Eleições

Luiz Carlos Azedo: Lembrai-vos de 1964

Caso a investigação resulte em nova denúncia contra o presidente da República, devido à proximidade das eleições, estará criado um quadro de grande instabilidade política

No dia primeiro de abril de 1964, as cidades brasileiras amanheceram com suas praças e ruas mais importantes ocupadas por soldados e tanques. Não era piada. Apoiado por importantes líderes políticos e pelos Estados Unidos, o golpe de Estado durou 21 anos. Somente com a eleição de Tancredo Neves, em 1985, no colégio eleitoral, voltamos à democracia. Sempre é bom lembrar o que aconteceu naquele ano, assim como os militares lembram a tentativa de assalto ao poder dos comunistas em 1935. Nos dois episódios, Luís Carlos Prestes, o lendário líder do movimento tenentista que aderiu ao Cominter, teve grande protagonismo. Foram momentos de irracional radicalização política esquerda versus direita.

Por isso mesmo, é importante refletir à luz da história. Nunca os militares estiveram tão presentes na vida nacional. Seu protagonismo contrasta com o desprestígio, a incompetência e a má fama dos políticos. As Forças Armadas estão em todo lugar, prestando serviços à população na Amazônia, no Nordeste e, agora, no Sudeste, por causa da violência. Segundo as pesquisas, estão entre as instituições mais confiáveis e de maior prestígio do país, em meio à crise ética que afasta o Executivo e o Legislativo da maioria da sociedade. O Supremo Tribunal Federal (STF) está sendo arrastado para o redemoinho da radicalização política, devido ao pedido de habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Condenado a 12 anos e 1 mês de prisão em regime fechado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com sede em Porto Alegre, fosse um cidadão qualquer, já estaria a cumprir pena, mas não pode ser preso porque obteve um salvo-conduto do Supremo. A Corte interrompeu o julgamento do seu caso ao meio porque dois ministros estavam com passagem marcada e não queriam perder o avião. Será concluído na próxima quarta-feira.

Trancos e barrancos
O cenário não é mais grave porque o país saiu da recessão e as instituições, aos trancos e barrancos, ainda funcionam. O governo federal mantém certa capacidade de governança, tem base parlamentar majoritária no Congresso, mas não tem a menor chance de reverter os desgastes causados pelas denúncias contra seus integrantes, a mais recente no círculo de amigos mais próximos do presidente Michel Temer. Caso a investigação resulte em nova denúncia contra o presidente da República, devido à proximidade das eleições, estará criado um quadro de grande instabilidade política. Ainda mais diante da radicalização do processo eleitoral, que ameaça descambar para a violência política, tal o fanatismo dos partidários do deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ), homem assumidamente de extrema-direita, e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que insiste em manter sua candidatura, mesmo sabendo que a Lei da Ficha Limpa o impede de concorrer à Presidência.

Só não vê quem não quer. Estão sendo criadas as condições para uma intervenção militar, que seria aplaudida por parcela expressiva da maioria da população. Alguns dirão: o golpe de 1964 foi resultado da guerra fria e da intervenção do imperialismo norte-americano. Não, apesar disso, o golpe era evitável. O país tinha eleições marcadas para 1965 e Juscelino Kubitschek era franco favorito na disputa, mas a esquerda considerava sua volta ao poder um retrocesso. O problema não eram os governadores da Guanabara, Carlos Lacerda, ou de Minas, Magalhães Pinto, que articularam o golpe. Prestes articulava a candidatura de Jango à reeleição, era uma saída golpista para a crise política. O marechal Castelo Branco deu o golpe primeiro.

“A verdade é filha do poder. Nós, militares, nunca fomos intrusos na história”, disse certa vez o ex-ministro do Exército Leônidas Pires Gonçalves, aos 94 anos. O general liderou a retirada em ordem do poder e a volta dos militares aos quartéis, onde permanecem. Até agora, em meio à crise ética, os militares estão demonstrando mais compromisso com a Constituição de 1988 do que a maioria dos nossos políticos. Oxalá o Supremo não decepcione a sociedade.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-lembrai-vos-de-1964/


Merval Pereira: O impacto da corrupção

O que explica o paradoxo de a corrupção ser a maior preocupação hoje do brasileiro, e o ex-presidente Lula ser o candidato preferido desse mesmo eleitor? Estudos do cientista político Carlos Pereira, da Fundação Getúlio Vargas do Rio, baseados em pesquisa de opinião experimental realizada em parceria com os professores Lucia Barros, da USP e Rafael Goldzmidt, da FGV, mostram como funciona a mente do eleitor, influenciada por questões de ideologia e também por cálculos de custo/benefício.
Claro que a falta de informação acerca do envolvimento do candidato em corrupção é um fator importante nessa decisão, mas o gasto em políticas públicas (bens públicos) modera o impacto negativo de corrupção na probabilidade de reeleição, especialmente em países pobres.
Mesmo eleitores informados podem votar em governantes supostamente corruptos se eles esperam receber benefícios materiais que outros partidos ou candidatos não podem garantir.
Eleitores são mais propensos a escolher candidatos desonestos quando eles compartilham da mesma ideologia. Esse efeito é mais forte quando ideologias econômica e social são congruentes. Quando eleitores são informados de que políticos são corruptos, eles são menos propensos a percebê-los como tal quando compartilham da mesma ideologia.
A forma como corrupção é percebida afeta a escolha do eleitor. Quando eleitores percebem que seu candidato é corrupto, são motivados a buscar outras razões para continuar o apoiando. Esse processo leva a um cálculo cognitivo enviesado que favorece a decisão que os eleitores já haviam tomado.
Mas, pesquisas anteriores feitas em parceria com o cientista político Marcus Melo, da Universidade Federal de Pernambuco, demonstram que prefeitos com contas rejeitadas pelos tribunais de contas têm chances cerca de 30% menores de se reeleger. Testes mostraram que a maioria dos eleitores votou no Candidato A, que não tinha passado corrupto. Também votaram mais frequentemente no candidato B quando era suspeito de corrupção (33% na média) do que quando condenados por corrupção (11% na média).
Sistemas políticos capazes de punir corrupção podem gerar responsabilidade (“accountabillity”) eleitoral. Funcionam não apenas punindo comportamentos desviantes mas, também impactam a formação da percepção do eleitor e de suas escolhas eleitorais.
Condenar e impor penalidades pode desencorajar comportamentos desviantes no futuro e libertar eleitores enfeitiçados por corruptos. Punição judicial é a chave para que o feitiço de candidatos corruptos se dissipe.
Apesar de mostrar Lula ainda em primeiro lugar, a pesquisa espontânea do Datafolha revela que o número de indecisos, brancos e nulos atingiu 46% após a condenação do ex-presidente. Isso sugere que parcela de eleitores já começa a buscar alternativas ao ex-presidente Lula.
Também subiu de 48% para 53% a fatia de eleitores que não votaria em um candidato apoiado por Lula. Para o cientista político Carlos Pereira, a insistência em sua candidatura, além de poder levar o PT a perder as eleições, pode também levar seu partido a perder a capacidade de aglutinar os outros partidos de esquerda em torno de seu protagonismo político e eleitoral conquistado desse 1989.
“A condenação do ex-presidente Lula e seu impedimento legal de concorrer à Presidência podem se traduzir no melhor cenário para a reestruturação competitiva do próprio PT e de seus aliados de esquerda”.
Se tudo correr dentro da legislação em vigor, Lula não poderá disputar o primeiro turno, pois sua candidatura será rejeitada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) quando for apresentada. Pela Lei da Ficha Limpa, assim que terminarem os recursos no TRF-4, a defesa de Lula tem que entrar no STJ pedindo a suspensão da inelegibilidade.
Se ganhar a liminar, seu recurso terá prioridade para ser julgado, e creio que perderá no plenário do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que dará a decisão final antes do prazo de registro das candidaturas, em agosto. Nesse caso, quando o TSE recusar-se a aceitar sua candidatura, já haverá uma decisão de tribunal superior, com base na Ficha Limpa, e a decisão será rápida. A não ser que o Supremo Tribunal Federal interfira no jogo eleitoral, mudando o sentido da Lei da Ficha Limpa. O que seria uma afronta à democracia.

Bolívar Lamounier: Graúdos e miseráveis

O STF deve assumir o ônus do que possa advir das ruas se os cidadãos decidirem cobrar justiça de verdade
Em cada dois brasileiros que conheçam a Constituição de 1988, um dirá que ela trouxe mais avanços que retrocessos, o outro dirá o contrário. Não entrarei na controvérsia, porque mudo de opinião de um dia para o outro, dependendo do aspecto que esteja considerando.
Numa questão crucial, porém, não tenho dúvida de que ela trouxe um retrocesso, ou pelo menos não promoveu o avanço que teria de ser promovido. Refiro-me à estrutura do Judiciário. O Brasil é o único dos 194 países da ONU que não admite a prisão de um condenado a partir da condenação em segunda instância.
E como temos quatro instâncias recursais — acima dos TRFs (tribunais regionais federais) e do STJ (Superior Tribunal de Justiça) há STF (Supremo Tribunal Federal) —, fácil perceber que um sentenciado bem provido de meios pecuniários pode estender o processo indefinidamente, até atingir a prescrição da pena. Os malefícios inerentes a tal configuração são imensos, e tornam-se infinitamente mais graves quando os integrantes do STF tendem-se a se comportar de maneira claramente facciosa, como passou a acontecer em decorrência das vagas abertas no período Lula/Dilma. Hoje, não há como negar que a maioria decide segundo os interesses dos dois governos petistas, que lhes proporcionaram a suprema honraria da nomeação para a Egrégia Corte.
Com uma penada, o STF pode na prática tornar letra morta a autonomia de um Tribunal Regional Federal, como aconteceu no famigerado julgamento do dia 22 de março, quando o Supremo se debruçou sobre o habeas corpus impetrado por Lula para não ser preso imediatamente após a sentença exarada pela segunda instância. Atuando como Corte de Apelação, o TRF-4, sediado em Porto Alegre, confirmou por unanimidade a decisão tomada em primeira instância pelo juiz Sergio Moro; e não só a confirmou, agravou-a, ampliando a pena de nove anos e meio para doze anos e um mês de reclusão em regime fechado.
Atropelando o TRF-4, o STF suspendeu a sessão porque um de seus supremos integrantes tinha um compromisso no Rio de Janeiro, e foi além, concedendo uma medida cautelar para Lula não ser preso até o término do julgamento. Com tal estrutura e uma composição nitidamente facciosa, podemos afirmar sem temor de erro que o STF instituiu um sistema de castas: a justiça dos graúdos e a dos miseráveis. Deve, pois, assumir o ônus do que possa advir das ruas se os cidadãos decidirem cobrar justiça de verdade.

Fernando Henrique Cardoso: Civilização ou barbárie

Se outubro o País se deixar levar pelo ódio, o que será de nós como ‘comunidade nacional’?

Passei as duas últimas semanas em Lisboa e Londres. Vi pela mídia a indignação provocada pelo assassinato de Marielle Franco, vereadora que denunciava abusos contra os direitos humanos no Rio de Janeiro.
Dizer que se tratou de mais um assassinato é não entender o recado que quiseram dar os que a mataram. A intervenção militar na Segurança Pública do Rio não foi devidamente preparada e não soluciona todos os males, mas é vista como uma ameaça real pela banda podre das forças policiais, pelas milícias e pelas organizações criminosas. Os autores do crime quiseram deixar claro que o poder ilegal está disposto a tudo para preservar seus domínios. É sinal de uma escalada.
Na Colômbia, entre as décadas de 70 e 90, o crime organizado foi de ousadia em ousadia até assassinar um candidato a presidente da República e explodir um avião de passageiros. No México há mais de dez anos se vive uma guerra que não poupa jornalistas, políticos, policiais, militares e cidadãos comuns. Ano passado, o país teve a maior taxa de homicídios já registrada.
O assassinato de Marielle é um alerta. Deve-nos fazer lembrar que está em jogo a possibilidade ou não de avançar na construção de uma sociedade decente no Brasil. Nos últimos 30 anos muita coisa mudou para melhor. Menos os índices de violência. E isso se deve em larga medida à expansão do crime organizado. A escalada da violência põe em risco a própria democracia.

Não é uma questão partidária ou mesmo ideológica. Os que mataram a vereadora, assim como os assassinos da juíza Patrícia Acioli, em 2011, e de centenas de policiais nos últimos anos no Rio de Janeiro, não são de esquerda nem de direita, são bandidos. E bandidos organizados em poderes paralelos que se impõem pela violência e pela corrupção. Os mais pobres, que não têm meios para se proteger da sistemática violação dos mais elementares direitos humanos, são suas maiores vítimas.
Senti de perto o drama vivido pelas populações das favelas cariocas quando participei do documentário Quebrando o Tabu. Elas vivem entre o fogo cruzado de grupos criminosos rivais. Apesar disso, não veem na polícia uma aliada. Quando esta sobe o morro – contou-me uma mãe com um filho traficante e outro, não –, todo mundo apanha. O filme põe em discussão a chamada guerra às drogas, que em vários países tem sofrido críticas e propostas de mudanças por não reduzir o consumo de entorpecentes e aumentar a violência.
A comoção provocada pela morte de Marielle dá esperança de ser possível reunir pessoas e forças sociais diversas em torno do objetivo comum de reduzir com urgência a violência no Brasil. Devemos colocá-lo acima dos interesses e paixões eleitorais e condenar a exploração política rasteira do episódio. É muito perigosa a mistura de ódio político, violência cotidiana e demagogia.
O momento pede coesão em torno de valores: firmeza no combate ao crime, mas dentro da lei; ordem, sim, mas dentro da democracia. A polícia deve estar bem armada, não a sociedade. Que o digam os milhões de jovens americanos que, depois de sucessivos mass shootings, foram às ruas no último fim de semana protestar contra a facilidade de acesso a armas nos Estados Unidos.
Sem coesão em torno de determinados valores, o que esperar do futuro? O País vive uma disjuntiva: podemos reconhecer os males que nos afligem – e a escalada da violência é um dos maiores, se não o maior – e estabelecer políticas que reduzam ou eliminem esses males, ou nos deixar dominar pelo espírito de facção e lançar o País à deriva. Sem catastrofismos nem exageros, o risco existe.
Não falo como homem de partido, mas como brasileiro: o Brasil precisa de lideranças que tenham a capacidade de reunificar o País em torno de alguns objetivos comuns. Se em outubro o País se deixar levar pelo ódio, o que será de nós como “comunidade nacional”? Não pode haver comunidade nacional bem-sucedida sem crença na importância da convivência política civilizada, sem recuperação da confiança na democracia, sem a prevalência da ordem dentro do Estado de Direito.
É urgente recuperar a autoridade pública. Mas autoridade derivada da legitimidade das urnas, da capacidade de governar para o País em seu conjunto, da exemplaridade da conduta, da compreensão de que o Brasil requer tanto mais eficiência econômica quanto mais justiça social, tanto mais ordem quanto mais democracia, tanto mais eficácia no combate ao crime quanto mais respeito aos direitos humanos.
Nas circunstâncias atuais, a eleição do futuro presidente se torna agônica. Que ele ou ela seja não só expressão de um sentimento, mas líder competente para governar. Que saiba que o Estado deve estar a serviço da sociedade, e não de grupos ou partidos políticos. Que valorize a Federação e convoque governadores e prefeitos a se engajar nas grandes causas nacionais. Que respeite o Congresso, mas seja capaz de conduzi-lo e, obediente às leis, não tenha medo de buscar reformá-las quando inconsistentes com as necessidades do País.
Cada um de nós tem a responsabilidade de ajudar o eleitor a distinguir entre a demagogia e a proposta consistente, entre informação e fake news, entre compromisso com valores e políticas e truques de marketing. A ansiada renovação de conduta deve ter início na campanha e se traduzir num novo governo capaz de fazer o País recuperar a confiança no seu futuro.
Caso contrário, temo, podemos enveredar por descaminhos que, cedo ou tarde, nos levem a governos não democráticos, de direita ou de esquerda. A história dos últimos 20 anos mostra que a democracia pode morrer sem que necessariamente haja golpes de Estado e supressão de eleições. Ela morre quando grupos e líderes políticos se aproveitam do rancor ou do medo do povo para sufocá-la pouco a pouco em nome da grandeza da pátria, da revolução ou do combate à desordem.
Nossa maior arma contra esse risco é a palavra e o voto. Façamos bom uso dela.
* Fernando Henrique Cardoso é sociólogo, foi presidente da República

Merval Pereira: Perigos da urna

A candidatura do ex-presidente Lula à Presidência da República, que no momento é apenas um simulacro, pois a Lei da Ficha Limpa impede seu registro pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pode tornar-se um fato real com repercussões traumáticas no país caso leis em vigor sejam sucessivamente superadas, revogadas ou alteradas para permitir que seu nome apareça na urna eletrônica no dia da votação.

Essas possibilidades têm sido alvo de vários estudos acadêmicos liderados pelo cientista político Carlos Pereira, professor da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro, tanto do ponto de vista da ideologia quanto da repercussão no eleitor comum das condenações por corrupção de um candidato. Pesquisas indicam que a condenação de um candidato, no fim das contas, reduz sua intenção de votos, mesmo em casos excepcionais de resiliência como o de Lula.
Do ponto de vista puramente eleitoral, o advogado Ricardo Penteado, especialista em Direito Eleitoral e direitos políticos, publicou recente artigo na “Folha de S. Paulo” onde explora a possibilidade de a candidatura de Lula, impugnada após a realização do primeiro turno, levar a um resultado inusitado das eleições. Os dois analistas não acreditam que a candidatura de Lula vingue. Carlos Pereira a vê diretamente associada à estratégia de sobrevivência jurídica, enquanto Ricardo Penteado faz uma simulação sobre a possibilidade de Lula vir a disputar o primeiro turno, sendo seus votos considerados nulos pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Essa situação, além de provocar uma instabilidade política no país com consequências imprevisíveis, pode dar a vitória ao segundo colocado ainda no primeiro turno. Ele lembra que a Constituição diz que “será considerado eleito presidente o candidato que, registrado por partido político, obtiver a maioria absoluta dos votos, não computados os em branco e os nulos” e “se nenhum candidato alcançar maioria absoluta na primeira votação, far-se-á nova eleição..., concorrendo os dois candidatos mais votados e considerando-se eleito aquele que obtiver a maioria dos votos válidos”.
Assim, se depois do primeiro turno Lula não estiver registrado, seus votos serão considerados nulos e, como manda a Constituição, não serão computados para a proclamação do eleito ou dos concorrentes no segundo turno.
O inusitado disso, diz Ricardo Penteado, é que quanto mais sucesso Lula venha a fazer junto ao eleitorado, menos votos precisam ter os demais candidatos para uma eventual definição do eleito no primeiro turno. Se a eleição se define apenas com votos válidos, desprezados os nulos e brancos, quanto mais votado venha a ser Lula, maior será o número dos votos nulos e menor será a base de cálculo para a definição do vencedor no primeiro turno, dentre os candidatos registrados.
Existe a possibilidade, calcula Ricardo Penteado, de que a candidatura de Lula ajude a definir a eleição no primeiro turno com um presidente eleito por menos de 25% do eleitorado brasileiro. Esse resultado catastrófico da eleição de outubro, digo eu, só acontecerá se os tribunais superiores não fizerem sua parte, permitindo que a candidatura de um condenado em segunda instância prospere através de artifícios jurídicos.
Já Carlos Pereira considera que, como todos os outros candidatos e partidos sabem que a maior probabilidade é que a candidatura de Lula seja impugnada pelo TSE (Lei da Ficha Limpa), existem incentivos para que os demais partidos de esquerda e de centro lancem candidatos. Entretanto, acredita que esse efeito de pulverização de candidatos seja mais forte na esquerda. O centro se acertará no final pois, na opinião dele, tem menos problemas de coordenação.
Como o PT se tornou o núcleo da esquerda do qual os outros partidos de esquerda têm sido satélites desde 1989, a ausência de uma candidatura do PT em alternativa ao Lula gera fortes incentivos a que os outros partidos nutram a ambição de se tornar o novo núcleo. Ou seja, “PT do amanhã”.
Daí porque Carlos Pereira acredita que existirão vários candidatos de esquerda “não competitivos”, inclusive o nome do PT se Lula deixar para retirar a sua candidatura no limite legal. Ou seja, quanto mais tarde Lula retirar a candidatura, menores serão as chances de o PT continuar a exercer esse papel aglutinador da esquerda.
Se de fato houver pulverização de candidaturas à esquerda, corre-se o risco de nenhuma delas chegar ao segundo turno. Carlos Pereira faz uma ressalva: esse quadro pode ser alterado se o ex-ministro do Supremo, Joaquim Barbosa, decidir se candidatar à Presidência pelo PSB. Joaquim Barbosa talvez seja o candidato que melhor encarne o combate à corrupção, a maior preocupação do eleitor brasileiro atualmente. Amanhã, os efeitos da corrupção.

Demétrio Magnoli: Intimidação

Juntos, Lula e Bolsonaro triunfaram na Batalha do Sul. Sujeitaram o discurso tucano à sua lógica política
“O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo!”, gritavam os partidários de Bolsonaro no Paraná, plagiando o antigo bordão dos fiéis lulistas para expressar sua repulsa ao jornalismo, em geral, e à Globo, em especial. Mais surpreendente, talvez, foi outro paralelismo registrado em meio aos ataques à caravana de Lula no Sul. “Lula quis transformar o Brasil num galinheiro; agora está colhendo os ovos”, declarou Bolsonaro. “Estão colhendo o que plantaram”, declarou Alckmin. Por que eles não articulam uma chapa única —a coligação “Pau, Pedra, Ovo e Tiro”?
Nas emboscadas à caravana eleitoral lulista, queimaram-se pneus. Quantas vezes os movimentos que orbitam ao redor do PT incendiaram pneus para atingir objetivos partidários simulando protestar em nome de reivindicações sociais? Enquanto, no Sul, a baderna envolvia os militantes lulistas, no Nordeste o MST invadia uma fábrica de Flávio Rocha, recém-declarado candidato presidencial. As milícias que se coordenaram contra a caravana evidenciam a força da pedagogia da intimidação. “Petistas da direita”, eis uma alcunha apropriada para os arruaceiros que perseguiram Lula. Quando Alckmin pronuncia seu elogio implícito da violência política, está dizendo que, ganhando ou perdendo as eleições, o PT venceu —isto é, que não há mais espaço para a divergência democrática no Brasil.
A política da intimidação nasce da pulsão totalitária. “As ruas são nossas” —a ideia de expulsar os rivais da praça pública sempre foi um traço comum aos partidos fascistas e comunistas. O PT não é uma coisa nem a outra, mas assimilou as práticas do castrismo, fonte mítica de inspiração para suas principais correntes. Daí, os “atos de repúdio” contra “inimigos do povo”, a vandalização de debates acadêmicos ou eventos de lançamento de livros, as invasões políticas de propriedades patrocinadas pelo MST (o “exército do Stédile”, que opera como milícia de Lula), as agressões a concorrentes em atos eleitorais. O Alckmin que justifica os petistas da direita está, de fato, celebrando os petistas do PT.
O pilar central da democracia é o princípio do pluralismo: a crença compartilhada de que nenhum partido singular tem o monopólio da verdade. A política da intimidação equivale a uma insurreição contra a democracia. É essa a chave para interpretar o cerco dos milicianos à caravana de Lula.
Na hora do impeachment, um clamor pela cassação do registro do PT escorreu dos arautos de uma “nova direita” avessa ao pluralismo. A causa da abolição do PT fracassou, assim como se desvaneceram as esperanças na simples desaparição do partido. O projeto liberticida mudou de alvo: trilhando um longo desvio para atingir a mesma meta, eles empenham-se em forçar a prisão de Lula. Os ovos, pedras, paus e tiros desferidos contra a caravana devem ser entendidos como instrumentos de persuasão dos ministros do STF. No Sul, mirava-se o julgamento de 4 de abril.
João Doria entendeu isso, explicitando a demanda dos milicianos. Depois de repetir Alckmin (“o PT sempre utilizou da violência; agora sofreu da própria violência”), Doria esclareceu o que se pretende: “Não recomendo ovos, e sim prisão para ele”. As lideranças petistas habituaram-se a ameaçar juízes com o espectro da convulsão social, na hipótese da prisão de Lula. O porta-voz voluntário dos petistas da direita produziu uma ameaça simétrica: a convulsão social seria o fruto do habeas corpus para Lula. A política da intimidação eleva-se a um patamar inédito quando aderem a ela os candidatos tucanos ao Planalto e ao Bandeirantes.
Fogueiras de pneus pertencem ao universo dos petistas —os de esquerda ou os de direita. Lula e Bolsonaro triunfaram, juntos, na Batalha do Sul. Eles configuraram o noticiário e sujeitaram o discurso tucano à sua lógica política. Aos vencedores, irmãos-inimigos, uma chuva de ovos.
* Demétrio Magnoli é doutor em geografia humana e especialista em política internacional.

El País: boatos são base de 6 das 10 notícias mais compartilhadas sobre ataque à caravana de Lula

Levantamento é do Monitor do Debate Político no Meio Digital. Nesta semana, até o TSE usou uma notícia falsa para combater o fenômeno

Polícia realiza perícia em um dos ônibus da caravana atingidos.
Polícia realiza perícia em um dos ônibus da caravana atingidos. ERALDO PERES AP

Seis das dez notícias mais compartilhadas no Facebook sobre os tiros contra os ônibus da caravana do ex-presidente Luiz Inácio Lula s Silva na última terça-feira no Paraná são falsas. Os boatos, de diferentes sites, afirmam que Lula e sua militância teriam armado os ataques e não tem qualquer base factual para fazer tal afirmação. A polícia do Paraná investiga o caso e ainda não houve identificação dos suspeitos do ataque.

O levantamento foi feito pelo Monitor do Debate Político no Meio Digital, um projeto que mapeia os conteúdos mais compartilhados e com mais interação na rede social ligado à USP. Para Pablo Ortellado, coordenador do projeto e professor de Políticas Públicas na Universidade de São Paulo, o resultado do levantamento é preocupante. "Mostra que a especulação mais selvagem e grosseira tem grande poder de difusão se colar na narrativa de um dos campos políticos", disse ao EL PAÍS. "É o que aconteceu no caso Marielle e acontece agora também". Após a morte de Marielle Franco, há quinze dias, diversas notícias falsas sobre a vida pessoal da vereadora do PSOL foram amplamente compartilhadas nas redes. A questão é tão grave que o próprio TSE (Tribunal Superior Eleitoral) resolveu nesta semana anunciar medidas para combater as notícias falsas. O problema é que o TSE usou uma notícia falsa como parâmetrodos sites mais difusores de boatos e só depois de alertado corrigiu o erro.

Nova mira

A dinâmica tem um padrão. Com um novo alvo na mira, portais como Pensa Brasil ou Jornal da Cidade difundiram o conteúdo falso sobre o ocorrido na caravana petista. O primeiro portal, cuja manchete era "Jornalista dentro no [sic] ônibus entrega PT: 'Foi tudo armação os tiros [sic]", teve mais de 195.000 compartilhamentos. O segundo, com 110.000 compartilhamentos, dizia: "Vereza advertiu sobre o atentado que o PT iria encenar", atribuindo a informação ao ator Carlos Vereza. O ator usou seu Facebook para dizer que Lula não estava dentro do ônibus atingido e insinuar suas suspeitas, sem fundamento oficial, para dizer: "Ora, de repente, um tiro de um modesto 32 transforma-se numa bazuca de alto poder de destruição colocando em risco - não a vida do Pai dos Pobres que voava são e salvo num helicóptero financiado pelos degredados da senzala -, mas o bagageiro do ônibus, que resistiu (...)".

Somente a terceira notícia mais compartilhada sobre o assunto era, de fato, verdadeira. A manchete "Dois ônibus da caravana de Lula são atingidos por quatro tiros no Paraná", do jornal Folha de S. Paulo, alcançou 72.000 compartilhamentos. Ainda assim, é menos da metade do primeiro colocado no ranking.

Das dez mais compartilhadas, apenas duas eram noticiosas. Além da Folha, a manchete da revista Veja sobre o caso ficou em penúltimo lugar. O levantamento também mostra que todas as notícias falsas tendem para o mesmo lado, o da incriminação petista durante a caravana. Somente duas condenam o ocorrido: uma satírica, do humorístico Sensacionalista - "Segunda temporada de O mecanismo terá Lula atirando no próprio ônibus" - e outra analítica, do blog do Sakamoto - "Tiros contra a caravana de Lula mostram que já começamos transição à barbárie", em último lugar, com 44.000 compartilhamentos.

Em quinto lugar neste levantamento, o site O Diário Nacional é compartilhado na página do Movimento Brasil Livre (MBL) no Facebook. Entre os difusores de fake news sobre Marielle Franco, o MBL foi apontado como um dos protagonistas reproduzindo nota do site Ceticismo Político.

Confira o ranking:

1. Pensa Brasil - "Jornalista dentro no ônibus entrega PT 'Foi tudo armação os tiros" - 195.000 compartilhamentos

2. Jornal da Cidade Online - "Vereza advertiu sobre o atentado que o PT iria encenar" - 110.000 compartilhamentos

3. Folha de S. Paulo - "Dois ônibus da caravana de Lula são atingidos por quatro tiros no Paraná" - 72.000 compartilhamentos

4. Imprensa Viva - "Tiros nos ônibus de Lula - Policiais experientes não descartam a hipótese de armação" - 72.000 compartilhamentos

5. O Diário Nacional - "Autoridades desconfiam dos tiros no ônibus de Lula, diz site - 68.000 compartilhamentos

6. Sensacionalista - "Segunda temporada de O mecanismo terá Lula atirando no próprio ônibus" - 67.000 compartilhamentos

7. Imprensa Viva - "Lula estava em helicóptero quando identificaram tiro em ônibus. PT tenta desmentir Secretaria de Segurança do Paraná" - 60.000 compartilhamentos

8. Noticias Brasil Online - "Delegado Alertou Para Falso Atentado Contra Lula Que Estaria Sendo Articulado Pelo MST" - 51.000 compartilhamentos

9. Veja - "Caravana de Lula é alvo de tiros no Paraná" - 49.000 compartilhamentos

10. Blog do Sakamoto - "Tiros contra caravana de Lula mostram que já começamos transição à barbárie" - 44.000 compartilhamentos


Merval Pereira: Temer preso ao passado

Ação fechando o cerco a Temer revigora o ânimo republicano da sociedade. Num momento em que os fatos parecem confluir para uma grande aliança suprapartidária, não para uma união em torno da busca do diálogo para desarmar literalmente as mãos, e os espíritos, mas para um acordão para a manutenção do status quo que garanta a impunidade, a ação fechando o cerco em torno do presidente Michel Temer revigora o ânimo republicano da sociedade, que clama por demonstrações de Justiça.
Não é preciso ser um especialista para entender que tantos presos em torno do presidente da República significam que há provas suficientes para uma ação policial dessa envergadura. Todos os homens do presidente estão envolvidos, de uma maneira ou de outra, em investigações policiais.
Um terceiro processo contra Michel Temer parece claramente delineado, ainda mais porque foi a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, quem pediu as prisões, que não seriam autorizadas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso se não houvesse bons motivos. E um bom motivo poderia ser uma delação premiada do ex-assessor Rodrigo Rocha Loures, aquele da mala de R$ 500 mil, que estranhamente não está entre os presos ontem.
Quase impossível imaginar que se trate de um equívoco, ou uma perseguição política, ou um malabarismo jurídico, como classificou o próprio Temer, tentando mostrar-se publicamente calmo. Mas é impressionante como o passado não perdoa Temer e seus associados.

As denúncias feitas, e a que provavelmente será apresentada à presidência da Câmara a partir dessas investigações, se referem a atos no exercício da Presidência da República, mas estão ligados à prática política de uma vida toda.
A foto do coronel Lima fardado na posse do jovem Michel Temer na Secretaria de Segurança Pública de São Paulo é exemplar. Se vier, porém, um novo pedido para processar o presidente da República, deve ter o mesmo destino dos anteriores, pois, no final do mandato, abandoná-lo não representaria ganho político para sua base, logo no início da campanha eleitoral.
Há quem, no entorno do deputado Rodrigo Maia, considere que esta é uma oportunidade de ouro para ele, que poderia concorrer à Presidência da República como presidente interino, eleito indiretamente pela mesma maioria que condenaria o presidente Temer. Seria um desfecho surpreendente e lamentável, um vice-presidente sucedendo a outro, numa demonstração explícita da decadência da democracia brasileira.
Mesmo que isso não aconteça, o dano político está feito, Temer entra na eleição (se entrar, o que fica cada vez mais distante) sem a menor condição de ser um participante competitivo, e nem mesmo os partidos da base do governo se dispõem a defendê-lo. Mais um problema para a tentativa de encontrar um candidato de centro que se contraponha às posições extremas.
É possível também antever que o próprio ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, desista de sua aventura presidencialista, pois além de não ter grandes chances por representar um governo desmoralizado, teria que entrar no PMDB, um partido também marcado pela acusação de corrupção em todos os níveis e em diversos estados.
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, na busca de uma posição que neutralize a ascensão visível de Jair Bolsonaro, deu uma de radical como primeira reação ao denunciado atentado contra a caravana de Lula: “O PT colhe o que plantou”. Nada parecido com Bolsonaro simulando um tiro na cabeça de um boneco de Lula presidiário, mas uma tentativa desastrada de mostrar-se capaz de enfrentar o ex-presidente.
Recuou depois, voltando ao simulacro de estadista. Mas, infelizmente, o eleitor parece não estar em busca de estadistas. E se estivesse, nem com a lanterna de Diógenes encontraria um entre nossos homens públicos. Os que posam de tal, como Temer e o próprio Alckmin, não correspondem ao perfil, nem têm liderança que o país necessita neste momento.

Eliane Cantanhêde: Os homens do presidente

Prisão de Yunes e Lima ameaça Temer e cresce polarização esquerda-direita

Não bastasse seus ministros, assessores, operadores e amigos fazendo fila diante da cadeia, o presidente Michel Temer ainda é obrigado a engolir a provocação do ex-procurador geral da República Rodrigo Janot: “Começou?”. Não, não começou, apenas continuou o cerco a Temer e a (quase) todos os homens do presidente. O grande risco é uma terceira denúncia da PGR na reta final do governo.
Eduardo Cunha, Geddel Vieira Lima e Henrique Alves têm vínculos partidários com Temer, mas os presos de ontem, o coronel João Baptista Lima e o advogado José Yunes, têm outro status nas relações presidenciais: eles são do grupo pessoal, como foi Rodrigo Rocha Loures, o assessor da mala de R$ 500 mil.
Além disso, o alvo é o Porto de Santos, que paira sobre a longeva carreira política de Temer, deputado federal durante décadas e presidente da Câmara três vezes. Esse fantasma começa a se materializar com o pedido de prisão dos amigos feito pela procuradora-geral Raquel Dodge e autorizado pelo ministro do Supremo Luís Roberto Barroso – que já tinha mandado quebrar o sigilo bancário do presidente da República.
Assim, Temer se lança candidato à sucessão, mas deve se dar por satisfeito se chegar inteiro até a eleição e passar o bastão para o sucessor no ano que vem. Serão longos oito meses com as notícias sobre o Porto de Santos e o “Quadrilhão do MDB” borbulhando, mas amortecidas pelo foro privilegiado. E depois do fim do mandato? Temer vai no mesmo o caminho do ex-presidente Lula, de processo em processo?

Até lá, o foco dele será se manter vivo e com o governo funcionando. A intervenção no Rio ainda não mostra resultados e o cérebro da economia, Henrique Meirelles, deixa a Fazenda e filia-se ao MDB na próxima semana, tentando viabilizar uma difícil candidatura à Presidência. O mercado não gostou da brincadeira. Sente firmeza em Meirelles como ministro, mas não nas chances eleitorais dele.
O dólar sofreu um solavanco, enquanto o desemprego continua resistente e inclemente. Logo, Temer seguiu a sugestão de Meirelles e nomeou o seu segundo, Eduardo Guardia, para a Fazenda. Uma sinalização de continuidade e um gesto de prudência que devem prevalecer também, por exemplo, na sucessão no BNDES.
O padrão será o mesmo para a reposição de ministros que se desincompatibilizarão até 7 de abril, mas não para sinalizar continuidade ao mercado ou à sociedade, mas para não melindrar os partidos aliados ao governo, que não têm mais utilidade para a reforma da Previdência, mas podem ser vitais numa eventual terceira denúncia da PGR. O PTB tinha e tem o Ministério do Trabalho.
O PP, o da Saúde. O PR, o dos Transportes. Tudo muda, mas nada muda.
O sonho, ou estratégia, de lançar a candidatura de Temer em outubro ruiu de vez com a prisão dos homens fortes do presidente, envolvidos justamente com o Porto de Santos. Se foi sonho, foi um sonho de verão. O verão acabou, veio o outono e Temer nem consegue manter-se candidato, nem tem um candidato para chamar de seu.
Meirelles? Rodrigo Maia? Possivelmente nem eles mesmos acreditem em suas chances e não é absurda a hipótese de acabarem disputando, entre eles, a vaga de vice do tucano Geraldo Alckmin, tendo como padrinho o próprio Temer.
Esse jogo se arrasta além do razoável, com Temer tremendo diante da Justiça e seus presidenciáveis sem sair do lugar. Enquanto isso, os ovos, pedradas e tiros na caravana de Lula no Sul acabaram por acentuar a polarização entre a esquerda, que voltou a se reunir em torno dele, e a direita, que tenta atrair todo o resto. Quanto mais Lula e Jair Bolsonaro trocam acusações e ofensas, mais ocupam espaço na mídia e cristalizam seus nomes no eleitorado. Uma guerra horrenda.

Luiz Carlos Azedo: Perigo na pista

Temer pretendia decolar seu projeto de reeleição do aeroporto de Vitória, mas quase foi abatido na pista

O presidente Michel Temer estava se preparando para viajar para Vitória quando soube da operação Skala, da Polícia Federal, que prendeu ontem José Yunes, seu advogado, amigo e ex-assessor; Antônio Celso Greco, empresário, dono da empresa Rodrimar; João Batista Lima, ex-coronel da Polícia Militar de São Paulo e também seu amigo; Wagner Rossi, ex-deputado, ex-ministro e ex-presidente da estatal Codesp; Milton Ortolan, auxiliar de Rossi; e Celina Torrealba, uma das donas do grupo Libra. A ordem de prisão partiu do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, a pedido da procuradora-geral da República, Raquel Dodge.
A viagem foi mantida, como recomendam os manuais de gerenciamento de crise. Mas o que seria uma demonstração de que Temer “faz acontecer” – a inauguração do aeroporto de Vitória, no Espírito Santo, que levou 16 anos para ficar pronto (a obra estava parada quando ele assumiu o governo) – se tornou um grande constrangimento, devido aos questionamentos da imprensa sobre a prisão dos amigos do presidente. O governador Paulo Hartung, seu correligionário do MDB, depois de anunciar aos quatro ventos a conclusão da obra, não foi ao evento, para evitar as fotos ao lado de Temer. O político capixaba é candidato à reeleição e seria o principal beneficiado político pela conclusão das obras. Ao discursar, Temer ignorou as prisões; e, na entrevista coletiva, minimizou o caso. Como disse, já está acostumado a ser “bombardeado”.
Outra notícia boa para Temer também foi completamente ofuscada pelas prisões: o sucesso dos leilões da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Combustível (ANP), que arrecadou R$ 8 bilhões em bônus, com a venda de 22 blocos marítimos de exploração de óleo e gás, dos quais o maior ágio foi da Bacia de Campos: 680,452% sobre o mínimo esperado. Os nove blocos, todos do setor SC-AP5, foram arrematados por expressivos R$ 7,5 bilhões. Segundo a ANP, o ágio médio foi de 621%. No total, 47 blocos marítimos foram ofertados. Segundo a ANP, o leilão das áreas marítimas teve 12 empresas ofertantes, 11 delas estrangeiras, de nove de países diferentes. É uma luz no fim do túnel para a economia fluminense.
Estiva
Temer anunciou a intenção de se candidatar à reeleição no fim de semana, uma cartada decisiva para recompor seu governo em condições mais favoráveis e não encerrar a gestão melancolicamente. Na remontagem da equipe ministerial, já vinha enfrentando a oposição do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que também anunciou sua pré-candidatura. As prisões às vésperas da Páscoa, com o Congresso vazio, não permitem uma avaliação imediata do tamanho do estrago na candidatura, que já tem baixa densidade eleitoral, mas ainda preservava capacidade de composição política. Isso somente será possível na próxima semana, do ponto de vista da reação dos aliados. Temer pretendia decolar seu projeto de reeleição do aeroporto de Vitória, mas quase foi abatido na pista.
A Operação Skala foi autorizada pelo ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator do inquérito que investiga se Temer, por meio de decreto, beneficiou empresas do setor portuário em troca de suposto recebimento de propina. No Palácio do Planalto, a operação gerou grande preocupação, porque sinaliza a possibilidade de uma nova denúncia contra o presidente da República, às vésperas da eleição. As prisões foram solicitadas pela procuradora-geral Raquel Dodge, contra a qual Temer não pode usar os mesmos argumentos que usou contra o ex-procurador Rodrigo Janot, autor de duas denúncias que a Câmara não aceitou.
O empresário Antônio Celso Greco opera no porto de Santos; o ex-deputado federal Wagner Rossi, entre 1999 e 2000, foi diretor-presidente da Companhia Docas do Estado de São Paulo, estatal administradora do porto de Santos; Celina Torrealba é uma das donas do grupo Libra, que opera no Porto de Santos. A investigação foi desmembrada da Operação Lava-Jato pelo ministro Édson Fachin e ficou a cargo do ministro Luís Roberto Barroso, que não esconde seu pleno apoio à Lava-Jato. O Ministério Público aproveitou a oportunidade para exumar antigas informações de um velho inquérito sobre o envolvimento de políticos com a corrupção no porto de Santos.
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Luiz Carlos Azedo: Tiros na noite

Depois da revelação de que a família do ministro do STF Edson Fachin,sofreu ameaças, os tiros contra o ônibus da caravana de Lula  fornecem ingredientes de um thriller policial às eleições presidenciais

 

O escritor norte-americano Dashiell Hammett (Maryland, 27 de maio de 1894; Nova York, 10 de janeiro de 1961) abandonou a escola com 14 anos e passou a trabalhar como mensageiro, entregador de jornal, escriturário, apontador de mão de obra e estivador na Filadélfia e Baltimore, até completar 20 anos, quando foi trabalhar na Agência Pinkerton de detetives. Em 1918, alistou-se no Corpo de Ambulâncias do Exército; voltou tuberculoso da guerra, tentou retomar a antiga profissão de detetive, mas acabou escritor de histórias policiais. Entre um porre e outro, foi o criador do noir americano, o gênero literário que surgiu nas revistas e jornais populares, a partir de contos e folhetins.

Autor de Seara vermelha (1929), O falcão maltês (1930), A chave de vidro (1930), Mulher no escuro (1933) e Continental OP (1945), Hammett trabalhou para o cinema em Hollywood. Na década de 1930, conheceu Lillian Hellman, jovem escritora e líder feminista, uma paixão até a morte. Ao lado de John dos Passos, Ernest Hemingway e Arthur Miller, entre outros intelectuais norte-americanos, destacou-se na luta contra o nazismo nos EUA, que somente entrou na II Guerra Mundial em 1941, após o ataque japonês a Peal Harbor, no Havaí. Hammett se alistou novamente e serviu como sargento do exército americano.

Homem de esquerda, o escritor foi vítima da “caça às bruxas” promovida pelo senador Joseph McCarthy no início da década de 1950. Não colaborou com a comissão que investigava atividades supostamente subversivas na indústria cinematográfica, foi preso e incluído na lista que impedia os artistas de trabalharem em Hollywood. Hammett morreu doente e frustrado, mas deixou uma legião de seguidores.

“Estava imóvel — os olhos amarelos acinzentados sonhadores —, quando ouviu o grito. Era um grito de mulher, agudo e estridente de terror. Spade estava atravessando a porta quando ouviu o tiro. Era um tiro de revólver, amplificado, reverberando pelas paredes e pelos tetos”, seus contos inspiram cenas recorrentes no cinema, como no clássico Um tiro na noite, de Brian de Palma, de 1981.

O sonoplasta Jack Terry (John Travolta) prepara a trilha sonora de um filme B sobre assassinatos em uma universidade. Na gravação de um áudio, em local ermo, salva a mocinha (Nancy Allen) de um acidente automobilístico. Ao resgatá-la, Jack descobre que ela estava em companhia do governador George McRyan (John Hoffmeister), um dos candidatos à Presidência dos EUA. Depois do incidente, na conferência do material sonoro, constata que o acidente pode ter sido um crime encomendado; percebe que o som do estouro do pneu, na verdade, era de um tiro de revólver.

Lava-Jato
Depois da revelação de que a família do ministro relator da Operação Lava-Jato, Edson Fachin, sofreu ameaças, os tiros disparados contra o ônibus da caravana do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fornecem ingredientes de um thriller policial às eleições presidenciais. Só foram descobertos por causa dos buracos de bala. Os tiros precisam ser investigados, tal qual nas histórias noir.

Condenado em segunda instância a 12 anos e 1 mês de prisão em regime fechado, Lula desafia a Justiça e força a barra para manter a candidatura a presidente da República, com uma retórica de radicalização política no gogó e um salvo-conduto do Supremo Tribunal Federal nas mãos, enquanto aguarda a conclusão do julgamento de seu polêmico pedido de habeas corpus pela Corte, suspenso porque dois ministros não poderiam perder o avião. Seu adversário, Jair Bolsonaro (PSL), como já reiteramos, com discurso truculento e reacionário, retroalimenta a radicalização. É um ambiente que começa a sair do controle, como a segurança pública no Rio de Janeiro.

No Brasil, até agora, não houve atentados ou mortes na Operação Lava-Jato. Aparentemente, todos os envolvidos são pessoas de índole pacífica. Nem um pouco parecida com a dos responsáveis pelo assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSol), há duas semanas, executada com quatro tiros na cabeça, logo após sair de uma reunião de mulheres negras, supostamente uma resposta à intervenção federal na segurança pública daquele estado.

Na Itália, a Operação Mãos Limpas, deflagrada em fevereiro de 1992, com a prisão de Mario Chiesa, que ocupava o cargo de diretor de instituição filantrópica de Milão (Pio Alberto Trivulzio), em dois anos, resultou em 2.993 mandados de prisão e 6.059 pessoas sob investigação, incluindo 872 empresários, 1.978 administradores locais e 438 parlamentares, dos quais quatro haviam sido primeiros-ministros. Mas houve 12 suicídios e os juízes Giovanni Falcone e Paolo Borsellino foram assassinados pela máfia.

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William Waack: Morrer na praia

O sinal que mais se levanta hoje no Brasil é o sinal de interrogação. Para onde vai?

Não tem nada mais difícil para quem está envolvido com o noticiário do dia a dia político do que entender o rumo de mudanças à medida que elas ocorrem. Já passei por isso, entre outras ocasiões, cobrindo a queda do Muro de Berlim, em 1989. Quarenta dias antes do evento eu estava lá, na Alemanha Oriental, reportando sobre as manifestações e fugas em massa do regime comunista. E não imaginava que faltava só pouco mais de um mês para aquele mundo todo acabar de vez. Foi só depois do muro derrubado que tudo aquilo que já era visível ficou tão claro, tão óbvio, como o caminho que levava a uma revolução.

Crises graves, e o Brasil vive uma, têm características em comum: a velocidade dos acontecimentos é uma delas (no nosso caso, a rapidez com que fomos de escândalo em escândalo, de delação em delação e, agora, de decepção em decepção). Outro aspecto em comum é a desorientação de elites pensantes (políticas, econômicas ou ambas) – para não falar de vastas parcelas da população – que passam a sofrer de perda de capacidade de “leitura” da realidade, ou seja, de antecipar fatos e suas consequências (bastante evidente nos dirigentes do PT antes do impeachment).

Mas a mais grave característica em comum a grandes crises é a deterioração daquilo que numa sociedade até certo ponto se aceitava, bem ou mal, como algum tipo de autoridade – sobretudo a moral. Avança um fenômeno de percepção negativa, e de perda de confiança, que chegou também a órgãos da Lava Jato, a conglomerados econômicos, à imprensa (especialmente os mais poderosos), a instituições religiosas e, recentemente, de maneira espetacular, ao Supremo Tribunal Federal. O sinal que mais se levanta hoje no Brasil é o sinal de interrogação. Para onde vai?

No Brasil é palpável, embora bastante subjetivo, o generalizado desejo de mudança, a indignação com a corrupção, o clamor por algo diferente – e eu me arrisco a dizer, a vontade também de enxergar alguma ordem (no sentido de direção e estabilidade). Sou obrigado a reconhecer, porém, que nossa história recente exige uma tremenda dose de paciência de todos os que ardem por mudanças. Pois temos o costume (cada um julgue se é positivo ou negativo) da “acomodação”.

Na saída da ditadura queríamos Diretas-Já, mas nos acomodamos a esperar o voto direto para cinco anos depois. Nos acomodamos à inflação, que domamos depois de uma década perdida. Nos acomodamos a uma reforma de Estado feita apenas em parte e, com gosto, nos acomodamos ao populismo fiscal irresponsável – e aos encantos de seu marketing executado com dinheiro publico desviado – que precisou de um desastre para ser tirado do poder.

Às vezes parece que para nós, brasileiros, o insustentável (como a violência) é o nosso jeito de ser. Ocorre que esse grande e caudaloso rio querendo mudanças vai se chocar nas eleições em outubro com grandes obstáculos formados por um eleitorado em boa medida apático e desanimado, pelo domínio do aparelho de Estado por grupos corporativos públicos e privados (empresas e partidos), pela percepção de que, no filme de faroeste brasileiro, até o mocinho às vezes só parece querer cuidar do dele. A imagem de grandes quantidades de água em movimento, como algo ao qual ninguém resiste, é uma das mais usadas para descrever mudanças desde que historiadores existem.

Mas morrer na praia é um grande provérbio popular.