Eleições

Luiz Carlos Azedo: À sombra da Lava-Jato

É impressionante a presença da Operação Lava-Jato como vetor do processo político, a oito meses das eleições. Toda movimentação em curso, seja no Executivo seja no Legislativo, e até mesmo no Judiciário, tem como pano de fundo as investigações sobre os elos escusos entre políticos e empreiteiras para desvio de recursos públicos e financiamento ilegal de campanha. Nem mesmo o Supremo Tribunal Federal (STF) escapa do redemoinho, por causa da iminente prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ontem mesmo, a Corte foi palco de uma batalha de Itararé, aquela que foi muito anunciada e não ocorreu, nas proximidades da divisa entre São Paulo e Paraná, durante a revolução de 1930.

No começo da próxima semana, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) deverá julgar o embargo de declaração da defesa de Lula contra a condenação de 12 anos e 1 mês de prisão, com execução imediata da pena. A confirmação da sentença pelos desembargadores federais de Porto Alegre resultará na decretação da prisão do ex-presidente da República por determinação do juiz federal Sérgio Moro, em razão de jurisprudência do Supremo que determina a execução da pena após condenação em segunda instância. É assunto de repercussão internacional.

Fora da disputa eleitoral de 2018, por causa da Lei da Ficha Limpa, que somente pode ser revogada por emenda constitucional, Lula concentra os esforços no sentido de evitar a própria prisão. Seus advogados pleiteiam no Supremo que o ex-presidente não seja encarcerado antes de o processo transitar em julgado em todas as instâncias da Justiça. Para isso, precisa modificar a jurisprudência, forçando um novo julgamento que coloque em xeque o entendimento de que a pena comece a ser cumprida após decisão em segunda instância.

A presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, em entrevistas quase diárias, tem afirmado que não colocará em votação no plenário da Corte a revisão da jurisprudência. Mesmo assim, não é levada a sério por alguns de seus pares, que começaram a acolher pleitos de advogados que podem servir de paralelo para revisão do entendimento também em relação a Lula. Nas conversas de bastidor, a aparência frágil da presidente do Supremo alimenta especulações de que acabaria por ceder às pressões.

Políticos enrolados na Lava-Jato, de todos os matizes, intensificaram as articulações junto a ministros do Supremo de suas relações para pôr a mudança em votação. Todos querem Lula fora da disputa eleitoral, mas não desejam que o petista seja preso, pois todos correrão o mesmo risco quando forem julgados. É o chamado efeito Orloff, aquele da propaganda de vodca: “Eu sou você amanhã!” Urdiu-se a manobra perfeita: acabar também com o foro privilegiado para crimes cometidos antes do mandato. Assim, ao mesmo tempo em que Lula não seria preso, com a mudança de jurisprudência, os que aguardam julgamento no Supremo ganhariam logo fôlego para prescrição de pena, voltando a ser julgados a partir da primeira instância.

Fora de pauta

Não se falava outra coisa em Brasília na manhã de ontem, com a expectativa de que o ministro Celso de Mello, decano da Corte, convencesse Cármen Lúcia a pôr o assunto em pauta, depois de uma reunião reservada com seus pares. A reunião foi anunciada aos quatro ventos, mas não aconteceu. Supostamente, a ministra é tão mineira quanto os políticos de sua terra. Consultada pelo decano da Corte sobre uma reunião informal para tratar do assunto, aquiesceu, mas não chamou ninguém pra conversar. Noticiado nos jornais, o encontro não aconteceu porque ninguém foi convidado.

Sabe-se, porém, que toda sorte de manobra já foi pensada para pôr a matéria em pauta no Supremo contra a vontade de Cármen, que não recua. Ministros contrários à mudança da jurisprudência também ameaçam fazer retaliações. À sombra da Lava-Jato, o Supremo vive dias de muito estresse, às vésperas da prisão do ex-presidente Lula. Quem já foi rei não perde a majestade, diz um velho ditado popular. Na contramão das expectativas, porém, o ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no STF, ontem rejeitou embargo de declaração contra decisão de 2016 na qual a Corte decidiu pelo cumprimento da pena de prisão após uma condenação em segunda instância. Fachin considerou que uma mudança nesse sentido só será possível em um novo julgamento da ação, de “mérito”, a ser marcado por Cármen Lúcia. Também rejeitou o pedido para que levasse o recurso a julgamento no plenário, diretamente, sem passar pela presidente do Supremo.  


Gaudêncio Torquato: O povo não é uma abstração

O povo não é uma abstração. Está ali correndo para pegar o ônibus das 5, aboletando-se nos trens de periferia, aplaudindo e xingando nos estádios, grudado defronte às vitrines para ver lances do futebol, devorando churrascos gregos nas calçadas ou voltando, com o sol poente, dos campos e das roças para a cansada solidão de suas casas. As massas retratam a realidade de milhões de brasileiros que ainda se encontram à margem do processo de consumo, dando um duro danado, levantando prédios, construindo máquinas, moldando a anatomia do País.

Em nome do povo, desvios se fazem na cena institucional. Basta anotar exemplos. A reforma da Previdência deixou de ser aprovada por congressistas que enxergaram nela a retirada de direitos do trabalhador. Ora, é o contrário. É a favor do povo. Mais adiante, sem recursos, o aposentado poderá ver os proventos sumindo. O MP e o Judiciário, ao calor da crise, tomam decisões com o olhar nas ruas. Temem o clamor do povo. Mesmo que o casuísmo e a quebra da letra constitucional sejam constantes. Procuradores e juízes até parecem imperadores romanos decidindo sob o polegar da massa aprovando seus atos. A Tríade de Montesquieu (Executivo, Legislativo e Judiciário) desmorona.

Mas a verdadeira crise do nosso povo é a falta de casas, de comida, de emprego, de hospitais, de segurança, de lazer. Por isso, a crise política que bate bumbo nos meios de comunicação não comove as massas. Elas agem por impulso e o primeiro que lhes afeta é o instinto de sobrevivência, encostado nas paredes do estômago. O imbróglio detonado, a partir das denúncias de escândalos é um caldo político que as massas contemplam de longe, por ser mais palatável às elites. Essa é a questão.

A engenharia política nacional é uma responsabilidade das vanguardas econômicas e políticas. As formas de cooptação social, a partir da conquista do voto, exprimem um pensamento que vem de cima. O povo, em suas extremas carências, tem dificuldades de exercer cidadania. Sua autonomia de decisão é escassa e tênues são suas vontades. Em consequência, submete-se, como entidade passiva, à demagogia dos discursos e a uma engenhosidade operacional que acaba sugando suas emoções. Mesmo com desconfiança em salvadores da pátria.

Quando se abre a portinha do lamaçal, começa-se a desvendar a identidade cultural da política brasileira. Há uma pequena rua, em Londres, cheia de lojinhas, que vendem os mesmos tecidos, dos mesmos padrões e, incrível, pelo mesmo preço. Nem um centavo a mais ou a menos. Um brasileiro foi ali pechinchar. Surpreendeu-se, quando o dono de uma das lojinhas recusou-se a vender o tecido. Ele vira o brasileiro sair de outra loja. Apontou: a sua loja é aquela. Naquela lojinha, cultiva-se a retidão, a lealdade, a honestidade. Um exemplo de cultura sem barganhas e emboscadas. Estamos anos luz distantes desse sonho.

Figuras que comandam o processo político dominam a cena política nacional há tempos. Não se vêem horizontes limpos. São velhos cenários e poucos atores desconhecidos. A peça até pode ser diferente, mas o fio condutor da trama é o mesmo e indica uma esganiçada luta pelo poder. O populismo aparece como arma de mistificação das massas e denúncias sobre uns e outros até podem gerar alto índice de abstenção, votos nulos e brancos. Mas a tão proclamada renovação política ainda vai ter de esperar. Não vai ocorrer este ano.

P. S. A morte da vereadora Marielle Franco adensa o fluxo do povo nas ruas, com forte impacto sobre a campanha eleitoral.

* Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação

 


Merval Pereira: Última tentativa

A próxima semana será decisiva na disputa que se trava nos bastidores do Supremo Tribunal Federal (STF) em torno da prisão após condenação em segunda instância, com o objetivo precípuo, porém dissimulado, de evitar a prisão do ex-presidente Lula.
O julgamento dos embargos declaratórios da defesa de Lula no TRF-4 deve ser realizado na segunda-feira, dia 26, mas a confirmação só será feita no final da próxima semana, pelo sistema eletrônico do Tribunal. Os defensores no Supremo da mudança da jurisprudência a tempo de livrar o ex-presidente da cadeia manobram para, na sessão da quarta-feira, reabrir a questão, mas apenas um dos ministros, Marco Aurélio Mello, poderá fazê-lo. Seria a última chance para mudarem a jurisprudência antes do julgamento do dia 26 do TRF-4.
Ele é o relator de duas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC) cujas liminares foram julgadas no final de 2016, e estão pendentes de julgamento de mérito pelo pleno do STF. Marco Aurélio já afirmou que não pressionaria a presidente Cármen Lúcia para colocar o tema em pauta, mas, não por coincidência, surgiu um fato novo que pode facilitar a reabertura do caso.
Embora tenham sido julgadas em outubro de 2016, o acórdão sobre as liminares das ADCs somente foi publicado na semana passada, o que deu margem a que fossem apresentados embargos declaratórios com efeitos infringentes pelo Instituto Ibero Americano de Direito Público, um dos autores de uma das ações.
A ementa do julgamento das medidas cautelares nas ADCs 43 e 44 é bastante clara quando estabelece que é “coerente com a Constituição o principiar de execução criminal quando houver condenação assentada em segundo grau de jurisdição, salvo atribuição expressa de efeito suspensivo ao recurso cabível”. No meio jurídico, esse texto espelha com nitidez o que a maioria da Corte, àquela altura, decidira: a execução da pena após condenação em segunda instância passou a ser a regra, e as exceções precisariam ser justificadas em decisão judicial.
O ministro Edson Fachin, relator da ementa, aproveitou para criticar o que hoje parece ser a tendência majoritária do plenário, aguardar uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para decretar o início do cumprimento da pena. Para Fachin, atribuir às Cortes de cúpula do Judiciário (STJ e STF) instâncias de terceiro e quarto graus, conferindo “efeito paralisante a absolutamente todas decisões colegiadas prolatadas em segundo grau de jurisdição”, revela-se inapropriado.
Àquela altura, não havia discussão sobre a mudança de jurisprudência do STF, que retomava um entendimento que vigorava há muitos anos e só mudou em 2009. Essa é uma razão para que a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, não queira colocar em votação novamente a matéria.
Ela tem comentado que é normal o STF evoluir em seus posicionamentos, mas isso não pode ocorrer em apenas um ano e meio (a mudança anterior ocorreu 7 anos depois). Além disso, ela lembrou em entrevista à revista “IstoÉ” que essa revisão não pode partir de quem foi voto vencido. “Na Suprema Corte americana, somente os vencedores podem pedir revisão de um posicionamento. Aqui não pode ser diferente. Imagine: quem for vencido vai ficar pedindo revisão da decisão até virar vencedor.”
Outra questão fundamental é o impacto que uma revisão provocará no combate à corrupção no Brasil. Segundo ela, “o fim da prisão em segunda instância faria retroceder em 50 anos o combate à corrupção”. Os procuradores de Curitiba corroboram esse pensamento e ontem, ao comemorarem os 4 anos do início da Operação Lava-Jato, lembraram que os recursos infindáveis levariam à prescrição dos crimes, como acontecia até recentemente, e não haveria mais motivo para que alguém fizesse colaboração premiada.
As pressões sobre a presidente do Supremo Tribunal Federal vêm de várias partes, além do PT e dos advogados de Lula. Há um conluio surdo entre as diversas forças políticas que estão de alguma maneira envolvidas nas investigações e denúncias da Operação Lava-Jato e suas decorrências pelo país.
O grupo que pressiona a presidente Cármen Lúcia pretende se reunir com ela na terça-feira, mas não está certo que essa reunião se realizará. O certo é que a presidente não está disposta a aceitar passivamente uma pressão que nunca aconteceu na História do Supremo Tribunal Federal para tirar de seu presidente o poder de organizar a pauta dos julgamentos.

Mauricio Huertas: A política vive dias sombrios. Triste Brasil

A execução a tiros da vereadora Marielle Franco, no Rio de Janeiro tão tristemente marcado pelo crime organizado, por mortos, milícias e balas perdidas, por governantes-assaltantes dos cofres públicos, pelo prédio vazado da Petrobras que acabou por se tornar símbolo involuntário dos rombos da corrupção, é o incessante cair num poço sem fundo em que desabou a política brasileira. Aonde vamos parar?

Às vésperas do Congresso Nacional do PPS, encontro partidário dessa legenda que busca sinceramente se manter moderna e respeitada, originária do velho, histórico e emblemático Partidão (da época em que se declarar de esquerda era revolucionário e motivo de orgulho), estamos vivenciando essa escuridão moral, esse apagão de esperança por dias melhores diante de acontecimentos tão horripilantes do cotidiano nacional, da vergonha na cara de quem ainda tem um pingo de caráter e honradez.

Que país é esse em que o noticiário da política e da polícia se misturam na mesma página? Em que os juízes da corte suprema são políticos e em que os políticos em sua maioria não tem nenhum juízo? Em que o humor da população é medido por patos e sapos de entidade patronal que reúne a elite liberal tupiniquim mas é ironicamente a maior beneficiária de recursos estatais? Em que o grande partido de esquerda da história recente trocou seus heroicos presos políticos por políticos presos comuns? Em que os verdadeiros democratas – que lutaram contra a ditadura militar – precisam apoiar uma intervenção federal comandada por generais para garantir um mínimo de ordem civil?

Como chegamos a esse ponto caótico depois de anunciadas novas e velhas repúblicas, de antigos e atuais movimentos sociais, de golpes e pseudo-golpes, do impeachment de dois presidentes, de ondas ora conservadoras, ora progressistas, mas que poderiam ter nos conduzido tranquilamente a um porto seguro, à estabilidade ao invés da tormenta? Por que vivemos em eterna transição?

As eleições de 2018, para onde vão levar o Brasil? De um lado e do outro, dois extremistas caricatos: um boçal da direita reacionária, parlamentar inexpressivo e até então inofensivo, contra um invasor profissional da propriedade alheia, neófito na política mas insuflado pela esquerdalha festiva órfã do seu mito que virou mico. Ao centro, de onde seria desejável e salutar despontar uma liderança para vencer a eleição e governar com equilíbrio, por enquanto vemos apenas uma enxurrada de candidatos medianos e limitados, seja por características pessoais ou por tibieza partidária.

É diante deste quadro deprimente que aumenta a nossa responsabilidade cidadã: como despertar a sociedade para a necessária (re)ação cívica? Como fazer com que gente de bem compreenda a urgência de dedicar parte do seu tempo e conhecimento para mergulhar nos problemas e buscar soluções eficazes e inteligentes para o país? Como eleger pessoas idôneas e bem intencionadas que se dediquem a construir uma nova agenda de políticas públicas? Como reunir homens e mulheres vocacionados para ‘servir’ à política – ‘ser útil’, ‘ajudar’, ‘zelar pelo bem-estar’ – contra os maus políticos que hoje se servem da política?

Muitas perguntas, poucas respostas. Quem aponta um caminho que não faça o Brasil adernar?

* Mauricio Huertas, jornalista, é secretário de Comunicação do PPS/SP, diretor executivo da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), líder RAPS (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade), editor do Blog do PPS e apresentador do #ProgramaDiferente

 


O Estado de S. Paulo: Bolsonaro quer campo de refugiados em Roraima

Deputado defende revogar a lei de imigração e adota posição polêmica para controlar o êxodo de venezuelanos para o País

Por Constança Rezende, de O Estado de S.Paulo

RIO - Depois de adotar um discurso mais atraente ao mercado, com propostas de cunho liberal, o pré-candidato do PSL à Presidência, deputado federal Jair Bolsonaro, retomou temas polêmicos. Em entrevista ao Estado, ele defendeu a construção de campos de refugiados para venezuelanos que chegam ao Brasil. “Já temos problemas demais aqui”, disse ele, que falou em um quiosque no Posto 4 da Barra da Tijuca, próximo a sua casa, no Rio. Mesmo filiado a um partido com poucos recursos, Bolsonaro, que lidera pesquisas de intenção de voto em cenários sem a presença do ex-presidente Luiz Inácio da Silva, disse que está “muito satisfeito” com a estimativa de que poderá gastar até R$ 3 milhões na campanha ao Planalto.

O PSL tem R$ 9,2 milhões de fundo eleitoral e outros R$ 5 milhões de fundo partidário. Quanto o senhor pretende gastar na campanha eleitoral?
Antes de escolher o PSL, sabia que nenhum partido médio e grande iria me aceitar e me preparei para fazer campanha com R$ 1 milhão para gastar em 45 dias. É mais do que suficiente. Do montante total de recursos do PSL, me caberão cerca de R$ 3 milhões. Estou muito satisfeito com o que possa ter via fundo partidário.
O senhor filiou-se a um partido pequeno, com pouco tempo de televisão e poucos recursos. Como pretende fazer campanha?
Eu não tenho obsessão para chegar lá. Quem vai decidir se eu vou estar lá ou não vai ser o povo brasileiro. Se eu for fazer a mesma coisa que os outros, procurar alianças, recursos, e com as alianças vier o tempo de televisão, eu estarei me igualando aos demais pré-candidatos.

Caso vença a eleição, como o senhor pretende governar em minoria no Congresso?
Eu serei o único pré-candidato que, quando começarem as eleições, já terei todo o ministério apresentado. Eu não vou esperar acabarem as eleições, como todo mundo faz, a futura vitória nas urnas, e depois ir para os porões do Jaburu juntar com as pessoas conhecidas de sempre do Legislativo, para lotear o governo. Para fazer a mesma coisa, estou fora.

Haveria algum grupo de partidos que seriam seus aliados preferenciais?
Não tenho. Ninguém chegou para tentar negociar comigo nada. Nenhum partido. Eles sabem que o que eles querem negociar eles não terão de mim, como ministério. Esses dias, eu conversei com o astronauta Marcos Pontes (tenente-coronel da Força Aérea Brasileira, hoje na reserva) a gente teve uma conversa de uns 40 minutos em Brasília. Ele quer, no futuro, dado a sua vida pregressa, formado pelo ITA, sua vida da Nasa, a experiência que ele tem em Ciência e Tecnologia e Inovação, queria participar do governo futuro. Não é como ministro, participar do governo, apenas. E eu abri as portas do governo para ele. Eu falei, olha, se eu chegar lá, possivelmente você será lembrado como ministro. Se eu perguntar para o grande povo quem é o nosso ministro da Ciência e Tecnologia, 99% não sabe. Eu não vou falar o nome dele para você, que você sabe. Mas tenho certeza que se perguntar para ele sobre Lei da Gravidade e gravidez ele acha que é a mesma coisa. Nós não podemos ter esse tipo de gente que pode ser muito bom em outro ministério. Mas não podemos ocupar um ministério estratégico como esse como pessoas que são incompetentes. Eu sou incompetente para ser médico, eu sou incontinente para ser ministro da economia, não tenho aptidão para isso. Talvez, o Ministério da Defesa. Agora você não pode continuar loteando os ministérios para gente que não tem qualquer intimidade com aquilo que deveria ser feito.

O senhor já tem quais nomes definidos para ministro?
Não vou falar em ministro, mas o Paulo Guedes é um excelente nome para Fazenda e Planejamento, que vai ser um ministério só. O Ministério da Defesa já conversei e acertei, quem vai indicar o quatro estrelas vai ser o general Augusto Heleno. Eu tenho conversado com setores do agronegócio. O futuro ministro da Agricultura e Meio Ambiente, que vai ser um ministério só, (quem indicará) vão ser as entidades produtoras (rurais) do Brasil.

O MDB, ex-PMDB, esteve em quase todos os governos desde a redemocratização. Teria espaço no seu governo?
Esse espaço que está na tua cabeça, não. Eu tenho um grupo, que está chegando a 40 deputados federais, todos devem ser reeleitos. Por que Roraima, por exemplo, está fadado ao fracasso? Por causa da política ambiental indigenista. Como atender à demanda para que esses bens sejam explorados agregando algum valor para atender às bancadas desses Estados? E assim a gente vai ponteando o Brasil todo. Comigo não existirá Ministério das Cidades. Por que tem que ter Ministério das Cidades se você pode o pegar dinheiro diretamente do governo e dar para o prefeito fazer obra no município? Só aí você economiza 4% que é a taxa que a Caixa Econômica fica para si.

E o PSDB, teria algum lugar?
Falei para você que estamos negociando individualmente. Se algum partido quiser se aliar a nós, será bem vindo. Agora, a bandeira que nós temos, a questão do desarmamento, o PSDB não vai topar, acho difícil. O PSDB atrapalhou a redução da maioridade penal na votação da Câmara. Aceitou para determinados tipos de crime. A política externa nossa está sendo feita pelo viés ideológico, será que o PSDB topa isso? Será que o PSDB tem simpatia com o Foro de São Paulo? A questão da violência, nós temos que dar carta branca para o policial não morrer mais ainda. Após uma operação, o policial tem que ser condecorado e não processado. O PSDB topará fazer isso aí? Acredito que seria muito difícil.

Se a inviabilização de Lula se confirmar na disputa, quem é o seu principal adversário?
É igual quando você tem um time de futebol, a gente entra em campo para ser campeão. A gente não pode entrar em campo preocupado em ser rebaixado. Então, não tô preocupado se é o Lula, se é a Marina, seja quem for. Como não temos obsessão, como não fazemos acordo com o diabo como Dilma falou que fazia, como deve ter feito, para ganhar a eleição, a gente está tranquilo. Eu sou diferente de todos eles juntos. Hoje, parece que o polemicamente correto virou uma doença no meio da classe política. Eles não se posicionam no tocante a nada. Se perguntar sobre aborto eles não dizem, como eu definido. Até a questão LGBT que falam tanto, eu tenho a minha posição, que é o material escolar que eu sou contra. No resto, vão ser felizes.

O que o senhor acha do movimento LGBT?
É uma minoria que ganha dinheiro em cima disso. Agora, a maioria dos homossexuais vota em mim hoje em dia, acredite se quiser.Como sabe disso?
O pessoal conversa comigo.

E pensa em propor leis para esse segmento?
Se eu der um tiro em você só porque você é torcedora de um time de futebol, além de responder pelo crime de homicídio, eu tenho que ter uma circunstância agravante: motivo fútil. Você briga com o cara porque é homossexual. Você vai responder por lesão corporal e mais um agravante, por (a vítima) ser homossexual. É isso, mais nada que isso.

E a questão dos direitos humanos?
Esse pessoal que defende direitos humanos de marginais, em grande parte, vive de dinheiro de ONGs. Não terá um centavo para ONG que defenda o direito de marginais. O marginal para mim é um bandido que só tem um direito para mim: o de não ter direito e ponto final.

Mas acha que os direitos humanos seriam só voltados para marginais?
Hoje em dia é isso que é verbalizado para qualquer um aqui. Se você perguntar para qualquer um que passa no calçadão eles vão te responder isso aí. Geralmente eles têm advogados, têm gente que os aconselham como proceder, e estão sempre do lado da bandidagem, nunca do lado do agente da lei.

No seu governo como seria a pasta dos Direitos Humanos?
Atender às vítimas da violência e ponto final.

A intervenção no Rio pode tirar o seu discurso de campanha?
Não estou preocupado com isso. Eu quero mais é que dê certo. Eu votei favorável. Agora, está na cara que ele (o presidente Michel Temer) segue, que o governo tem seguido algumas bandeiras minhas. Eles mudam porque o que a massa do povo quer é efetividade. Não é essa historinha de dar outra chance, audiência de custódia, política de desencarceramento. “Ó os presídios estão cheios, eles vivem muito mal acomodados”. O pessoal está enjoado disso aí. A cadeia é um local extremamente democrático, vai para lá quem fez muita besteira.

O senhor vai atuar para a criação de uma bancada da metralhadora, mesmo?
O que eu falei foi que as bancadas de segurança, que é conhecida pela bancada da bala, vai aumentar e muito. Que a violência é o que tá cabeça de todo mundo como o primeiro assunto a se buscar uma solução para ele.

O senhor tem assumido um pensamento liberal em assuntos econômicos. Contudo, historicamente, o senhor sempre defendeu um Estado mais intervencionista, nacionalista. O que mudou?
Bem, só os hipócritas não evoluem. Outra coisa, eu tenho formação militar, fiquei 16 anos no exército brasileiro. Naquela época, você tinha que ter as estatais, você não tinha outra maneira de fazer o Brasil crescer. Agora, as estatais naquela época eram muito melhor administradas do que eram hoje. Tinham muitos coronéis nas estatais. Existia corrupção? Sim, mas não nesse nível que é hoje. Hoje, as estatais são foco de corrupção, infelizmente. A partir desse princípio, buscando a produtividade a transparência, hoje mesmo conversei com o Paulo Guedes, esse assunto eu nem toco mais com ele, acho que no primeiro ano, dá para um terço das estatais serem privatizadas ou extintas.

Quais seriam extintas?
Em especial, as quase 50 feitas pelo PT. Nós vamos acabar com o criadouro do mosquito da dengue e lá é o criadouro de militantes, apadrinhados políticos. Estatais que não produzem nada.

E como estão sendo esses encontros com o Paulo Guedes?
Duas vezes por mês. Logicamente, que vão se aprofundar esses encontros.

Como se deu a sua aproximação com o Paulo Guedes?
Ele aconteceu, como acontece com o seu namorado, aconteceu. Ele estava auxiliando o Luciano Huck e depois chegaram à conclusão que não deu certo e ele ficou aquela namorada bonita dando sopa na praça e foi feito, através de terceiros, uma aproximação entre eu e ele. O primeiro encontro durou quatro horas e tivemos uma média de sete encontros de lá para cá e estamos às mil maravilhas.

O senhor elogia o presidente Donald Trump (Estados Unidos) como um modelo. Recentemente, ele adotou uma política unilateral sobre as importações de aço, que pode afetar diretamente milhares de empregos no Brasil. O que senhor acha disso? Governar unilateralmente é o melhor caminho?
Ele está partindo para o bilateralismo, essa é a intenção dele. Gostaria também de fazer a mesma coisa, acho que fica muito mais livre, porque nós temos o que oferecer para o mundo. A política do Trump eu vejo com bons olhos, apesar de não ser economista e, pelo que vejo do Paulo Guedes, muita coisa dá para aproveitar.

E essa questão do muro no México? Como vê propostas assim?
Ele (Trump) quer cérebros lá dentro. Os Estados Unidos, pelo que eu entendo, são uma fábrica de cérebros. E não pode, no meu entender – no lugar dele eu faria a mesma coisa – aceitar à vontade tudo quanto é tipo de gente. Porque junto com gente boa entra quem não presta. Olha a nossa querida Roraima, Boa Vista e Pacaraima. Eu estive lá. Hoje em dia calculam que Boa Vista tem em torno de 40 mil venezuelanos. E olha só, a ditadura, quando começa a tomar forma, a elite é a primeira a sair. Essa foi pra Miami. A parte mais intermediária, grande parte foi para o Chile. E agora os mais pobres estão vindo para o Brasil. Nós já temos problemas demais aqui. Se vamos incorporar aquele exército que recebe Bolsa Família, quem vai pagar isso aí? Vamos aumentar impostos?

E qual a solução?
Primeiro, via Parlamento, revogar essa lei de imigração aí. Outra, fazer campo de refugiados. Outra: em vez de esperar passar o vexame do (Nicolás) Maduro expulsar os nossos embaixadores, já era para ter chamado há muito tempo e tomado outras decisões econômicas contra a Venezuela.

Recentemente o senhor esteve na China. O que o senhor pensa da relação bilateral com a China, que é comunista e uma superpotência?
Eu não estive na China, estive em Taiwan. Eu sei que Taiwan faz parte... eu não vou entrar nesse mérito, se é ou não é. Fazer comércio com a China, sim, sem problema nenhum. Agora, a China está comprando o mundo. E quando eu falo o mundo, entenda o Brasil. Vou baixar o nível da resposta aqui, vamos lá no nível feijão com arroz. Uma coisa é eu comprar toda a semana uma galinha do teu galinheiro. A outra é eu comprar o teu galinheiro. Até os ovos que você tinha para você, você não vai ter mais, vai ter que negociar comigo. Todos os países do mundo, nessa parte específica, quando se fala em agricultura, busca segurança alimentar. O Brasil, talvez, pelo que eu sei, é um dos países que está entregando isso para os chineses. Ou seja, além do nosso subsolo, começam agora as negociações, e estão avançadas, para vender terrar agricultáveis para os chineses. Nós não podemos abrir mão da nossa soberania e da nossa segurança alimentar, até porque eles têm meios de conseguir uma produtividade maior do que nós. Vão matar o nosso homem do campo.

Como o senhor viu o fuzilamento de brasileiros envolvidos com tráfico de drogas (na Indonésia)?
Alguém quer levar drogas para a Ásia hoje em dia? Eles ficaram livres do problema. Eles sabem que a lei é essa lá, tanto é que lá é vendida mais cara a droga. Conseguiram o que buscavam. Eu mesmo, quando teve o caso lá do Marcelo Archer, era o Ban Ki-Moon, se não me engano, (na verdade era Joko Widodo), eu fiz um documento e o cumprimentei pela decisão.

O senhor apoiaria que fosse assim no Brasil?
A nossa Constituição veda pena de morte aqui. Só uma nova Assembleia Nacional Constituinte pode buscar isso. Só não buscarei isso por um motivo simples: não vai ser aprovado. Então, eu não vou lutar por algo que não vai ser aprovado. Agora, pretendo lutar por prisão perpétua.O senhor seria a extrema-direita no País?
O que é extrema-direita? Isso é terrorismo, eu sou terrorista? Extrema no mundo todo é terrorista. Estão tentando me associar a terroristas. Eu sou de direita. Mas extrema-direita, jamais.

Por quê?
Os caras querem me rotular como terrorista, como um elemento que não tem diálogo, que quer tudo na pancada, isso que eles querem.

Qual a estratégia para as eleições, para atingir um público mais amplo?
A gente continua fazendo a mesma coisa. Mas tem um detalhe, quem cerra comigo não deixa de continuar do meu lado. É diferente dos demais. Estou há três anos rodando o Brasil. Quando dou uma palestra, o cara acredita no que eu falo, é simples. Inclusive uso a máxima bíblica, João 8:32, "conhecereis a verdade e a verdade vos libertará". Não tem como nós dois casados não vivermos na verdade, na mentira, mais cedo ou mais tarde, vai acabar nosso casamento. Assim é uma liderança política.


Luiz Carlos Azedo: Supremas decisões

Depois de ferir de morte caciques de todos os grandes partidos e jogar na lona a imagem do presidente da República, a Lava-Jato acirrou as contradições, disputas políticas e idiossincrasias no Supremo

O vetor da crise ética continua sendo uma força dominante no processo político, com reflexos eleitorais de ordem objetiva. A Lei da Ficha Limpa promove um expurgo de milhares de políticos impedidos de disputar as eleições de 2018, em todo o país, a começar pelo mais popular, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que lidera as pesquisas de opinião para a Presidência. Não há um só dia em que o noticiário não seja impactado pela Operação Lava-Jato, seja em razão de novas operações, como a de ontem, que defenestrou e prendeu um dos delegados da Polícia Civil mais poderosos do Rio de Janeiro e desmantelou um esquema de desvio de recursos do sistema prisional fluminense, seja em decorrência dos processos em curso no Judiciário, com a iminente prisão de Lula em decorrência de sua condenação pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre, a 12 anos e 1 mês de prisão.

Depois de ferir de morte caciques de praticamente todos os grandes partidos e jogar na lona a imagem do presidente da República, a Lava-Jato acirrou as contradições, disputas políticas e idiossincrasias no Supremo Tribunal Federal (STF). Ontem, enquanto a Primeira Turma do STF, por unanimidade, recebeu a denúncia e tornou réu o senador Romero Jucá (RR), líder do governo no Senado e presidente do MDB, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, a Segunda Turma do STF decidiu que duas ações que tratavam da possibilidade de prisão após condenação em segunda instância não serão mais julgadas pelo plenário do tribunal. Voltarão a ser julgadas na própria Turma.

Foi uma resposta da maioria de seus integrantes à decisão da presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, que se recusa a levar o assunto à rediscussão do plenário. Se compararmos o Supremo a uma embarcação em meio à tempestade, diríamos que se trata de um motim a bordo, que pode causar um grande naufrágio à Lava-Jato. A Turma é formada por Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Celso de Mello e Edson Fachin. A decisão foi tomada por 3 a 1 (Lewandovski, Gilmar e Toffoli contra Fachin), em reposta à presidente do Supremo, que ontem, em São Paulo, voltou a dizer que não se submete à pressão de políticos que querem que a Corte revise o entendimento sobre cumprimento da pena após condenação em segunda instância. “Eu não lido, eu simplesmente não me submeto à pressão”, declarou Cármen Lúcia.

Estupro

Uma das ações em análise no STF sobre prisão após condenação em segunda instância é relacionada diretamente ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Os advogados do ex-presidente Lula questionam a prisão, com o argumento de que, segundo a Constituição, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. O ministro Fachin havia negado o pedido e decidido que a palavra final sobre o caso caberá ao plenário do STF, no qual já aguardavam julgamento um habeas corpus e outras duas ações que poderão reverter o atual entendimento do STF.

Ontem, Ricardo Lewandowski, sugeriu a retirada de dois casos dos quais é relator. A recomendação foi aceita pela maioria dos demais colegas. No primeiro caso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidira soltar o condenado, substituindo a pena de prisão por prestação de serviços à comunidade, o que provocou a perda de objeto da ação. No segundo habeas corpus, o ministro considerou que a situação era diferente: a decisão de primeira instância permitia que o condenado recorresse em liberdade até o trânsito em julgado, isto é, até a última e quarta instância. Lewandowski alegou que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), de segunda instância, havia contrariado a sentença do juiz e mandou prender o réu sem que houvesse pedido por parte da acusação.

Nesse caso, seria uma situação diferente e, por isso, deveria ser analisada pela própria Segunda Turma. O ministro adiantou que votará pela libertação do preso, condenado por estupro. Fachin votou contra por causa da semelhança com as outras ações sobre prisão após segunda instância, principalmente a de Lula, mas foi vencido. A decisão acirra ainda mais os ânimos na Corte. Porque força a rediscussão da jurisprudência sobre execução imediata da pena por presos condenados em segunda instância, caso do ex-presidente da República. É tudo o que Fachin e Cármen Lúcia não querem.

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Luiz Carlos Azedo: O drama dos bons políticos

Os eleitores estão de partida. Mas não sabem para onde. Querem que alguém aponte um caminho no qual acreditem. É aí que mora o perigo do senso comum

O Brasil está mais ou menos como aquele cavaleiro descrito pelo escritor tcheco Franz Kafka, no conto A Partida:

— Para onde cavalga, senhor?
— Não sei direito — eu disse —, só sei que é para fora daqui, fora daqui. Fora daqui sem parar; só assim posso alcançar meu objetivo.
— Conhece então o seu objetivo? — perguntou ele.
— Sim — respondi — Eu já disse: “fora daqui”, é esse o meu objetivo.

É mais ou menos assim que vamos às eleições de 2018. As pesquisas mostram uma desorientação muito grande da maioria dos eleitores. Não é por causa da inelegibilidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), nem em razão da liderança resiliente do deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ). O percentual de indecisos na eleição varia de 38% a 42%, considerando-se todos os candidatos pesquisados. Numa eleição relâmpago, com 45 dias de campanha, qualquer coisa pode acontecer, inclusive nada de extraordinário.
Comecemos, pois, pelo extraordinário.

Os projetos mais radicais à mesa são os de Bolsonaro e de Guilherme Boulos, o líder dos sem-teto lançado pelo PSol. Radicais de direita e esquerda, respectivamente. Ambos são regressistas do ponto de vista do papel do Estado e da relação do Brasil com o mundo. São projetos excludentes entre si, mas que têm em comum o anacronismo ideológico de direita e de esquerda. Eleitoralmente falando, Bolsonaro tem muito mais densidade do que Boulos. É beneficiado por uma certa reação conservadora de parcelas da sociedade à violência, ao desemprego e à corrupção, principalmente, o eleitorado evangélico. Boulos busca os órfãos de Lula com o antigo radicalismo petista, que não cola mais, por causa da Operação Lava-Jato.

Fora esses dois extraordinários, temos Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede), Álvaro Dias (Podemos), Geraldo Alckmin (PSDB) e Rodrigo Maia (DEM) com candidaturas formalizadas. O presidente Michel Temer ainda costeia o alambrado, como diria o falecido Leonel Brizola. E o PT não sabe ainda quem será o substituto de Lula, embora o nome mais cotado seja o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad. Os eleitores de esquerda, centro-esquerda, centro-direita e direita estão sendo disputados por essa turma. Por enquanto, todo mundo pode virar ou continar japonês.

O que pode fazer diferença na campanha para esses candidatos? Em primeiro lugar, o recall de campanhas anteriores. Casos de Marina, Ciro e Alckmin. Em segundo, os recursos financeiros e o tempo de televisão. Vantagens para Haddad, Alckmin e Maia. Em terceiro, as estruturas de poder e capilaridade partidária, idem. Quarto, a imagem do candidato em relação à Lava-Jato e às propostas que seduzam os eleitores. É aí que o jogo pode haver muita diferença. Finalmente, a proposta política. Nesse quesito, ninguém apresentou ainda um programa exequível. E, ademais, como diz o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a proposta precisa ser traduzida e “fulanizada” para seduzir os eleitores.

O rumo
De volta ao cavaleiro kafkiano, os eleitores estão de partida. Mas não sabem para onde. Querem que alguém aponte um caminho no qual acreditem. É aí que mora o perigo do senso comum. A saída pode ser um não caminho, um precipício. O ambiente facilita a vida dos demagogos e dos populistas, que oferecem soluções fáceis para uma situação difícil e complexa. Na eleição, todos são tentados a isso. Mas há os que acreditam nesse tipo de narrativa, como aconteceu com a ex-presidente Dilma Rousseff, que deu com os burros n’água, e os que sabem que não é por aí. O caminho a percorrer é pedregoso, difícil, e não dará vida fácil para ninguém.

O Brasil precisa da estabilidade da moeda, de taxas de juros baixas, de crédito acessível e de investimentos maciços em infraestrutura. Mas não pode garantir um cenário dessa ordem com o governo gastando mais do que arrecada e sem a reforma da Previdência. O país precisa crescer e gerar empregos, mas não tem como fazer isso sem aumentar a produtividade. Para isso, precisa melhorar a qualidade da educação, de saúde da população e de segurança dos cidadãos. O rol de necessidades de um ciclo virtuoso de desenvolvimento não se resolve com mágica. Entretanto, é difícil vencer as eleições com esse discurso, depois de uma recessão que gerou 14 milhões de desempregados. Esse é o problema dos bons políticos.

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Pedro S. Malan: Do querer ser ao crer que já se é

Há que buscar as convergências possíveis, que sempre existem, entre os mais moderados

A fantasia humana é um dom demoníaco. Está constantemente abrindo um abismo entre o que somos e o que gostaríamos de ser. Entre o que temos e o que gostaríamos que tivéssemos.” Assim escreveu Mario Vargas Llosa em La Verdad de las Mentiras. Pode um dom ser demoníaco ou a expressão é apenas um atroz paradoxo, produzido pela veia literária do autor?

Dom, afinal, significa qualidade ou característica especial, geralmente positiva. Demoníaco, algo negativo, relativo a ou próprio do demônio. A combinação das duas palavras tende a significar algo ruim se o abismo continuamente aberto pela fantasia humana leva a anomia, paralisia, desalento, inveja, ressentimento, cinismo, raiva. Mas poderia também evocar algo bom: a busca por desenvolver potencialidades, por crescer, enfrentar e superar com coragem as adversidades.

É instigante imaginar que o texto de Vargas Llosa possa aplicar-se também a sociedades e países, como o Brasil de 2018; e às perspectivas de consolidação da democracia nos próximos anos, entre nós como em várias outras partes do mundo, inclusive o desenvolvido. Ocorre-me a reflexão porque segue prolífica a temporada de livros sobre “suicídios” de regimes democráticos, alguns já mencionados neste espaço (O Estado de S. Paulo). Acabam de sair How Democracies Die, de S. Levitsky e D. Ziblatt, e Authoritarianism and the Elite Origins of Democracy, de V. Menaldo e M. Albertus, ambos ainda sem tradução. A maioria das obras procura lembrar como sucumbiram tantas democracias europeias nos anos 20 e 30 do século passado. Sobre a Tirania, de Timothy Snyder, e A Mente Imprudente e A Mente Naufragada, ambos de Mark Lilla, são belos exemplos de que há lições da História - recente - que não devem ser esquecidas. Afinal, os conflitos em questão levaram a dezenas de milhões de vítimas.

Umberto Eco recuperou o discurso feito em abril de 1938 por um Roosevelt acossado por nacional-populistas-isolacionistas e seus milhões de seguidores: “Ouso dizer que se a democracia americana parasse de progredir como uma força viva, buscando dia e noite melhorar por meios pacíficos as condições de nossos cidadãos, a força do fascismo cresceria em nosso país”. Eco sugere que este seja o mote: “Não esqueçam”. A literatura recente vem procurando compreender por que desde 1980 houve cerca de 25 casos de transições, não de ditaduras para democracias, mas de jovens democracias para tiranias variadas. Atenção especial tem sido conferida a tentativas não mais de aceder ao poder pela via eleitoral, mas de assegurar a continuidade no poder para muito além dos mandatos originalmente conferidos pelas urnas, não apenas por meio de rupturas democráticas, mas também de mudanças institucionais, via Legislativo e Judiciário.

Para além de golpes de Estado e de instâncias de fragilidade institucional há um terceiro fenômeno, insidioso e preocupante, a dificultar a consolidação de democracias estáveis e funcionais. Trata-se de carência de espírito público, de exercício constante de cidadania e de cooperação baseada na confiança mútua entre cidadãos no período que separa uma eleição da seguinte. A eleição não pode constituir álibi para o eleitor só porque este votou na data aprazada.

Esse é o risco que corre a consolidação da democracia brasileira. O risco do desalento, do ceticismo, do cinismo. Do desinteresse pelo mundo da política - porque “não me sinto representado”, porque “meu envolvimento não faz diferença”, porque “todos são iguais”. Não são. Há gente decente na política. Há que descobri-la, estimulá-la e envolver-se como possível. Quem não gosta de fazê-lo acaba sendo governado por quem gosta ou por aqueles que buscam as instrumentalidades do poder e as benesses de compadrios no aparato do Estado.

Na primeira metade do século passado três obras de ficção, imperdíveis, procuraram vislumbrar o futuro décadas à frente e se mostraram premonitórias em sua percepção sobre o desenvolvimento tecnológico e suas consequências políticas e sociais. A peça teatral R.U.R, Rossum’s Universal Robots (1920), de Karel Capek, na qual certamente Aldous Huxley se inspirou para escrever seu Admirável Mundo Novo (1932), e 1984, de George Orwell (1949), são clássicos que guardam enorme interesse em tempos de inteligência artificial, robotização e conglomerados privados gigantes que conhecem o que compramos, procuramos e compartilhamos. E de governos, como os da China e da Rússia, que se propõem com êxito a controlar o que é postado na internet por seus cidadãos.

Em carta enviada a Orwell em outubro de 1949, em que lhe agradecia o envio de seu 1984, Huxley reputa o livro “profundamente importante”, mas observa sobre o futuro que, em vez de uma bota oprimindo um rosto humano, as oligarquias dominantes encontrariam meios mais eficientes de satisfazer seus impulsos por poder - meios mais parecidos com os que descreve no seu livro de 1932, ao qual voltou em 1958, em seu Admirável Mundo Novo Revisitado.

Voltemos a Mario Vargas Llosa. O Brasil pode, nestas eleições de 2018, e ao longo do próximo quadriênio, utilizar seu dom demoníaco para reduzir a diferença abissal entre o que somos e o que gostaríamos de ser, entre o que temos e o que poderíamos ter? Qualquer esforço sério nesse sentido exige evitar voluntarismos e promessas de retorno a passados tidos como gloriosos. Exige paciência, persistência, perseverança, boa-fé e honestidade intelectual para mostrar à população que há escolhas difíceis a fazer e falsos dilemas a evitar. Há que buscar as convergências possíveis, que sempre existem, entre os mais moderados. Para tal é preciso humildade e prudência-com-propósito.

Como escreveu Ortega y Gasset em suas Meditaciones Del Quijote, “do querer ser ao crer que já se é vai a distância entre o trágico e o cômico, o passo entre o sublime e o ridículo”. Ao empregar seu dom demoníaco, o Brasil não pode incorrer nesse equívoco.

*Pedro S. Malan é economista, foi ministro da Fazenda no governo FHC

 


Luiz Carlos Azedo: Maia embola o centro

À frente da Câmara, Maia duplicou a bancada do DEM e somente não assumiu a Presidência da República, no ano passado, afastando o presidente Michel Temer, porque não quis

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, lançou-se ontem à Presidência da República, na convenção do DEM que também substituiu o senador Agripino Maia (RN) pelo prefeito de Salvador, ACM Neto, no comando da legenda. Consumou-se assim a renovação do antigo PFL, cujo “rejuvenescimento” político fora iniciado a fórceps pelo ex-senador Jorge Bornhausen, ainda durante o governo Lula. À frente da Câmara, Maia duplicou a bancada do DEM e somente não assumiu a Presidência da República, no ano passado, afastando o presidente Michel Temer, porque não quis. Havia votos suficientes para aceitar a primeira denúncia do então procurador-geral, Rodrigo Janot, contra o emedebista, mas o presidente da Câmara trabalhou para que isso não ocorresse.

Para os aliados, sua candidatura não tem a menor chance de vingar, segundo as pesquisas, mas embola completamente o jogo ao centro do tabuleiro político, tanto para o candidato do PSDB, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, como para o presidente Michel Temer, que acalanta o projeto de uma candidatura própria do MDB — de preferência, a sua própria reeleição — na cozinha do Palácio do Planalto. No lançamento, Maia adotou um discurso moderado, pregou a renovação política e a mudança na economia com base num projeto claramente liberal, com ênfase na reforma da Previdência e no equilíbrio fiscal.

“Há alguns que julgam tarefa impossível construir uma candidatura competitiva para mudar o Brasil. Mas vocês aqui presentes, democratas, me oferecem o desafio de liderar a nossa geração num projeto de renovação política e de reconstrução do Brasil”, afirmou Maia. A candidatura amplia o isolamento de Alckmin no plano nacional e demarca também uma posição de independência em relação ao Palácio do Planalto. Temer está condicionando a reforma ministerial decorrente da desincompatibilização de seus ministros, entre eles o da Educação, Mendonça Filho (DEM-PE), um dos novos caciques da legenda, ao compromisso com uma candidatura do governo. É pagar para ver quem vai indicar o novo ministro.

Candidato a presidente da República, Maia terá uma agenda própria na Câmara, independentemente da proposta pelo governo. O primeiro sinal de que isso ocorrerá foi dado quando Temer retirou de suas prioridades a reforma da Previdência e anunciou uma agenda econômica para substituí-la, o que provocou dura reação de Maia. A resposta do governo foi a intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro, contra a qual o presidente da Câmara ameaçou se insurgir, mas recuou devido à grande aprovação popular à decisão de Temer.

A conta

O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), remeteu a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contra os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, os ex-ministros Antônio Palocci e Guido Mantega e o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, por organização criminosa, à Justiça Federal do Distrito Federal. Os processos da senadora Gleisi Hoffmann e do ex-ministro Paulo Bernardo, seu marido, continuarão no Supremo. A senadora possui foro privilegiado, só pode ser investigada e julgada no Supremo. O marido pegou carona no foro porque seu caso está diretamente interligado ao da senadora.

Segundo a denúncia, derivada das investigações da Lava-Jato, o esquema envolveu propinas no valor de R$ 1,485 bilhão por meio da utilização da Petrobras, do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) e do Ministério do Planejamento. O Ministério Público afirma que o PT formou uma organização criminosa para desviar dinheiro da Petrobras. Lula e Dilma são suspeitos, como os demais denunciados, de “promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa”, cuja pena é de 3 a 8 anos de prisão, além de multa. Chegou a conta da farra do pré-sal nas eleições de 2010 e 2014.

Para remeter o caso à primeira instância da Justiça Federal, Fachin levou em consideração decisão do Supremo que determinou o fatiamento de inquéritos para o Distrito Federal no caso que envolve o presidente Michel Temer e os líderes do MDB. O ex-tesoureiro do PT Edinho Silva, ex-ministro e atual prefeito de Araraquara (SP), porém, será julgado pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, com sede em São Paulo.

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Alon Feuerwerker: Uma eleição sem spoilers  

Está mais para Walking Dead… …do que para House of Cards

 A conjuntura mostra uma aparente assincronia entre os movimentos da política e do eleitorado. Os atores produzem fatos e factoides em ritmo 24 x 7 x 365, para ocupar o noticiário e manter o alvoroço de uma opinião pública que beira a dependência química.

Por enquanto, o eleitor parece não estar nem aí. Não há movimentação substancial nas pesquisas de intenção de voto, como mostrou a CNT (íntegra). Não tem gente na rua. E a Lava Jato vai deixando de ser tema da mesa do bar.

 Pelo jeito, o cidadão/eleitor decidiu dar um tempo. É esperado que volte a prestar atenção nesse “Show de Truman” quando estiver chegando a hora de votar. Até lá, os candidatos e os profissionais da eleição têm um hiato para construir narrativas. E matéria-prima não vai faltar.

A federação de pequenos (ou não tão pequenos) déspotas, em que o Brasil se transformou, é uma usina de alta produtividade. Tem notícia toda hora, e para todos os gostos e lados.

Um elemento-chave da vitória do PT nas 4 últimas eleições foi a dificuldade de os adversários construírem narrativas com começo, meio e fim. Em 2014, ensaiou-se algo diferente, mas o ensaio acabou soterrado com rara competência. Também, mas não só, pela brutal disparidade de forças a favor do petismo. Foi o canto do cisne.

Este ano, haverá disputa real entre 2 discursos, com outros menos cotados lutando para conseguir uma beirada de atenção.

Teremos finalmente candidatos de direita. Defenderão o capitalismo na economia, o conservadorismo moral e muita dureza contra o crime. Parece que já encantam pelo menos uns 25% do eleitorado. É provável que seja mais.

Se o PSDB mantiver algo de seu tradicional discurso social-liberal, talvez essa aritmética possa ser lida na urna com alguma clareza. É a esperança dos analistas e politólogos mais preocupados em entender que em influir.

Na esquerda, o discurso básico também está pronto. Será o de sempre: a humanização do capitalismo, a proteção do país contra outras ambições imperiais, o protagonismo das lutas identitárias, e políticas públicas para alternativas ao mercado do crime.

Isso tem o apoio de cerca de um terço do eleitorado, autodefinido progressista, em oposição ao dito regressista. O PT quer manter a parte do leão desses votos, mesmo sem Lula. Mas outros se apresentam.

Claro que tudo deverá estar embalado para consumo de massa, com a ajuda das cores vibrantes proporcionadas pela Lava Jato, pela recessão, pelo impeachment, pela crise venezuelana, pela intervenção no Rio e etc.

Espera-se também a entrada em cena dos vários matizes do autodeclarado centrismo, à esquerda e à direita. Que buscarão fazer cada um a sua colagem, escolhendo em cada gôndola o que mais convém. E terão o trunfo do apelo contra o radicalismo.

Há algumas variáveis críticas a monitorar daqui até outubro. Em que proporção o eleitor cansado da política escolherá um candidato? Ou decidirá protestar não votando em ninguém? Em que medida um impedido Lula transferirá votos? O PSDB e o governo/MDB vão se juntar? Se sim, quando? Lipoaspirar Bolsonaro vai ser fácil ou difícil? Como estará a economia na hora da definição do voto? Quem mais, além de Lula, será impedido de concorrer?

Lamento pelos ansiosos.

Se nunca é cedo demais para chutar, ainda é muito cedo para ter as respostas. Você tem paciência para ver séries? Curte apreciar cada episódio ou assiste direto o último?

Encare dessa maneira e o ano será mais leve e divertido. Até porque os episódios desta eleição não estão ainda todos disponíveis na rede. Vai ser semana a semana. Mais para The Walking Dead do que para House of Cards. Inclusive na história e nos personagens.

* Alon Feuerwerker, 62 anos, é jornalista e analista político e de comunicação na FSB Comunicação.


Zeina Latif : Atenção às mulheres

Em um ano eleitoral, é melhor prestar atenção nas demandas das eleitoras

A desigualdade de gêneros é uma realidade. Mas seria injusto afirmar que o tema é negligenciado por formuladores de políticas públicas, gestores nos vários setores ou acadêmicos.
Existem muitos trabalhos acadêmicos sobre o tema, mas ainda há muita controvérsia sobre o peso relativo das diversas causas da desigualdade de gênero.
Uma área em que a diferença entre homens e mulheres é bem documentada é nas políticas de auxílio às famílias de baixa renda. São muitos os exemplos de que transferir os recursos para as mulheres, e não para os homens, aumenta a efetividade da política pública.
Na política habitacional, a experiência pioneira no Estado de São Paulo foi na gestão Mario Covas (1995-2001), que passou direcionar as moradias para as mulheres, em função da menor propensão a abandonar o lar.
No Minha Casa Minha Vida, 89% dos contratos são firmados pelas mulheres. No Bolsa Família, 93%. A avaliação é que o empoderamento feminino produz um melhor uso dos recursos transferidos.
Alguns críticos apontam que esses programas podem acabar reforçando a responsabilidade das mulheres nas tarefas tradicionais de cuidar dos filhos e da casa. É importante ponderar, no entanto, que o objetivo desses programas não é promover a igualdade de gênero, mas sim a igualdade de renda. Outras políticas devem focar a igualdade de gênero, sendo que envolver as mulheres nas políticas acima aumenta a capacidade de atingir os objetivos almejados.

Tanto é assim que o modelo brasileiro do Bolsa Família foi adotado em outros países com bons resultados.
A pesquisa acadêmica internacional provê evidências de que as mulheres fazem melhor uso dos recursos dos programas de transferências de renda, garantindo maior e melhor alimentação para a família (como na República da Macedônia) e maior poupança e investimento produtivo de mulheres em áreas rurais (como na Zâmbia).
Há também evidências, ainda que menos contundentes, de que o poder de decisão das mulheres é ampliado (Bolsa Família e Progresa/Oportunidades no México).
Na literatura econômica internacional, as pesquisas sobre a desigualdade de salários entre homens e mulheres têm avançado. Há várias evidências de que a maternidade impacta negativamente a produtividade e o rendimento das mulheres. Identifica-se também um menor engajamento e ambição das mulheres.
Não é esperado que as firmas remunerem igualmente seus funcionários nesses casos, pois isso afetaria a sua competitividade. Além disso, tentativas de evitar a queda da remuneração poderão ser contraproducentes ao desestimular o empenho dos demais funcionários (as).
Não deve surpreender a queda da taxa de fertilidade nos diversos países, que tem resultado no envelhecimento da população. Por isso mesmo, alguns países começam a adotar políticas públicas para incentivar a maternidade.
Já a suposta menor ambição profissional das mulheres merece reflexão. Aqui a questão cultural e de educação das meninas ganha peso. Aquilo que parece ser menor ambição pode ser, na realidade, a falta de referências (“role models”) que ajudem as jovens a serem mais competitivas. As pesquisas indicam que mães que trabalham aumentam a chance de a filha de ter sucesso profissional.
Mulheres têm diferentes interesses, habilidades e, muitas vezes, sentem dificuldades para mostrar sua competência. Os departamentos de recursos humanos precisam ser mais sensíveis a essas diferenças na seleção de funcionários e nas promoções.
As evidências não são conclusivas, mas há indicações que a diversidade de gênero ajuda melhorar a performance das empresas. Vale a pena estimular a participação feminina.
Finalmente, vale citar que as mulheres, que já são a maioria no ensino médio e no ensino superior (57% em 2015), também são mais numerosas nas urnas. Foram 6,2 milhões a mais em relação ao número de homens votando em 2014. Além disso, como ensina Fatima Pacheco Jordão, as mulheres são mais criteriosas no voto do que os homens.
Melhor prestar atenção nas demandas das eleitoras. Em um ano eleitoral, é melhor prestar atenção nas demandas das eleitoras.
 
* Zeina Latif é economista

Merval Pereira: A responsabilidade de cada um

O ex-presidente Lula, ao gravar um vídeo após a derrota no Superior Tribunal de Justiça (STJ) afirmando que os que o levarem à prisão terão que assumir a responsabilidade de condenar um inocente, que passaria a ser um preso político, definiu com clareza o espaço em que os diversos atores envolvidos nesta trama se movimentam.

Trata-se de cada um assumir sua responsabilidade, a começar por ele próprio, que, como a maioria esmagadora dos condenados, alega inocência mesmo depois de ter sido condenado duas vezes e quer tirar proveito político da situação.
Também os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) têm diante de si a responsabilidade de levar a mais alta Corte do país a mudar sua jurisprudência apenas um ano depois de tê-lo feito em sentido inverso. Após a unanimidade do STJ, quando foi destacado que a tese da prisão em segunda instância torna nosso sistema penal mais eficaz, evitando a impunidade, uma mudança de jurisprudência para atender a um caso específico do ex-presidente Lula transformaria o Supremo em um tribunal sujeito a injunções da política do momento.
Por isso, já existe um entendimento tácito no Supremo Tribunal Federal de que a decisão da presidente, ministra Cármen Lúcia, de não colocar na pauta processos relativos à prisão após condenação em segunda instância não será confrontada pelos ministros que têm condições de levar o tema à pauta.

Um deles seria o ministro Marco Aurélio Mello, relator de duas Ações Diretas de Constitucionalidade (ADC) liberadas para pauta por ele desde dezembro: uma do Partido Ecológico Nacional (PEN), outra do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que pedem a suspensão da execução antecipada da pena após decisão em segunda instância.
O Supremo ainda não analisou o mérito dessas ações, mas o ministro já anunciou que não constrangerá a presidente com pedido para colocar o assunto em pauta. O outro é o ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no STF, que já negou liminar a um habeas corpus preventivo a favor de Lula e encaminhou o caso ao plenário para análise do mérito.
Ontem, Fachin esteve com a ministra Cármen Lúcia e também não se dispõe a pressioná-la. Além do mais, mesmo os ministros que são a favor da mudança da jurisprudência para considerar a prisão apenas depois de uma decisão do STJ, não querem tratar do caso específico de Lula.
Mas se as ADCs forem pautadas, a tendência do Supremo seria alterar mais uma vez a jurisprudência, mas tratando da tese em abstrato, o que deixaria em posição menos incômoda ministros que não querem ser identificados como movidos pelo objetivo de não deixar Lula ser preso.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que manteve a condenação do ex-presidente pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, julgará ainda este mês os últimos recursos. O ministro Victor Laus, que entrou em férias em 21 de fevereiro, já estará de volta para completar o quadro de desembargadores que analisará os embargos de declaração. Depois disso, não havendo mudança na posição oficial do STF, a execução antecipada da pena será decretada.
Caberá à defesa do ex-presidente impetrar no STF um novo habeas corpus para tentar livrar Lula da cadeia, mas como a regra em vigor é essa, apenas uma decisão liminar monocrática de um ministro poderá beneficiar Lula. Essa será outra responsabilidade que o ministro Edson Fachin terá de assumir, mas ele, até agora, negou sistematicamente habeas corpus contra a prisão em segunda instância.
O máximo que pode acontecer é que, definida a prisão e recusada a liminar, a Segunda Turma, conhecida como “Jardim do Éden” por sua benevolência e formada pelos ministros Edson Fachin, Celso de Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, dê o habeas corpus a Lula, possivelmente com restrições como prisão domiciliar ou tornozeleira eletrônica.