opressão. Que escolhemos o respeito contra o preconceito. Que escolhemos a igualdade contra o racismo. Que escolhemos a diversidade dos muitos contra a hegemonia do um. Que escolhemos a paz contra a violência.

Se depender das mulheres unidas contra Bolsonaro, o ódio não governará o Brasil.

Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção Coluna Prestes - o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos, e do romance Uma Duas. Site: desacontecimentos.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter: @brumelianebrum/ Facebook: @brumelianebrum


Eliane Brum: Bolsonaro e a autoverdade

Como a valorização do ato de dizer, mais do que o conteúdo do que se diz, vai impactar a eleição no Brasil

A pós-verdade se tornou nos últimos anos um conceito importante para compreender o mundo atual. Mas talvez seja necessário pensar também no que podemos chamar de “autoverdade”. Algo que pode ser entendido como a valorização de uma verdade pessoal e autoproclamada, uma verdade do indivíduo, uma verdade determinada pelo “dizer tudo” da internet. E que é expressa nas redes sociais pela palavra “lacrou”.

O valor dessa verdade não está na sua ligação com os fatos. Nem seu apagamento está na produção de mentiras ou notícias falsas (“fake news”). Essa é uma relação que já não opera no mundo da autoverdade. O valor da autoverdade está em outro lugar e obedece a uma lógica distinta. O valor não está na verdade em si, como não estaria na mentira em si. Não está no que é dito. Ou está muito menos no que é dito.

Assim, a questão da autoverdade também não está na substituição de verdades ancoradas nos fatos por mentiras produzidas para falsificar a realidade. No fenômeno da pós-verdade, as mentiras que falsificam a realidade passam elas mesmas a produzir realidades, como a eleição de Donald Trump ou a aprovação do Brexit. A autoverdade se articula com esse fenômeno, mas segue uma outra lógica.

O valor da autoverdade está muito menos no que é dito e muito mais no fato de dizer. “Dizer tudo” é o único fato que importa. Ou, pelo menos, é o fato que mais importa. É esse deslocamento de onde está o valor, do conteúdo do que é dito para o ato de dizer, que também pode nos ajudar a compreender a ressonância de personagens como Jair Bolsonaro e, claro, (sempre), Donald Trump. E como não são eles e outros assemelhados o problema, mas sim o fenômeno que vai muito além deles e do qual são apenas os exemplos mais mal acabados.

Uma pesquisa de junho do Datafolha mostrou, mais uma vez, que a maioria das pessoas que declaram voto em Jair Bolsonaro (PSL) são jovens: seu eleitorado se concentra principalmente na faixa dos 16 aos 34 anos. O capitão do exército também lidera as intenções de voto entre os mais ricos e os mais escolarizados do país. O candidato de extrema-direita está em primeiro lugar na disputa presidencial de outubro. Isso num cenário sem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Com Lula, Bolsonaro cai para o segundo lugar. Mas Lula, como sabemos, está preso e impedido de se manifestar num dos mais controversos episódios da história recente do Brasil, um país hoje assinalado pela politização da justiça.

Em pesquisa recém divulgada, a professora Esther Solano entrevistou pessoas na cidade de São Paulo para compreender o crescimento das novas direitas e especialmente da extrema-direita mais antidemocrática, representada por Jair Bolsonaro. Os selecionados cobrem um amplo espectro de posição econômica, de emprego, de idade e de gênero. Solano é professora da Escola Paulista de Política, Economia e Negócios da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e do Mestrado Interuniversitário Internacional de Estudos Contemporâneos de América Latina da Universidad Complutense de Madrid. Ela tem se destacado como uma das principais estudiosas do perfil dos participantes dos protestos no Brasil desde 2013, quando foi uma das poucas a escutar os adeptos da tática black bloc em profundidade.

“Ele (Bolsonaro) é um mito porque fala o que pensa e não está nem aí”, diz estudante de 15 anos

A pesquisa, financiada pela Fundação Friedrich Ebert, é ótima, importante e deve ser lida na íntegra. Aqui, me limito a reproduzir um trecho que ajuda a iluminar a questão que apresento nessa coluna:

“No começo da roda de conversa com os alunos de São Miguel Paulista, assistimos a um vídeo com as frases mais polêmicas de Bolsonaro. No final do vídeo, muitos alunos estavam rindo e aplaudindo. Por quê? Porque ele é legal, porque ele é um mito, porque ele é engraçado, porque ele fala o que pensa e não está nem aí. Com mais de cinco milhões de seguidores no Facebook, o fato é que Bolsonaro representa uma direita que se comunica com os jovens, uma direita que alguns jovens identificam como rebelde, como contraponto ao sistema, como uma proposta diferente e que tem coragem de peitar os caras de Brasília e dizer o que tem de ser dito. Ele é foda.

O uso das redes sociais, a utilização de vídeos curtos e apelativos, o meme como ferramenta de comunicação, a figura heroica e juvenil do ‘mito ’Bolsonaro, falas irreverentes e até ridículas, falas fortes, destrutivas, contra todos, são aspectos que atraem os jovens. Se, nos anos 70, ser rebelde era ser de esquerda, agora, para muitos destes jovens, é votar nesta nova direita que se apresenta de uma forma cool, disfarçando seu discurso de ódio em formas de memes e de vídeos divertidos: O Bolsomito é divertido, o resto dos políticos não”.

Na roda de conversa na escola de São Miguel Paulista, na Zona Leste, a mais precarizada de São Paulo, os alunos negam que Bolsonaro faça a difusão de um discurso de ódio. Mas valorizam a sua coragem de dizer coisas fortes. Um garoto de 16 anos resumiu: “Ele não tem discurso de ódio. Tá só expondo a opinião dele, falando a verdade”.

A opinião de Bolsonaro, ou a “verdade” de Bolsonaro, que circula em vídeos de “lacração” do “Bolsomito”, é chamar uma deputada de “vagabunda” e dizer que não a estupraria porque ela não merece, por considerá-la “muito feia”; a afirmação de que sua filha, caçula de cinco homens, é resultado de uma “fraquejada”; a declaração de que seus filhos não namorariam uma negra ou virariam gays porque foram “muito bem educados”. E, claro, sua performance na votação do impeachment de Dilma Rousseff (PT).

Ao declarar seu voto pelo afastamento da presidente eleita, Bolsonaro homenageou o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. O herói de Bolsonaro, hoje estampado em camisetas de seus apoiadores, é um dos mais notórios torturadores e assassinos da ditadura civil-militar, um sádico que chegou a levar crianças pequenas para ver as mães torturadas, cobertas de hematomas, urinadas, vomitadas e nuas, como forma de pressioná-las. Sobram ainda declarações racistas de Bolsonaro contra índios e quilombolas.

“Ele (Bolsonaro) não está nem aí com o politicamente correto, diz o que pensa e ponto, mas não é homofóbico. Ele gosta dos gays. É o jeitão dele”, diz uma mulher

Uma das entrevistadas por Esther Solano assim justifica as falas de seu escolhido: “É que ele tem esse jeito tosco, bruto de falar, militar mesmo. Mas ele não quis dizer essas coisas. Às vezes exagera, não pensa porque vai no impulso, porque é muito honesto, muito sincero e não mede as palavras como outros políticos, sempre pensando no politicamente correto, no que a imprensa vai falar. Ele não está nem aí com o politicamente correto, diz o que pensa e ponto, mas não é homofóbico. Ele gosta dos gays. É o jeitão dele”.

Na minha própria escuta de pessoas nas periferias de São Paulo e na região do Xingu, no Pará, em diferentes classes sociais e faixas etárias, escuto seguidamente uma variação destas frases: “Ele é honesto porque ele diz o que pensa” ou “Ele não tem medo de dizer a verdade”. Quando questiono o conteúdo do que Bolsonaro pensa, a “verdade” de Bolsonaro, em geral aparece um sorriso divertido, meio carinhoso, meio cúmplice: “Ele é meio exagerado, mas porque é um sincerão”.

Assim, Bolsonaro não seria homofóbico ou misógino ou mesmo racista para aqueles que aderem a ele, mas um “homem de bem” exercendo a “liberdade de expressão”. Estes são os adjetivos que aparecem com frequência colados ao candidato de extrema-direita por seus eleitores: “sincero”, “verdadeiro”, “autêntico”, “honesto” e “politicamente incorreto” (este último também como um elogio).

Embora o conteúdo do que Bolsonaro diz obviamente influencia no apoio do seu eleitorado, me parece que ele é mais beneficiado pelo fenômeno que aqui estou chamando de autoverdade. O ato de dizer “tudo” e o como diz o que diz parece ser mais importante do que o conteúdo. A estética é decodificada como ética. Ou colocada no mesmo lugar. E este não é um dado qualquer.

Por isso também é possível se desconectar do conteúdo real de suas falas, como fazem tantos de seus eleitores. E por isso é tão difícil que a sua desconstrução, por meio do conteúdo, tenha efeito sobre os seus eleitores. Quando a imprensa mostra que Bolsonaro se revelou um deputado medíocre, que ganhou seu salário e benefícios fazendo quase nada no Congresso, quando mostra que ele nada tem de novo, mas sim é um político tão tradicional como outros ou até mais tradicional do que muitos, quando mostra que falta consistência no seu discurso, assim como projeto que justifique seu pleito à presidência, há pouco ou nenhum efeito sobre os seus eleitores. Porque o conteúdo pouco importa. As agências de checagem são um bom instrumento para combater as notícias e as declarações falsas de candidatos, mas têm pouca eficácia para combater a autoverdade.

A lógica em que a imprensa opera, que é a do conteúdo, não atinge Bolsonaro porque seu eleitorado opera em lógica diversa

Simples assim. Complexo demais. A lógica em que a imprensa opera, quando faz jornalismo sério, que é a do conteúdo, não atinge Bolsonaro porque seu eleitorado opera em lógica diversa. Esse é um dado bastante trágico, na medida em que os instrumentos disponíveis para expor verdades que mereçam esse nome, para iluminar fatos que de fato existem, passam a girar em falso.

Se Bolsonaro participar dos debates ao vivo durante a campanha eleitoral, para uma parcela significativa do eleitorado brasileiro o que vai prevalecer é a estética marcada pelo “dizer tudo” e dizer tudo lacrando. Também por isso Ciro Gomes (PDT), por sua própria personalidade mais agressiva e sua falta de freio na língua, é visto por uma parcela preocupada com a ascensão de Bolsonaro como o mais capaz de enfrentá-lo.

Se esse quadro permanecer, a disputa entre testosteronas infláveis – e inflamáveis – será mais importante do que o conteúdo na eleição brasileira, porque mesmo quem tem conteúdo terá que deixá-lo em segundo plano para ganhar a disputa da dramaturgia. Mais um degrau escada abaixo na apoteótica descida do país rumo à irrelevância.

Se este não é um fenômeno exclusivamente brasileiro, no Brasil há uma particularidade que parece impactar de forma decisiva a autoverdade. Essa particularidade é o crescimento das igrejas evangélicas fundamentalistas e sua narrativa do mundo a partir de uma leitura propositalmente tosca da Bíblia. A retórica do bem contra o mal atravessa fenômenos como a “bolsonarização do país”.

A autoverdade atravessa o discurso religioso fundamentalista como conceito e como estética

Embora os pastores fundamentalistas exaltem a perseguição do “povo de Deus”, a prática mostra exatamente o contrário, ao perseguirem os LGBTQs, as mulheres e, em alguns casos de racismo, os negros. Mas a prática são os fatos, e os fatos não importam. O que importa é a retórica e a forma. A autoverdade atravessa o discurso fundamentalista como conceito e como estética. O milagre da transmutação aqui é justamente fazer com que a estética seja convertida em ética.

Formados nessa narrativa, uma geração de brasileiros é capaz de ler ou assistir a uma reportagem da imprensa mostrando verdades que Bolsonaro gostaria que não subissem à superfície não pelo seu conteúdo, mas pela ótica da perseguição. O conteúdo não importa quando quem questiona o inquestionável é automaticamente um inimigo, capaz de usar qualquer “mentira” para atacar um “homem de bem”. Afinal, as imagens de malas de dinheiro (de dízimo, no caso) foram inauguradas por alguns pastores neopentecostais, muito antes do que pela investigação da Lava Jato, e mesmo assim suas igrejas não pararam de crescer. Bolsonaro torna-se o “perseguido” na luta do bem contra o mal, o que faz todo o sentido para quem é bombardeado por uma visão maniqueísta do mundo.

Produtos de entretenimento como as novelas e os filmes supostamente bíblicos de uma rede de TV como a Record, por exemplo, colaboram para formatar um determinado olhar sobre a dinâmica da vida. Se alguém só vê o mundo de um mesmo modo, não consegue mais ver de outro. Não há mais interpretação, a decodificação passa a ser por reflexo.

Este é o mecanismo que tem se alastrado no Brasil. E que é imensamente beneficiado pela tragédia educacional brasileira. Não é por acaso que a escola pública, já tão desvalorizada e desprestigiada, esteja sofrendo o brutal ataque representado pelo movimento político e ideológico nomeado como “Escola Sem Partido”. O pensamento múltiplo e o debate das ideias são os principais instrumentos para devolver importância aos fatos e ao conteúdo, assim como recolocar a questão da verdade.

Não é um risco que os protagonistas das novas direitas queiram correr. No jogo das aparências, seu truque é sempre o mesmo: fazer um movimento ideológico afirmando que é para combater a ideologia, agir politicamente mas afirmar-se antipolítico, apoiar partidos de direita dizendo-se apartidários. Esse mascaramento só funciona se aquele a quem a mensagem se destina abdicar do pensamento em favor da fé.

A adesão à política pela fé é a grande sacada dos protagonistas da articulação religiosa-militarista que disputa o Brasil deste momento

A retórica supostamente bíblica está educando aqueles que não estão sendo educados. Como produto de entretenimento, as novelas e filmes se articulam com os programas policialescos sensacionalistas da TV, muitas vezes na mesma rede de TV, e os ampliam. Já existe uma geração formada tanto na desumanização dos mais pobres e dos negros, tratados como coisas que podem levar bala nas imagens desse tipo de programa, quanto na adesão à política pela fé, a grande sacada dos atuais protagonistas da articulação religiosa-militarista que figuras como Bolsonaro representam.

A personificação, a valorização do indivíduo, do “Um” que é só ele, jamais um+um, garante que personagens como Bolsonaro e até mesmo Sergio Moro possam encarnar como “O Um”. “O Um” contra o mal, ungido pelas “pessoas de bem”, dispostas a linchar quem estiver no caminho. Afinal, se a luta é do bem contra o mal, tudo não só é permitido como abençoado.

Não testemunhamos apenas a politização da justiça, mas algo possivelmente ainda mais perigoso: a “religiosização” da política

Não há nada mais perigoso numa eleição do que o eleitor que acredita ser “um instrumento de Deus”, absolvido previamente por todos os seus atos, mesmo que eles sejam sórdidos ou até criminosos. Como a lei que vale não é a terrena, laica, mas ditada diretamente do alto e, com frequência, diretamente ao indivíduo, tudo é permitido quando supostamente “Deus estaria agindo”. Não testemunhamos apenas a politização da justiça, mas algo possivelmente ainda mais destruidor: a “religiosização” da política. E ela tem como primeiro efeito a política da antipolítica.

Figuras como Bolsonaro se beneficiam da crise econômica, do crescimento da violência e da produção de medo, sim. Mas sua força vem de uma população treinada para aderir pela fé ao que não diz respeito à fé. Por isso é possível até mesmo fazer política e se dizer apolítico. Se o imperativo é crer, a adesão já está garantida não importa o conteúdo do discurso, desde que a dramaturgia garanta entretenimento, espetáculo. Embora pareçam desacreditar de quase tudo em suas manifestações na internet, ninguém se iluda. Uma parte significativa do eleitorado brasileiro é formada por crentes. E ser crente hoje no Brasil tem um sentido e um alcance muito mais amplo do que em qualquer momento da história do país.

A autoverdade desloca o poder para a verdade do um, destruindo a essência da política como mediadora do desejo de muitos. Se o valor está no ato de dizer e não no conteúdo do que é dito, não há como perceber que não há nenhuma verdade no que é dito. Bolsonaro não está dizendo a verdade quando estimula o ódio aos gays, mas sendo homofóbico. Não está dizendo a verdade quando agride negros, mas sendo racista. Não está dizendo a verdade quando diz que não vai estuprar uma mulher porque ela é feia, mas incitando a violência contra as mulheres e sendo misógino. Há nome na língua para tudo isso e também artigos no Código Penal.

Os jovens da periferia que aplaudem Bolsonaro precisam perceber que o discurso da meritocracia é a sacanagem que os cimenta no lugar do qual gostariam de sair

Muitos daqueles que o aplaudem, especialmente os jovens nas periferias, não percebem que o discurso da meritocracia proclamado pela extrema-direita que Bolsonaro representa é justamente a sacanagem que os mantêm no lugar cimentado do qual gostariam de sair. Não existe meritocracia, ascensão apenas por méritos próprios, sem partir de bases minimamente igualitárias.

Jair Bolsonaro é a encarnação de um fenômeno muito maior do que ele, do qual ele se aproveita. Tanto quanto Donald Trump, em nível global. A tragédia é que eles possivelmente sejam só os primeiros.

O desafio imposto tanto pela pós-verdade como pela autoverdade é como devolver a verdade à verdade

O desafio imposto tanto pela pós-verdade quanto pela autoverdade é como devolver a verdade à verdade. Não faremos isso sem tomar partido por escola de qualidade para todos, apoiando aqueles que lutam por isso de maneira muito mais contundente do que fazemos hoje, assim como pressionando por políticas públicas e investimento, e questionando fortemente os candidatos para além da retórica fácil. Nem faremos isso sem a recuperação do sentido de comunidade, o que implica a reapropriação do espaço público para a convivência entre os diferentes, assim como a retomada da cidade. Temos que voltar a conviver com o corpo presente, compartilhando os espaços mesmo e – principalmente – quando as opiniões divergem. Temos que resgatar o hábito tão humano de conversar. E conversar em todas as oportunidades possíveis.

E isso não amanhã. Ontem. A verdade do momento é que estamos ferrados. Outra verdade é que, ainda assim, precisamos nos mover. Juntos. Não por esperança, um luxo que já não temos. Mas por imperativo ético.

* Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção Coluna Prestes - o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos, e do romance Uma Duas. Site: desacontecimentos.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter: @brumelianebrum/ Facebook: @brumelianebrum


Eliane Brum: Profissionais da violência

A reação de Mourão, o vice “faca na caveira” de Bolsonaro, aponta como o Brasil será governado em caso de vitória da chapa de extrema direita

“Se querem usar a violência, os profissionais da violência somos nós”. A frase é do general Hamilton Mourão, candidato a vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro (PSL). Foi dita à revista Crusoé, após o ataque à faca contra o candidato na cidade de Juiz de Fora, em Minas Gerais, em 6 de setembro. É uma frase para se prestar toda atenção.

Os vices com frequência têm chegado à presidência no Brasil. Mas o mais importante é o que a declaração nos conta sobre a chapa que, sem Lula, está em primeiro lugar nas intenções de voto para a disputa presidencial das eleições de outubro. O que significa um candidato a vice-presidente se anunciar como “nós” e como “profissional da violência” num momento de tanta gravidade para o Brasil?

Abalado pela brutalidade do episódio, Mourão poderia ter escolhido pelo menos duas variações que mudariam a intenção: “os profissionais da segurança” ou “os profissionais da proteção”. Palavras como segurança e proteção levariam à ideia de amparo e de defesa —e não à ideia de ataque, de retaliação e de confronto. Mas não. Mourão usou um “nós”— e usou “profissionais da violência”. Ao ser perguntado quem era o “nós”, o general disse que se referia “aos militares e ao uso da força pelo Estado”.

Mourão declarou ainda: “Eu não acho, eu tenho certeza: o autor do atentado é do PT”. No mesmo dia, o presidente do PSL, Gustavo Bebianno, afirmou ao jornal Folha de S. Paulo: “A guerra está declarada”.

Mourão trata as Forças Armadas do Brasil como se fossem sua milícia pessoal

É bastante revelador que um general da reserva, hoje político e candidato, se considere no direito de falar em nome do Estado, em plena campanha eleitoral para se tornar governo. A declaração de Mourão mostra que ele acredita falar pelos militares, como se os representasse e os comandasse. E como se os militares fossem uma força autônoma, uma espécie de milícia de Bolsonaro e de Mourão. E não o que a Constituição determina: uma instituição do Estado, paga com recursos públicos, subordinada ao presidente da República.

Ao fazer essa declaração, Mourão trata as Forças Armadas como se fossem a sua gangue e o país como se fosse a sua caserna. Alguém machucou o meu amigo? Vou ali chamar a minha turma para descer o cacete. E faz isso na condição de político e de candidato, como se o processo democrático fosse apenas uma burocracia pela qual é preciso passar, mas que pode ser atropelada caso se torne inconveniente demais.

Mais tarde, Mourão baixaria o tom, segundo ele a pedido do próprio Jair Bolsonaro. Uma orientação curiosa para um candidato que divulgou uma foto sua na cama do hospital fazendo com as mãos o sinal de atirar. No dia seguinte à agressão, durante entrevista à Globo News, o vice de Bolsonaro afirmou que, em caso hipotético de “anarquia”, pode haver um “autogolpe” do presidente, com o apoio das Forças Armadas.

Ao comentar a convocação à violência por ele e outras pessoas da campanha, Mourão afirmou: “Realmente subiu um pouco o tom (no início), mas temos que baixar, porque não é caso de guerra”. Disse ainda que, se forem eleitos, vão “governar para todos, e não apenas para pequenos grupos”.

Diante da crise, aquele que quer ser vice-presidente do Brasil bota gasolina na fogueira que deveria conter

As declarações do vice de Bolsonaro no primeiro momento dão pelo menos duas informações sobre ele que vale a pena registrar. Mourão decide baixar o tom depois de elevar (muito) o tom. Poderia se pensar se é esse tipo de reação passional que se espera de um general, uma pessoa numa posição de comando ocupando o posto máximo da hierarquia do Exército, cujas ordens podem afetar milhares de vidas humanas. Pela trajetória de Mourão, a dificuldade de agir com racionalidade em momentos de tensão não parece ter afetado a sua carreira.

Neste momento, porém, Mourão é um político e candidato a vice-presidente. Diante da crise, representada pela agressão a Bolsonaro, aquele que quer ser vice-presidente do Brasil explode, confunde o seu lugar e o lugar das Forças Armadas, e bota gasolina na fogueira que deveria conter. E deveria conter não apenas por ser candidato, mas por responsabilidade de cidadão.

É importante que Mourão tenha finalmente entendido que não se trata de uma guerra e tenha parado de encontrar inimigos entre as faces da população. Mas as declarações irresponsáveis já produziram um efeito cujas consequências são difíceis de prever. Como ele mesmo lembrou, “há um velho ditado que diz: as palavras, quando saem da boca, não voltam mais”.

Como governarão, com sua lógica de guerra, na qual o inimigo não é outro exército, mas a parte da população que discorda deles?

O que Mourão faria com poder real diante das tantas crises que esperam um governante? Como governará essa dupla, caso eleita, um que invoca mais violência em palavras e outro que, recém operado após sofrer uma agressão, faz sinal de atirar? Como governarão, com sua lógica de guerra, na qual o inimigo não é outro exército, mas a parte da população que discorda deles?

A segunda informação que emerge das declarações é a rapidez e a leviandade com que Mourão julga e condena. De imediato ele responsabilizou o PT pela agressão à faca. Não havia —e não há— um único indício de que o autor da facada tenha qualquer ligação com o PT ou faça parte de um plano do partido. Adelio Bispo de Oliveira afirma ter agido sozinho e “a mando de Deus”. Declarar publicamente uma “fake news” ou mentira, num momento de tanta gravidade para o país, também pode ter consequências imprevisíveis. Não adianta voltar atrás depois de ter afirmado uma mentira como “certeza” justamente na hora em que os ânimos estavam mais acirrados.

É importante observar como esse protagonista se comporta diante da crise, já que governar um país é lidar com várias crises todos os dias. Se sem poder de governo ele encontra culpados, para além do culpado que já está preso, e invoca publicamente a violência como reação imediata, o que fará caso tenha poder de governo e a possibilidade de convocar o que Mourão chama de “profissionais da violência” e a Constituição chama de “Forças Armadas”? Se, quando precisam convencer eleitores de que são a melhor escolha, os homens de Bolsonaro invocam a guerra dentro do próprio país, o que farão quando já não precisarem convencer ninguém?

É importante observar o que dizem quando já não são capazes de se conter

É importante observar que não conseguem refrear seus instintos nas horas mais duras, mas também é importante acreditar no que dizem quando não são capazes de se conter. Tanto Bolsonaro quanto Mourão têm se esforçado para mostrar que são “profissionais da violência”. Ao pregarem que a população deve se armar, como se esta fosse a melhor estratégia para enfrentar a questão da segurança, é assim que se apresentam.

As declarações contra as mulheres, contra os negros, contra os indígenas e contra os LGBTs também são um exercício da violência que revela uma visão de mundo e a fortalece entre aqueles que dela comungam. Semanas atrás, Mourão chamou os negros de malandros e os indígenas de indolentes. Desta afirmação que saiu da sua boca ele não se arrepende. Como disse Eduardo Bolsonaro, um dos filhos do candidato: “Tem que botar um cara faca na caveira para ser vice”. Botaram.

No dia seguinte ao atentado, quando segundo ele mesmo o tom deveria baixar, o vice de Bolsonaro enalteceu o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos mais notórios torturadores e assassinos da ditadura civil-militar (1964-85). “Os heróis matam”, justificou ele na TV.

Sempre vale lembrar ao menos um episódio entre as tantas mortes e torturas ordenadas ou executadas pelo “herói” de Bolsonaro e de Mourão. O torturador Ustra levou os filhos de Amélia Teles, presa nos porões do regime, para que vissem a mãe torturada. Amelinha, como é mais conhecida, estava nua, vomitada e urinada. Seus filhos tinham quatro e cinco anos. A menina perguntou: “Mãe, por que você está azul?”. A mãe estava azul por causa dos choques elétricos infligidos em várias partes do seu corpo e também nos seios e na vagina. Este é o farol de Bolsonaro e Mourão, em primeiro lugar nas pesquisas para a presidência do Brasil, o que diz bastante também sobre os eleitores.

Armar-se é uma das principais plataformas da campanha de Bolsonaro-Mourão, o capitão da reserva e o general da reserva. E é preciso levá-los a sério. Não só porque Bolsonaro e Mourão lideram as intenções de voto, mas porque é legítimo que os eleitores queiram votar em “profissionais da violência” para governar o Brasil. É possível discordar de quem aposta em “profissionais da violência”, mas o direito de escolher uma pessoa que invoca a violência é legítimo numa democracia.

Há muita gente clamando por “civilização” contra o que nomeiam de “barbárie” que atravessa o Brasil, às vésperas de uma eleição em que o candidato em primeiro lugar nas pesquisas está na prisão e é proibido pelo judiciário de se candidatar e o candidato em segundo lugar leva um facada durante um evento de campanha e precisa passar por uma cirurgia.

Mas o que chamamos de civilização tem sido sustentado pela barbárie cotidiana contra os negros e os indígenas. A civilização sempre foi para poucos. A novidade que uma chapa Bolsonaro-Mourão apresenta é a suspensão de qualquer ilusão. Não é por acaso que alicerçam sua prática antiga, tão velha quanto o Brasil, nas redes sociais, o espaço onde toda a possibilidade de mediação foi rompida e os bandos se fecham em si mesmos, rosnando para todos os outros.

A barbárie dos “profissionais da violência” sempre sustentou a civilização de uns poucos. O que Bolsonaro e Mourão dizem, como “profissionais da violência” que são, é que já não é preciso fazer de conta. Neste sentido, rompem o mesmo limite que a internet rompeu, ao tornar possível que tudo fosse dito. E também ao dar um valor ao dizer tudo, mesmo que este tudo seja o que nunca deveria poder ser dito, já que é necessário um pacto mínimo para a convivência coletiva e o compartilhamento do espaço público.

A barbárie dos “profissionais da violência” sempre sustentou a civilização de uns poucos

Ao representar a velha boçalidade do mal expressada na novidade das redes, Bolsonaro-Mourão são os representantes mais atuais deste momento. Eles sabem que a guerra não existe no Brasil. O que sempre existiu foi o massacre. São os mesmos de sempre que continuam morrendo, como os camponeses de Anapu nas mãos dos pistoleiros da grilagem e as crianças das comunidades do Rio em cujas cabeças as balas explodem.

Ao inventarem uma guerra para encobrir o massacre, Bolsonaro e Mourão inventam também a ideia de que as armas serão iguais e acessíveis para todos, bastando para isso o “mérito” de passar em eventuais testes e o “mérito” de ser capaz de pagar pelas melhores. Conheceremos então o discurso da meritocracia aplicado às armas.

Bolsonaro e Mourão sabem muito bem que não haverá igualdade ao armar a população. Se Bolsonaro, o “profissional da violência”, teve alguma sorte na tragédia, é a de que Adélio Bispo de Oliveira era um amador e era pobre. Ele tinha apenas uma faca e nenhum plano para depois. Se ele fosse um “profissional da violência” como Mourão, Bolsonaro não teria tido a chance de fazer o gesto de atirar na cama do hospital, depois de ser salvo pelo SUS, sistema público de saúde que ele não se esforça para defender.

A sorte de Bolsonaro, o “profissional da violência”, é o fato de Bispo ser um amador

Marielle Franco, a vereadora do Rio pelo PSOL, não teve esta sorte. Seus assassinos arrebentaram sua cabeça com arma de alto calibre e uso restrito e até hoje, seis meses depois, não se conhece nem a identidade do executor nem a do mandante. Negra, lésbica e favelada, Marielle está no lado dos que morrem e cujas mortes permanecem impunes. Marielle está no lado dos massacrados, não dos que massacram.

Mas não é sorte o que Bolsonaro teve ao ser atacado por um amador. Tanto ele quanto Mourão sabem o que dizem quando reivindicam serem “os profissionais da violência”. Eles são. Resta saber se a verdade da maioria dos brasileiros é também esta: a de desejar profissionais da violência comandando o país onde vivem.

Se a maioria dos brasileiros mostrar nas urnas que quer esse tipo de político no poder, então é isso que escolheram. Faz parte do processo democrático que as pessoas se responsabilizem por suas escolhas e as consequências que delas resultam. Se você chama “profissionais da violência” para comandar o país onde você e sua família vivem, você deve saber o que terá.

*Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção Coluna Prestes - o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos, e do romance Uma Duas. Site: desacontecimentos.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter: @brumelianebrum/ Facebook: @brumelianebrum


Eliane Brum: O Brasil queimou – e não tinha água para apagar o fogo

Eu vim ao Rio para um evento no Museu do Amanhã. Então descobri que não tinha mais passado

Então descobri que não tinha mais passado.

Diante de mim, o Museu Nacional do Rio queimava.

O crânio de Luzia, a “primeira brasileira”, entre 12.500 e 13 mil anos, queimava. Uma das mais completas coleções de pterossauros do mundo queimava. Objetos que sobreviveram à destruição de Pompeia queimavam. A múmia do antigo Egito queimava. Milhares de artefatos dos povos indígenas do Brasil queimavam.

Vinte milhões de memória de alguma coisa tentando ser um país queimavam.

O Brasil perdeu a possibilidade da metáfora. Isso já sabíamos. O excesso de realidade nos joga no não tempo. No sem tempo. No fora do tempo.

O Museu Nacional em chamas. Um bombeiro esguichando água com uma mangueira um pouco maior do que a que eu tenho na minha casa.

O Museu Nacional queimando. Sem água em parte dos hidrantes, depois de quatro horas de incêndio ainda chegavam caminhões-pipa com água potável. O Museu Nacional queimando. Uma equipe tentava tirar água do lago da Quinta da Boa Vista. O Museu Nacional queimando. A PM impedia as pessoas de avançar para tentar salvar alguma coisa. O Museu Nacional queimando. Outras pessoas tentavam furtar o celular e a carteira de quem tentava entrar para ajudar ou só estava imóvel diante dos portões tentando compreender como viver sem metáforas.

Brasil, é você. Não posso ser aquele que não é.

O Museu Nacional queimando.

O que há mais para dizer agora que as palavras já não dizem e a realidade se colocou além da interpretação?

Diante do Museu Nacional em chamas, de costas para o palácio, de frente para onde deveria estar o povo, Dom Pedro II em estátua. Sua família tinha tentado inventar um país e o fundaram sobre corpos humanos. Seu avô, Dom João VI, criou aquele museu no Palácio de São Cristóvão. Dom Pedro II está no centro, circunspecto, um homem feito de pedra, um imperador. Diante da parte esquerda do museu, indígenas de diferentes etnias observam as chamas como se mais uma vez fossem eles que estivessem queimando. Estão. É o maior acervo de línguas indígenas da América Latina, diz Urutau Guajajara. É a nossa memória que estão apagando. É o golpe, é o golpe. Poderiam ter salvo, e não salvaram, ele grita.

Nunca salvaram. Há 500 anos não salvam.

As costas de Pedro ferviam.

Quando soube que o museu queimava, eu dividi um táxi com um jornalista britânico e uma atriz brasileira com uma câmera na mão. “Não é só como se o British Museum estivesse queimando, é como se junto com ele estivesse também o Palácio de Buckingham”, disse Jonathan Watts. “Não há mais possibilidade de fazer documentário”, afirmou Gabriela Carneiro da Cunha. “A realidade é Science Fiction.”

Eu, que vivo com as palavras e das palavras, não consigo dizer. Sem passado, indo para o Museu do Amanhã, sou convertida em muda. Esvazio de memória como o Museu Nacional. Chamas dentro de todo ele, uma casca do lado de fora. Sou também eu. Uma casca que anda por um país sem país. Eu, sem Luzia, uma não mulher em lugar nenhum.

A frase ecoa em mim. E ecoa. Fere minhas paredes em carne viva.

“O Brasil é um construtor de ruínas. O Brasil constrói ruínas em dimensões continentais.”

A frase reverbera nos corredores vazios do meu corpo. Se a primeira brasileira incendiou-se, que brasileira posso ser eu?

O que poderia expressar melhor este momento? A história do Brasil queima. A matriz europeia que inventou um palácio e fez dele um museu. Os indígenas que choram do lado de fora porque suas línguas se incineram lá dentro. E eu preciso alcançar o Museu do Amanhã. Mas o Brasil já não é o país do futuro. O Brasil perdeu a possibilidade de imaginar um futuro. O Brasil está em chamas.

O Museu Nacional sem recursos do Governo federal. Os funcionários do Museu Nacional fazendo vaquinha na Internet para reabrir a sala principal. O Museu Nacional morrendo de abandono. O Museu Nacional sem manutenção. O Rio de Janeiro. Flagelado e roubado e arrancado Rio de Janeiro. Entre todos os Brasis, tinha que ser o Rio.

Ouço então um chefe de bombeiros dar uma coletiva diante do Museu Nacional, as labaredas lambem o cenário atrás dele. O bombeiro explica para as câmeras de TV que não tinha água, ele conta dos caminhões-pipa. E ele declara: “Está tudo sob controle”.

Eu quero gargalhar, me botar louca, queimar junto, ser aquela que ensandece para poder gritar para sempre a única frase lúcida que agora conheço: “O Museu Nacional está queimando! O Museu Nacional está queimando!”.

O Brasil está queimando.

E o meteorito estava dentro do museu.


Eliane Brum: Alckmin quer conquistar a soja

A disputa da eleição pela direita, como aponta Geraldo Alckmin (PSDB), é quem vai levar o apoio do agronegócio rifando a Amazônia

A realidade, como se sabe, é um delírio. É a partir dessa consciência que podemos analisar a atual disputa pela presidência do Brasil. Como o que vale são os espasmos, as cenas que rendem emoção, como a de Marina Silva (Rede) dando pito em Jair Bolsonaro (PSL) no debate de 17/8, ou memes, como qualquer aparição do Cabo Glória a Deus Nação Brasileira Daciolo, o que acontece em tom moderado e com os bons modos das elites que se empenham em parecer limpinhas vai passando batido. Só assim Geraldo Alckmin (PSDB+Centrão+3) pode representar uma direita moderada. Metido em ternos muito bem cortados, camisas brancas impecáveis, toda aparência dele é asséptica, como se emergisse diariamente de uma banheira de desinfetante. É com essa imagem imaculada, falando como um padre não carismático, que ele vai desfiando tanto afirmações arrepiantes quanto declarações nonsense, com a impassibilidade de quem pronuncia provérbios e parábolas.

Até a aparição de Jair Bolsonaro, o terror da maior parte da esquerda e mesmo daqueles que de fato se identificam com o centro ideológico, e com razão, era Geraldo Alckmin. E então aparece o tosco dos toscos e todas as atenções se voltam para a performance daquele que não consegue articular uma frase com sentido em qualquer assunto que não envolva bater ou atirar em alguém, mas que sem Lula lidera as intenções de votos. E Alckmin pode voltar a fingir ser um “picolé de chuchu”.

Alckmin promete transformar uma das regiões mais sensíveis da Amazônia em “canteiro de obras”

Para quem chegou de fato ao século 21, a afirmação mais perigosa do último debate foi dita por Alckmin, quando escolheu Ciro Gomes (PDT) para responder à sua pergunta. “Quero ser o candidato que vai recuperar o emprego. Um dos setores mais pujantes da economia é o agronegócio. (...) No caso do agronegócio, infraestrutura. Estou indo amanhã cedo para o Pará para ir lá na beira do rio Tapajós, lá em Itaituba, para integrar. Vamos fazer um grande canteiro de obras, de ferrovias, de hidrovias, trazendo a iniciativa privada pra investir no Brasil”.

A região que Alckmin escolheu para fazer a primeira viagem oficial como candidato a presidente é uma das mais sensíveis da Amazônia. É no Tapajós que Lula e Dilma Rousseff, do PT, tentaram fazer as grandes hidrelétricas de São Luís e de Jatobá, além de outras no Rio Jamanxim, um afluente do Tapajós, seguindo com seu projeto de construir grandes barragens nos rios amazônicos, custasse o que custasse. E sempre custou demasiado, em todos os sentidos. Quem conseguiu impedir, até agora, que as usinas se materializassem na bacia do Tapajós foram os guerreiros e guerreiras do povo Munduruku.

Como os governos do PT se recusaram a demarcar a terra, eles mesmos fizeram a demarcação, com a ajuda dos ribeirinhos da comunidade de Montanha e Mangabal, que também seriam atingidos pelas hidrelétricas. Depois, foram os ribeirinhos de Montanha e Mangabal que começaram a fazer a autodemarcação de sua terra ajudados pelos Munduruku. Este é um mérito dos 13 anos do PT no poder: seu projeto de construir obras megalômanas na Amazônia uniu povos da floresta que durante mais de um século se encaravam com mútua desconfiança. Diante do tamanho da ameaça, escolheram superar divergências profundas e apostar no que têm em comum. Indígenas e ribeirinhos hoje lutam lado a lado contra aqueles que querem destruir sua casa.

O PT – e o PMDB – conseguiram fazer as hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira, em Rondônia, e Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará. Fizeram ainda as usinas de São Manoel e Teles Pires, no Rio Teles Pires. Só um total desinformado não conhece os custos humanos e ambientais dessas obras, sem contar as suspeitas de corrupção investigadas pela Operação Lava Jato especialmente em Belo Monte. Mas PT e PMDB não conseguiram fazer as hidrelétricas no Tapajós. Alckmin, que de bobo não tem nada, não citou hidrelétricas na sua manifestação no debate. Mas falou as palavras mágicas: “agronegócio”, “ferrovia” e “canteiro de obras”.

A disposição de construir uma ferrovia para transportar especialmente soja rendeu algumas das piores notícias internacionais no desgoverno de Michel Temer (MDB), o presidente mais impopular desde a redemocratização. A Ferrovia do Grão, com 1.142 quilômetros de extensão, foi planejada para ligar a região produtora do Centro-Oeste do Brasil ao Rio Tapajós, principal afluente do Rio Amazonas, para a exportação de soja e outras matérias-primas para mercados estrangeiros.

Para construir a Ferrogrão, vários setores se empenham em desproteger a floresta

Para que seja possível construir a Ferrogrão, como é chamada, e responder à pressão de grileiros que querem se legalizar e comercializar as terras públicas que roubaram, o desgoverno Temer desprotegeu a floresta amazônica. Como fez isso? Reduziu o tamanho das áreas protegidas do Parque Nacional do Jamanxim e da Floresta Nacional do Jamanxim através de medidas provisórias. A resistência dos povos da floresta e a pressão internacional contra a destruição da Amazônia obrigou Temer a recuar. Ainda assim, ele retirou a proteção de 862 hectares do Parque Nacional do Jamanxim, por onde deve passar a ferrovia. Em seguida, o ministro do meio ambiente José Sarney Filho apresentou ao Congresso um projeto de lei mudando o status de 394 mil hectares da Floresta Nacional do Jamanxim. Essa imensa área de floresta, equivalente a duas vezes a cidade de São Paulo, passaria a ser Área de Proteção Ambiental (APA) – e não mais Floresta Nacional.

O que isso significa? A APA é um tipo de unidade de conservação que permite um número muito maior de atividades humanas na área de floresta, inclusive compra e venda de terras. Os grileiros, como são chamados aqueles que roubam grandes quantidades de terras públicas, poderão reivindicar a legalização das terras – ou seja, a legalização do crime contra o patrimônio público e contra o meio ambiente –, para comercializar a terra que deixou de ser pública para se tornar privada. Na prática, o desgoverno Temer pareceu recuar para apaziguar os ânimos internacionais, mas para pagar sua conta impagável com a bancada ruralista, grande fiadora do sua manutenção no Planalto, pegou outro caminho para fazer a mesma coisa.

É nessa cumbuca que Alckmin meteu sua mão de apóstolo. Mas não porque é bobo. E sim porque o chuchu quer ser o melhor amigo da soja. Mais do que isso. Quer mudar o status no Facebook para relacionamento sério com o agronegócio, o que para alguém tão religioso na política quanto Alckmin significa casamento com comunhão total de bens.

Ele não é o único. Ciro Gomes tem se empenhado ao máximo para ser o noivo escolhido, tanto que botou como vice uma latifundiária, Katia Abreu, ex-ministra da Agricultura e amiga pessoal de Dilma Rousseff. Entre as pérolas pronunciadas por Katia Abreu vale lembrar a seguinte, em entrevista à jornalista Mônica Bergamo, na Folha de S. Paulo: “O problema é que os índios saíram da floresta e passaram a descer na área de produção”.

Para expandir a área de soja, ruralistas avançam sobre o Cerrado e a Floresta Amazônica

A vice de Ciro poderia ter dito que o problema é que os indígenas tiveram o mau gosto de estarem em casa quando os europeus invadiram o território que chamariam de Brasil. Mas não é preciso voltar cinco séculos. A questão segue bastante atual, porque Katia Abreu inverte também a história recentíssima. A produtividade da soja não se alterou desde o início deste século, como mostra reportagem de Mauricio Torres e Sue Branford para a série “Tapajós sob ataque”, no The Intercept. Para aumentar a produção da monocultura, os latifundiários precisam aumentar o seu latifúndio. E quais são as regiões que consideram “disponíveis” para sua expansão privada? A floresta amazônica e o Cerrado.

Em apenas dois meses, entre abril e maio deste ano, a Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará, perdeu 57 quilômetros quadrados de cobertura vegetal, o equivalente a 36 parques do Ibirapuera, o principal de São Paulo. O cálculo é do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). O aumento do desmatamento se deve em grande parte à expectativa do afrouxamento da proteção da unidade de conservação que está em curso no Congresso. É o processo costumeiro na Amazônia. A cada frase pronunciada em Brasília, os grileiros aumentam a pressão sobre a floresta, derrubando árvore e colocando boi. E novos invasores aparecem. Sabem que tudo indica que terão seu crime legalizado. Então tratam de invadir e desmatar para consolidar a ocupação. A Floresta Nacional do Jamanxim foi criada por Lula em 2006 exatamente para servir de proteção para o avanço do desmatamento trazido pelo asfaltamento da BR-163, obra levada adiante pelo seu governo para beneficiar os grandes produtores de soja e de gado. É assim que a floresta vai sendo colocada abaixo. Avança por um lado, avança pelo outro, avança pelo meio. Já não há qualquer pudor.

Em janeiro de 2018, o Ministério do Meio Ambiente divulgou que a soja ocupou ilegalmente 47,3 mil hectares de floresta desmatada na Amazônia na última safra, quase 30% a mais do que no ano anterior. Mesmo assim, ministro e parte das organizações ambientais comemoraram o resultado porque o plantio em área ilegal corresponderia a pouco mais de 1% do total de soja plantada. A conclusão é que a soja impactaria pouco no desmatamento da Amazônia. O que se esquecem de mencionar é que parte significativa das terras de agropecuária na Amazônia, produto de pilhagem do patrimônio público e de destruição da floresta, tem sido legalizadas pelos últimos governos e pelo Congresso mais corrupto da história recente. O que é legal hoje era roubo ontem.

É assim que grileiros viram fazendeiros, eliminando o crime por força de um Congresso e um governo dominados pela bancada ruralista. O agrobanditismo vira agronegócio. Basta uma canetada, como aconteceu com aquela que ficou conhecida como a Lei da Grilagem, a número 2, sancionada por Temer em julho de 2017: a partir dela, grileiros que ocupavam terras públicas sabendo que eram públicas até 2011 – ontem – “regularizaram” seus grilos até 2.500 hectares, o equivalente a cinco Vaticanos. De 2.500 em 2.500 a floresta vai sendo tomada, e bandidos, com grande números de laranjas a seu serviço, viram “produtores rurais” e formam latifúndios em plena floresta. Antes, em 2009, ainda no governo de Lula, já havia sido aprovada aquela que foi batizada como Lei da Grilagem, a número 1, também conhecida como “Terra Legal”, que beneficiava os grileiros que tinham invadido terras até 2004, no limite de 1.500 hectares por vez. Temer ampliou o processo de legalização do crime que já havia começado nos governos do PT.

Os crimes contra a floresta compensam cada vez mais para uns poucos, mas poderosos. E a disputa desesperada de candidatos pelo apoio do agronegócio mostra que a ideia é que compensem ainda mais. Em apenas dez anos, a área de soja multiplicou-se quatro vezes na Amazônia, passando de 1,14 milhão de hectares na safra de 2006/07 para 4,48 milhões de hectares na safra 2016/17. A soja não alimenta a população. Cerca de 80% da soja produzida e exportada é usada para fazer ração animal. Ou seja, para a produção de carne.

A pecuária é a atividade que mais contribui para o desmatamento da floresta

A pecuária é a atividade que mais contribui para o desmatamento da Amazônia, ocupando 65% da área desmatada. O rebanho bovino na Amazônia legal, segundo o Imazon, saltou de 37 milhões de cabeças em 1995, o equivalente a 23% do rebanho nacional, para 85 milhões em 2016, quase 40% do rebanho nacional. Os bois, por meio de seu processo digestivo (basicamente puns e arrotos) são responsáveis pela liberação de grande quantidade de metano na atmosfera, um gás de efeito estufa com potencial de aquecimento 25 vezes maior que o CO2. Mesmo sem se preocupar com o sofrimento dos animais criados em campos de concentração, consumir carne é um péssimo negócio para a Amazônia, para o planeta e para todas as espécies, incluindo a humana. Os criadores de gado são grandes clientes das terras de floresta, mas pagam bem mais no mercado por áreas já desmatadas. Soja e boi formam um círculo íntimo na destruição da floresta amazônica.

Estima-se que até 2024 a demanda chinesa por soja, segundo Torres e Branford, chegue a 180 milhões de toneladas por ano: mais do que a soma dos três produtores mundiais – Estados Unidos, Brasil e Argentina. É o Brasil que supostamente teria mais condições de aumentar a sua produção, avançando ainda mais sobre o Cerrado e a Floresta, situação que se acirra com as recentes divergências entre a China e os Estados Unidos de Donald Trump.

Num país que depende da exportação de matérias-primas em pleno século 21, como o Brasil, o peso da soja na balança comercial dá ao agronegócio um enorme poder de chantagem. É o que temos testemunhado nas últimas décadas no Brasil, de forma sempre crescente e cada vez mais desavergonhada, o que determina tanto o desmantelamento da Funai e o loteamento dos órgãos de proteção socioambiental e de fiscalização da questão agrária quanto o afrouxamento das regras do licenciamento ambiental.

Este é o grande impasse do momento atual do Brasil e vai determinar seu futuro: em tempos de crise climática, a maior floresta tropical do mundo, fundamental para a regulação do clima, vai seguir sendo convertida em soja, boi, minério e hidrelétricas? É o que apontaram os últimos governos e é também o objetivo explícito de alguns dos principais candidatos desta eleição.

É por isso que Geraldo Alckmin passou o último final de semana na região do Tapajós tentando fazer amigos. Estava lá para garantir que o agronegócio, parte dele agrobanditismo, continuará a ser fiador do governo, mesmo com a mudança do inquilino no Planalto. Michel Temer não mentiu quando disse, em entrevista à Folha de S. Paulo, que Alckmin era o candidato mais identificado com o seu governo. A promessa é de que tudo continuará ainda melhor do que já está para quem quer derrubar a floresta para que ela vire soja, boi, minério e hidrelétrica.

A maioria dos fazendeiros e também dos agrobandidos parece preferir Bolsonaro a Alckmin

A pedra nos impecáveis sapatos de Alckmin é que grileiros e grandes fazendeiros de várias regiões do país se identificam bem mais com o estilo de Bolsonaro. No Pará, as caminhonetes estão coalhadas de adesivos do candidato de extrema-direita. Notórios expoentes da grilagem se alinharam com ele, alguns com uma folha corrida de serviços prestados às funerárias da região. E alguns prefeitos do PSDB, mesmo que não declarem publicamente, se abraçam a Bolsonaro. Alckmin é coxinha demais para quem demarcou as terras com sangue de camponeses e de índios. Mas a devoção por Bolsonaro pode mudar se valer mais a pena. Não há setor mais pragmático do que o “agro”. Nenhum grileiro que limpou sua biografia com a ajuda de deputados virou “produtor rural” ou “fazendeiro” por lealdade.

É para agradar a esse público eleitor e fiador de candidaturas e de governos que Alckmin, o sereno, promete “flexibilizar” o uso de armas na zona rural para proteger os “produtores rurais”. Qualquer anta passeando pela floresta sabe que não faltam armas nas mãos dos que são chamados de fazendeiros ou mesmo “desbravadores”, mas que, a rigor, são grileiros. Os fazendeiros reais deveriam ser os primeiros a se esforçar para se diferenciar dos bandidos, denunciando esse tipo de prática, mas não é o que em geral tem acontecido.

A questão é que a Amazônia já está armada. Desarmá-la é mais do que urgente. A violência não é contra os proprietários rurais, mas sim contra camponeses, indígenas, quilombolas e ribeirinhos. E multiplicou-se desde o aumento do poder do PMDB no governo de Dilma Rousseff, ampliando-se quando Temer se tornou presidente com o apoio decisivo da bancada ruralista.

Mas não é contra essa violência que Alckmin está preocupado. É sua vice, Ana Amélia Lemos (PP), que mais claramente expressa quem não pode morrer no campo: “Com a migração do crime organizado da área urbana para a rural, é cada vez maior o número de assaltos nas propriedades, com roubo de gado, equipamentos, insumos e, o mais grave, o risco à vida dos produtores, suas famílias e seus trabalhadores. A situação é grave!”. Segundo Janio de Freitas, colunista da Folha de S. Paulo, Ana Amélia é conhecida por ter defendido a ditadura civil-militar como jornalista e também como funcionária fantasma do Senado em 1987. Não deve ser um problema para Alckmin, que acabou de dar um depoimento ao Ministério Público de São Paulo sobre o repasse de 10 milhões de reais pela empreiteira Odebrecht para suas campanhas de 2010 e 2014.

A Amazônia está armada, o que é necessário é desarmá-la

Geraldo Alckmin escolheu o Pará para a primeira viagem oficial como candidato para conquistar os ruralistas do Norte e do Centro-Oeste. Mas não apenas eles. Há muitos ruralistas do Sudeste e do Sul com grandes fazendas na floresta – ou na ex-floresta. Ao desembarcar na região do Tapajós, que promete transformar num “canteiro de obras”, Alckmin estava desembarcando no estado mais letal para defensores da terra e do meio ambiente do planeta. Segundo a organização Global Witness, não há nenhum lugar hoje mais perigoso que o Brasil – e, no Brasil, nenhum lugar mais perigoso do que o Pará. O setor que lidera os assassinatos, segundo a organização britânica, é o agronegócio. O “agro” superou a mineração no uso da violência como método de invasão das florestas e outros biomas.

Em Anapu, pelo menos 16 trabalhadores rurais foram mortos desde 2015 por conflitos por terra. Mais de uma década depois do assassinato da missionária Dorothy Stang, a situação atual de tensão e violência no município é ainda mais explosiva. É fácil imaginar como soa, nessa região de interpretações literais, uma promessa de “flexibilização” de armas para que os “produtores rurais” possam se defender. Quando Alckmin acena com isso, e Bolsonaro defende abertamente a solução de conflitos pela bala, o que estão autorizando é a legalização das chacinas que já acontecem com alto grau de impunidade. Que um dia respondam pelos cadáveres. Não se brinca de vilão na Amazônia sem se tornar um vilão.

Alckmin se autoriza a pronunciar assombros com absoluta serenidade. Ele, que é apoiado pelo Centrão (DEM, PP, PR, PRB e SD), anomalia política intimamente ligada à desintegração do país, e também pelo PSD, PTB e PPS, não se cansa de reclamar em cada oportunidade do excesso do número de partidos no Brasil. Também saiu-se com essa na convenção do PSDB, em Brasília: “Precisamos da ordem democrática, que dialoga, que não exclui, que tolera as diferenças, que não busca resolver tudo na pancadaria nem usa o ódio como combustível da manipulação eleitoral”.

O governador que autorizou a Polícia Militar a descer o cacete, jogar bombas de gás lacrimogênio e disparar balas de borracha contra manifestantes em 2013 e 2014, assim como bater em adolescentes que reivindicavam escola pública de qualidade em 2015 e 2016, apregoa-se como o homem do diálogo. Nem piscou. O governador que manteve, apoiou e estimulou a prática de uma das polícias mais letais do Brasil, país com uma das polícias mais letais do mundo, mas com letalidade racialmente seletiva, já que a maioria dos executados são negros, se anuncia como o paladino da tolerância. Tranquilo, sem desarrumar a gravata.

O governador que não salvou o Tietê afirma que vai salvar o São Francisco

Alckmin também não despenteia o cabelo ao afirmar: “Aqui em São Paulo tivemos uma crise hídrica muito grande. Vencemos”. Os mais pobres, que de fato sofreram o racionamento de água por meses e até anos, podem contar uma história bem diferente. Hoje, o Cantareira, apesar de abastecer menos gente, está com níveis abaixo do período anterior à crise de 2014. Não há vitória nenhuma. São Paulo pode voltar a ter uma crise de água no próximo ano. Mas, claro, isso não vai acontecer antes da eleição de outubro.

Imperturbável, Alckmin segue, dando alô aos nordestinos: “Ajudamos o Nordeste no eixo leste com a transposição do São Francisco. (...) Vamos salvar o Rio São Francisco. A revitalização do rio, dragagem, recomposição da mata ciliar....”. Não seria lindo se, durante os mais de 12 anos de Alckmin como governador, os 24 anos do PSDB no poder em São Paulo, o Tietê e vários outros rios de São Paulo convertidos em esgoto tivessem sido salvos por ele e por seu partido? Assim como as matas ciliares e os mananciais, essa sim uma medida efetiva para enfrentar a crise climática que hoje impede qualquer previsão séria sobre a quantidade de chuvas? Só que não. Alckmin vai ao Pará para prometer transformar a floresta num canteiro de obras, ignorando por completo as evidências científicas da importância da Amazônia para a regulação das chuvas também no Sudeste.

O Brasil não é mais o país do futuro. Mas, para que possa ter ao menos um futuro, é preciso que o Brasil volte a ser capaz de imaginá-lo. Não há nenhuma possibilidade de fazer isso tratando a maior floresta tropical do mundo como um corpo para a espoliação de recursos, as árvores e seus povos como um lixo que deve ser varrido para virar soja ou pasto. Não por caridade cristã, mas por sobrevivência. Não é uma escolha de modelo de desenvolvimento. Essa escolha num mundo em crise climática já não é mais possível. Nem mesmo para o agronegócio.

Qualquer um já é capaz de perceber os efeitos do aquecimento global. Não é nenhuma novidade que o planeta está a caminho de virar um forno. Mas a situação pode ser ainda pior. Um grupo de respeitados cientistas do clima publicou um artigo no Proceedings of the National Academy of Sciences, alertando que o Acordo de Paris, que busca manter o aquecimento global a no máximo 2o C acima dos níveis pré-industriais, pode não ser suficiente para “estacionar” a temperatura. O grupo pesquisa se as temperaturas mais quentes liberam novas fontes de gases de efeito estufa e destroem a capacidade da Terra de absorver carbono ou refletir o calor.

Se o Brasil quiser voltar a ser capaz de imaginar um futuro, a crise climática e a Amazônia precisam estar no centro do debate eleitoral

Analisando as consequências combinadas de 10 processos de mudança climática, o grupo de cientistas avalia se o aquecimento pode ser interrompido e a temperatura estabilizada ou se vai haver um processo de realimentação, com aquecimento contínuo, levando a uma “estufa terrestre”: 4o C acima e muito menos favorável à vida humana. Hoje, a temperatura média global já está a mais de 1o C acima dos níveis pré-industriais. Na atual conjuntura e com os atuais governantes do planeta, destaque para Donald Trump, dificilmente será possível parar em 2o C. Passar disso tem efeitos que já foram projetados. Dificilmente alguém vai achar bom que seus filhos e netos vivam num mundo tão ruim.

É inaceitável que a crise climática não esteja no centro do debate eleitoral. E isso no país que tem a maior parte da maior floresta tropical do mundo no seu território. É um escândalo que o tema sequer apareça ou que no máximo tangencie algumas poucas questões. Ao contrário. Aparece pelo seu avesso, como a promessa de Alckmin de transformar a floresta amazônica, na região do Tapajós, num “canteiro de obras”.

O Brasil só tem relevância no mundo hoje porque tem no seu território a maior parte da Amazônia, mas a maioria dos candidatos não chegou ao século 21. Tá rodando entre o século 19 e o século 20, antes de 1968. O “progresso” ainda é trocar a floresta por soja e boi, enchê-la de cimento, concreto e aço com obras gigantes. É constrangedor. E é perigoso. O que deveria estar se discutindo é como proteger o Cerrado, a floresta amazônica e outros biomas e como aprender com seus povos a usar os recursos sem destruir a natureza, o que eles fazem há séculos e até milênios. A riqueza da Amazônia é a sua biodiversidade, assim como o complexo conhecimento de suas populações tradicionais. Soja, boi, minério e hidrelétrica só destroem o ativo de maior valor do mundo assombrado pela mudança climática.

Geraldo Alckmin ainda está mal nas pesquisas. É provável que a lógica das eleições tenha mudado e que são as redes sociais que vão definir o vencedor. E não mais os debates e o tempo de TV e os apoios e a máquina eleitoral. Mas não dá para esquecer que apenas quatro anos atrás Alckmin ganhou no primeiro turno a reeleição para governador em plena crise da água em São Paulo, esta que ele acaba de dizer que venceu, jurando que não havia crise nenhuma. É verdade que o voto do Brasil é mais complexo do que o dos paulistas, mas é melhor prestar atenção também naqueles que têm bons modos e que falam pausadamente, os que raramente rendem os melhores memes ou vídeos curtos de grandes momentos de reality show.

A disputa por quem vai levar o apoio dos ruralistas e rifar a Amazônia nunca antes na história recente foi tão acirrada.

* Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção Coluna Prestes - o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos, e do romance Uma Duas. Site: desacontecimentos.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter: @brumelianebrum/ Facebook: @brumelianebrum


Eliane Brum: Lula, o inconciliável

Qual é a relação entre o ódio de uma parcela dos brasileiros contra o maior líder popular da história recente e a fratura do projeto de conciliação que ele representou nos anos que ocupou o poder?

Lembro duas cenas da conciliação que Lula promoveu no Brasil da primeira década do século.

Na primeira, ocorrida durante a campanha presidencial de 2002, só há três testemunhas. Uma delas sou eu. É uma cena pequena, mas ela sempre teve uma enormidade para mim, porque não acredito nem em deus nem em diabo, mas acredito que ambos vivem nos detalhes.

Eu entrevistava uma mulher da elite paulistana que namorava um dos principais industriais de São Paulo. Juntos, eles foram decisivos para que Lula conversasse com uma parte da elite, a que era conversável, e costurasse um apoio fundamental para a vitória do PT em 2002, depois de três derrotas consecutivas. Apoio que se concretizou na “Carta Ao Povo Brasileiro”, na qual Lula se comprometeu não com o povo, mas com o mercado, a manter as principais linhas da política econômica.

É preciso lembrar que, naquela eleição, Lula vestiu Ricardo Almeida e circulou pelos salões da elite de São Paulo, uma porta dourada aberta por Marta Suplicy, hoje no (P)MDB. Não apenas circulou, como encantou. Lula tornou-se pop para milionários que acreditavam ser esclarecidos, empreendedores, modernos e cosmopolitas. Havia algo de muito sedutor num operário, num líder sindical, que gostava deles.

E havia uma pressão social crescente no Brasil. Após o deslumbramento com a volta da democracia, o país vivera o impeachment de Fernando Collor, com os carapintadas nas ruas, e vivia um final de segundo mandato bastante penoso de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Cidade de Deus, o filme de Fernando Meirelles e Katia Lund, era a expressão do Brasil de 2002.

Uma parcela da elite econômica de São Paulo desfilou Lula pelos salões para provar aos pares que ele era tão palatável quanto seu caviar

Uma parcela da elite econômica do país compreendeu a delicadeza do momento e costurou apoios e acordos, desfilando Lula pelos salões para provar aos pares que ele era tão palatável quanto seu caviar. E Lula, inteligente como é, desempenhou seu papel com brilhantismo.

Eu estava numa dessas mansões do Jardim Europa, onde só vivem os ricos muito ricos de São Paulo, e os ricos muito ricos de São Paulo são muito ricos em qualquer lugar do mundo. Entrevistava uma das principais anfitriãs de Lula. E ela me dizia o quanto Lula era fascinante e o quanto o Brasil precisava mudar.

De repente, interrompeu a fala. E chamou alguém. Num tom elegante, mas imperativo. A empregada doméstica estava no andar de cima, mas foi instada a descer para fechar a cortina da sala onde nós duas estávamos. Percebi que de fato não ocorrera à dona da casa que ela mesma poderia se levantar do sofá e andar alguns passos. Era a vida dela, sempre tinha sido. Não poderia haver outra.

Ali estava posta a mágica de Lula. Essa mulher podia circular pelos salões com o candidato do PT vestido em ternos de grife e ao mesmo tempo chamar a empregada para fechar a cortina. Pelo toque alquímico de Lula, as contradições por um momento apagavam-se.

Salto para 2006.

rapper MV Bill, um dos criadores da Central Única das Favelas (CUFA), está na Villa Daslu, que então era chamada de “templo do luxo” ou “meca dos estilistas”. Uma construção de 20 mil metros quadrados e colunas neoclássicas na Marginal Pinheiros, que vendia de roupas de grifes internacionais a helicópteros. Na época, Eliane Tranchesi, a proprietária, já estava às voltas com denúncias de sonegação de impostos, mas apostava alto na conciliação com o outro lado dos muros.

Se, em 2002, a expressão cultural do Brasil era Cidade de Deus, o filme, em 2006 a expressão cultural foi Falcão, meninos do tráfico, o documentário de MV Bill e Celso AthaydeA obra havia sido exibida três semanas antes no programa Fantástico, da TV Globo, em horário nobre do domingo. Ao mostrar a vida – e a morte – dos “soldados” do tráfico em favelas pelo Brasil, Falcão causou enorme impacto em pessoas que não costumavam se impactar com o genocídio dos meninos negros e pobres das comunidades e periferias: dos 17 entrevistados, todos muito jovens, apenas um havia sobrevivido para assistir ao programa naquela noite de domingo.

Lula estava há quase quatro anos no poder, era candidato à reeleição e o PT já enfrentava as denúncias do mensalão, esquema de compra de votos de parlamentares que Lula afirmava desconhecer. A “conciliação” era ainda uma tese em vigor, com um presidente que não só havia cumprido rigorosamente o acordado na Carta ao Povo Brasileiro, ao não mexer na condução da economia, como ainda mantinha muito da sua mística apesar das primeiras denúncias de corrupção do PT no poder.

“Não estamos aqui para encontrar culpados pela tragédia em que vivem essas crianças (mortas pelo tráfico). Estamos aqui para juntar ricos e pobres”, disse a dona da Daslu

Para lançar o livro Falcão, meninos do tráfico na Villa Daslu, MV Bill subiu ao quarto andar com 30 moradores de favelas. A loiríssima Eliana Tranchesiresumiu, com clareza poucas vezes vista, o tom da conciliação costurada no Brasil de Lula: “Não estamos aqui para encontrar culpados pela tragédia em que vivem essas crianças. Estamos aqui para juntar todo mundo, ricos e pobres, as forças de todo mundo”.

Essa era a mágica. Juntos, o rapper negro da Cidade de Deus, no Rio, e a loira empresária paulistana que fraudava o fisco celebravam a possibilidade da conciliação de dois países apartados. O Brasil, um dos lugares mais desiguais do mundo, deveria se conciliar sem olhar para o que causava a desigualdade. Ou, o tema mais sensível, sem tocar na renda dos mais ricos nem fazer mudanças estruturais que atingissem seus privilégios.

Estavam, como anunciou Eliana Tranchesi, “todos juntos, ricos e pobres”. E cada um no seu lugar. Na Villa Daslu, os negros eram trabalhadores uniformizados e os o moradores de favelas que ali entraram naquele dia voltariam em seguida para suas casas sem saneamento básico e jamais poderiam comprar sequer um botão no “templo do luxo”. Mas, deslocados por um momento do seu lugar apenas para reafirmá-lo, eram bem-vindos e até amados. A imagem produzida era vendida como se realidade fosse. Era uma cena poderosa e é possível que muitos acreditassem nela. O Brasil vivia um momento muito particular.

Diante da mistificação, uma voz se levantou na plateia: “O consumismo é uma das causas dessa tragédia. Estamos no templo do consumo. Isso aqui é o responsável. Se eu lembrar do país e da desigualdade em que vivemos, esse local é uma violência”.

O mal-estar se instalou. O idílio acabara de partir-se. “Para satisfazer o sonho de consumo de comprar um tênis, quem está na favela às vezes tem que matar. Mas não para comprar um tênis da Daslu, porque aí tem que matar muito mais”, somou outra voz. Farpas verbais foram trocadas, a plateia branca fez sinal para cortarem o microfone.

A líder da favela Coliseu, uma mulher negra e desempregada, levantou-se então para defender a anfitriã: “Ela é rica porque trabalhou muito para ser rica”.

Apoteose. Gritos e palmas. A conciliação estava salva no Brasil de Lula. Mais tarde, Eliana Tranchesi seria presa por sonegação fiscal e outros crimes, condenada a 94 anos de prisão, e a Villa Daslu deixaria de existir. Outros “templos de consumo” tão seletos quanto, mas mais discretos, foram erguidos em São Paulo. Inclusive no próprio local da então gloriosa Villa Daslu.

A mística da conciliação sobreviveria por mais tempo.

O Brasil governado por Lula teve aumento real de salário mínimo, teve redução significativa da miséria, teve ampliação do acesso à universidade, teve melhorias importantes no Sistema Único de Saúde (SUS), teve Estatuto da Igualdade Racial, teve garantia de crédito para os mais pobres. Isso não é pouco e fez enorme diferença na vida de quem nem sempre podia comer.

Em parte só foi possível melhorar a renda dos mais pobres, sem tocar na renda dos mais ricos, pela exportação de matérias-primas para a China: e quem pagou por isso foi a Amazônia

Em grande parte, a melhoria da renda dos mais pobres, sem tocar na renda dos mais ricos, foi possível pela exportação de matérias-primas para a China, que vivia anos de crescimento acelerado. Mas esse tipo de desenvolvimento teve um custo alto para a Amazônia, um tipo de custo que não é recuperável – e num momento em que o planeta vive a mudança climática causada por ação humana. É o custo-natureza, aquele que alguns autores definem como “o trabalho não pago da natureza”.

É por essa razão que as contradições apareceram primeiro na Amazônia, na construção das grandes hidrelétricas e, com mais impacto, na maior de todas elas: Belo Monte. Em Altamira e região do Xingu todo o ovo da serpente já estava desenhado há muitos anos, mas era convenientemente longe demais. Lula e depois Dilma, assim como o PMDB, poderiam sempre contar com a desconexão do centro-sul urbano com relação à floresta. E o centro-sul não decepcionou também desta vez. Nem a parte da esquerda ligada ao PT, que mostrou a seletividade de sua preocupação com os direitos humanos e sua ignorância com relação à mudança climática e ao meio ambiente. Há uma parcela do PT e da esquerda que está cimentada no século 20. Sequer chegou a maio de 1968.

Era nas regiões amazônicas atingidas pelas grandes obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) que os povos seriam sacrificados em nome de algo supostamente maior, o desenvolvimento. A conciliação tinha sangue, suor e lágrimas, mas bem longe das capitais.

Os brasileiros que se importam de fato com a Amazônia, para além dos ufanismos de ocasião, são uma minoria. E um número menor ainda consegue fazer a relação entre o mal-estar cotidiano nas cidades e a destruição da floresta e de outros ecossistemas. Os brasileiros, assim como a maioria dos habitantes do planeta, vivem a catástrofe ambiental mas dão outros nomes a ela.

Se a água não presta ou se a água falta, acham que basta ter aumento de salário, para poder comprar água no supermercado, ou o governo do momento fazer uma obra, para que a água volte para as torneiras. Ainda não compreenderam que a água será a maior preocupação de seus filhos e netos.

O tema da corrupção foi sequestrado pela direita, e a esquerda ligada ao PT se omitiu diante da violação de direitos humanos em Belo Monte e outras grandes obras do PAC e da Copa de 2014

Também por isso Belo Monte e outras grandes obras tornaram-se possíveis e raramente são citadas como um passivo de Lula e de Dilma, mesmo por seus odiadores. Exceto quando aparecem ligadas ao propinoduto denunciado pela Operação Lava Jato. O tema da corrupção foi sequestrado pela direita – e a esquerda ligada ao PT preferiu se omitir diante das violações de direitos humanos nas grandes obras do PAC, como Belo Monte, e também da Copa de 2014.

A conciliação de Lula só podia ser provisória. Num país tão desigual como o Brasil, não é possível fazer justiça social sem mudanças estruturais – ou sem pelo menos mexer na renda dos mais ricos, redistribuindo a riqueza existente.

Há uma pergunta, sempre repetida, e que após a prisão de Lula se torna ainda mais ruidosa: “por que odeiam tanto Lula?”

É uma pergunta legítima. E tem sido respondida com frequência pelo preconceitodas elites com o que Lula representa: o nordestino, o trabalhador braçal, o pobre. Faz sentido. Mas acredito existir mais do que isso. Por várias razões e também porque, se essa fosse toda a explicação, Lula não teria terminado o segundo mandato – oito anos no poder e o escândalo do mensalão em curso – com quase 90% de aprovação.

Suspeito que mesmo os mais ricos se incomodam com a miséria. A não ser que você seja um psicopata, é duro ver pessoas destruídas nas ruas. Ou, sendo mais cínica, a imagem da miséria pode ser perturbadora porque contamina o cenário dos dias, nos faróis e nas calçadas. E pode ser perturbadora porque, por mais seguranças que se bote na porta, por mais vidros blindados nos carros, a miséria acaba transpondo os muros e ameaçando a paz armada do Brasil.

Ainda que os brasileiros, e aí não só os mais ricos, tenham alcançado uma desconexão espantosa com relação à vida torturante dos mais pobres, em especial à dos negros, não me parece que alguém goste que o Brasil tenha tanta miséria e desespero. E também me parece que mesmo os mais ricos gozaram com a popularidade internacional do Brasil de Lula, visto como o país que tinha superado o passado e se transformava numa potência do presente. Sem contar que os mais ricos ficaram mais ricos neste mesmo Brasil.

Se a conciliação vendida por Lula era provisória, isso só ficou claro no governo de Dilma Rousseff: a perda dessa ilusão teve grande impacto subjetivo sobre o país

Se a conciliação vendida por Lula era provisória, isso só ficou claro no governo de Dilma Rousseff. E talvez seja essa perda da ilusão que os mais ricos e setores da classe média não perdoem em Lula, acentuada pela piora na economia quando se acreditava que o Brasil já não poderia retroceder. Os protestos que irromperam em 2013 tiveram muitos sentidos, muitos deles contraditórios. Um dos sentidos – e só um deles – pode ter sido esse, o da perda da ilusão, que se materializou nessa rua polifônica, onde só o que ficava claro era uma furiosa e confusa insatisfação.

A ilusão de que é possível reduzir a pobreza sem perder privilégios, que vigorou na primeira década deste século e foi amplamente propagandeada pelo maior líder popular da história recente, é muito, mas muito sedutora. É necessário incluir na análise deste momento histórico o peso subjetivo que essa ideia de conciliação exerceu nesses anos de magia, em que o que era impossibilidade foi vendido como possibilidade em exercício. E o quanto essa subjetividade impactou nos fatos objetivos que fizeram do Brasil um país aos espasmos.

Uma imagem-síntese desse momento ocorreu em 2010, no último ano do segundo mandato de Lula. O então bilionário Eike Batista, símbolo da pujança do Brasil da primeira década, comprou o terno que Lula usou na posse, em 2003, com um lance de meio milhão de reais. O dinheiro foi destinado a um projeto de alfabetização na favela de Paraisópolis, em São Paulo. E o terno foi doado pelo bilionário ao acervo de Lula.

O leilão, na Daslu, foi promovido por Wanderley Nunes, cabeleireiro da então primeira-dama Marisa Letícia. Ela e Eike dividiram uma mesa. Estas são também imagens que fazem parte dos oito anos de governo de Lula, tanto quanto as dele com o povo do semiárido nordestino. Uma parte não fica completa sem a outra.

O poder dessa conciliação provisória sobre a subjetividade da vida brasileira não pode ser subestimado. A subjetividade é seguidamente esquecida nas análises dos contextos históricos, mas em geral ela é tão ou mais importante que os acontecimentos objetivos – e os determina.

É possível que parte do ódio destinado a Lula pelas elites que em 2015 desceram à Paulista para protestar com a camisa da seleção, acompanhando centenas de milhares de brasileiros, pode ser atribuído à suspensão dessa ilusão. Afinal, não seria possível conciliação sem perda de privilégios. E privilégios, dos mais evidentes a ter uma empregada que aceite descer para fechar a cortina da sala, a elite brasileira – econômica, política, intelectual – não está disposta a perder. A corrupção era a justificativa perfeita, porque elevava moralmente o portador da crítica e o salvava de perguntas cujas respostas lhe devolveriam uma imagem menos límpida.

A reação à maior presença dos negros nos espaços de poder marcou o momento em que as fissuras do projeto de conciliação se tornaram explícitas

Nos últimos anos de Lula e nos primeiros de Dilma Rousseff, os efeitos de algumas medidas sociais começaram a se fazer sentir. A ampliação do acesso dos negros às universidades talvez tenha sido o momento em que os privilégios foram colocados em xeque. Tratava-se ali de mexer em algo estrutural no Brasil, o racismo. E naquele momento a tensão tornou-se explícita, sinalizando que havia fissuras no projeto de conciliação.

Os lucros eram ótimos quando o Estatuto da Igualdade Racial, ainda em fase de elaboração, foi combatido com fúria por setores da elite. Os negros, cada vez mais presentes nos espaços de poder, avançavam sobre lugares simbólicos muito caros também para parte da classe média. Haveria que perder: objetivamente, vagas para brancos nas universidades e em concursos públicos; subjetivamente, muito mais. As reações foram imediatas.

Nos últimos anos, o avanço do protagonismo negro tem mostrado o quanto mexer nos privilégios mais subjetivos, como o de falar sozinho nos espaços de poder, é um tema explosivo no Brasil. Mesmo pessoas que se consideram de esquerda reagem mal, em especial quando o privilégio a ser perdido é o de se considerar um branco bacana.

A ampliação das ações afirmativas contra o racismo, assim como o Bolsa Famíliapriorizando as mulheres como titulares do programa, colocaram algo muito potente em movimento no Brasil, algo que seguirá se movendo para muito além dos fatos do momento. Isso pertence aos governos do PT. Neste sentido, se Lula mantinha os bolsos das oligarquias e dos rentistas cheios, por um lado, por outro solapava algumas bases pelas beiradas.

Ao mesmo tempo, não é permitido esquecer, seu partido se corrompia. A corrupção não é um dado a mais, na medida em que ela define escolhas de desenvolvimento. Não há nada mais eficiente para gerar propinas e caixa dois do que obras, em especial se elas forem grandes. Como Belo Monte.

A questão mais profunda do Brasil continua a ser a mesma: para ter conciliação de fato será preciso perder privilégios

Os programas sociais e as ações afirmativas dos governos do PT acabaram por colocar em risco a conciliação vendida por Lula. Essa fissura entre tantas expôs o óbvio. Não havia mágica. A questão mais profunda do Brasil continuava a ser a mesma: para ter conciliação de fato é preciso que uma parcela da população perca privilégios. E isso, para as elites e também para setores da classe média, era – e continua sendo – inaceitável.

Não me refiro aqui a qualquer privilégio. Aquilo que não custa perder não é privilégio. Privilégio custa. E mesmo quem tem bem poucos se agarra aos seus, o que explica um tanto de ódio mesmo entre pobres urbanos. Há sempre algo a perder, mesmo que seja uma pequena superioridade sobre o vizinho.

Assim, Lula tem alguma razão quando diz que o perseguem por ter colocado “negro dentro da universidade”. Mas o que ele precisa dizer também é que esta foi a conciliação que ele vendeu ao Brasil e na qual se lambuzou por vários anos. Esta foi a conciliação que o elegeu e o reelegeu mesmo após o mensalão, uma conciliação que tem sua expressão bem acabada na arquitetura político-financeira construída no segundo mandato, aquela que o PT chamou de “governabilidade”. Esta foi a “paz” pela qual possivelmente ele também tenha se deixado seduzir. E que nos trouxe até aqui.

O mágico precisa saber que sua mágica é truque, não realidade.

Não é possível saber qual é o tamanho do Lula que foi para a prisão. A memória é construída depois, a memória é dada pelo futuro tanto quanto pelo passado. Ainda vivemos o agora. E ele é furioso.

Para compreender o legado de Lula, o conciliador, é preciso enfrentar o inconciliável em Lula.

Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção Coluna Prestes - o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos, e do romance Uma Duas. Site: desacontecimentos.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter: @brumelianebrum/ Facebook: @brumelianebrum


#ProgramaDiferente viaja pelo mundo incrível da internet com youtubers, blogueiros e celebridades, enquanto combate os haters em geral

O #ProgramaDiferente desta semana mostra que na internet tudo é possível, até o que parece impossível. Vivemos uma revolução tecnológica e uma transformação completa da comunicação entre as pessoas. Tudo pode, mas não é uma terra de ninguém. Assista.

A internet mudou a relação entre as pessoas. Todos nós deixamos de ser meros receptores para nos tornarmos também produtores e emissores da informação. Não é à toa que as profissões da moda estão todas ligadas às redes sociais. O sonho de muito jovem é ser youtuber ou blogueiro. Como toda mudança, essa também nos leva a buscar ajustes, regulação e equilíbrio. A internet é o assunto de hoje.

Ao acompanhar o lançamento do livro “O que aprendi sendo xingado na internet”, do jornalista, blogueiro e cientista político Leonardo Sakamoto, aproveitamos para debater a polarização, o ódio e a intolerância nas redes sociais.

Além do próprio Sakamoto, são ouvidos os jornalistas Juca Kfouri e Eliane Brum; a fundadora da ONG feministaThink Olga, Juliana de Faria; a universitária Nátaly Neri, criadora do canal Afros e Afins; e PC Siqueira, youtuber (dos canais maspoxavida e Rolê Gourmet) e apresentador de TV.

Quais os limites entre a liberdade de expressão e a prática de um crime? Como combater o preconceito e enfrentar com civilidade as divergências, os ânimos exaltados, a intransigência e as polêmicas intermináveis na internet? Que momento é este que vivemos no Brasil?

Em seguida, o debate é sobre a proliferação de blogs e canais de vídeos que são capazes de mobilizar uma multidão pelas redes sociais. Quem são estes blogueiros, blogueiras e youtubers que dominam a internet, afinal?

Facebook, Youtube, Instagram, Snapchat, blogs, vlogs. Não importa a plataforma, essas celebridades instantâneas do mundo virtual atraem seguidores do Brasil inteiro com vídeos e textos criativos e engraçados sobre os mais variados assuntos. Kéfera, Rezende Evil, Christian Figueiredo, Whindersson Nunes são alguns dos novos ídolos dos jovens e seguem os passos de humoristas como Marco Luque, ex-CQC e hoje sucesso absoluto no "Altas Horas", da Rede Globo, e no seu próprio canal.

Participam do debate a jornalista e blogueira Renata Motta, do blog Mãe de Maria: Adriana Alfaro, formada em relações públicas e pós-graduada em estética e gestão de moda, do blog Fashion Frisson; Amanda Soares, estudante de cinema e audiovisual, do blog Let’s Go Mandy; e Marcelo Santana, youtuber e professor de educação física conhecido como "personal das celebridades", que dá dicas de exercícios e de saúde.