Eleições

El País: O que o Exército está insinuando sobre as eleições?

Comandantes militares pediram um ambiente de tranquilidade política que permita a realização de “um processo eleitoral tranquilo”

Juan Arias

Os comandantes militares exortaram à criação no país de um ambiente de tranquilidade política que permita, ano que vem, a realização de “um processo eleitoral tranquilo”, de acordo com um documento ao qual o jornal Folha de S. Paulo teve acesso. O que a cúpula do Exército está insinuando? Freud alertou que as palavras podem indicar mais do que expressam, porque revelam nosso subconsciente. E não é preciso ser um especialista em semiótica para saber ler o que está implícito na linguagem. Por isso, é importante entender o que os militares entendem por eleições “tranquilas”.

O Exército, que em sua alta hierarquia afirma apoiar o processo democrático e sua fidelidade às instituições, deve possuir informações privilegiadas sobre o que ocorre no país. É possível que os comandantes conheçam a existência de interessados em contaminar as eleições criando um clima de desassossego eleitoral. Não é um segredo que nas próximas eleições o Brasil, que não é uma república das bananas, mas um ator essencial dentro e fora do continente, tem muito em jogo. É o final de um ciclo histórico e estão sob suspeita muitos interesses abertos e ocultos, sejam políticos ou econômicos, que podem depender do resultado de eleições limpas.

Não por acaso a presidenta do Partido dos Trabalhadores, Gleisi Hoffmann, acaba de afirmar que “corremos o risco de não ter eleições com essa crise institucional”. A que crise concreta ela se refere? Está querendo indicar que os brasileiros perderam a confiança não só em seus políticos, mas até em suas instituições democráticas? E se for assim, existe o perigo real de que as eleições possam ser abortadas e com quais consequências? E quem teria interesse em que não se realizassem ou que amanhã sejam impugnadas eleições que deveriam colocar o ponto final do chamado “golpe” contra Dilma, que deixou feridas ainda abertas que Lula tentou cicatrizar com sua frase já célebre e enigmática “estou perdoando os golpistas desse país”?

Gleisi, que fala com menos diplomacia do que os militares sobre o perigo que as eleições podem sofrer, antecipou que os interessados em boicotá-las “são os golpistas”, a direita. Ninguém ainda expressou abertamente, mas é possível que muitos políticos importantes, de direita e esquerda, pelo temor de que tanto eles como seus partidos sejam varridos após as acusações de corrupção que lhes inquietam, possam estar interessados em que as eleições, como parecem insinuar os militares, não se realizem em um clima de tranquilidade. No Congresso já se preparam para “afrouxar”, por exemplo, a lei da Ficha Limpa, que pode impedir que muitos políticos corruptos concorram nas eleições.

O PT, que é um dos grandes que chega mais vulnerável a essas eleições, começou, por exemplo, a considerar a possibilidade de “boicotar” as eleições se a Justiça impedir Lula de disputá-las. A presidenta Gleisi disse, em uma entrevista recente à BBC Brasil, que as eleições poderão ser consideradas uma “fraude” se Lula não puder ser candidato. Confessou que seu partido já está trabalhando nas redes sociais com dois lemas: “Eleições sem Lula são uma fraude” e “Eleições sem Lula são um golpe”. Um correligionário seu, o deputado por São Paulo José Américo foi ainda mais longe. Chegou a dizer que se impedirem Lula de participar, pode ser criada no país, “por não deixarem o povo decidir”, uma situação de “convulsão social e de risco de guerra civil”.

Nesse momento delicado, o mesmo Lula, o maior líder popular do país, cuja candidatura condiciona fortemente o resultado das eleições, teria, de acordo com líderes de seu próprio partido, que esclarecer se pensa em se candidatar a qualquer custo, ou se respeitará as regras eleitorais. Poderia explicitar que só será candidato se existirem as condições jurídicas para que possa fazê-lo, para a tranquilidade do país e para contribuir com a realização tranquila das eleições. Lula tem o direito, como qualquer outro cidadão brasileiro, de disputar as eleições e o PT de defender sua candidatura apesar de seus problemas com a Justiça ainda pendentes de um veredito final. Hoje são milhões que votariam em Lula segundo as pesquisas, mas para que ninguém possa tirar a legitimidade das eleições, isso deveria ocorrer somente se o candidato petista estiver nesse momento amparado pela lei.

É, de fato, nos momentos cruciais para um país, em que podem estar em perigo os valores da democracia, quando os políticos de boa cepa devem saber se inscrever no livro da História.

 

 


Luiz Carlos Azedo: Nada pelo social

 

“Tudo pelo social”, o slogan do governo Sarney, foi escolhido com base nas regras de ouro do marketing, mas deu tudo errado, com o fracasso do Plano Cruzado. Foi inspirado na Constituição de 1988, a carta cidadã de Ulysses Guimarães, que ampliou os direitos sociais dos brasileiros, contra a qual José Sarney se bateu, depois de embarcar no populismo voluntarista de sua política econômica de crescimento acelerado e fracassar. Acabou o mandato com governo na lona, em meio à hiperinflação, juntamente com seus aliados. Todos eles assistiram perplexos uma disputa de segundo turno entre os ex-presidentes Collor de Mello e Luiz Inácio Lula da Silva, vencida pelo primeiro, que foi apeado do poder porque era um “outsider” na política. A crise econômica parecia imbatível.

Ministro da Fazenda de Itamar Franco, Fernando Henrique Cardozo fez o ajuste fiscal e um plano de estabilização da economia que deram tão certo que acabou presidente da República. Foi eleito graças ao fim da hiperinflação. Seu governo fez a reforma patrimonial do Estado (privatizações) e adotou uma política social liberal, que consistiu na focalização dos gastos sociais nos mais pobres. As políticas sociais universalistas enfrentaram grande restrição de recursos, mesmo assim, foram inovadoras em alguns aspectos, entre os quais a universalização do ensino básico, sob comando do ex-ministro da Educação Paulo Renato, já falecido, e alguns êxitos importantes na saúde pública, como o controle da epidemia de Aids e a produção de medicamentos genéricos, com a quebra de patentes internacionais, mérito do senador José Serra (PSDB-SP).

Lula deitou e rolou quando assumiu o poder, porque a cama estava arrumada. A crise cambial que enfrentou foi fruto de expectativas negativas, mas acabou facilmente superada quando anunciou na Carta aos Brasileiros que manteria o “mais do mesmo” da política monetária do ex-ministro da Fazenda Pedro Malan: superavit fiscal, câmbio flutuante e meta de inflação. Na crise financeira internacional de 2008, porém, caiu no canto da sereia da chamada “nova matriz econômica” de Dilma Rousseff. Como o Brasil ainda surfava as altas taxas de crescimento da China e a expansão da economia mundial, Lula conseguiu manter taxas elevadas de crescimento na sua sucessão, chegando a 7% em 2010, quando Dilma foi eleita pela primeira vez.

Tudo parecia caminhar na direção da transformação do Brasil numa potência emergente, com uma classe média numerosa, mas o naufrágio era iminente. As manifestações de 2013 foram o recado dos jovens de que as coisas não estavam indo bem, apesar do oba-oba em torno da Copa do Mundo. Além disso, os sintomas de que a corrupção era sistêmica e fora organizada de cima pra baixo já eram aparentes. Mesmo assim, Dilma foi reeleita em 2014, quando a economia já mandava sinais de que o seu motor estava pifando.

Desemprego
Dilma ganhou o segundo mandato, mas não levou. O impeachment de Dilma Rousseff foi mais um ponto fora da curva, como o de Collor de Mello. Dilma não soube aproveitar as oportunidades, potencializou todas as ameaças, anulou os pontos fortes de seu governo e não conseguiu compensar nenhum de seus próprios pontos fracos. O que parecia impossível aconteceu: perdeu o mandato de presidente da República com o povo na rua pedindo sua cabeça, enquanto o PT, acuado, procurava preservar suas forças com a narrativa do golpe e a candidatura de Lula a presidente em 2018.

Chegamos ao governo de Michel Temer, que não somente articulou a queda de Dilma, como herdou seu sistema de alianças, expurgado do PT e seus satélites de esquerda. A antiga oposição se incorporou ao governo, dando-lhe legitimidade e base de apoio no Congresso para enfrentar as adversidades. No caso, foram duas denúncias do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, ambas rejeitadas pela Câmara, da qual Temer foi presidente três vezes. Soube neutralizar os pontos fracos e conter as ameaças para preservar o mandato.

Temer reverteu a recessão e retomou o crescimento; jogou a inflação abaixo de 3,5% ao ano, com uma taxa de juros que deve chegar a 7%. Teria tudo para ter o mesmo sucesso de Itamar Franco e emplacar um sucessor, mas está longe disso. Além do desgaste provocado pelo envolvimento do governo na Operação Lava-Jato, o governo parece não dar a menor bola para a questão social, haja vista a portaria sobre trabalho escravo, num país com 13 milhões de desempregados declarados. Não tem política de emprego, a face mais perversa da crise social, que cresce vegetativamente, a ponto de os indicadores de 2017 serem superiores aos de 2016, porque o ingresso de jovens no mercado de trabalho é superior à geração de novos postos de trabalho, que este ano atingiu 1 milhão de postos. O mais grave, porém, a crise de segurança, na qual a violência urbana, principalmente no Rio de Janeiro, escandaliza o país e o mundo.

 


Luiz Carlos Azedo: O tempo ruge

Com 35% de intenções de votos, Lula largou na frente. Colheu os frutos de suas andanças pelo Nordeste e de uma estratégia de enfrentamento da Operação Lava-Jato

O presidente Michel Temer tem ainda 14 meses de mandato; na prática, sua “sombra de poder” pode não passar de seis meses, porque as articulações de 2018 começaram para valer e os políticos começam a se movimentar para decidir o que fazer nas eleições presidenciais. A pesquisa eleitoral do Ibope de domingo mostra, digamos assim, o estado da arte da sucessão presidencial. Com 35% de intenções de votos, Lula largou na frente. Colheu os frutos de suas andanças pelo Nordeste do país e de uma estratégia de enfrentamento da Operação Lava-Jato que busca desqualificar as acusações contra ele.

Nessa tarefa, foi ajudado, e muito, pelos ex-adversários citados nas delações premiadas de Marcelo Odebrecht e Joesley Batista, pela atuação do presidente Michel Temer para a Câmara rejeitar a denúncia do ex-procurador da República Rodrigo Janot e até pelo senador Aécio Neves (PSDB), presidente licenciado do PSDB, ao reverter no Senado a decisão da Segunda Turma do STF que o havia afastado do mandato.

É óbvio que ninguém quis pôr azeitona na empada de Lula, mas a política é assim mesmo, tem complexas relações de causa e efeito. O mais surpreendente na pesquisa, nesse caso, foi o fato de a economia não ter atrapalhado a vida de Lula. Inflação baixa e juros igualmente em queda livre, fim da recessão e a retomada do crescimento não tiveram impacto na vida dos eleitores que têm saudades de Lula. Esperto, o petista tratou de se desvincular do desastre causado pela política econômica de Dilma Rousseff, que jogou o país numa recessão profunda e desempregou milhões de brasileiros.

Lula aparece na pesquisa de Ibope como real alternativa de poder. Para os analistas, estará no segundo turno das eleições, porque já tem 26% de intenções de votos na pesquisa espontânea, ou seja, tem uma base eleitoral consolidada, apesar de todo o desgaste da Operação Lava-Jato. O que pode afastá-lo da disputa não são os eleitores, mas uma sentença judicial que o tornasse inelegível com base na lei da Ficha Limpa. Essa possibilidade começa também a ser embaçada, embora já esteja condenado em primeira instância. Nos bastidores do Judiciário, são cada vez mais fortes os rumores de que a inelegibilidade por condenação em segunda instância estaria com os dias contados no Supremo Tribunal Federal (STF). É sensato trabalhar com cenário de que o petista estará no segundo turno.

O segundo fenômeno é o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que aparece com 13% das intenções de votos e ocupa o lugar do anti-Lula, ultrapassando Marina Silva (Rede), que tem 8%. Teoricamente, disputariam a segunda vaga, mas há que se considerar o ambiente eleitoral para apostar nessa hipótese. Sem Lula no cenário, empatariam em 15% de intenções de votos. Mas há uma diferença muito interessante. Na pesquisa espontânea, Bolsonaro teria os votos consolidados de 9% dos eleitores, enquanto Marina tem apenas 2%. Como explicar uma situação como essa, em se tratando de uma ex-candidata a presidente da República com votação expressiva em 2010 e 2014?

O vazio

A reforma eleitoral beneficiou os grandes partidos, garantindo-lhes muito mais tempo de televisão e recursos financeiros. Bolsonaro e Marina são candidatos de pequenos partidos, não terão esses recursos disponíveis, a não ser que consigam armar coligações que revertam essa situação, o que é improvável, ou utilizem as redes sociais com mais sucesso do que os adversários, o que é possível. A propósito, tudo indica que Marina foi ultrapassada porque se ausentou do debate político, enquanto Bolsonaro se manteve o tempo todo em evidência com suas atitudes e declarações polêmicas. Marina ainda pode voltar a crescer, Bolsonaro talvez tenha batido no teto. Essas são apenas conjecturas, como a ida de um dos dois para o segundo turno.

Não será surpresa, porém, se ambos acabarem fora do segundo turno. O chamado centro político não foi ocupado. Nas pesquisas espontâneas, os demais candidatos aparecem com 1% ou têm traço. O governador de São Paulo, o tucano Geraldo Alckmin, na pesquisa induzida aparece, com 5%, empatado com Luciano Hulk (sem partido). A seguir, o prefeito de São Paulo, João Doria, com 4%; Ciro Gomes (PDT), com 3%; Álvaro Dias (Podemos), com 2%; e Ronaldo Caiado (DEM) e Chico Alencar (PSol). Pode ser que surja dese grupo o nome que vai para o segundo turno; por enquanto, o campo está em aberto.

Convite

Lanço hoje o livro O Impeachment de Dilma Rousseff — Crônicas de uma queda anunciada (Editora Verbena/Fundação Astrojildo Pereira), de minha autoria, no restaurante Carpe Diem (SCL 104, Bloco D, Loja 1, ASA Sul, Brasília). Conto com a presença dos amigos e leitores, a partir das 19h.


Luiz Carlos Azedo: Não é o que parece

O presidente Temer comemora a rejeição da segunda denúncia de Janot, mas quem emerge com uma “sombra de futuro” para além de 2018 é o presidente da Câmara, Rodrigo Maia

Um dos erros mais crassos na política brasileira é confundir a força do governo — qualquer governo, inclusive o pior deles — com o poder pessoal do governante ou do partido. O governo será sempre a forma mais concentrada de poder, como ensinou Norberto Bobbio, porque arrecada, normatiza e coage, mesmo quando nada mais funciona a contento numa administração. Isso cria uma ilusão, uma espécie de autoengano, que muitas vezes acaba numa grande derrocada, como aconteceu com a ex-presidente Dilma Rousseff, ou leva ao progressivo enfraquecimento, até que o governante perca qualquer capacidade de influir na própria sucessão, o caso do ex-presidente José Sarney.

Esse força é exacerbada pelas características do Estado brasileiro, que se antecipou à nação, e os laços tecidos com as oligarquias e corporações em razão de nosso velho iberismo. A elite brasileira é dura na queda quando está unida, mesmo que contra ela se oponha a maioria do povo. Historicamente, sempre foi pelo alto que se deu a modernização. O grande problema é que o moderno na economia manteve a exclusão social e as desigualdades regionais, embora a sua força avassaladora se impusesse sempre que um ciclo econômico se encerrava para dar lugar a outro, esgotado um determinado modelo. Em todos esses momentos, houve forte conexão com os fluxos da economia mundial, agora ainda mais acentuada pela globalização.

Um dos grandes erros do governo Dilma Rousseff, por exemplo, foi acreditar no adensamento da cadeia industrial brasileira, na contramão da transnacionalização da produção mundial. Não tinha a menor chance de dar certo. A estratégia fadada ao fracasso provocou o colapso da economia do petróleo e do setor automotivo, setores mais dinâmicos de nossa indústria, que somente agora iniciam a recuperação. A transnacionalização da produção industrial é a única saída. O melhor exemplo é a nossa indústria aeronáutica, que está integrada à economia mundial de forma competitiva, porque a Embraer não embarcou na canoa furada da verticalização total da produção. O leilão do pré-sal de sexta-feira mostrou que até a Petrobras já entendeu que a transnacionalização da cadeia produtiva pode ser um bom negócio para nossa indústria.

Mas voltemos à política. Há um ano das eleições, o governo Temer restabeleceu a blindagem constitucional contra a crise ética. Se não houver nenhum outro escândalo, estão dadas as condições para chegarmos às eleições de 2018 em um quadro de normalidade institucional, no qual o primado da política progressivamente voltará a se impor diante da economia e da crise ética. Engana-se, porém, quem imagina que o governo protagonizará o debate eleitoral. Seria até falta de inteligência de parte do próprio presidente Temer ter essa pretensão, porque sua “sombra de futuro” encolhe a cada dia. É muito difícil projetar um candidato a partir do interior do governo. Quanto mais próximo da eleição, mais importante será perceber a diferença entre o poder do Estado e a capacidade de hegemonia dos seus ocupantes.

Temer comemora a rejeição da segunda denúncia do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, mas quem emerge desse processo com uma “sombra de futuro” que se projeta para além de 2018 é o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que lhe tomou a bandeira das reformas. Se o processo de modernização for adiante na velocidade e na envergadura necessárias e o país voltar a crescer de forma expressiva, o mérito será de Maia; se fracassar, a culpa, antecipadamente, é de Temer. Como acreditar que o governo saiu fortalecido da votação desta semana, na qual obteve apenas 251 votos, ou seja, menos da metade dos deputados da Câmara.

Descolamento
A votação revelou uma tendência de descolamento progressivo dos partidos da base governista. É um processo irreversível, porque segue a lógica eleitoral, na qual as alternativas serão tecidas à margem do poder central. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) são a expressão de candidatos que buscam apoio na sociedade e encontraram o espaço vazio. No chamado centro democrático, ninguém conseguiu ainda se oferecer como real alternativa de poder, nem mesmo Marina Silva (Rede), que, nas últimas duas eleições, bateu na trave e não foi ao segundo turno. Surgem candidatos, como Alvaro Dias (Podemos-PR), e pré-candidatos, como Cristovam Buarque (PPS-DF), sem falar em Luciano Huck (ainda sem partido). O governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) é um caso à parte, porque representa um sistema de poder estruturado nacionalmente a partir de São Paulo.

É forçar muito a barra comparar as eleições do próximo ano às de 1989, que foi solteira e resultou num segundo turno entre dois candidatos sem grandes estruturas partidárias: Collor de Mello e Lula se aproveitaram de um governo sem energia e da divisão entre PMDB, PSDB e PDT. Será que alguém deseja o apoio ostensivo de Temer nas próximas eleições? Se o governo conseguir reverter a altíssima impopularidade, é possível, pois há quem aposte abertamente nisso. Mas isso é improvável. O governo Temer foi contaminado pela crise ética e não tem como se livrar dela, porque não pode jogar ao mar os envolvidos na Operação Lava-Jato.

 


Luiz Carlos Azedo: A lógica do medo

A “unidade dos contrários” acontece entre o ex-presidente Lula e o deputado Bolsonaro, que parecem manter um acordo tácito quanto à estratégia de campanha

Na política a unidade dos contrários é mais comum do que se imagina. Por exemplo, por trás do debate sobre a denúncia do ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente Michel Temer, que tem por base a delação premiada do doleiro Lúcio Funaro, nem os governistas, nem a oposição, em sua maioria, querem que haja o afastamento e a continuidade das investigações. Daria muito trabalho reorganizar o governo tendo à frente o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a um ano apenas das eleições de 2018; de igual maneira, um governo com 3% de aprovação, desgastado pela crise ética, sobre o qual pode-se jogar a responsabilidade pelas dificuldades enfrentadas pela população, interessa à oposição.

A mesma “unidade dos contrários” ocorre na relação entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que parecem manter um acordo tácito quanto à estratégia de campanha. Exploram o medo da população em relação a um suposto retrocesso político e social, o que é facilitado pelo fato de a continuidade do governo não ser uma alternativa de poder para 2018, nem ter condições de construí-la a partir de seu núcleo principal, seja por meio da candidatura à reeleição do próprio presidente Temer, seja lançando outro nome do governo, como o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que não consegue esconder essa ambição.

Essa estratégia é facilitada pela crise do PSDB, que vive um dos seus piores momentos na política brasileira, mesmo que o impeachment da presidente Dilma Rousseff parecesse pôr tudo a seu favor. Aécio Neves (PSDB-MG), que chegou a bater na trave em 2014, está fora da sucessão presidencial, assim como o senador José Serra (PSDB-SP), ambos desgastados pela crise ética. A bola da vez é o governador Geraldo Alckmin, de São Paulo, que ocupa o vértice do sistema de poder sob controle do PSDB, mas não tem o mando do partido. Presidente licenciado da legenda, Aécio sobreviveu às medidas cautelares do Supremo Tribunal Federal (STF), que foram rejeitadas pelo Senado, é o aliado principal de Temer e tem uma carta na manga, a eventual candidatura de Luciano Hulk, de quem é compadre, correndo por fora da legenda. Para complicar ainda mais, o prefeito de São Paulo, João Doria, pode ir à luta se estiver em melhores condições do que Alckmin.

Discurso único

Com Temer e Alckmin neutralizados, Lula e Bolsonaro nadam de braçada, cada qual ampliando a influência eleitoral à custa do medo que o outro provoca em parcelas do eleitorado que se vê sem alternativas robustas na disputa. Até agora, Lula explorou principalmente a resiliência dos militantes do partido e da base eleitoral cativa, sobretudo os 13 milhões de famílias beneficiadas por seu programa de transferência de renda. Isso o manteve à tona, mesmo já estando condenado pelo juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba, na Operação Lava-Jato. Agora, Lula parte para a ofensiva, restabelece conexões com as oligarquias nordestinas e explora o crescimento de Bolsonaro, para reagrupar os setores de esquerda que haviam se descolado do PT na crise ética e que começam a vê-lo novamente como alternativa de poder e “um mal menor”.

Bolsonaro também se aproveita dessa recidiva de Lula, se colocando como a única alternativa capaz de barrar a volta de Lula ao poder e o bolivarianismo, ao mesmo tempo em que adota um discurso autoritário e moralista, seja em relação aos costumes, seja quanto aos métodos de combate à corrupção. Também resgata velhas bandeiras nacionalistas, que já estiveram nas mãos de Lula, mas foram perdidas por causa dos escândalos, como a defesa da Petrobras e do pré-sal, além da Amazônia e suas jazidas minerais. Mas do ponto de vista da narrativa eleitoral, está funcionando. Candidato dos setores que defendiam uma intervenção militar, Bolsonaro inverte a equação: seria um militar no poder eleito por um regime civil. Isso seduz setores que deixam de vê-lo como ameaça à democracia, sem considerar que o golpe pode vir depois, mas que também não estão muito preocupados com isso, desde que seus interesses econômicos imediatos sejam atendidos.

O discurso único da elite política contra a Lava-Jato facilita muito a vida de Lula e Bolsonaro. Nada disso significa, porém, que ambos cheguem juntos ao segundo turno das eleições, isso é muito difícil, porque o medo que ambos disseminam pode convergir para outro candidato, com perfil ético e democrático, no decorrer do debate eleitoral.


Luiz Carlos Azedo: Salomônica

Se a prisão de parlamentares precisa de aprovação do parlamento, por que as medidas cautelares não seriam também sujeitas a isso?

Terceiro rei de Israel, Salomão é um personagem bíblico citado como um mantra: “Tudo neste mundo tem seu tempo; cada coisa tem sua ocasião”. Por exemplo, tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntá-las; tempo de rasgar e tempo de remendar. Segundo a Bíblia, Salomão assumiu o trono muito jovem e pediu ajuda a Deus, que lhe deu sabedoria e, sem que sequer pedisse, riqueza e glória. Governou por 40 anos, mas sua fama de sábio veio logo no começo do reinado, quando foi procurado por duas mulheres que brigavam.

Ambas moravam na mesma casa, com duas crianças recém- nascidas, uma das quais morreu. Uma acusava a outra de ter trocado a criança durante a madrugada. Diante da situação, Salomão chamou um soldado e mandou que cortassem o bebê vivo em dois, dando metade para cada mulher: “Não!”, gritou a mãe verdadeira. “Por favor, não matem o bebê. Deem-no a ela!”. Salomão, então, falou: “Não matem o menino! Deem-no à primeira mulher. Ela é a mãe dele. ” A verdadeira mãe amava tanto o bebê que estava disposta a dá-lo à outra mulher para que não fosse morto.

Por causa dessa passagem bíblica, a expressão “salomônica” é atribuída a decisões difíceis e contraditórias, como o voto decisivo da presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármem Lúcia, no julgamento de quarta-feira passada, que atribuiu ao Senado e à Câmara a palavra final sobre a aplicação a parlamentares de medidas cautelares previstas no Código de Processo Penal. O julgamento estava empatado. Os ministros Luís Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Édson Fachin (relator) e o decano da Corte, Celso de Mello, defendiam a plena aplicação das medidas, sem aval do Congresso. Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello sustentavam a tese de que somente a prisão em flagrante é constitucional.

A sessão começou pela manhã e avançou pela noite, o voto conciliador de Cármem Lucia acabou sendo o mais polêmico. Não foi à toa que a ministra foi questionada pelos pares e teve muita dificuldade para chegar à sentença final, o que somente conseguiu com ajuda de Celso de Mello. Em resumo, ela apoiou a aplicação das medidas cautelares previstas no Código de Processo Penal, mas não na Constituição, ou seja, parte do relatório do ministro Edson Fachin, mas endossou em parte os argumentos de Alexandre de Moraes e outros ministros, quanto à tese de que o Supremo deveria submeter suas decisões ao Congresso, quando impedissem o exercício do mandato popular.
Entretanto, a presidente do Supremo não considerou as medidas cautelares, como afastamento do mandato e recolhimento noturno, inconstitucionais.

Se a prisão de parlamentares precisa de aprovação do parlamento, por que as medidas cautelares não seriam também sujeitas a isso? Esse questionamento estava pondo em rota de colisão o Supremo e o Senado, o que poderia resultar numa grave crise institucional. Há toda uma discussão sobre o equilíbrio entre os poderes e o papel de “poder moderador”, que é reivindicado tanto pelo Senado como pelo Supremo. Há todo um debate teórico sobre isso, calcado nas experiências francesa e norte-americana, mas o pano de fundo da discussão é o feijão com arroz da política brasileira e o caso Aécio Neves (MG), presidente licenciado do PSDB. Na prática, o futuro imediato do ex-governador mineiro está nas mãos dos seus pares.

Os poderes
Tudo indica que o tempo de espalhar pedras da Operação Lava-Jato e de o Supremo rasgar a cortina de proteção do Congresso já passou, com a mudança no comando da procuradoria-geral da República, agora nas mãos de Raquel Dodge, e essa decisão do Supremo. Cármem Lúcia tenta recolher as pedras e remendar as relações entre os poderes. Com certeza, haverá uma grande reação na sociedade contra isso, mas faz parte do processo. O professor José Honório Rodrigues dizia que, no Império e na República, os poderes formaram sempre um círculo de ferro, concentrado nos conservadores e liberais moderados, e nos conservadores moderados, liberais e o grupo mineiro-paulista, respectivamente. Esse círculo se rompeu na proclamação da República (1889), na Revolução de 1930, na Revolta Constitucionalista (1932), no suicídio de Vargas (1954), na renúncia de Jânio Quadros (1961) e no golpe de 1964.

“Dentre os poderes, o Executivo sempre foi mais progressista e receptivo às aspirações populares; o Congresso, mais antirreformista e mais retardatário; o Judiciário esteve quase sempre a favor das forças dominantes”, destacou em Teses e Antíteses da História do Brasil. A Constituição de 1988 alterou essa relação, ao possibilitar um novo protagonismo do Judiciário. O velho professor dizia, porém, que a rigidez das instituições garantia a sobrevivência das elites políticas; em contrapartida, o divórcio entre o poder e a sociedade era a principal causa de instabilidade política, o que continua válido. Ainda bem que as eleições de 2018 estão logo ali.


Eliane Cantanhêde: Sinal amarelo para Doria

Prefeito de São Paulo sofre de excesso de exposição, Bolsonaro corre por fora dos holofotes

- O Estado de S.Paulo

O ácido bate-boca entre o novato João Doria e o veterano Alberto Goldman não é nada engrandecedor, nem para eles, nem para o PSDB, nem para a política e deixa claro, claríssimo, a que nível chegamos, além de ilustrar como o ambiente de 2018 é nebuloso. Tudo que sobe cai. Todo candidato que sobe cedo demais tende a cair com igual rapidez.

Eleito espetacularmente em primeiro turno para a principal, mais rica e mais complexa prefeitura do País, João Doria atribuiu-se um personagem e saiu em desabalada carreira para pular vários obstáculos de uma só vez e chegar direto à raia presidencial. Dez meses depois da posse, ele já começa a sentir os efeitos do excesso de exposição.

A bem do prefeito, diga-se que ele é um bom produto eleitoral: razoavelmente jovem, criou um estilo, oscila entre o político e o não político, é de um partido que, mal ou bem, está entre os primeiros do País e é craque em marketing. Mas, de outro lado, ele não sabe dosar o ritmo de sua gestão e o da sua corrida presidencial.

Como já alertara Rodrigo Maia, presidente da Câmara, “o Doria está correndo uma maratona como se fosse uma corrida de cem metros. Pode não ter fôlego para chegar ao final”. Aliás, para alegria do governador Geraldo Alckmin, mais frio, menos afoito. Esse, sim, se preparou para uma maratona.

A nova frase que tende a ser carimbada na testa de Doria parte de um outro autoproclamado candidato tucano à Presidência, o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio: ao partir para cima de Goldman, Doria revelou um temperamento que mistura Donald Trump e Ciro Gomes, dois políticos do confronto, de veia belicosa. Para quem já foi comparado a Fernando Collor, as novas comparações não melhoram muito as coisas.

Enquanto centrava seus ataques no petista Lula, Doria não incomodava tanto o PSDB. O problema é que ele ampliou os alvos para incluir Goldman, ex-deputado, ex-governador e integrante da cúpula tucana paulista que não engole Doria, aí incluídos Aloysio Nunes Ferreira, José Serra e Fernando Henrique, este mais diplomaticamente.

Quem começou a briga foi Goldman, ao dizer que Doria “é político, sim, e um dos piores que nós já tivemos em São Paulo”. Talvez já cansado das estocadas de tucanos paulistas, o prefeito reagiu espumando e acusou o correligionário de “improdutivo, fracassado e medíocre”. A tréplica veio com novos adjetivos nada edificantes, com Goldman acusando o prefeito de “raivoso, prepotente, arrogante e preconceituoso”.

À parte os adjetivos, há a questão objetiva de que está se espalhando a percepção de que Doria cuida mais da sua campanha presidencial do que da gestão de São Paulo. Se pôde xingar Goldman, não convém a Doria xingar as pesquisas – nem brigar com a realidade.

Pelo Datafolha, o prefeito caiu nove pontos entre os paulistanos e tem o pior índice desde a posse. E, se perdeu apoios em São Paulo, nem por isso cresceu na disputa presidencial. Perdeu daqui, não ganhou de lá e 55% dos entrevistados não votariam nele para presidente. Sinal amarelo!

Se Doria apostou no excesso de exposição na mídia e nas viagens – até oito Estados por mês –, o deputado Jair Bolsonaro fez o contrário. Ignorado pela mídia, tanto quanto Trump foi nos EUA, e ignorando as elites intelectuais e políticas, como Ciro Gomes já fez em campanhas passadas, Bolsonaro é o campeão nas redes sociais, vive de selfies e improvisa comícios onde põe os pés.

Enquanto Doria corre o risco de perder precocemente o fôlego, Bolsonaro está se consolidando no segundo lugar das pesquisas. A eleição está no estágio de monólogos paralelos, com todos imaginando que Bolsonaro vá se desmilinguir no primeiro embate. Já imaginaram um debate ao vivo entre ele e Ciro Gomes? Mas... e se não?


Luiz Carlos Azedo: A pinguela de ouro

No futuro, historiadores e cientistas políticos terão que explicar a submissão dos nossos reformadores progressistas à velha cultura ibérica, na qual entrincheiraram suas próprias ideias

É do ex-senador Marco Maciel uma das ironias mais finas do nosso folclore político recente: “O problema é que as consequências vêm depois”. É sob medida para a reforma política recém-aprovada pelo Congresso, que terá grande impacto no nosso sistema político e partidário. Por quê? Primeiro, porque cria condições muito favoráveis para que os caciques políticos e partidos enrolados na Operação Lava-Jato sobrevivam a eventual tsunami eleitoral em 2018, tamanha a “disparidade de armas” que terão a seu favor, em termos de financiamento de campanha e tempo de propaganda de tevê e rádio. Segundo, porque possibilita que esses partidos — principalmente o PMDB — canibalizem os demais, salvando os deputados eleitos das legendas barradas no baile.

O surgimento de uma alternativa renovadora dos costumes políticos e reformista da economia no centro democrático se tornou muito mais difícil, embora não seja uma engenharia impossível, à margem do atual sistema de poder. Na verdade, o aperfeiçoamento da democracia brasileira, que alguns consideram ameaçada por uma “ditadura do Judiciário” ou sob tutela militar, está sendo bloqueado, apesar do clamor por mais ética na política. No futuro, historiadores e cientistas políticos terão que explicar a submissão dos nossos reformadores progressistas à velha cultura ibérica, na qual entrincheiraram suas próprias ideias, em razão da experiência vivida de resistência pacífica à ditadura. Percebem o impacto causado pela globalização e pela revolução tecnológica, mas não conseguem traduzi-lo em novas práticas políticas.

Enquanto isso, o velho patriarcado descrito por Gilberto Freyre, em Casa grande & senzala, está vivíssimo. O jovem ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, que nesta semana revelou o desejo de privatizar a Petrobras, por exemplo, é herdeiro direto do capitão português Valério Coelho Rodrigues, pioneiro do sertão pernambucano que obteve uma grande fazenda da Casa da Torre por volta de 1745, na região dos atuais municípios de Afrânio, Dormentes, Petrolina, Lagoa Grande e Santa Maria da Boa Vista.

O relator da denúncia contra o presidente Michel Temer na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara é Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), deputado federal desde 1979. Descendente por parte de pai do patriarca da Independência, José Bonifácio de Andrada e Silva, começou a carreira como oficial de gabinete no Ministério da Agricultura do governo Dutra. Passou por vários partidos (UDN, Arena, PSD, PTB) antes de se filiar ao PSDB. Na linha de frente da tropa de choque do Palácio do Planalto, mantém ainda hoje o protagonismo da mais tradicional família de políticos mineiros.

Conciliação
Se o patrimonialismo é uma das faces do nosso iberismo, a outra é a velha “política de conciliação” que uniu liberais (“luzias”) e conservadores (“saquaremas”) no Império, a partir do gabinete de Marques do Paraná (1853), o mineiro Honório Hermeto Carneiro Leão. Seu objetivo era conciliar as ações políticas dos dois partidos do Império, o Conservador e o Liberal, em torno de interesses comuns; no caso, a manutenção da escravidão, que somente foi abolida em 1888. Para o notável historiador Capistrano de Abreu, a política de conciliação era um “termo honesto e decente para qualificar a prostituição política de uma época.”

Mas essa não era a ilustre opinião de Joaquim Nabuco. Conservador e monarquista, o político e diplomata pernambucano escreveu duas obras monumentais: O abolicionismo (1883), fruto de suas pesquisas no British Museum, de Londres, cuja famosa biblioteca também era frequentada por Karl Marx (autor de O capital), e os três volumes de Um estadista no Império (1897-1899), dedicada ao seu pai, o conselheiro Nabuco de Araújo, autor de um dos mais célebres discursos da história do Senado: “A ponte de ouro”, no qual se coloca em oposição aos liberais na província de Pernambuco, mas aceita participar do gabinete de maioria liberal de Paraná por lealdade ao imperador Dom Pedro II.

Em suas memórias, o abolicionista Nabuco justifica assim seu apoio à monarquia e à “política de conciliação”: “O reformador em geral detém-se diante do obstáculo; dá longas voltas para não atropelar nenhum direito; respeita, como relíquias do passado, tudo que não é indispensável alterar; inspira-se na ideia de identidade, de permanência; tem, no fundo, a superstição chinesa — que não se deve deitar abaixo um velho edifício, porque os espíritos enterrados debaixo dele perseguirão o demolidor até a morte”.

É mais ou menos o que está acontecendo com a política brasileira, prisioneira de suas velhas contradições, como se nosso patrimonialismo fosse realmente uma fatalidade. Na travessia de pinguela que nos levará às eleições de 2018, arrastarmos as correntes do passado como almas penadas.

 


Revista Piauí: Você é o produto. Mark Zuckerberg e a colonização das redes pelo Facebook

Aos dados que ele próprio colheu, o Facebook acrescentou recentemente um gigantesco estoque de informações, ligado ao comportamento offline, no mundo real, de cada consumidor

Por John Lanchester

No final de junho deste ano, Mark Zuckerberg anunciou que o Facebook havia alcançado um novo patamar: 2 bilhões de usuários mensais ativos. Ou seja: 2 bilhões de pessoas diferentes acessaram o Facebook no mês anterior. É difícil aquilatar um conjunto desses. E pensar que “thefacebook” – o nome original do site – foi lançado para uso exclusivo dos alunos de Harvard em 2004. Nenhum empreendimento, nenhuma nova tecnologia, nenhum serviço jamais obteve tal difusão em tão pouco tempo.

A rapidez com que a rede social foi adotada excede com vantagem a velocidade de expansão da própria internet, sem falar de tecnologias mais antigas como televisão, cinema ou rádio. E também impressiona como, à medida que o Facebook cresceu, a confiança que inspira foi reforçada. A multiplicação de membros, ao contrário do que se poderia esperar, não significa menos comprometimento por parte do usuário. Mais não implica pior – pelo menos do ponto de vista do Facebook. Longe disso. No distante mês de outubro de 2012, quando a rede chegou a 1 bilhão de usuários, 55% deles já a acessavam todo dia. Hoje, que são 2 bilhões, os frequentadores diários chegam a 66%. Sua base cresce 18% ao ano – o que parecia impossível para uma empresa já tão gigantesca. O maior rival em matéria de inscritos é o YouTube, controlado pela Alphabet (a empresa antes conhecida como Google), sua concorrente implacável, que ocupa a segunda posição com 1,5 bilhão de usuários mensais. Os quatro maiores aplicativos – ou serviços, ou seja lá que nome tenham – que vêm em seguida são o WhatsApp e o Messenger, com 1,2 bilhão de usuários, o Instagram, com 700 milhões, e o aplicativo chinês WeChat, com 889 milhões. Os três primeiros têm um traço em comum: são controlados pelo Facebook. Não admira que a empresa-mãe seja a quinta mais valiosa do mundo, com um valor de mercado de 445 bilhões de dólares.

Ao comunicar o crescimento do Facebook, Zuckerberg ainda fez um anúncio que pode ou não ser significativo. Disse que a empresa havia decidido mudar a “declaração de princípios” – sua própria versão da hipócrita e cultivada afirmação de nobres preceitos da América corporativa. A missão do Facebook costumava ser “tornar o mundo mais aberto e conectado”. Um não usuário poderia se perguntar: a troco de quê? A conexão era apresentada como um fim em si mesmo, uma coisa boa pela própria natureza. Mas será mesmo? Flaubert falava dos trens com ceticismo, porque julgava (na paráfrase de Julian Barnes) que “as estradas de ferro simplesmente permitiram que mais gente se desloque daqui para lá, encontrando-se com outros e sendo, juntos, os idiotas de sempre”. E ninguém precisa ser um misantropo da magnitude de Flaubert para se perguntar se o mesmo não se aplicaria à tal conexão que o Facebook propõe. Por exemplo, acredita-se que a rede tenha desempenhado importante papel, crucial até, na eleição de Donald Trump. O benefício para a humanidade, no caso, não fica muito claro. Essa ideia, ou algo assim, parece ter ocorrido a Zuckerberg, pois sua nova declaração de intenções apontou uma razão para toda essa conectividade. Agora, a nova missão do Facebook seria “dar às pessoas o poder de construir comunidades e deixar o mundo mais próximo”.

Hummm. A declaração de intenções da Alphabet – “organizar a informação do mundo e torná-la universalmente acessível e útil” – era acompanhada da máxima “Não fazer o mal”, que rendeu muita risada: para Steve Jobs, não passava de uma “babaquice”.[1] É verdade, mas não é só isso. Muitas empresas, ou mesmo indústrias, baseiam seu modelo de negócios numa intenção perversa. O ramo dos seguros, por exemplo, funciona porque as empresas cobram bem mais do que seus clientes porventura venham a receber – o que é até justo, pois de outro modo as seguradoras não seriam viáveis. O que não é justo é o estratagema de recorrer a técnicas capciosas para evitar ao máximo os pagamentos devidos aos clientes. Basta perguntar a alguém que tenha tido uma propriedade atingida por algum sinistro importante.

Faz sentido, portanto, declarar a intenção de “não fazer o mal”, porque é assim que atuam muitos negócios. Sobretudo no mundo da internet, ambiente em que as empresas operam num campo mal compreendido pelos clientes e pelas autoridades reguladoras, se é que alguém de fato entende como funcionam. O que elas fazem, se competentes, é por definição inédito. E, nessa área em que novidade, desconhecimento e desregulação se sobrepõem, vale lembrar que os funcionários não devem fazer o mal, uma vez que, caso a empresa seja bem-sucedida, não faltarão oportunidades para que se pratiquem as mais variadas maldades.

Desde suas origens, mas com estilos diversos, Google e Facebook vêm palmilhando essa tênue linha divisória. Um conhecido meu já fez negócios com os dois. “O YouTube sabe que rola muita sujeira no site, e o pessoal sempre faz o possível para tentar melhorar e aliviar a situação”, ele disse. Perguntei o que ele entendia por “sujeira”. “Conteúdo extremista e terrorista, material roubado, violações de direitos autorais. Esse tipo de coisa. Mas o Google, na minha experiência, tem consciência das ambiguidades, da moral duvidosa que envolve boa parte do que fazem, e pelo menos tenta pensar numa resposta. Já o Facebook não está nem aí. Quando você tem uma reunião com eles, percebe na hora. Eles são (e por um instante ficou procurando a palavra certa) meio nojentos.”

Pode parecer um julgamento muito severo. Desde sua fundação, porém, o Facebook enfrenta problemas éticos e ambiguidades – sabe-se disso porque seu criador mantinha um blog e registrava tudo. E o nascimento da empresa ocorreu como se vê no filme de Aaron Sorkin, A Rede Social. Em seu primeiro ano em Harvard, Zuckerberg sofreu um revés sentimental. E quem não se vingaria com a criação de um site que exibisse lado a lado as fotos de todos os alunos, para que se votasse no mais atraente? (No filme, fica parecendo que só eram postadas fotos de moças; na vida real, eram de homens e mulheres.) O site chamava Facemash. Por ocasião do lançamento, seu criador disse:

Estou um pouco mexido, não vou negar. Ainda nem são dez horas, estamos numa terça-feira à noite. Como assim? O álbum do dormitório Kirkland está aberto no meu computador, e as fotos de algumas dessas pessoas são horríveis. Quase me dá vontade de pôr as fotos ao lado de imagens de animais de fazenda, para as pessoas votarem nos mais atraentes […] Vamos começar a hackear.

Como explica Tim Wu em seu novo livro The Attention Merchants [Os Mercadores de Atenção], vigoroso e original, o “álbum” a que Zuckerberg se refere aqui (chamado em inglês, justamente, facebook) é, “tradicionalmente, um folheto físico produzido nas universidades americanas para promover a socialização à maneira dos eventos em que cada um porta um crachá com o respectivo nome; as páginas são preenchidas por fileiras e mais fileiras de fotos de rostos acompanhados apenas do nome de cada um”. Harvard já vinha trabalhando numa versão eletrônica desses álbuns ou facebooks. A principal rede social existente à época, a Friendster, já tinha 3 milhões de usuários. A ideia de associar uma coisa à outra não foi de todo original, mas, como declarou Zuckerberg em certo momento, “acho ridículo a universidade precisar de anos para chegar a esse resultado. Faço isso melhor que eles, e no máximo em uma semana”.

Wu afirma que capturar e revender atenção vêm constituindo a base de grande número de negócios da era moderna, dos cartazes da Paris do fim do século xix, passando pela invenção de jornais de grande tiragem que lucram não com a circulação, mas com anúncios, até o advento das indústrias da publicidade e da tevê sustentada pela propaganda. O Facebook se filia a uma linhagem de empreendimentos desse tipo, embora talvez seja o exemplo mais puro, em todos os tempos, de empresa voltada unicamente à captura e à revenda da atenção. E quase não houve qualquer ideia nova envolvida em sua criação. Como observa Wu, é “um empreendimento com uma relação extremamente baixa entre taxa de invenção e sucesso”.

Em vez de buscar a originalidade, Zuckerberg cultivou a persistência em levar as coisas até as últimas consequências e a capacidade de distinguir as grandes questões em jogo. Para as empresas de internet iniciantes, o crucial é saber pôr os planos em prática e se adaptar às circunstâncias voláteis. E foi a habilidade de Zuck para esse tipo de direção – contratando técnicos talentosos e sabendo aproveitar as principais tendências de sua atividade – que levou sua empresa aonde se encontra. As duas imensas companhias-irmãs abrigadas sob as asas gigantescas do Facebook, o Instagram e o WhatsApp, foram compradas, respectivamente, por 1 bilhão e 19 bilhões de dólares – num momento em que não eram rentáveis. Nenhum banqueiro, analista de mercado ou adivinho poderia dizer a Zuckerberg o valor justo para essas aquisições; ninguém teria como avaliá-las melhor do que ele. Ele percebeu a direção que as coisas estavam tomando, e soube como fazê-las chegar lá. E este talento redundou num valor de várias centenas de bilhões de dólares.

O ator Jesse Eisenberg apresenta um retrato de Zuckerberg brilhante mas enganoso, segundo Antonio García Martínez, um antigo gerente da rede social, em Chaos Monkeys [Macacos do Caos] – um livro cáustico e divertido sobre o tempo em que o autor passou na empresa. O Zuckerberg do cinema é um personagem de alta credibilidade, um gênio da computação alocado em algum ponto do espectro autista, com um talento mínimo ou nulo para o convívio social. Na vida real, Zuckerberg estudava para obter dois diplomas, um em informática e o outro – o que todos tendem a esquecer – em psicologia.

As pessoas que se encaixam em algum ponto do espectro autista só têm uma noção limitada de como opera a mente alheia; os autistas, ao que se diz, não conseguem adquirir uma “teoria da mente”. Não é bem o caso de Zuckerberg. Ele conhece bem o funcionamento da psiquê, sobretudo a dinâmica social da popularidade e do status. No começo, o Facebook se dirigia apenas a quem tinha um endereço de e-mail de Harvard; àquela altura, pretendia-se tornar exclusivo o acesso ao site, e transformá-lo em objeto de desejo. (E também manter o tráfego limitado, de maneira que seus servidores jamais viessem a cair. A psicologia e a informática de mãos dadas.) Depois, a rede se estendeu a outras universidades americanas de elite. Quando foi lançado no Reino Unido, restringiu-se a Oxford e Cambridge, além da London School of Economics. A ideia era que o usuário satisfizesse a curiosidade quanto ao que outros como ele faziam, compartilhar suas conexões sociais, permitir a comparação, o autoelogio e o exibicionismo, dando plena vazão à ânsia e à inveja, mantendo o nariz pressionado contra a vitrine da loja de doces da vida alheia.

E foi isto que chamou a atenção do primeiro investidor externo do Facebook, Peter Thiel, hoje um conhecido bilionário do Vale do Silício. Também aqui o filme é fiel à história: o investimento de Thiel, de 500 mil dólares, em 2004, foi fundamental para o sucesso do empreendimento. Mas havia outro motivo, ligado aos apetites intelecuais de Thiel, que o levou a se interessar pelo experimento. Enquanto estudava em Stanford, onde se formou em filosofia, ele sentiu-se atraído pelas ideias do filósofo francês René Girard, residente nos Estados Unidos, expostas no mais influente de seus livros, Coisas Ocultas desde a Fundação do Mundo. A principal ideia de Girard é o que ele chama de “desejo mimético”. Seres humanos nascem precisando de alimento e abrigo. Uma vez atendidas essas necessidades básicas, espiamos ao redor para ver o que os outros estão fazendo e desejando, e nossa tendência é copiá-los. Em suma, disse Thiel, “a imitação se encontra na raiz de todos os comportamentos”.

Girard era cristão, e sua visão da natureza humana tem a ver com a noção da Queda. Não sabemos o que desejamos nem o que somos; não temos crenças nem valores próprios; o que nos domina é o instinto de cópia e comparação. Somos o Homo mimeticus. “O homem é a criatura que não sabe o que desejar, e precisa recorrer aos outros para se decidir. Desejamos o que os outros desejam porque imitamos seus desejos.” Olhai em volta, ó insignificantes, e comparai-vos uns aos outros.

O motivo pelo qual Thiel aderiu ao Facebook com tamanho entusiasmo foi por ter visto pela primeira vez um empreendimento essencialmente girardiano: escorava-se em nossa necessidade de nos copiarmos uns aos outros. “O Facebook começou a se espalhar pelo boca a boca, e funciona com base no boca a boca, de modo que é duplamente mimético”, disse Thiel. “As redes sociais se mostraram mais importantes do que pareciam à primeira vista porque têm a ver com essa nossa natureza.” Fazemos o possível para que nos vejam como queremos ser vistos, e o Facebook é a ferramenta mais popular que a humanidade já criou com essa finalidade.

Visão
Avisão da natureza humana implícita nessas ideias é bastante sombria. Se tudo que desejamos é olhar para os outros a fim de podermos nos comparar a eles e copiar o que nos der na telha – se é esta a verdade final e mais profunda sobre a humanidade e suas motivações –, o Facebook de fato não precisa se preocupar muito com o bem-estar da humanidade, uma vez que tudo de ruim que nos acontece se deve enfim a nós mesmos. Apesar do tom elevado da declaração de intenções da empresa, sua premissa essencial é misantrópica. E talvez seja por isso que o Facebook, mais que qualquer outro empreendimento das mesmas dimensões, tenha um veio claramente perverso correndo em sua trama. A versão mais visível disso, a mais corriqueira na imprensa marrom, toma a forma de incidentes como o streaming ao vivo de estupros, suicídios, assassinatos e matanças de policiais. Mas esta é uma das áreas em que o Facebook me parece relativamente isento de culpa. Os usuários transmitem essas coisas terríveis através do Facebook porque é lá que se encontra a maior das audiências; se o Snapchat ou o Periscope tivessem mais espectadores, seriam eles os preferidos.

Em muitas outras áreas, porém, o Facebook está longe de ser inocente. As críticas mais visíveis e mais recentes à empresa se devem ao papel que ela desempenhou na eleição de Trump. O que tem dois componentes, um dos quais implícito na natureza do site, que tende a separar e atomizar seus usuários em grupos de pensamento semelhante. A missão de “conectar” acaba significando, na prática, conectar pessoas que pensam como elas. Não há como provar o quanto essas “bolhas” produzidas por filtros diversos são perigosas para a sociedade, mas parece óbvio que vêm tendo um impacto considerável sobre nossa ordem civil cada vez mais fragmentada. A ideia que temos do que seja “nós” vem ficando mais e mais estreita com o passar do tempo.

Esta fragmentação criou as condições para a segunda vertente da culpabilidade do Facebook no que diz respeito aos desastres políticos anglo-americanos do ano passado. Esses desdobramentos são referidos, de maneira geral, como fake news[notícias forjadas] e “pós-verdade”, e se tornaram possíveis porque retrocedemos de uma ágora ampla do debate público para bunkers ideológicos isolados. Na mídia, as notícias forjadas podem ser rebatidas e denunciadas; no Facebook, se você não integrar a comunidade à qual essas mentiras são direcionadas, é provável que nem tome conhecimento delas. E isso porque o Facebook não tem qualquer interesse financeiro em só dizer a verdade. Nenhuma empresa ilustra melhor a máxima que rege a era da internet: se o produto for de graça, você é que é o produto. Os verdadeiros clientes do Facebook não são os frequentadores do site, mas os anunciantes que aproveitam sua rede e se beneficiam da capacidade dela de direcionar seus anúncios ao público mais receptivo. Para o Facebook, que diferença faz se as notícias postadas são verdadeiras ou falsas? Seu interesse está no direcionamento dos anúncios, no targeting, e não no conteúdo que os acompanha.

Este é um dos prováveis motivos para que a empresa tenha alterado sua declaração de intenções. Se seu único interesse é conectar as pessoas, por que se incomodar com a calúnia? Na realidade, os embustes podem até funcionar melhor que a verdade, pois ajudariam a identificar em menos tempo as pessoas que pensam parecido. A intenção recém-declarada de “construir comunidades” dá a impressão de que a empresa vem desenvolvendo um interesse crescente pelas consequências das conexões que propicia.

Fake News
A
fake news não foram, como o próprio Facebook reconhece, o único recurso que o site usou para influir no resultado das eleições presidenciais de 2016. Em 6 de janeiro de 2017, o diretor nacional de inteligência dos Estados Unidos divulgou um relatório afirmando que os russos haviam promovido uma campanha de desinformação pela internet visando prejudicar a candidatura de Hillary Clinton e contribuir para a eleição de Donald Trump. “A campanha de Moscou obedeceu a uma estratégia russa de mensagens que combina operações secretas de inteligência – como a esfera cibernética – aos esforços explícitos de órgãos do governo da Rússia, da imprensa financiada pelo Estado, de intermediários terceirizados e de usuários pagos das redes sociais, os chamados trolls”, dizia o relatório. No final de abril, o Facebook acabou admitindo a verdade (àquela altura) já bastante óbvia, num interessante estudo produzido por sua divisão de segurança interna. Fake news, diz o texto, é um termo vago e pouco útil, pois na verdade a desinformação se espalha de várias maneiras:

Operações de Informação (ou Influência) – Atitudes tomadas por governos ou atores organizados não estatais com a finalidade de distorcer o sentimento político doméstico ou estrangeiro.

Notícias Falsas – Artigos noticiosos que passam por factuais, mas na verdade contêm afirmações forjadas destinadas a despertar paixões, atrair a atenção pública ou enganar os leitores.

Amplificadores Falsos – Atividade coordenada por contas inautênticas com a finalidade de manipular a discussão política (p. ex. desestimulando certos grupos a participar da discussão, ou dando às vozes sensacionalistas destaque muito maior do que às demais).

Desinformação – Distribuição intencional de conteúdo inexato ou manipulado. Pode se limitar a notícias forjadas, ou envolver métodos mais sutis, como a atribuição infundada de autoria (as chamadas “operações de bandeira falsa”), o direcionamento de citações ou matérias inexatas a intermediários inocentes, ou a amplificação deliberada de informações tendenciosas ou francamente enganosas.

A empresa promete abordar esse problema, ou conjunto de problemas, com a mesma seriedade com que encara outros de natureza diferente, como o malware [software malicioso], o sequestro de contas alheias e a difusão de spam. Veremos. A fake news de um é a verdade do outro, e o Facebook se esforça ao máximo para evitar qualquer responsabilidade pelo conteúdo do seu site – exceto no que diz respeito ao conteúdo sexual, questão em que demonstra um rigor extremo. Mamilos femininos são banidos. A escala de prioridades é bizarra, e só faz sentido no contexto americano, em que a mais ligeira sugestão de sexualidade explícita é logo tingida de impureza moral. Mesmo fotos de mulheres amamentando seus filhos são banidas e eliminadas num átimo. Já mentiras e mera propaganda podem circular à vontade.

Para entender esse quadro, basta adotar o ponto de vista dos anunciantes: nenhum deles quer aparecer ao lado de uma foto de seios nus, pois isso pode prejudicar sua marca; mas não se incomodam em aparecer ao lado de mentiras, porque essas mentiras podem inclusive ajudá-los a encontrar os consumidores aos quais pretendem direcionar seus anúncios. No livro Move Fast and Break Things [Aja Rápido e Quebre as Coisas], em que polemiza contra os “barões gatunos da era digital”, Jonathan Taplin ressalta uma análise do BuzzFeed: “Nos últimos três meses da campanha presidencial americana, as principais matérias de fake news ligadas à eleição e divulgadas pelo Fa-cebook engendraram reações mais determinantes que as principais matérias publicadas por órgãos de imprensa como o New York Times, o Washington Post, o Huffington Post, a NBC News e outros.” Mas isso não parece um problema que o Facebook tenha pressa em corrigir.

Conteúdo forjado e conteúdo roubado pululam no Facebook sem que a empresa se incomode: não lhe interessa se incomodar com eles. Boa parte do conteúdo em vídeo do site é roubado de seus criadores. Um vídeo muito esclarecedor divulgado no YouTube pela Kurzgesagt, uma produtora alemã de filmes explicativos de alta qualidade, mostra que, em 2015, 725 dos mil vídeos mais assistidos no Facebook eram roubados. E esta é mais uma área em que os interesses do site vão contra os da sociedade. Podemos ter um interesse coletivo em sustentar o trabalho criativo e imaginativo em diferentes formas, e em muitas plataformas. Mas o Facebook não. Como explica Antonio García Martínez, ele só tem duas prioridades: o crescimento e a monetização. Não quer saber de onde vem o conteúdo. Só agora começa a se preocupar com a percepção de que boa parte de seu conteúdo é falsa, porque essa percepção, se generalizada, pode abalar a confiança no que exibe e, portanto, o tempo que as pessoas gastam no site.

O próprio Zuckerberg se pronunciou sobre o tema, no post “o Facebook e a eleição”, veiculado pela rede. Depois de certa embromação sentimentaloide e cheia de platitudes (“Nosso objetivo é dar voz a cada pessoa. Acreditamos profundamente nas pessoas”), Zuck afinal chega ao ponto: “De todo o conteúdo do Facebook, mais de 99% do que as pessoas veem é autêntico. Só uma proporção mínima é composta de mentiras e fake news.” No entanto, mais de um usuário do Facebook já assinalou que, em seus feeds de notícias, o post de Zuckerberg aparecia ao lado de um exemplo de fake news. Num dos casos, a história falsa alegava ter sido produzida pelo canal de esportes ESPN. Quando o usuário clicava no link, porém, era direcionado para um anúncio de suplemento dietético. Nas palavras do escritor Doc Searls, trata-se de uma fraude dupla, “uma mentira flagrante vinda de uma fonte falsa”, o que não deixa de causar impressão ao aparecer bem ao lado do post em que o dono do Facebook se gaba de não exibir nada de falso em seu site.

Evan Williams, cofundador do Twitter e fundador do site Medium, especializado em textos longos, deparou-se com o mesmo post de Zuckerberg entre outra matéria falsamente atribuída à espn e uma nota supostamente publicada pela CNN anunciando que o Congresso americano afastara Donald Trump da Presidência. Quando o usuário clicava no link, via que a notícia falsa tinha sido postada por uma empresa que oferecia um programa de doze semanas para o fortalecimento dos dedos dos pés. (Isso mesmo: o fortalecimento dos artelhos humanos.) De todo modo, agora ficamos sabendo que Zuckerberg acredita nas pessoas. E isso, no final, é o que importa.

Observador
U
m observador neutro poderia se perguntar se o Facebook é cumpridor em relação aos criadores de conteúdo. É óbvio que ele precisa de conteúdo, porque é o que seu site exibe: conteúdo produzido por terceiros. O único detalhe é que ele não faz muita questão de que alguém mais, além dele próprio, ganhe dinheiro com esse conteúdo. Ao longo do tempo, essa atitude vem tendo consequências profundamente destrutivas para as indústrias criativas e de mídia. O acesso a um grande público – esses inéditos 2 bilhões de espectadores – é uma coisa ótima, mas o Facebook não demonstra a menor pressa em ajudar qualquer outro a faturar com isso. Se os fornecedores de conteúdo acabarem indo à bancarrota, talvez o problema nem seja tão sério. Continuam a existir, nos dias que correm, muitos fornecedores dispostos a colaborar: em certo sentido, qualquer pessoa que frequente o Facebook trabalha para ele, agregando valor à empresa. Em 2014, o New York Times fez as contas e descobriu que a humanidade vinha gastando, por dia, 39 757 anos coletivos no site. Jonathan Taplin assinala que isto equivale a “quase 15 milhões de anos de mão de obra gratuita por ano”. E isso num momento em que o Facebook tinha apenas 1,23 bilhão de usuários.

Taplin trabalhou na universidade e na indústria cinematográfica. O motivo de dar tanta importância a essas questões é que começou na indústria da música, como empresário do conjunto The Band, e pôde assistir de perto à destruição dessa atividade pela internet. A indústria da música, que em 1999 faturava 20 bilhões de dólares, reduziu-se a 7 bilhões quinze anos mais tarde. Taplin viu músicos que ganhavam bem passarem a viver na miséria. E isto não ocorreu porque as pessoas tenham parado de ouvir o que eles produzem – o número de ouvintes é maior do que nunca –, mas porque todo mundo se acostumou a receber música de graça. O YouTube é a maior fonte de música do mundo, divulgando bilhões de fonogramas por ano; ainda assim, em 2015, ele e seus sites rivais, todos sustentados por anúncios, renderam menos para os músicos do que as vendas de seus discos de vinil. Não as vendas totais de cds e gravações em geral: só as vendas de vinil.

Coisa semelhante vem acontecendo no mundo do jornalismo. O Facebook é, em essência, uma empresa de publicidade indiferente ao conteúdo, exceto na medida em que este ajuda a direcionar e vender anúncios. Opera no caso uma versão da Lei de Gresham – a moeda má expulsa a moeda boa –, em que as fake news, que são clicadas mais vezes e custam zero para produzir, acabam provocando a exclusão das notícias reais, muitas vezes mais incômodas para quem lê, além de terem produção custosa. Afora isso, o Facebook ainda emprega uma ampla série de truques para aumentar seu tráfego e a renda que obtém com o direcionamento de anúncios, às expensas das instituições provedoras de notícias cujo conteúdo ele hospeda. Seus feeds de notícias encaminham o tráfego para os usuários não com base em seus interesses, mas na maneira de extrair o máximo de renda dos anúncios direcionados a cada um. Em setembro de 2016, Alan Rusbridger, ex-editor chefe do Guardian, declarou numa conferência do Financial Times que o Facebook tinha “sugado 27 milhões de dólares” da renda de publicidade projetada para o jornal naquele ano. “Estão ficando com todo o dinheiro porque controlam algoritmos que não entendemos e funcionam como um filtro entre o que produzimos e a maneira como nosso produto é recebido pelas pessoas.”

E isto vai ao cerne da questão do que é o Facebook, e de como funciona. A despeito de todas as declarações sobre conectar pessoas, construir comunidades e acreditar nos outros, ele é uma empresa de publicidade. Martínez revela com toda a clareza como o Facebook acabou assim, e de que maneira a propaganda funciona. Nos primeiros anos de existência do site, Zuckerberg estava muito mais interessado no crescimento da empresa do que na sua monetização. Mas isso mudou quando o Facebook decidiu arrecadar uma fortuna em sua oferta pública inicial (ou IPO, de Initial Public Offering), o dia de glória em que as ações de uma empresa são vendidas pela primeira vez ao público em geral. Trata-se de um teste para qualquer empresa iniciante: para muitos que trabalham na chamada indústria da tecnologia, a esperança e as expectativas associadas a essa “estreia” respondem por seu ingresso nessas empresas, e/ou os mantêm grudados a seus postos de trabalho. É o ponto em que o dinheiro imaginado na fase inicial de um empreendimento se transforma no capital real de uma empresa aberta ao público.

Martínez estava presente no momento exato em que Zuck reuniu todo mundo e comunicou que iam se transformar numa empresa de capital aberto, o momento em que todos os empregados souberam que estavam a ponto de enriquecer:

Escolhi um assento atrás de um par isolado, que mais adiante identifiquei como Chris Cox, diretor de produtos do fb, e Naomi Gleit, uma ex-aluna de Harvard que foi a funcionária de número 29 do Facebook e era considerada na época a pessoa que trabalhava há mais tempo na empresa, afora o próprio Mark.

Naomi, entre uma e outra conversa curta com Cox, clicava intensamente em seu laptop, dando pouca atenção à parolagem zuckiana. Olhei por cima de seu ombro para a tela do computador, e vi que ela estava percorrendo um e-mail com inúmeros links que ia abrindo um atrás do outro, cada qual numa aba nova do seu navegador. Ao terminar essa verdadeira maratona de abertura de links, começou a examinar o conteúdo de cada aba com os olhos muito atentos. Eram anúncios de imóveis em São Francisco.

Imóveis
Martínez tomou nota de um dos imóveis e mais tarde foi consultar a oferta. Custava 2,4 milhões de dólares. Ele escreve de maneira irresistível, e com uma amargura fascinante, sobre as diferenças de classe e status no Vale do Silício, abordando em especial a questão, jamais ventilada em público, do imenso abismo entre os primeiros funcionários das empresas, que muitas vezes enriquecem numa escala fantástica, e os escravos assalariados que ingressam em momentos posteriores. “O protocolo manda não declarar nada em público a esse respeito.” No entanto, Bonnie Brown, massagista empregada nos primórdios do Google, escreveu em suas memórias que “um grande contraste se desenvolveu entre googlers que trabalhavam lado a lado. Enquanto um consultava os horários dos cinemas locais, o outro reservava passagens de avião para um fim de semana em Belize. E agora, como ficavam as conversas das manhãs de segunda-feira?”.

Quando chegou o momento da IPO, o Facebook, de empresa de imenso crescimento, passou a ser uma empresa com um faturamento incrível. Já vinha faturando algum dinheiro graças a seu tamanho (como observa Martínez, “um bilhão de vezes qualquer número é sempre um número grande à beça”), mas não o suficiente para garantir um valor de fato espetacular no lançamento de suas ações. Foi a essa altura que Zuckerberg começou a se concentrar na questão de como monetizar o Facebook. É interessante, e meritório, que não tenha dedicado muita atenção a ela antes disso – talvez porque não sinta um interesse particular pelo dinheiro em si. Mas sem dúvida ele gosta de vencer.

A solução era disponibilizar a montanha de informações que o Facebook reúne sobre sua “comunidade”, de modo a permitir que os anunciantes direcionassem suas mensagens com um grau de especificidade sem precedente em qualquer meio de comunicação. Martínez: “O corte pode ser demográfico (p. ex., mulheres entre 30 e 40 anos), geográfico (pessoas que vivam num raio de 10 quilômetros em torno de Sarasota, na Flórida), ou até com base em dados do próprio perfil do usuário no Facebook (você tem filhos? Ou seja, pertence ao segmento das mães?).” E Taplin diz o mesmo: “Se eu quiser atingir mulheres entre 25 e 30 anos do código postal 37 206 que gostam de música country e costumam tomar bourbon, o Facebook pode cuidar disso para mim. E mais: muitas vezes ele pode incluir uma ‘história patrocinada’ no feed de notícias de seus consumidores-alvo, dando a impressão de que é postagem de amigo, e não anúncio. Como diz Zuckerberg na apresentação dos Facebook Ads[2]: ‘Nada influencia mais que a recomendação de um amigo de confiança. Uma recomendação de confiança é o Santo Graal da publicidade.’”

Essa foi a primeira etapa do processo de monetização da empresa, quando ela transformou sua escala gigantesca numa verdadeira máquina de produzir dinheiro. O Facebook oferecia aos anunciantes uma ferramenta de precisão inédita para direcionar seus anúncios a determinados consumidores. (Certos segmentos de eleitores também podem servir de alvo para um direcionamento de precisão absoluta. Um exemplo de 2016 foi um anúncio anti-Clinton repetindo o célebre discurso de 1996 em que Hillary falava de “superpredadores”.[3] O anúncio foi especificamente direcionado aos eleitores afro-americanos em áreas onde os republicanos ainda podiam – e conseguiram, como ficou demonstrado – superar a votação democrata. Ninguém mais viu os anúncios na ocasião.)

A segunda grande mudança em matéria de monetização ocorreu em 2012, quando o tráfego da internet começou a migrar para os celulares. Se você usa um computador para acessar quase tudo que lê online, saiba que está em minoria. E essa migração representou um desastre potencial para as empresas que dependem da propaganda virtual, porque ninguém gosta de anúncios no telefone, e a tendência é clicar bem menos do que na tela de um computador. Noutras palavras: embora o tráfego geral viesse aumentando rapidamente, esse aumento tinha a ver com a multiplicação dos celulares, o que tornava o tráfego proporcionalmente menos valioso. A se confirmar essa tendência, todas as empresas que dependiam da contagem de cliques – ou seja, quase todas, mas sobretudo as gigantes como Google e Facebook – passariam a valer muito menos dinheiro.

O Facebook resolveu o problema por meio de uma técnica conhecida como onboarding. Como explica Martínez, a melhor maneira de entendê-la é pensar em nossos vários tipos de nome e endereço.

Por exemplo, se a Bed Bath and Beyond quiser me enviar um de seus maravilhosos cupons de desconto de 20%, ela precisa se dirigir a:

Antonio García Martínez

1 Clarence Place #13

San Francisco, CA 94107

Se quiser me alcançar em meu celular, o nome que precisa usar é:

38400000-8cfo-11bd-b23e-10b96e40000d

Essa é a identidade quase invariável do meu aparelho, transmitida centenas de vezes por dia em transações publicitárias para o celular. Já no meu laptop, meu nome é o seguinte: 07J6yJPMB9juTowar.AWXGQnGPA1MCmThgb9wN4vLoUpg.BUUtWg.rg.FTN.0.AWUxZtUf.

Este é o conteúdo do cookie de redirecionamento do Facebook, usado para me direcionar anúncios personalizados com base na minha navegação habitual pelo telefone celular.

Embora possa não ser óbvio, cada um desses códigos está associado a um rico apanhado de dados sobre nosso comportamento pessoal: todos os websites que visitamos, muitas coisas que compramos em lojas físicas, todos os aplicativos que usamos e o que fazemos em cada um deles…

Em termos de marketing, o que mais conta nos dias de hoje, e vem gerando dezenas de bilhões de dólares em investimentos, além de um planejamento interminável nas entranhas do Facebook, do Google, da Amazon e da Apple, é descobrir a maneira de associar esses vários conjuntos de nomes, e determinar quem controla esses links. E só.

Pessoas
OFacebook já detinha uma quantidade astronômica de informação sobre as pessoas, suas redes sociais, suas preferências e antipatias declaradas.[4] Depois de despertar para a importância da monetização, acrescentou aos dados que ele próprio colhia um gigantesco estoque novo de dados ligado ao comportamento offline de cada consumidor, no mundo real, adquirido de grandes empresas como a Experian, que há décadas monitora as compras dos consumidores por meio de relações com firmas de marketing direto, empresas de cartão de crédito e varejistas. Difícil descrever essas empresas numa única palavra – “agências de crédito de consumidores”, ou algo semelhante, seria um resumo aproximado. Seu alcance, porém, é muito maior do que essa definição daria a entender.[5] Essas empresas sabem tudo que se pode saber sobre seu nome e endereço, sua renda e nível de instrução, seu estado civil, além de tudo que você comprou usando um cartão de crédito. Agora, o Facebook poderia combinar a identidade de cada usuário ao identificador único do respectivo aparelho de celular.

E isso foi crucial para o aumento da lucratividade do Facebook. Nos celulares, as pessoas tendem a preferir a internet aos aplicativos, que se apoderam da informação que reúnem e se recusam a compartilhá-la com outras empresas. É improvável que um aplicativo de jogo do seu celular saiba mais a seu respeito do que o nível que você alcançou naquele determinado joguinho. Por outro lado, como todo mundo está no Facebook, a empresa conhece o identificador dos celulares de todo mundo. E foi capaz de criar um servidor que direciona os anúncios para celular com muito mais precisão que qualquer outra empresa, de um modo mais elegante e integrado do que ninguém jamais conseguiu.

E assim o Facebook conhece a identidade do seu telefone e sabe associá-la à sua identidade no Facebook. E junta isso ao resto de sua atividade online: cada site que você visita, cada link que você segue – o botão do Facebook rastreia cada usuário do Facebook, independentemente de ele clicar ou não. Como o botão do Facebook é quase onipresente, a rede consegue ver você em todo lugar. Hoje, graças às parcerias com as empresas tradicionais de crédito, ele sabe quem todo mundo é, onde todo mundo mora, e tudo que todo mundo já comprou com o cartão de crédito em qualquer loja offline do mundo real.[6] E toda essa informação é usada para uma finalidade, em última análise, altamente rasteira: vender coisas por meio de anúncios online.

Os anúncios funcionam de acordo com dois modelos. Num deles, o vendedor pede ao Facebook que direcione seu anúncio a consumidores de uma determinada camada demográfica – fã de música country e apreciadora de bourbon de 30 e tantos anos, ou afro-americano da Filadélfia que não demonstra muito entusiasmo por Hillary. Mas o Facebook também direciona anúncios por meio de um processo de leilões online, que ocorrem em tempo real cada vez que você clica num site da web. Como todo site que você visita planta (mais ou menos) um cookie em seu navegador, toda vez que você vai para um novo site ocorre um leilão em tempo real, com a duração de milionésimos de segundo, para decidir o valor da sua atenção e determinar os anúncios que lhe serão apresentados, com base no que se sabe de seus interesses, sua renda e assim por diante. E é por isso que os anúncios apresentam essa tendência desconcertante a nos seguir por toda parte: você procura uma nova televisão, um par de sapatos ou um local para passar as férias, e a publicidade correspondente continua a pipocar em cada site que você visita semanas mais tarde. E foi assim, canalizando seus talentos e recursos para o problema, que o Facebook conseguiu transformar o advento do celular, de potencial desastre financeiro, num imenso e vigoroso gêiser de lucros.

O que isso quer dizer é que, mais do que vender anúncios, a principal atividade do Facebook é a vigilância. Na verdade, ele é a maior empresa com base na vigilância de toda a história da humanidade. Ele sabe de muito mais a nosso respeito que o governo mais invasivo jamais soube acerca de seus cidadãos. É impressionante como as pessoas não perceberam esse caráter da empresa. Passei muito tempo refletindo, e sempre retorno à ideia de que os usuários não se dão conta da real atividade da empresa: manter-nos a todos sob vigilância, e em seguida usar as informações para vender anúncios. Não sei se já existiu tamanha desconexão entre o que uma empresa alega fazer – “conectar”, “construir comunidades” – e a realidade de sua prática comercial. E notem que as informações acumuladas não são usadas apenas para o direcionamento de anúncios, mas também para definir o fluxo de notícias dirigido a cada um.

Diante da vastidão do conteúdo postado no site, o que você acaba vendo é determinado por algoritmos que filtram e direcionam esse conteúdo: as pessoas acreditam que seu “feed de notícias” tem a ver basicamente com seus amigos e seus interesses, e isso é mais ou menos verdade, observada uma condição fundamental: é determinado sim por seus amigos e interesses, mas da maneira como são mediados pelos interesses comerciais do Facebook. Os olhos dos usuários são sempre conduzidos para o ponto onde rendem mais para a empresa.

 

Fico imaginando o que irá ocorrer quando – e se – cair esta ficha de 450 bilhões de dólares. A história dos mercadores de atenção, segundo Wu, costuma seguir um padrão sugestivo: todo boom é quase sempre sucedido por um efeito oposto de retrocesso; períodos de expansão explosiva em geral provocam uma reação pública, às vezes de ordem legislativa. O primeiro exemplo evocado pelo autor foi a implantação de leis draconianas contra cartazes de propaganda, na Paris do início do século XX (e ainda hoje em vigor). Como diz Wu, “quando o produto em questão é o acesso à mente do público, a busca perpétua do crescimento desencadeia formas de retrocesso praticamente inevitáveis, de maior ou menor importância”. E ele dá o nome de “efeito de desencanto” a uma das formas menores desse fenômeno.

O Facebook parece vulnerável a esse desencanto. Um dos pontos em que tais efeitos podem se manifestar é na essência do modelo de negócio – a venda de anúncios. A publicidade veiculada é “programática”, ou seja, determinada por algoritmos que associam o usuário aos anunciantes. O problema desse método, do ponto de vista do cliente – e o cliente, no caso, é o anunciante, e não o usuário do Facebook –, é que muitos dos cliques nesses anúncios são falsos. E aqui encontramos uma disparidade de interesses. O Facebook sempre quer mais e mais cliques, porque é assim que ele fatura: sempre que os anúncios são clicados. E se os cliques não forem reais mas automáticos, produzidos por contas fajutas administradas por robôs computadorizados, os bots? Esse é um problema conhecido que afeta sobretudo o Google, porque é fácil criar um site, admitir a hospedagem de anúncios programáticos e depois programar um bot para ficar clicando nesses anúncios, e em seguida basta recolher a grana que não para de entrar. No Facebook, os cliques fraudulentos tendem a vir mais de empresas que procuram aumentar os custos dos anúncios de suas concorrentes.

A publicação Adweek, voltada para a indústria da publicidade, estima que o custo anual da fraude dos falsos cliques seja de 7 bilhões de dólares, mais ou menos um sexto de todo o mercado. Um único site fraudulento, Methbot, descoberto no final do ano passado, dispõe de uma rede de computadores hackeados e gera entre 3 e 5 milhões de dólares de cliques diários. As avaliações da proporção do mercado tomada pelo tráfego fraudulento são variáveis, com estimativas que chegam a quase 50% do total; certos websites afirmam que seus dados indicam uma proporção de até 90%. O que cria problemas não só para o Facebook – pode-se imaginar que as empresas que pagam pela ad tech, como é conhecida esta tecnologia, se revoltem contra ela. Estudiosos do assunto me disseram que o mundo das empresas que mais compram publicidade, responsáveis por canalizar grande parte de seus orçamentos para o Facebook, é dominado por certo efeito de rebanho. Mas essa postura pode mudar. Por outro lado, muitos dos parâmetros medidos pelo Facebook sofrem uma leitura tendenciosa, que procura captar a luz num ângulo que lhe confira maior brilho. Um vídeo que passe por três segundos no Facebook já é dado como “visualizado”, ainda que só visto de passagem no feed de notícias – e mesmo que exibido sem som. Muitos vídeos com centenas de milhares de “visualizações” no Facebook, se avaliados à luz dos critérios de contagem empregados para medir as audiências de televisão, veriam seu número de espectadores reduzido a zero.

E uma revolta da clientela poderia coincidir com uma reação brusca de retrocesso por parte dos governos e das agências reguladoras. O Google e o Facebook detêm o monopólio virtual da publicidade na web, e esse poder monopolista vem se tornando cada vez maior à medida que os gastos com publicidade migram mais e mais para a internet. Juntos, os dois já destruíram grandes setores do ramo da imprensa diária. O Facebook foi determinante para o rebaixamento do debate público, permitindo com mais facilidade a circulação das “grandes mentiras” (Große Lügen) de que Hitler falava com entusiasmo – dessa vez transmitidas para um público gigantesco. A empresa não é obrigada a lidar com esse tópico, mas ela pode acabar atraindo a atenção das autoridades reguladoras. O que não constitui a única ameaça externa ao duopólio Google/Facebook. A postura dos Estados Unidos diante da lei antitruste deve sua definição a Robert Bork, juiz indicado por Reagan para a Suprema Corte, mas não confirmado pelo Senado americano. A orientação jurídica mais influente de Bork se dá na área do direito da concorrência: a única forma relevante de conduta anticoncorrencial é a que afeta o preço pago pelo consumidor. Segundo ele, a queda dos preços indica que o mercado está funcionando, e que medida nenhuma é necessária contra o monopólio. Esta filosofia ainda rege as atitudes de regulação nos Estados Unidos, e é a razão pela qual a Amazon, por exemplo, jamais foi incomodada pelas autoridades reguladoras, apesar da posição claramente monopolista que ocupa no mundo das vendas online a varejo, em especial de livros.

Por esses motivos estritos, as grandes empresas da internet continuam a parecer invulneráveis. Pelo menos até que se considere a fixação individualizada de preços. O imenso rastro de dados que todos produzimos em nossas perambulações pela internet vem sendo cada vez mais usado para nos cobrar preços que não têm mais a ver com etiquetas coladas às mercadorias nas lojas. Pelo contrário, são preços dinâmicos, que variam conforme nossa capacidade aparente de pagamento.[7] Quatro pesquisadores sediados na Espanha estudaram em 2012 o fenômeno criando identidades virtuais que se comportavam como se fossem, num caso, “preocupadas com o orçamento” e, em outro, “afluentes”; depois, verificaram se essa divergência de comportamento redundava em preços diferentes. E a resposta foi claramente positiva: uma busca por fones de ouvido obteve como resposta uma série de preços, na média, quatro vezes maiores para o consumidor virtual afluente. Um site que vende passagens aéreas com desconto cobra preços mais altos dos consumidores afluentes. De maneira geral, a simples localização de quem faz a busca chega a produzir variações de até 166% nos preços que lhe são apresentados. Em suma, preços personalizados existem e são fixados de acordo com os rastros que deixamos. O que me parece à primeira vista uma violação das leis antimonopolistas americanas posteriores a Bork, que têm como foco a variação dos preços. E não deixa de ser um tanto engraçado, além de meio grotesco, que, aparentemente, um aparato de gigantismo inédito voltado para a vigilância do consumidor seja considerado aceitável, enquanto um aparato de gigantismo inédito de vigilância do consumidor que resulte em preços mais elevados para algumas pessoas seja considerado ilegal.

 

maior ameaça potencial para o Facebook talvez seja a eventualidade do desligamento de seus usuários. Dois bilhões de frequentadores mensais ativos é muita gente, e os “efeitos de rede” – a escala da conectividade – são, obviamente, extraordinários. Mas existem outras empresas que conectam pessoas em escala semelhante – o Snapchat tem 166 milhões de usuários diários, o Twitter, 328 milhões de usuários mensais – e, como vimos no ocaso do MySpace, que chegou a ser a maior rede social, assim que as pessoas mudam de ideia a respeito de um serviço, seu desligamento pode ocorrer em massa, e em altíssima velocidade.

Por esta razão, o Facebook se veria em perigo caso se difundisse o entendimento de que seu modelo de negócios se baseia na vigilância. A única ocasião que ele promoveu uma sondagem entre os usuários sobre o modelo de vigilância foi em 2011, quando propôs a mudança de seus termos e condições de uso – mudança que hoje rege o modo como são usados os dados recolhidos. O resultado não deu margem para dúvida: 90% das respostas foram contrárias às mudanças. O Facebook ignorou, afirmando que o número de votantes havia sido muito pequeno. O que não constitui nenhuma surpresa – nem a repulsa dos usuários à vigilância, nem a indiferença da empresa a esta repulsa. Mas isto ainda pode mudar.

Outro fenômeno que pode afetar os usuários é que eles interrompam a frequência devido à infelicidade que ela lhes traz. Não é o mesmo caso do escândalo de 2014, quando se descobriu que cientistas sociais da empresa haviam manipulado os feeds de notícias de certos usuários para avaliar os possíveis efeitos sobre as suas emoções. O artigo resultante da experiência, publicado nos Proceedings of the National Academy of Sciences [Atas da Academia Nacional de Ciências], era um estudo sobre o “contágio social”, ou a transmissão de emoções entre grupos de pessoas, resultante de uma modificação na natureza das notícias vistas por 689 003 usuários do Facebook. “Quando as expressões positivas eram reduzidas, as pessoas produziam posts menos positivos e mais negativos; quando as expressões negativas eram reduzidas, ocorria o padrão oposto. Esses resultados indicam que as emoções expressas pelos outros têm uma influência sobre nossas emoções, é um indício experimental do contágio em grande escala através das redes sociais.” Mas os cientistas parecem não ter considerado como essa informação seria recebida, e o caso repercutiu por algum tempo.

Talvez a notoriedade dessa história tenha acidentalmente desviado a atenção do que poderia ter sido um escândalo maior ainda: a publicação, no início do ano, do artigo “O uso do Facebook e o comprometimento do bem-estar: um estudo longitudinal”, no American Journal of Epidemiology. Os cientistas que conduziram o estudo constataram que, quanto mais as pessoas usam o Facebook, mais elas são infelizes. Um aumento de 1% no número de “curtidas”, cliques e atualizações de status está correlacionado a um decréscimo de 5 a 8% na saúde mental dos usuários. Além disso, ficou claro que o efeito positivo das interações ocorridas no mundo real, que contribuem para o nosso bem-estar, encontra um paralelo exato nas “associações negativas do uso do Facebook”. De fato, as pessoas vêm trocando as relações reais, que contribuem para o seu bem-estar, por um tempo cada vez maior no Facebook, que lhes provoca sentimentos negativos. Esta extrapolação é minha, e não dos autores do artigo, que tomam o cuidado de sublinhar que se trata apenas de uma correlação, e não de uma relação direta de causa e efeito; mas chegam a dizer que os dados “sugerem uma possível substituição das relações offline por relações online”. E esse não foi o primeiro achado desse tipo: muitas pesquisas vêm demonstrando que o Facebook faz as pessoas se sentirem uma merda. E por isso talvez um dia parem de usá-lo.[8]

 

Ese nada disso acontecer? Se os anunciantes não se revoltarem, se os governos não tomarem nenhuma atitude, se os usuários não debandarem, se o navio abarrotado de passageiros comandado por Zuckerberg seguir navegando livre, leve e solto?

Precisamos reexaminar a cifra de 2 bilhões de usuários ativos mensais. Em todo o mundo, o número de pessoas com algum acesso à internet – definido da maneira mais ampla possível, das mais lentas conexões discadas ao serviço precário de celular nos países em desenvolvimento, contando ainda todos que têm algum acesso, mas não o utilizam – é de 3,5 bilhões. Deste total, 750 milhões vivem na China e no Irã, que bloqueiam o Facebook. Cerca de 100 milhões de russos que se conectam à internet tendem a não usar o Facebook porque preferem seu equivalente nativo, o VKontakte. O que define uma audiência potencial de 2,6 bilhões de pessoas para o Facebook. Nos países desenvolvidos onde ele funciona há vários anos, seu uso atinge picos de uns 75% da população total (nos Estados Unidos). Isto resultaria numa audiência potencial de 1,95 bilhões de pessoas para o Facebook. No entanto, com 2 bilhões de usuários mensais ativos, a rede já ultrapassou este número, e agora começam a faltar humanos conectados. Martínez compara Zuckerberg a Alexandre, o Grande, triste porque lhe faltavam novos mundos para conquistar. Talvez esse seja um motivo dos sinais prematuros que Zuck vem emitindo a respeito de concorrer à Presidência – uma turnê pelos cinquenta estados fingindo que se importa com tudo, a pose de pensador atento em que foi fotografado tomando um milk-shake num restaurante (alarme de Pretensões Presidenciais!!) no estado de Iowa.

O que vai ocorrer a partir de agora nos remete aos dois pilares da empresa – o crescimento e a monetização. O crescimento só pode brotar da extensão da conectividade a novas áreas do planeta. O Facebook tentou o Free Basics, programa que oferecia conexão em aldeias distantes da Índia, sob a condição de que o leque de sites disponibilizados fosse determinado pela empresa. “Quem pode ser contra isso?”, escreveu Zuckerberg no Times of India. A resposta: milhões e milhões de indianos enfurecidos. O governo indiano decidiu que o Facebook não tinha o direito de “delimitar a experiência dos usuários”, embargando seu acesso ao resto da internet. Um membro do conselho da empresa tuitou: “O anticolonialismo vem sendo uma calamidade econômica para o povo indiano há décadas. Por que mudar agora?” Como afirma Taplin, essa observação “revela, sem querer, uma verdade até então nunca enunciada: Facebook e Google são os novos poderes coloniais”.

Assim, o lado da equação que lida com o crescimento não deixa de apresentar seus desafios, tanto tecnológicos quanto políticos. O Google (que tem um problema similar de carência de usuários potenciais) vem trabalhando no Projeto Loon, “uma rede de balões que flutuam no limiar do espaço, destinados a estender a conectividade para pessoas em áreas rurais e remotas do mundo inteiro”. O Facebook está empenhado num projeto que envolve um drone movido a energia solar, o Aquila, com envergadura de uma aeronave comercial, peso inferior ao de um carro e consumo de energia menor do que um micro-ondas. A ideia é que ele circunde áreas remotas do planeta hoje desconectadas, em voos que poderão durar até três meses, conectando os usuários via laser. (O projeto vem sendo desenvolvido em Somerset, na Inglaterra. O programa de drones da Amazon também tem sua base no Reino Unido, perto de Cambridge. A regulamentação legal britânica é francamente favorável aos drones.) Mesmo o mais calejado dos céticos em relação ao Facebook não tem como não se impressionar com tanta energia e ambição. Ainda assim, os próximos 2 bilhões de usuários vão dar muito trabalho para serem arregimentados.

Isto no que diz respeito à expansão, que deverá ter como alvo especial o mundo em desenvolvimento. Nos países ricos, como a Inglaterra, o foco está mais na monetização, e é nessa área que me vejo obrigado a admitir algo que talvez já tenha deixado claro. O Facebook me mete medo. A ambição da empresa, sua falta de escrúpulos e de uma bússola moral me assustam. E isso desde o momento de sua criação: Zuckerberg digitando em seu teclado depois de algumas doses, criando um website para comparar a aparência das pessoas, por nenhum outro motivo além de sua capacidade de fazê-lo.

Eis a questão crucial no que diz respeito ao Facebook, o ponto mais importante que poucos entendem: ele faz certas coisas só porque pode. Zuckerberg sabe fazer uma coisa, outras pessoas não sabem, então ele faz. Esse tipo de motivação não funciona na versão hollywoodiana da vida, e por isso Aaron Sorkin precisou inventar para ele uma motivação ligada à aspiração social e à rejeição. Mas isso no mundo da ficção. Zuckerberg não foi motivado por esse tipo de psicologia de quintal. Ele faz o que faz porque pode, e todas as justificativas que falam de “conexão” e “comunidade” são racionalizações posteriores. O impulso foi mais simples e mais básico. E é por isso que a necessidade de crescer sempre foi tão fundamental para a empresa, cujo comportamento em muitos aspectos lembra antes um vírus que um negócio. Crescer, multiplicar-se e monetizar. Por quê? Não há um porquê. A resposta é porque sim.

A automação e a inteligência artificial hão de ter um impacto extraordinário sobre mundos de todos os tipos. São tecnologias novas, reais, e prestes a acontecer. O Facebook se interessa profundamente por essas tendências. Não sabemos onde elas vão dar, não sabemos quais serão os custos e as consequências sociais, não sabemos qual vai ser a próxima área da vida a ser esvaziada, qual o próximo modelo de negócio a ser destruído, a próxima empresa a ter o mesmo destino da Polaroid ou a próxima atividade a dar com os burros n’água como o jornalismo impresso, ou qual novo conjunto de ferramentas e técnicas poderá ser empregado pelas mesmas pessoas que usaram o Facebook para manipular as eleições de 2016. Não temos como saber o que virá, mas sabemos que há de ser momentoso, e que um papel de destaque está reservado à maior rede social do planeta. Com base no que indicam suas atitudes até aqui, é impossível encarar essa perspectiva sem algum desconforto.

[1] Quando o Google se relançou com o nome de Alphabet, a divisa “Não fazer o mal” foi substituída, no código de conduta da empresa, por “Fazer a coisa certa”.

[2] Facebook Ads é a plataforma usada pelo Facebook para gerir e direcionar anúncios.

[3] Embora Hillary Clinton nunca tenha especificado a quem se referia quando falou de “superpredadores” nessas suas declarações sobre jovens criminosos em 1996, o senador Bernie Sanders, que com ela concorria à indicação democrata no início da campanha de 2016, afirmou que o termo tinha um conteúdo “racista”, o que mais tarde seria amplamente explorado por Donald Trump nas redes sociais.

[4] Destaque para “declaradas”. Como afirma Seth Stephens-Davidowitz em seu novo livro Everybody Lies [Todo Mundo Mente], pesquisadores estudaram a diferença entre a linguagem usada no Google, onde os usuários tendem a dizer a verdade porque são anônimos e estão em busca de respostas, e a linguagem empregada no Facebook, onde projetam uma imagem. No Facebook, os termos mais comuns associados à expressão “meu marido é…” são “o melhor do mundo”, “meu melhor amigo”, “incrível”, “o maior” e “tão lindo”. No Google, os cinco mais presentes são “incrível”, “um babaca”, “um chato”, “gay” e “mau”. Seria interessante descobrir se existe algum marido que corresponda a todo o conjunto de principais atributos do Google, e seja um babaca incrivelmente chato, além de mau e gay.

[5] Um exemplo de seu trabalho é o sistema “Mosaico” da Experian, usado para caracterizar segmentos de consumidores, que divide a população em 66 segmentos, entre eles “Cafés e Redondezas”, “Elegantes de Cobertura”, “Avós Clássicos” e “Inquilinos Usuários de Ônibus”.

[6] Devo dizer que a informação é misturada e dividida (hashed) antes de ser compartilhada, de forma que as empresas envolvidas, embora saibam tudo a seu respeito e pratiquem o intercâmbio desses dados, fazem-no de forma pseudonimizada, ou sob a proteção do anonimato. Ou de forma pseudo-pseudonimizada, tendo em vista a discussão corrente sobre o quanto essa forma de anonimato é efetivamente anônima.

[7] A ideia de um preço único para todos é relativamente recente. Atribui-se a John Wanamaker a noção da cobrança de um preço fixo por mercadoria, surgida na Filadélfia em 1861. A ideia teria vindo dos quakers, para os quais todo mundo devia ser tratado de maneira igual.

[8] O estudo “O uso do Facebook, inveja e depressão entre universitários: o Facebook induz depressão?”, publicado em 2015 no periódico Computers in Human Behaviour, chegou a uma resposta negativa – exceto quando também se levavam em conta os efeitos da inveja, caso em que a resposta era afirmativa. Mas como a comparação marcada pela inveja constitui a base girardiana de todo o Facebook, esse “não”, quando qualificado, soa bem mais como um “sim”. Um artigo de 2016, publicado no periódico Current Opinion in Psychiatry – “A interação entre o uso do Facebook, a comparação social, a inveja e a depressão”, concluía que o uso do Facebook aparece ligado à inveja e à depressão, outra descoberta que não surpreenderia Girard. Em 2013, a PLOS ONE publicou o artigo “Uso do Facebook pode prenunciar um declínio do bem-estar subjetivo em adultos jovens”, demonstrando que o Facebook deixa os jovens tristes. Um artigo de 2016 na revista Cyberpsychology, Behavior and Social Networking, intitulado “A experiência do Facebook: largá-lo leva a níveis mais altos de bem-estar”, concluía que o Facebook deixa as pessoas tristes e que elas ficam mais felizes quando param de usá-lo.


Luiz Carlos Azedo: Ficha Limpa retroage

A decisão pode promover um expurgo na política, alijando da disputa eleitoral não somente muitos prefeitos e vereadores eleitos nas últimas eleições, mas também candidatos às eleições de 2018

O alcance da Lei da Ficha Limpa foi ampliado ontem pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que decidiu estender a aplicação da medida aos políticos condenados por abuso de poder em campanhas eleitorais antes de 2010, quando a lei entrou em vigor, por 6 votos a 5. Esse efeito retroativo é consequência do fato de a Corte ter ampliado de 3 para 8 anos o período de inelegibilidade dos políticos, o que alcança vários prefeitos eleitos em 2014, que agora correm o risco de terem os mandatos cassados pela Justiça Eleitoral. Prevaleceu o voto do ministro Luiz Fux, que classificou a decisão como uma “condição de moralidade”.

Edson Fachin. Luís Barroso, Rosa Weber e a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, votaram a favor da medida, contra os votos de Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello. Na próxima quinta-feira, porém, será discutida a aplicação da pena aos prefeitos eleitos em 2010 que haviam sido condenados e cumpriram a pena de três anos de inelegibilidade. Para alguns ministros, eles não poderão ser cassados, já que cumpriam os requisitos exigidos à época da candidatura. Segundo Fux, a ausência de condenação (ficha limpa) é um dos requisitos para registro de candidatura.

Foi mais uma situação na qual o ministro-relator foi derrotado pelos colegas, no caso o ministro Ricardo Lewandowski. O julgamento começou em 2015, mas havia sido interrompido por um pedido de vista. A decisão tem repercussão geral, embora tenha sido proferida por causa de um candidato a vereador de Nova Soure (BA) nas eleições de 2012, que recorreu contra a rejeição de seu registro de candidatura.

Ele fora condenado por abuso de poder econômico e compra de votos em 2004 e cumpriu o prazo de três anos de inelegibilidade. Em 2008, o candidato concorreu novamente ao cargo, foi eleito e exerceu o mandato, mas em 2012, teve a candidatura negada com base no novo prazo de oito anos de inelegibilidade da Ficha Limpa.

A decisão pode promover um verdadeiro expurgo na política brasileira, alijando da disputa eleitoral não somente muitos prefeitos e vereadores eleitos nas últimas eleições, mas também possíveis candidatos às eleições de 2018, que acreditavam ter se livrado da ficha suja. No pleito passado, para a Câmara, já foi visível o impacto da nova legislação, com a eleição de jovens parentes de políticos que estavam impedidos de disputar eleições. Há expectativas que esse impacto seja ainda maior nas eleições de 2018. Somam-se a isso os processos da Operação Lava-Jato, já que muitos políticos estão sendo investigados porque seus nomes aparecem nas listas de doação do caixa dois da Odebrecht e da JBS. Há também dezenas de processos por abuso de poder nas eleições de 2016 que ainda estão em curso.

Coligações

A Emenda Constitucional que cria uma cláusula de desempenho, a partir de 2018, para as legendas terem acesso ao Fundo Partidário e ao tempo gratuito de rádio e TV foi promulgada ontem pelo presidente do Congresso, senador Eunício de Oliveira (PMDB-CE). Terá um impacto no sistema partidário que está sendo subestimado. Deve reduzir o número de partidos significativamente, provocando fusões e incorporações, antes e depois das próximas eleições, porque prevê o fim das coligações proporcionais a partir das eleições de 2020. A emenda teve origem no Senado, onde foi aprovada em 2016. Como sofreu mudanças na Câmara, o texto precisou ser aprovado novamente pelos senadores, o que ocorreu na terça-feira, numa sessão que durou 30 minutos.

Nas eleições de 2018, os partidos terão de obter, nas eleições para deputado federal, pelo menos 1,5% dos votos válidos, distribuídos em, no mínimo, um terço das unidades da federação, com ao menos 1% dos votos válidos em cada uma delas; ou ter eleito pelo menos nove deputados, distribuídos em, no mínimo, um terço das unidades da Federação. Em 2022, para a Câmara, pelo menos 2% dos votos válidos, distribuídos em, no mínimo, um terço das unidades da Federação, com ao menos 1% dos votos válidos em cada uma delas; ou ter eleito pelo menos 11 deputados, distribuídos em, no mínimo, um terço das unidades da Federação.

Em 2026, os partidos precisarão de pelo menos 2,5% dos votos válidos, distribuídos em, no mínimo, um terço das unidades da Federação, com ao menos 1,5% dos votos válidos em cada uma delas; ou ter eleito pelo menos 13 deputados, distribuídos em, no mínimo, um terço das unidades da Federação; e finalmente, em 2030, pelo menos 3% dos votos válidos, distribuídos em, no mínimo, um terço das unidades da Federação, com ao menos 2% dos votos válidos em cada uma delas; ou ter eleito pelo menos 15 deputados, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação. Todos terão que alcançar esse objetivo sem coligações.

 


Almir Pazzianotto Pinto: Partidos e Fundo Partidário

O voto deve ser livre e as legendas, incumbidas de arcar com os custos das campanhas

“O ideal democrático supõe cidadãos atentos à evolução da coisa pública, informados dos acontecimentos políticos, ao corrente dos principais problemas, capazes de escolher entre as diversas alternativas apresentadas pela forças políticas e fortemente interessados em formas diretas ou indiretas de participação”. A frase está no verbete Partidos do Dicionário de Política de Bobbio, Matteucci e Pasquino.

Entre as formas de participação, a melhor talvez seja o partido, definido como associação formal de cidadãos investidos de direitos políticos, dotada de ideologia e de objetivos comuns, para conquistar, exercer e se manter no poder.

A abdicação de dom Pedro I, em 7/4/1831, “foi o ponto de partida para a vida partidária brasileira; antes só existiam indivíduos de várias opiniões, e opiniões várias, gravitando em torno do ânimo inconstante do monarca”, escreve João Camillo de Oliveira Torres no clássico A Democracia Coroada. Para o historiador, as atividades políticas, durante a Regência e o Segundo Império, desenvolveram-se em torno de dois eixos: o Partido Conservador e o Partido Liberal. Em breve e imperfeita síntese, os conservadores aceitavam a Constituição de 1824, “oferecida e jurada por Sua Majestade o Imperador”. Os liberais, por sua vez, desejavam Constituição isenta da mancha autoritária da outorga, que as províncias fossem livres, não houvesse vitaliciedade no Senado e se reduzissem as prerrogativas do Poder Moderador.

A História política do Brasil é marcada por instabilidade e sucessivos movimentos e intervenções militares. O primeiro se deu em 15/11/1889, comandado pelo marechal Deodoro da Fonseca para decretar o fim da monarquia e o exílio de dom Pedro II. O último, em 31/3/1964.

A Primeira República perdurou de 1889 a 1930. Dois partidos se revezaram no poder por quase 40 anos: o Partido Republicano Paulista (PRP), fundado em julho de 1873 na cidade de Itu por fazendeiros, médicos, advogados, jornalistas e comerciantes; e o Partido Republicano Mineiro (PRM), organizado em 1888 e reorganizado em 1897. Foram dissolvidos por Getúlio Vargas mediante o Decreto-Lei n.º 37, de 2/12/1937, após a instauração do Estado Novo, sob o fundamento da “multiplicidade de arregimentações partidárias, com objetivos meramente eleitorais, ao invés de atuar como fator de esclarecimento e disciplina da opinião”.

A derrota do nazi-fascismo na 2.ª Guerra Mundial (1939-1945) determinou o fim da ditadura do Estado Novo. Entre abril e julho de 1945, ante a perspectiva de redemocratização, organizam-se três partidos: a União Democrática Nacional (UDN), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e o Partido Social-Democrático (PSD). O PSD, para representar a elite rural e o empresariado conservador; o PTB, vinculado ao Ministério do Trabalho, como defensor do trabalhismo corporificado na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT); e a UDN, para ser porta-voz da classe média urbana e de intelectuais adversários da ditadura. Fundado em 1922, o Partido Comunista permaneceu parte da existência na clandestinidade. Reestruturado em setembro de 1945, teve o registro cancelado em maio de 1947 pelo Tribunal Superior Eleitoral e cassados os representantes eleitos para a Câmara dos Deputados e o Senado.

O movimento militar de março de 1964 procurou legitimar-se com a edição do Ato Institucional n.º 1 (AI-1), baixado pelo Comando Supremo da Revolução em 9 de abril. Em 15/7/1965 foi aprovada a Lei n.º 4.740, sobre a organização de partidos políticos. Pouco depois, todavia, em 22/10, o artigo 18 do AI-2 dissolveu os partidos existentes. Foram extintos o PSD, a UDN, o PTB e nove outras legendas de menor expressão. Logo em seguida se decretou o Ato Complementar n.º 4, dando ao Congresso Nacional o prazo de 45 dias para a organização de agremiações destinadas a substituí-los. Surgiram, assim, a Aliança Renovadora Nacional (Arena) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), a primeira para apoiar o regime e o segundo para desempenhar o papel de oposição.

A Lei n.º 4.740/1965 nasceu com pecados mortais, responsáveis pelo atual estado de decomposição das atividades político-partidárias: criou o Fundo Partidário com dinheiro subtraído da educação, da saúde, da segurança, da infraestrutura, do Poder Judiciário, das Forças Armadas; e o falso horário eleitoral gratuito, alimentado com recursos retirados do Imposto de Renda. Do conluio entre eles nasceu a sombria figura do marqueteiro, pago para redigir programas e impingir candidatos, com o uso do rádio e da televisão.

Durante a primeira, a segunda, a terceira e a quarta Repúblicas, entre 1889 e 1965, os partidos sustentaram-se com recursos previstos nos estatutos e contribuições de simpatizantes. O dinheiro curto impunha-lhes mais presença e combatividade. O financiamento das disputas para vereador, prefeito, deputado, senador, governador, presidente da República, em 1945, 1950, 1954, 1960, competia às agremiações, aos candidatos e aos eleitores. Corrupção certamente havia. Quem não ouviu falar da “caixinha do Ademar”? Nada, porém, equiparável ao que se observa hoje, com a institucionalização da propina, do caixa 2, de “recursos não contabilizados”, de campanhas mentirosas arquitetadas por profissionais.

O Código Civil (artigo 44) e a Lei n.º 9.096, de 19/9/1995 (artigo 1.º), definem partido político como pessoa jurídica de direito privado. No momento são 35, financiados com o nosso dinheiro. A reforma eleitoral é mais simples do que se pensa. Basta emendar a Constituição para suprimir o parágrafo 3.º do artigo 17 e, ato contínuo, revogar os dispositivos legais que tratam do Fundo Partidário e do horário “gratuito” de rádio e televisão. O voto deve ser livre e os partidos, incumbidos de arcar com os custos das campanhas.

O povo sofrido e maltratado agradecerá.

 

 

 


Alon Feuerwerker: O principal problema de um Bonaparte militar seria a falta da estratégia de saída

Diz a velha piada que revolução é o golpe que deu certo, e golpe é a revolução que deu errado. A antifascista Revolução dos Cravos em Portugal foi um golpe militar clássico. Idem nossa inicialmente liberal Revolução de 30. A “Intentona Comunista” de 1935 foi uma tentativa revolucionária militar derrotada, e portanto explicada até hoje como aventura golpista.

O assim denominado golpe de 64 foi inicialmente descrito como revolução anticomunista. O partido revolucionário eram as Forças Armadas. Os sucessivos presidentes militares foram escolhidos pelo partido. Melhor dizendo, pelo chefe da legenda, que às vezes considerava o sentimento e o movimento das bases. Como em todo partido, a escolha não era tranquila.

Tudo isso está bem detalhado na literatura disponível. Que mostra também a sabedoria dos nossos militares, ao terem percebido desde o começo que aquilo não seria para sempre. Aí vieram a descompressão, a distensão, a abertura. No fim, a caserna perdeu o controle da situação política em 1984/85 mas pôde voltar ao quartel organizadamente e sem maiores baixas.

Aquela estratégia de saída está na base da força e do prestígio hoje das FFAA, uma das instituições nacionais mais admiradas, senão a mais, pela população. Daí o terreno fértil para, apesar dos antecedentes, ecoar aqui e ali a ideia de que só a intervenção delas desfará o nó da nossa crise, em seus aspectos políticos, econômicos e, por que não?, morais.

Apesar do frenesi, isso está bem longe de acontecer de fato. A memória do processo de 64 ainda cobra uma fatura pesada dos quartéis. A convicção democrática entre nós ainda é razoavelmente forte. Algo assim enfrentaria também rejeição global. E, principalmente, porque uma intervenção militar não tem estratégia de saída viável ou visível.

Uma hipotética tomada do poder pelos militares poderia desdobrar-se em dois cenários: 1) a rápida devolução do poder aos civis, depois de uma “faxina moral”, ou 2) as FFAA tomarem para si o enfrentamento dos impasses nacionais. Qualquer um com a cabeça no lugar percebe o elevado risco, para elas, embutido em cada um dos dois possíveis caminhos.

São dois pântanos. Se as FFAA tomam o poder e dali a alguns meses devolvem a civis democraticamente eleitos, como garantir que estes não serão exatamente os que se queria remover? Quem faria a lista dos inelegíveis? Com base em que normas? Ou o “comando militar revolucionário” revogaria a legislação que o atrapalhasse, e imporia outra?

E o expurgo se daria só no plano federal ou desceria para os estados e municípios? E quem entraria no lugar dos expurgados? Os suplentes? Interventores militares? Civis nomeados pela “revolução ética”, após uma junta decidir que o sujeito está moralmente habilitado a desempenhar função pública? Vamos falar sério. Não parece minimamente operacional.

O segundo pântano é mais inimaginável ainda. Não dá para vislumbrar generais e coronéis tratando de resolver assuntos como a reforma da Previdência, a crise fiscal de estados e municípios, a reforma política, o financiamento da saúde e da educação diante da necessidade de cumprir o teto de gastos, o pavoroso déficit primário da União.

Claro que sempre seria possível convocar civis para tocar o serviço. Mas o poder político seria dos militares, e estes precisariam assumir em última instância a responsabilidade de descascar os espinhosos e ácidos abacaxis. Isso sem terem sido eleitos para tanto, e em plena era da internet, quando o controle da informação exige uma ditadura estatal absoluta.

Claro que tudo pode acontecer, mas a lógica ainda tem algum papel na análise. O bloqueio institucional e a pulverização do poder político em feudos impermeáveis à soberania popular são excelentes caldos de cultura para o bonapartismo, como já registrado algumas vezes aqui. Mas continua sendo mais provável que o Bonaparte venha da urna e não do quartel.

60/40

Quando tomados os votos válidos, as pesquisas mostram Lula batendo todos os adversários no segundo turno por algo em torno de 60% a 40%. Foi a divisão clássica do eleitorado entre 2002 e, digamos, 2013. Mas dificilmente Lula será candidato, e vai ser preciso esperar para ver se outro nome da esquerda consegue chegar ao 2o. turno, e reunir o rebanho na decisão.

* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação