Eleições

Luiz Carlos Azedo: Vinte minutos

Aécio é acusado de pedir propina de R$ 2 milhões ao empresário Joesley Batista, dono da J&F, em troca de favores políticos; e também de tentar atrapalhar o andamento da Operação Lava-Jato

Uma conversa pelo telefone volatilizou o projeto político do senador Aécio Neves (PSDB-MG) — “tudo o que é sólido se desmancha no ar” —, iniciado há 32 anos, sob a proteção de um dos políticos mais hábeis, probos e sagazes da história republicana, o presidente Tancredo Neves, que faleceu antes de tomar posse. Seu sonho era resgatar o mandato do avô e se tornar presidente da República. Por unanimidade, os cinco ministros da primeira turma do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Rosa Weber e Alexandre de Moraes, admitiram a abertura de processo contra o tucano por corrupção; por 4 votos a 1, por obstrução de Justiça, graças ao voto contrário de Moraes.

Aécio é acusado pela Procuradoria-Geral da República de pedir propina de R$ 2 milhões ao empresário Joesley Batista, dono da J&F, em troca de favores políticos; e também de tentar atrapalhar o andamento da Operação Lava-Jato. Uma conversa de 20 minutos entre os dois foi gravada pelo empresário. Agora, o tucano é mais um político seriamente enrolado na Operação Lava-Jato, embora sustente que o pedido de dinheiro a Joesley era uma operação pessoal: “Não houve dinheiro público envolvido, ninguém foi lesado nessa operação. O que houve foi uma gravíssima ilegalidade, no momento em que esses empresários, réus confessos de inúmeros crimes, associados a membros do Ministério Público, o que é mais grave, tentaram dar impressão de alguma ilegalidade em toda essa operação, repito, privada, para se verem livres dos inúmeros crimes que cometeram”, disse o tucano em entrevista logo após a decisão.

A aceitação da denúncia era pedra cantada até para o advogado de Aécio, Alberto Zacharias Toron: “Não vejo como um revés. Como nós dissemos e como disse o ministro Luiz Fux, com muita propriedade, neste momento, a decisão se faz pró-sociedade. Então é um momento muito peculiar do processo penal. Na dúvida, não se decide a favor do réu, se decide a favor da sociedade. É isso que o Supremo Tribunal Federal, por sua primeira turma, entendeu. Portanto, vamos aguardar o desenvolvimento do processo”. Como todo político, Aécio acredita em ressurreição: “Não esmorecerei enquanto não provar minha inocência. Vou fazê-lo em respeito à minha vida pública, à minha família e aos milhares de brasileiros, e especialmente mineiros, que confiaram em mim durante 32 anos de mandatos consecutivos”.

Até a divulgação do acordo de delação premiada da JBS, Aécio Neves era a bola da vez na disputa pela Presidência da República. Derrotado por Dilma Rousseff no segundo turno das eleições de 2014, praticamente bateu na trave, com 51 milhões de votos (48,36%). Com o impeachment de Dilma Rousseff, do qual foi um dos artífices, seria um candidato natural às eleições deste ano, com a vantagem de não ter que enfrentar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Pau que dá em Chico dá em Francisco”, como disse o ex-procurador-geral da Republica Rodrigo Janot. Aécio caiu na armadilha de Joesley Batista, em condições ainda piores do que as do presidente Michel Temer, que também foi gravado, em conversa tête a tête no Palácio do Jaburu, mas que dá margens a dúvidas quanto à interpretação de seu teor por causa do formalismo institucional, enquanto a do tucano escandaliza pela linguagem mundana, completamente fora do padrão que ele próprio utiliza nas conversas em público.

Lava-Jato

Com a decisão de ontem, já são seis os senadores enrolados na Lava-Jato: Agripino Maia (DEM-RN), Fernando Collor (PTC-AL), Gleisi Hoffmann (PT-PR), Romero Jucá (MDB-RR) e Valdir Raupp (MDB-RO), além de Aécio. As investigações derivadas do escândalo da Petrobras também tiraram da disputa presidencial o senador José Serra (PSDB-SP) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva; quase levaram de roldão o presidente Michel Temer, que escapou de duas denúncias na Câmara e aguarda uma terceira a qualquer momento, mas fazem de seu governo um dos mais impopulares da história. Sobra também para o ex-governador Geraldo Alckmin, que deixou o Palácio dos Bandeirantes para ser candidato a presidente da República, mas não consegue decolar. O tucano não está na Lava-Jato, mas responde à denúncia de uso de caixa dois na Justiça Eleitoral.

A Lava-Jato fez um strike na elite política do país, que ficou desarvorada. Esta é uma variável poderosa do processo eleitoral: a corrupção, ao contrário de eleições passadas, ocupa o primeiro lugar entre as grandes preocupações da população, desbancando a saúde, a educação, a segurança e até o desemprego. O resultado é a roleta-russa na qual se transformou as eleições para a Presidência de outubro próximo, na qual se destacam Jair Bolsonaro (PSL), Marina Silva (Rede), Joaquim Barbosa (PSB), Ciro Gomes (PDT) e Álvaro Dias (Podemos). A histórica polarização entre tucanos e petistas ainda não pode ser descartada, mas, para que isso ocorra, tanto Alckmin quanto o substituto de Lula, provavelmente o ex-prefeito paulistano Fernando Haddad ou o ex-governador baiano Jaques Wagner, terão que desencabular e se livrar do estigma da Lava-Jato.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-vinte-minutos/


Merval Pereira: Marina na disputa

A ex-senadora Marina Silva surge como a grande beneficiária da saída do ex-presidente Lula da campanha presidencial na mais recente pesquisa do Datafolha. Ela está empatada tecnicamente na liderança com o deputado federal Jair Bolsonaro e à frente de políticos tradicionais com fortes estruturas partidárias, como Geraldo Alckmin do PSDB e Ciro Gomes do PDT.

Esse quadro de momento reforça a ideia de que, nesta campanha presidencial, quem tem voto não tem estrutura partidária nem tempo de televisão, e quem os tem, não tem voto. Marina classifica os seus dez segundos de propaganda eleitoral em cada bloco diário como “mais do que insuficiente”, e atribui a divisão do fundo partidário e do tempo de televisão a um acordo dos grandes partidos “para que a sociedade brasileira não ouse mudar”.

Mas, em seu estilo próprio, diz que “200 milhões de brasileiros são sempre maiores do que aqueles que se sentem donos do poder”. Ela conta que continua dialogando com diversos partidos, “mas com uma atitude de respeito”, porque considera que, em uma eleição de dois turnos, é legítimo que os partidos queiram levar sua mensagem aos eleitores.

“Conversar não significa necessariamente que fulano tem que desistir de seus projetos iniciais. A gente vai amadurecendo no processo até o momento de formalizar alianças. Tem muito tempo pela frente”, diz ela. Embora reconheça que não é uma tarefa fácil, devido à fragmentação das candidaturas, Marina diz que “se a violência, a mentira e a assimetria dos meios para divulgar as mensagens forem minimamente superadas, a sociedade pode fazer, desta vez, o que tentou em 2014 e não conseguiu, que é ter uma vitória para chamar de sua, e não das estruturas partidárias”. Nessa eleição e na anterior, em 2010, Marina teve cerca de 20 milhões de votos em cada uma, mas não foi para o segundo turno.

Ela acredita que se os grupos de polarização clássica da política brasileira, PT e PSDB, não se unirem em blocos à direita e à esquerda, “podemos ter novidades”. A exceção seria Bolsonaro, “uma direita radical”. Marina diz que sente em suas viagens pelo país “um interesse genuíno da sociedade em buscar uma nova governabilidade, que não seja o presidencialismo de coalizão, mas de proposição, que tenha uma visão da função do Estado não como provedor nem apenas regulador, mas um Estado que seja capaz de mobilizar os melhores meios de que dispomos, tanto na iniciativa privada quanto no próprio setor público, na academia”.

Essa seria, em sua visão, uma atitude contemporânea, “coerente com um mundo em crise de paradigmas”. Se o Brasil quer um novo ciclo de prosperidade, diz Marina, “vamos ter que fazer uma quebra no paradigma da velha política, da economia, sem que seja uma aventura”. Ela espera que o novo Congresso tenha uma mudança significativa, e diz que a sustentação desse pensamento será dada pela sociedade, que vai deixar para trás os grupos políticos como os de Sarney e Antonio Carlos Magalhães.

A pré-candidata da Rede diz que “não precisa reinventar a roda” para fazer um plano de governo eficiente: “Recuperar os fundamentos da política macroeconômica do Plano Real e aprofundar a inclusão social, indo para os programas sociais de terceira geração com inclusão produtiva e com políticas sociais customizadas”.

Ela diz que o mundo sonha com a refundação do Brasil, e está disposto a investir aqui, mas ressalta que para apostar num novo ciclo de prosperidade é preciso “fazer com que esse país invista pesadamente em energia renovável, limpa, segura, diversificada. Buscar integrar o Brasil numa liderança global, nas cadeias produtivas globais, mas também nos debates, onde o país perdeu o protagonismo na área de meio ambiente, sustentabilidade, direitos humanos”.

Na sua visão, o mundo está indo na direção do século XXI e nós estamos aqui discutindo temas do século XX. “O maior produtor eólico no mundo é a China. Os Estados Unidos, apesar de toda loucura do Trump, continuam na direção correta do desenvolvimento sustentável. O Brasil vai ter que investir pesadamente em Educação, tecnologia, inovação e ser capaz de dialogar com os núcleos vivos da sociedade”.

Marina rebate a acusação frequente de que está sumida da política. Ela cita: “Minhas posições são claras: quem se posicionou contra o foro privilegiado, contra a lei de abuso de autoridade, quem defende claramente a Lava-Jato, quem foi que entrou com pedido de cassação do (Eduardo) Cunha e do Delcídio (Amaral), quem foi que levou o Aécio (Neves) para a Comissão de Ética, quem foi que entrou no STF para que investigados não ficassem na linha sucessória, quem foi que defendeu o tempo todo a cassação da chapa Dilma-Temer e uma nova eleição? Quem foi contra a anistia do caixa dois?

 


Eliane Cantanhêde: Ao deus-dará

Alckmin está espremido entre Joaquim, a novidade, e Bolsonaro, que bate no teto

Todo dia aparece um presidenciável novo, Henrique Meirelles, João Amoêdo, Flávio Rocha, Guilherme Boulos, Manuela d’Ávila... Mas nenhum deles embaralhou o tabuleiro da eleição como o recém-chegado Joaquim Barbosa. O foco está nele.

Mas, afinal, que apito Joaquim toca? Ele é de esquerda, direita ou centro? Está preparado para combater a crise fiscal? Na verdade, ninguém sabe, ele continua calado, longe da campanha e contando com uma aura que anima amplos setores da classe média escolarizada e pode vir a encantar a baixa renda.

O PSB, já tão rachado, tem de correr atrás de recursos, tempo de TV e palanques estaduais. A questão é saber de onde virão esses reforços, já que Joaquim não é político, nunca teve partido nem fez campanha e não se sabe o que pensa. Esses fatores atraem eleitores, mas afastam aliados políticos.

A história de Joaquim é tão emocionante quanto a de Lula, de menino negro que saiu de um lar modesto, estudou, passou em concursos de ponta e virou ministro e presidente do Supremo. Mas que chance ele tem de levar o apoio do PT e de Lula? Joaquim presidiu a fase final do julgamento do mensalão, que expôs as entranhas do governo Lula e levou o mito petista José Dirceu à prisão.

Para o eleitorado, Joaquim é um símbolo do combate à corrupção e abriu caminho para o juiz Sérgio Moro e a Lava Jato. Para o PT, que um dia monopolizou a bandeira da ética na política, ele é o algoz do partido. Sem o PT, ele não levaria, ou não levará, PCdoB, PSOL e os aliados MST e MTST. E quem à direita ou ao centro lhe daria base e sustentação?

A direita está com Bolsonaro, que bateu no teto de 17% no Datafolha, e o centro vai de mal a pior, com muitos nomes lançados e nenhum convincente. Basta olhar para Geraldo Alckmin: governador do principal Estado, candidato de um dos três maiores partidos, com recall da eleição de 2006, mas não sai do lugar. Ou não empolga.

Como é possível que Alckmin, com todos esses fatores a seu favor, esteja embolado com Joaquim, que nem assumiu ainda a candidatura? E com Ciro Gomes, que já começou com “pescotapas” antes mesmo de entrar na campanha? E os espaços de crescimento para o tucano parecem bloqueados.

No Norte, Alckmin enfrenta uma resistência ao PSDB que vem desde as sistemáticas críticas tucanas à Zona Franca de Manaus. No Nordeste, bate de frente numa muralha petista que não cede nem com a prisão de Lula. No máximo, o eleitor subiu no muro e os índices de brancos e nulos dispararam para em torno de 35%.

E as regiões mais simpáticas e acessíveis ao PSDB não são mais as mesmas. No Sul, o paranaense Álvaro Dias, ex-tucano, capitaliza a decepção com Aécio Neves, que deve se tornar réu hoje no STF. No Centro-Oeste, Bolsonaro tem não apenas intenção de votos como até um exército voluntário financiando e distribuindo outdoors e adesivos de carros. Uma campanha de geração espontânea.

Resta a Alckmin o Sudeste, onde Joaquim vai crescer. Rio é bagunça. São Paulo, que deu 66% de aprovação ao tucano em 2006, agora dá 36%. E Minas derrotou o mineiro Aécio no primeiro e no segundo turnos de 2014 e é outro Estado onde Bolsonaro chegou para ficar. Ou seja, Alckmin está espremido entre Bolsonaro e Joaquim. E, se não for ele, quem capitaneará o “centro”? Até agora, ninguém sabe, ninguém viu.

Odebrecht. Em mensagem à coluna, a defesa de Marcelo Odebrecht nega que ele tenha dito que transformou a empreiteira em “banco de operações estruturadas”. Sim, mas é o que se deduziu quando ele disse ao juiz Sérgio Moro que a Odebrecht mantinha uma conta exclusiva para Lula. Quem mantém conta para cliente não é banco?

 


Míriam Leitão: Incertezas até o voto

Faltam 173 dias para as eleições, e ainda não se sabe quem estará na urna. Mesmo assim a pesquisa do fim de semana do Datafolha mostra alguns pontos importantes. Geraldo Alckmin tem um baixo nível de intenção de votos para quem já governou por quatro vezes o maior colégio eleitoral do país. O ex-ministro Joaquim Barbosa teve boa pontuação para quem nunca concorreu e ainda nem definiu sua candidatura.

O ex-presidente Lula continua o favorito em qualquer cenário em que esteja, mesmo caindo de 37% para 31%. No meio, entre uma e outra pesquisa, ele foi preso e subiu o número dos que acham que ele não será candidato. Dentro do PT, havia quem tivesse expectativa de que ele crescesse ao ser preso, por uma reação da população. Lula transformou a exposição, que seria só negativa, em comício e mobilização. Caiu na pesquisa, mas permanece líder de qualquer cenário em que esteja.

O que é difícil de medir é o seu potencial de transferência de votos. Dos entrevistados, 30% dizem que com certeza votariam numa pessoa apoiada por Lula e 16% dizem que talvez votassem. Entre seus apoiadores, o índice dos que seguem a sua indicação chega aos dois terços. Mesmo assim, tanto Jaques Wagner quanto Fernando Haddad, que podem ser esse candidato, têm um percentual mínimo, de 2% a 3%, de intenção de voto. Nenhum dos dois é visto como o candidato que pode vir a ter o apoio de Lula. No comício antes de ir para a prisão, Lula falou pouco de Fernando Haddad, não citou o ausente Jaques Wagner, e destacou Manoela D’Ávila e Guilherme Boulos. Mas para o eleitorado consultado ele ainda não tem herdeiro. Quem de fato cresce na perspectiva de Lula não ser candidato, em todos os cenários, é Marina, seguida de Ciro.

Jair Bolsonaro teve um ligeiro aumento na pesquisa espontânea, para 11%, o que é um excelente número para espontânea, porém nas simulações de segundo turno ele não lidera cenário algum. Perderia de Lula e de Marina e aparece empatado com Ciro e Alckmin.
A campanha oficialmente não começou, mas alguns candidatos a fazem ruidosamente e nas barbas de uma Justiça Eleitoral inerte. Os dois que mais fizeram campanha, como se não houvesse impedimento legal, foram exatamente Lula e Jair Bolsonaro. Lula tratou a campanha como parte da sua estratégia de defesa.

Marina tem estado consistentemente com boa pontuação nas pesquisas apesar de ter tido anos de pouca exposição. Ciro Gomes também esteve por muito tempo longe dos holofotes. Mesmo assim tem pontuação igual à de Alckmin que esteve até dias atrás à frente do governo de São Paulo, endereço de 22% do eleitorado.

O presidente Michel Temer e o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles não saem do 1%, apesar da força da máquina e do que apresentam como legado a defender. Eles apostam na ideia de que a economia poderá carregar o candidato governista. Há vários problemas com essa ideia. A economia de fato melhorou. O país estava numa queda de 3,5%, e agora o que se discute é se estamos num ritmo de 2,5% ou de 3% de crescimento.

A inflação que chegou a dois dígitos no governo Dilma, está há nove meses abaixo do piso da meta. São vitórias, sem dúvida. O problema é que o desemprego é alto, a recuperação é lenta, a renda está estagnada, a inadimplência ainda aperta as famílias. Quem jogou o país nessa crise foi o governo do PT, e quem está tirando é a equipe de Temer. O problema é que não há ainda a sensação de bem-estar econômico que poderia render voto. O PT aproveitará o tempo que passou desde a queda da ex-presidente Dilma para jogar toda a culpa da crise no atual governo.

O tempo até a eleição é de menos de seis meses, mas a sensação é de que ela ainda está distante pela enorme indefinição que ainda existe sobre quem estará na lista oficial de candidatos. Isso sem falar no fato de que há uma Copa no meio do caminho. A campanha será curta, o dinheiro à disposição dos candidatos, bem menor, pela proibição da doação empresarial e da repressão ao caixa 2. Isso autoriza a esperança de que os truques e os efeitos especiais dos marqueteiros serão menos intensos e, portanto, o grau de manipulação seja menor. Os acontecimentos políticos do país são voláteis, o que eleva ainda mais a incerteza em torno do que acontecerá até o dia do voto.

 


El País: Fé evangélica abraça as urnas na América Latina

Doutrina se transformou em um ator político determinante em muitos países da região, impondo valores ultraconservadores e fazendo retroceder as liberdades, escassas em muitos lugares

Por Talita Bedinelli, do El País

Nos próximos meses, com a proximidade das eleições no Brasil, as igrejas evangélicas devem se tornar um dos principais pontos de peregrinação política. É um dos efeitos da dependência do apoio evangélico, que migrou do PT às vésperas do impeachment, e hoje está livre para o candidato que conseguir convencer que está apto a atender os anseios de uma comunidade que já representa mais de dois em cada dez brasileiros. Feito isso, poderá levar um palanque que o expõe a uma atenta multidão e que não tem os custos de um programa eleitoral. Em janeiro, o à época ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, provável candidato à presidência pelo partido de Michel Temer, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), deu a largada do ano: visitou a Igreja Sara Nossa Terra, em Brasília, onde foi apresentado como o responsável pelo “maravilhoso milagre da economia brasileira”.

A aproximação entre a política e a religião evangélica é uma constante que se estendeu por toda a América Latina, onde a doutrina se expande a um ritmo vertiginoso. Em uma região onde existem 425 milhões de católicos (40% da população católica mundial), em um contexto em que a Igreja Católica é liderada pelo primeiro papa latino-americano, os evangélicos somam 20%, quando há seis décadas mal chegavam a 3%, de acordo com dados do Pew Research Center, um fact tank norte-americano que conduz pesquisas sobre temas sociais.

A ascensão fez com que estes grupos religiosos se transformassem em um ator político determinante, à custa de impor na agenda valores retrógrados e com o risco de fazer retroceder liberdades que, na maioria dos países, mal começavam a ser implementadas. O Brasil, a Colômbia e o México, as três grandes potências que nesse ano realizam eleições, serão o termômetro para avaliar o poder da doutrina além dos centros onde é praticada. Se nos dois primeiros esse poder já é notável, no México, encravado entre um país (os Estados Unidos) e uma região (América Central) onde os evangélicos a cada dia têm mais poder, é um enigma o papel que desempenharão. Nos três casos, os candidatos, de esquerda e conservadores, fizeram sinais, quando não alianças, para garantir seu voto.

Os grupos evangélicos foram capazes de abrir de maneira intermitente o debate sobre o que é família e atacar qualquer vislumbre de legalização do aborto e de casamentos igualitários. E mais, esses grupos apelam à fé para erigir-se como ativos na luta contra a corrupção, a mácula que carcome a região de norte a sul. Com essa premissa Fabricio Alvarado quase chegou ao poder na Costa Rica há duas semanas. A fulgurante ascensão do pastor evangélico no pequeno país centro-americano também evidenciou como esses grupos contam, a seu favor, com um fator que os partidos tradicionais não têm, especialmente os mais conservadores: a proximidade com classes populares, fartas das elites, e que tradicionalmente optavam por partidos de esquerda.

Luiz Inácio Lula da Silva foi talvez quem melhor soube entender esse fenômeno. O Brasil é o exemplo mais claro de como os evangélicos permearam a política. No final da década de 80 os representantes dessa religião conseguiram eleger 32 parlamentares com a campanha “irmão vota em irmão”. Nas últimas eleições o número chegou a 77 (incluindo três senadores). O PT de Lula se beneficiou durante os últimos anos desse apoio improvável, muitas vezes à custa de políticas públicas caras à esquerda. A chegada de Dilma Rousseff, primeira presidenta do Brasil, por exemplo, trouxe esperança às feministas de que assuntos de saúde pública importantes ao movimento, como o aborto, fossem finalmente tratados pelo Governo. Mas a dependência do apoio evangélico no Congresso impediu que isso ocorresse.

O caso do PT se repete no México. O favorito em todas as pesquisas, o duas vezes candidato presidencial Andrés Manuel López Obrador, decidiu unir seu partido, o Morena, considerado de esquerda, a um partido ultraconservador, o Encontro Social, que defende a família como um pilar. A aparente aliança antinatural inquietou boa parte dos potenciais eleitores e as bases do Morena, mas ainda não teve consequências nas pesquisas. Como Lula, López Obrador é consciente de que pode chegar a precisar do apoio da comunidade evangélica, apesar de não ser tão numerosa como no Brasil. O líder do Morena em meio ano passou de dizer que nunca estaria ao lado do Encontro Social a propor, no dia em que foi escolhido como candidato pelos ultraconservadores, uma Constituição moral ao país.

O poder dos evangélicos não será determinante no México a não ser que a votação seja muito apertada e contar com seu apoio se torne crucial. O caso mais recente é o da Colômbia. Na noite de 2 de outubro de 2016, os colombianos recusaram em plebiscito, por uma pequena diferença, o acordo de paz negociado com à época guerrilha das FARC. Naquele dia, a comunidade evangélica, sobre a qual poucos haviam colocado os refletores, saiu para comemorar. Haviam conseguido com que dois milhões de fiéis, de acordo com cálculos das principais igrejas dessa doutrina, votassem não. Lembraram ao país que são capazes de fazer frente à cifra de 70% de pessoas que se dizem católicas e mudar uma eleição. As autoridades avaliam que existem seis milhões de evangélicos, mas os pastores sobem a aposta com cálculos de 8 a 12 em uma população de 48 milhões de habitantes. É o credo que mais cresce, não só em número, também em repercussão. Contam com um poderoso alto-falante: 145 emissoras e 15.000 centros religiosos, de acordo com dados do Conselho Evangélico.

Na noite de 27 de maio as urnas demonstrarão se seu poder também é determinante para colocar e retirar presidentes. O resultado na disputa legislativa de março demonstrou que a força demonstrada durante o plebiscito se dilui quando não há um inimigo único a combater. O voto evangélico se divide no mesmo número de candidatos de sua crença. A priori, Iván Duque, candidato do Centro Democrático, o partido criado pelo ex-presidente Álvaro Uribe, é quem está mais próximo de ganhar o apoio evangélico, já que é apoiado por Alejandro Ordóñez, o ex-procurador da Colômbia, que defende que “a restauração da pátria passa pela restauração da família”. Um único modelo de família formada por um homem e uma mulher. O candidato Duque, por enquanto, não se pronunciou sobre esse assunto em um aparente exercício de neutralidade.

Os principais pastores evangélicos da Colômbia sempre manifestaram, assim como os do Brasil, que não orientam seus fiéis a escolher algum candidato, mas a votar conscientemente para defender seu modelo de família. Ainda que ao mesmo tempo mandem uma mensagem clara ao país: “Estamos presentes nos setores políticos, culturais, econômicos e sociais”.

O fato dos evangélicos serem mais fiéis ao poder do que a uma tendência política ficou claro no Brasil. O processo que levou ao impeachment de Dilma diluiu o poder político do PT e, com isso, os apoios evangélicos ficaram pelo caminho. A dúvida, agora, é para onde migrarão esses apoios nas eleições presidenciais de outubro. Por ter posições semelhantes às defendidas por boa parte dos evangélicos, Jair Bolsonaro, o candidato da extrema direita, se coloca como o que pode ter mais oportunidades de atrair seu apoio. Bolsonaro, um militar da reserva que defendeu publicamente torturadores da ditadura e quer que a população tenha o direito de portar armas, foi até batizado por um pastor, em 2016, nas águas do Rio Jordão, em Israel.

 


Ricardo Noblat: Em breve, “pesquisa sem Lula é fraude”

 

Para não ser esquecido

Em nome do PT, sua presidente, a senadora Gleisi Lula Hoffmann (PR), protestou contra o fato de o nome de Lula só ter sido testado pela mais recente pesquisa Datafolha em 3 dos 9 cenários pesquisados.

Ora, ora, ora. Não deveria ter sido testado em nenhum. Simplesmente porque Lula foi condenado e está preso. Mesmo se for solto, candidato não será porque virou “ficha suja”. É o que está na lei.

Só falta, em breve, começarmos a ouvir que “pesquisa sem Lula é fraude”. O grito de “eleição sem Lula é fraude” parece ter sido arquivado. Primeiro porque perdeu sua força. Segundo porque o PT disputará a eleição.

Se eleição sem Lula fosse fraude, o PT, no mínimo para ser coerente, não poderia participar dela, por ilegítima. Alguns malucos do partido chegaram a propor isso. Levaram um chega pra lá.

A direção do PT estava convencida de que o espetáculo encenado em São Bernardo do Campo por ocasião da prisão de Lula teria sido mais do que suficiente para convulsionar o país.

E, assim, as futuras pesquisas de intenção de voto registrariam o crescimento de Lula. Não deu certo. Lula caiu seis pontos percentuais no Datafolha. Aumentou o índice dos que acharam justa sua prisão.

O empenho, doravante, é para que Lula permaneça sob os holofotes e possa chegar a agosto com a mesma capacidade atual de transferir votos, beneficiando quem por ele for indicado.

O Datafolha conferiu que um terço dos eleitores de Lula já se bandeou para outros candidatos. Se nada de positivo para Lula ocorrer até agosto, ele deverá perder mais uma fatia dos eleitores que ainda retém.

Eleitor é um sujeito pragmático. Costuma ser. E até lá, Lula possivelmente será condenado em mais um processo. Crescerá a percepção de que ele cometeu de fato crimes. E de que traçou o próprio destino.

Vida que segue.

https://veja.abril.com.br/blog/noblat/em-breve-pesquisa-sem-lula-e-fraude/


El País: “Joaquim Barbosa se tornou o único ‘outsider’ com chances de disputar e ganhar”, diz Fernando Luiz Abrucio

Para cientista político Fernando Luiz Abrucio, levantar a bandeira do anti-Lula é perigoso para a centro-direita, especialmente no segundo turno. Professor da FGV diz que PT tem até junho para definir plano B para candidatura Lula

Por Talita Bedinelli, do El País

A condenação de Luiz Inácio Lula da Silva e sua prisão no início deste mês prometem embaralhar ainda mais o cenário eleitoral deste ano. Ainda que o ex-presidente possa estar fora do jogo, ao enquadrar-se na Lei da ficha Limpa, ele será um dos influenciadores mais importantes da disputa. E isso vale para ambos os lados do jogo, explica o chefe do Departamento de Gestão Pública da FGV-SP, Fernando Abrucio. Enquanto a esquerda depende do apoio de Lula para a transferência de votos, a direita precisa evitar atacá-lo com muita veemência, pois isso pode impactá-la no segundo turno.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Acha que o PT consegue manter a ideia de não ter um plano B com Lula preso?
Sempre esteve na cabeça do PT que seria muito difícil que o Lula se tornasse candidato. E não tem a ver com a prisão em si, já que é possível que ele seja solto antes da eleição. Mas ele não será candidato por conta da Lei da Ficha Limpa. O que está jogo depois desse episódio da prisão é o quanto ele terá de influência na eleição. E isso é realmente muito difícil de saber porque estar dentro da prisão não quer dizer que ele perderá influência sobre os eleitores. Por isso me estranha muita gente do centro para a direita tentar comemorar a prisão do dele porque quando forem para a eleição, no mínimo, entre 20% a 25% dos eleitores vão estar muito próximos do lulismo. E esses eleitores podem definir quem vai ser o presidente no segundo turno. É preciso ter uma certa inteligência estratégica para perceber que não é preciso ficar ao lado do Lula, para quem não está vinculado ao PT ou a partidos próximos, mas estar contra ele é burrice.

Mas existem candidatos que se fortalecem com o discurso anti-Lula.
O anti-Lula do país já foi construído pelo eleitorado e ele tem nome: chama-se Jair Bolsonaro. Todos os outros que tentarem se construir igualmente ao Jair Bolsonaro vão ter dificuldade de roubar os votos dele.

Como acredita que ficará o cenário eleitoral sem Lula?
Ainda há várias hipóteses. É possível ainda que essas candidaturas, que estão hoje na casa de 15, se transformem num número menor. A gente ainda não sabe quais dessas vão sobreviver. Parcerias como a de Joaquim Barbosa e Marina Silva não são impossíveis. Joaquim Barbosa conseguiu um partido grande, que vai ter chance eleitoral em alguns Estados. A marca do Joaquim Barbosa nesta pesquisa Datafolha (até 10%) já era esperada. Ele se tornou o único outsider com chances de disputar e ganhar: ele consegue ter votos de todos os lados. Já a Marina está em um partido que reduziu de tamanho recentemente a ponto de, olhando a lei, não ter nem direito de participar de um debate presidencial na TV. Pode ser também que saia uma parceria entre o Ciro e o PT. Só depois de junho a gente vai ter um cenário mais claro. Mas certamente será o mais fragmentado das eleições desde 1989. Isso significa que com certeza haverá segundo turno e que há grande chance de um candidato ir para o segundo turno com menos de 20% dos votos. Há uma possibilidade de se haver um segundo turno com um candidato mais do centro para a direita e outro mais do centro para a esquerda. Mas isso não são favas contadas, nem para um lado, nem para o outro.

Por quê?
Depende um pouco dessas combinações entre os candidatos. Se a centro-direita se fragmentar demais e fizer um processo de autodestruição, ela poderá perder. E do outro lado isso também pode acontecer. Não é impossível que esses setores se digladiem de tal maneira que você possa ter candidatos mais próximos apenas de um dos polos. O candidato que tem o nome mais consolidado hoje, e isso não significa que vá para o segundo turno, é Bolsonaro. Ele tem algo em torno de 15% dos votos e se torna um dos polos da eleição. Um dos polos da eleição vai ser bater no Bolsonaro, tanto os candidatos do centro para a esquerda como os candidatos do centro para a direita. O Bolsonaro vai ser o candidato a ser derrotado.

E o Governo de Michel Temer? Que papel pode ter?
Acho que vai ser outro dos polos importantes para a definição de votos. A tendência do pessoal do centro para a esquerda é dizer que todos os candidatos do centro para a direita são candidatos do Temer. Henrique Meirelles, Rodrigo Maia, Geraldo Alckmin, Bolsonaro, Rodrigo Rocha. E livrar-se do Temer será o segundo espantalho da eleição. Quem conseguir terá mais chance eleitoral. Há ainda um terceiro polo, que é a definição em relação ao lulismo. Se o PT tiver um candidato, a eleição vai ser 'eleitores, olhem o que fizeram com o Lula. Então, salvem o Lula'. Mas o restante da centro esquerda como Ciro Gomes, Marina, Joaquim Barbosa, vão ter mais chances quanto mais captarem o lulismo. O que não significa transformar a eleição no 'salvem o Lula', mas captarem um discurso que a saída para o país é mais próxima do que aquilo que existia nos dois governos Lula.

Nesta eleição qualquer um parece acreditar ter esperança. Acredita mesmo que as legendas queiram se aglutinar?
O sistema político de 1993 para cá era estruturado em torno do PT e do PSDB e tinha o PMDB como linha auxiliar. PT e PSDB perderam muito com a crise. PT fortemente, com o Lula impedido de ser candidato. E o PSDB, mesmo tendo um candidato com chance, como o governador Alckmin, não é a sombra do que foi entre 93 e 2014. E o PMDB é o Temer. Se você for ao Nordeste, os líderes do PMDB dizem que nem conhecem o Temer. O Eunicio Oliveira vai apoiar o candidato do PT no Ceará. O Renan Calheiros só fala mal do Temer em Alagoas. Em Pernambuco eles estão completamente divididos. No Piauí há uma boa chance de uma parte do PMDB apoiar o candidato do PT a governador. Esse tripé que sustentava o sistema político se quebrou. Não é que esses partidos não vão mais ter importância. Eles vão. Mas não mais organizados neste tripé. E diante deste cenário muita gente colocou as manguinhas de fora. Disse: 'é minha vez'. Mas o que a gente não sabe é se eles são capazes de sustentar essa campanha até o final. Porque é uma campanha presidencial com menos dinheiro do que no passado, uma eleição casada, com eleição nos Estados e no Congresso, e uma eleição em que grande parte dos partidos vai querer priorizar no seu financiamento os candidatos ao Congresso Nacional e Assembleias Legislativas. Mas, mesmo assim, dada a quebra do tripé, nós vamos ter mais candidatos do que tivemos nos anos anteriores.

Agora se fala que o PT poderia abrir mão da cabeça de chapa em nome do Ciro Gomes. Acredita que é possível?
Possível é. Mas não dá para cravar qual é a decisão. O PT tem três opções hoje. Uma é fazer uma anticandidatura, não disputar, algo que alguns líderes do partido defendem, mas acho que a chance de isso sobreviver é quase zero. As duas chances mais efetivas mesmo são: ou apoiar candidato próprio ou apoiar candidato de outro partido. Claro que a tendência maior seria lançar candidato próprio se a gente levar em conta a história do PT. O PT sempre teve um tino mais majoritário, de querer comandar o processo político. Mas desta vez há um temor muito grande de não conseguir construir um candidato que substitua Lula. Os nomes do Jaques Wagner e do Fernando Haddad estão muito distantes do peso que o Lula tinha. Jaques Wagner tem problemas porque é investigado e tem uma eleição ao Senado garantida na Bahia. E Haddad é mais jovem na política, ganhou uma prefeitura importantíssima por São Paulo, mas a perdeu em primeiro turno. A aliança com Lula pode ocorrer por duas razões: uma é que não se consiga construir um substituto e outra é que Lula perceba que é melhor uma lógica de frente ampla do que de partido majoritário.

A pesquisa Datafolha mostrou uma queda na intenção de voto de Lula e o PT segue dizendo que ele será candidato até o fim. O PT tem um prazo limite para definir um plano B para a candidatura do ex-presidente antes de esse apoio se desidratar ou ainda é cedo para cravar isso?
Acho que o PT tem até junho para definir. Aí a decisão vai depender se Lula estará livre para fazer campanha para um candidato do PT, com bom potencial para transferir votos, nas ruas, sobretudo no Nordeste. Mas se ele continuar preso, nesse caso o apoio a um candidato (fora do PT) pode ser mais eficaz. Com ele preso é mais fácil e mais efetivo apoiar outro candidato de outro partido, alguém mais conhecido, como o Ciro ou o Joaquim Barbosa.

A decisão de Ciro Gomes de não visitar o Lula no sindicato na véspera da prisão não pode prejudicar esse plano de tê-lo como cabeça de chapa?
Pode atrapalhar. Mas Ciro tem defendido, ainda que de forma mais moderada, o Lula. Não tem feito o discurso de outros candidatos do centro para a direita, que é o de comemorar a prisão. Acho que a aposta do Ciro é que o PT lançará mesmo um candidato e que ele quer o apoio do partido em um eventual segundo turno. Por isso que ele tem uma relação ambígua. De um lado, ele critica a decisão relativa ao ex-presidente, mas, de outro, não se aproxima completamente do PT porque acha que o partido vai lançar um candidato próprio e não adianta ele estar lá.

Quando a gente olha para a Argentina, a gente vê que Mauricio Macri conseguiu unir aqueles que odiavam o peronismo. Por que no Brasil a direita não conseguiu fazer isso?
A maneira como o Temer chegou ao poder é muito diferente. Macri ganhou uma eleição democraticamente. A população o escolheu como substituto do peronismo, ninguém escolheu Temer como substituto do lulismo. Temer chegou ao poder como um traidor para uma parte da população e, ao longo do mandato, não conseguiu construir essa legitimidade, seja pelas denúncias de corrupção, seja pelo lado econômico e social.

Mas e os outros candidatos?
Há vários candidatos a Macri no Brasil. Candidatos que querem substituir o que foi a hegemonia do PT nos últimos anos. Alckmin, Meirelles, Maia, Flávio Rocha, o próprio Bolsonaro. E eles vão buscar os votos para se colocar como o substituto do lulismo. Só que é mais complexo no Brasil do que no peronismo. Para além da prisão do Lula, existe o fato de que o Brasil não é quase bipartidário como a Argentina. O Brasil é um país muito mais pluripartidário, no qual o segundo turno dá um peso importante na decisão final a grupos que são minoritários do ponto de vista do voto. O lulismo pode ser minoritário nesta eleição, mas ainda tem 25% dos votos. Colocar-se como substituto do lulismo pode ser bom. Dizer-se completamente anti-lulista pode ser ruim. Esse dado eleitoral que tem que ser friamente interpretado por todos aqueles que querem substituir o lulismo. Vão ter que pensar numa estratégia em que se coloquem como substitutos, mas que não se coloquem como completos inimigos.

Pensando para além da eleição: como se governa em um cenário como esse em que está tudo tão fragmentado?
A gente pode esperar sair desta eleição com um Congresso Nacional muito fragmentado. Com Governos estaduais com vários partidos governando pelo país. Vai ser um cenário em que a gente precisa fazer reformas que racionalizem o Estado e garantam um ajuste fiscal e ao mesmo tempo teremos que melhorar os serviços públicos urgentemente porque a desigualdade está aumentando. E fazer a mesma coisa ao mesmo tempo, não será fácil. E, por fim, a gente não sabe como esse presidente eleito vai sobreviver ao enorme tiroteio que vai ter nessa campanha. O quanto o Brasil vai conseguir ter um presidente em 2019 que assuma num cenário diferente do que assumiu Dilma Rousseff. Ela assumiu em um cenário em que as forças políticas não conseguiam entrar numa sala, sentar numa mesa e conversar. Acho que se não construirmos um cenário diferente será muito difícil governar o país. A grande questão é saber o quanto esse presidente eleito vai conseguir reduzir esse grau de polarização que existe na sociedade e dentro da política brasileira. Quanto mais ele reduzir e quanto mais ele abrir as portas para forças diferentes, mais chances ele terá de governar.


Hamilton Garcia: A Justiça por um voto

Em pleno séc. XXI, decorridos quase 200 anos da independência do Brasil, o supremo tribunal ainda discute o fim da impunidade no país. Sim, a egrégia corte se divide entre os que querem o fim do (virtual) foro especial por prerrogativa de meios, votando pela prisão do condenado esgotada a segunda instância forense, e os que defendem o conceito abstrato de presunção de inocência mesmo diante de um arcabouço legal que combina, astuciosamente, recorrências judiciais excessivas com prazos de prescrição penal generosos, tornando esses condenados inimputáveis, de fato, e “inocentes”, de direito.

A prisão de Lula — na esteira da detenção de Odebrecht, Cunha, e outros expoentes do sistema neopatrimonial — não passa de apenas mais um capítulo na longa batalha para pôr fim à justiça seletiva instituída entre nós ao longo dos séculos. O revolucionário veredicto sobre o Mensalão petista (2012) — esquema inspirado no Mensalão tucano de MG —, que, sintomaticamente, transformou o relator do caso, Joaquim Barbosa, em herói nacional, foi o primeiro sinal de que a democratização das estruturas de Estado poderia ter, enfim, um desfecho melhor no Poder Judiciário do que aquele verificado no Legislativo e no Executivo desde 1985.

Todavia, estamos longe de poder cantar vitória, basta ver a frente ampla articulada no Congresso Nacional, que vai do PT ao PP, passando pelo MDB e parcelas do PSDB, assim como no STF, que abrange de Toffoli&Lewandowski a M.A.Mello, passando por Mendes e um embaraçado (e hesitante) decano, todos a advogar do “estancamento da sangria” à impunidade possível — ou seja, prisão após terceira instância (STJ) com vagas promessas de reversão da chicana institucionalizada. O apertado placar (6×5) que negou acolhimento ao pedido de libertação de Lula, no STF, dá a dimensão do risco de retrocesso.

Iludem-se os que acham que estamos diante de mero conflito conjuntural, marcado pela polarização política. Antes, se trata de uma virada histórica em potência: de uma Justiça nascida sob o signo do colonialismo e do escravismo — que se adaptou, lenta e imperfeitamente, ao capitalismo sem as devidas rupturas —, à outra democrático-republicana, impulsionada pela redemocratização recente, que logrou alcançar os setores sociais marginalizados, através dos juizados especiais (pequenas causas, 1984) e da Defensoria Pública (acolhida na Constituição de 1988).

O que, na verdade, está em jogo, depois de muitas mutações acomodatícias, é uma ruptura com o DNA da Justiça brasileira, formado no encontro do direito costumeiro engendrado pelo latifundismo colonial dos donatários, e seu sistema de exploração escravista e despótica do trabalho nas plantations — onde o senhor de terras (e pessoas) exercia poderes de magistratura e de administração local, inclusive cobrando tributos[1] —, com a emulação do direito jurídico liberal-burguês sob a égide dessa dominação. A variante liberal do nosso código de leis foi, para além do marginalismo intelectual de nossas elites, denunciado por Oliveira Vianna[2], um emolduramento para a problemática emergência da sociedade civil (burguesa) no Brasil, com poucas mudanças reais na vida material de trabalhadores rurais e urbanos.

Assim, não só a institucionalização da Justiça, no Império, esteve na dependência das relações econômico-sociais mercantilistas, como, em seu desenvolvimento ulterior capitalista (República), o sistema político alicerçado sobre esta dominação vetou mudanças democráticas, traduzindo em sentido reacionário, nas leis, a máxima conservadora hobbesiana da “justiça como a distribuição a cada um do que é seu”[3], cabendo, como de hábito, à grande maioria da população quase nada em termos de garantias (caso da pequena-burguesia e dos trabalhadores urbanos) ou efetivamente nada (caso dos trabalhadores rurais).

Enquanto no Brasil do séc. XIX o Estado se desenvolvia sob a égide monopolista do exclusivismo agrário-mercantil, nos EUA do séc. XVIII o capitalismo do Nordeste dava mostras do poder da livre-iniciativa nativa ao vincular Justiça e bem comum na Constituição da nação (1787), deixando aos escravistas a jurisdição regional (Sul), abrindo, assim, as portas para a modernização sem inviabilizar a economia e a unidade do país — adiando o conflito radical (guerra civil) por quase um século. Entre nós, ao contrário, o “Norte” — que aqui era SP — se viu cercado por um “Sul” — que aqui era o Nordeste — generalizado, que impôs ao país a pax oligárquica da qual estamos tentando nos livrar até hoje, baseada em princípios gerais de igualdade e justiça, sustentados nas constituições, porém, desmentidos por leis específicas de exceção ao princípio basilar — como o foro privilegiado para autoridades que praticam crimes comuns — e por normativas processuais que engendram mecanismos reais de fuga da sentença para ricos e empoderados.

Tudo isso, hoje, está em cheque, mas, politicamente falando, é possível que a virada paradigmática em curso não encontre sua melhor expressão, nas eleições que se aproximam, em candidaturas democráticas antineopatrimonialistas, dada a inclinação das esquerdas, de variados matizes, e do centro, à conciliação de coisas inconciliáveis. Se esta impressão se confirmar, infelizmente, a mudança virá por meio dos intempestivos movimentos jacobinos de sempre, que, amiúde, acabam, por falta de discernimento e excesso de convicções, provocando efeitos colaterais imprevisíveis e indesejáveis, sem, necessariamente, entregar o que promete.

[1] Vide Karina B. Pinheiro, O Poder Judiciário através da história, in. <http://ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=17685&revista_caderno=9#_ftnref4>.

[2] Instituições Políticas Brasileiras (vol. II), ed. Itatiaia-USP-UFF/BH-SP-Niterói, 1987, cap. I.

[3] Apud Renato J. Ribeiro, in. F.Weffort, Os Clássicos da Política (Vol. 1), ed. Ática/SP, 1989, pp. 72-73.


Ricardo Noblat: Joaquim é o novo

Te cuida, Bolsonaro!

Espreme daqui, espreme dali, e são poucas as surpresas colhidas pela mais recente pesquisa de intenção de votos do Instituto Datafolha revelada nesta madrugada. A saber:

# O novo é Joaquim Barbosa;

# Marina Silva está bem à beça;

# Sem Lula no páreo, Bolsonaro não irá a lugar algum.

O juiz do mensalão filiou-se ao PSB há menos de 15 dias. Sem a garantia sequer de que será o candidato do partido à sucessão do presidente Michel Temer.

Mas bastou para mostrar que poderá ir longe. Nas grandes cidades, tem 12% das intenções de voto contra 6% de Geraldo Alckmin, candidato do PSDB. Empata com Alckmin no Sudeste.

Alckmin, Marina e Ciro Gomes já foram candidatos a presidente. Barbosa jamais disputou eleição, nem mesmo para síndico de prédio. Por ser negro, Lula o indicou para ministro do Supremo.

Com Lula preso e impedido de concorrer, Marina empata com Bolsonaro nas simulações de primeiro turno. E no segundo turno, vence Alckmin (por 27 pontos) e Bolsonaro (por 13 pontos).

Acendeu a luz vermelha no bunker de Bolsonaro, agora denunciado por crime racial. Ele corre o risco de até agosto, antes do início oficial da campanha, ser ultrapassado por Marina, Ciro e Barbosa.

Como o PT, Bolsonaro é também luladependente. Carece de apoio entre os maiores partidos. E seu tempo de propaganda no rádio e na televisão será ínfimo.

Alckmin vai como sempre, se arrastando e represado onde poderia ir bem pela candidatura de Álvaro Dias, do PODEMOS, que lhe subtrai algo como uns cinco milhões de votos no Sul.

Os dois aspirantes a substituir Lula como candidato, Fernando Haddad e Jaques Wagner, por ora patinam no fim da fila. Torcem para que Lula não seja esquecido e possa abençoar um deles.

Sim, em tempo: no país da jabuticaba, mais uma foi inventada – a de se testar em pesquisa as chances de quem está preso e não será candidato.

Lula perdeu parte dos votos que tinha na pesquisa anterior, de janeiro. Passou para 62% o percentual dos que não acreditam que ele será candidato. Sua prisão é considerada justa por 54%. Já era.

https://veja.abril.com.br/blog/noblat/joaquim-e-o-novo/


Murillo de Aragão: Democracia e instituições no Brasil

Pari passu com o processo de democratização no Brasil temos um processo de institucionalização que corre lentamente, com idas e vindas. A democratização sempre conta com o apoio da mídia e da academia, o que não acontece com a institucionalização. E esse descompasso no tratamento dessas duas questões não tem sido percebido de forma adequada.

A democratização sempre foi vista como um objetivo inexorável e erga omnes a ser atingido pelo País. Já a institucionalização, nem tanto. Qual a razão? Devemos olhar para o nosso passado, tempo em que as relações pessoais eram sempre mais importantes que as relações institucionais.

Mas, ao largo do interesse pontual de se relacionar com os Poderes por meio de conexões pessoais, a fragilidade das instituições no País decorre também da visão esquerdista, uma espécie de software residente da academia e de setores da imprensa para interpretar o Brasil.

O processo de “desinstitucionalizar” o Brasil se dá pelo enfraquecimento das instituições, por sua desmoralização e, também, pelo aplauso ao conflito institucional. Por exemplo, a criação de matérias acadêmicas sobre o “golpe” contra Dilma mostra o viés “desinstitucionalizante” de setores da academia.

Poderiam estudar, por exemplo, a desistitucionalização no governo Dilma, em que ministros eram bypassados por secretários e a hierarquia e o federalismo, repetidamente desvalorizados.

Para os esquerdistas mais obtusos, as instituições estão a serviço das classes dominantes. E quando não estão a serviço do seu projeto de poder (das esquerdas), devem ser fragilizadas. Pois, fortalecidas, favorecem o establishment.

Fazendo um exercício básico: a intervenção federal na Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro é uma expressão do governo; o governo é inimigo das esquerdas por ter “derrubado a presidente Dilma Rousseff”; portanto, a intervenção deve ser fragilizada.

O fato de a imensa maioria da imprensa e da academia acreditar que os políticos são corruptos e a política é corrompida favorece a tese de que nada que venha do mundo político pode ser considerado legítimo. Mesmo que tenha amplo apoio popular.

Por isso qualquer iniciativa que fortaleça o establishment não interessa. Pois trabalha contra duas teses em voga: a total – e utópica – renovação da política e a volta do mundo esquerdista ao poder.

A desmoralização das instituições é amplificada por um vício de destacar o veneno e não a cura. Não cultivamos a reflexão a ponto de destacar que o governo e as instituições não são necessariamente e o tempo todo “do mal”. O que reflete um grave desconhecimento da sociedade sobre a necessidade da política.

Para tristeza dos marxistas, as teorias são frequentemente desmoralizadas neste recanto tropical. As instituições no Brasil não estão a serviço dos poderosos nem das classes dominantes.

As instituições, numa sociedade fraca como a nossa, estão a serviço dos próprios interesses daqueles que as controlam. E como o Estado é mais poderoso do que a sociedade, as classes dominantes são as corporações de burocratas. Cuja narrativa de fortalecimento do Estado visa, acima de tudo, fortalecer o domínio dessas corporações sobre o Estado e, por conseguinte, sobre a sociedade.

Daí vivermos sob o jugo do corporativismo de auxílios-moradia, seguros odontológicos, férias e recessos prolongados, aposentadorias precoces, sistemas diferenciados de aposentadoria, auxílio-paletó, burocracia excessiva, precariedade de serviços públicos e sistema tributário caótico, entre outros desvios.

A desmoralização das instituições também ocorre quando, no afã de atender a pressões midiáticas, se tomam decisões “não institucionais”, vulnerando a lei, violando a Constituição, estimulados pelo ativismo judicial. No processo de desmoralização das instituições, consideram-se aceitáveis os excessos do ativismo judicial e as frequentes soluções pela via da judicialização.

O establishment político não é apenas vítima de uma perversa conspiração para enfraquecê-lo e daqueles que submetem as instituições aos interesses das corporações. O comportamento dos políticos e as regras da política também são claramente desinstitucionais ao não combaterem a supremacia do Estado sobre a sociedade e terem promovido relações espúrias do capitalismo tupiniquim com empresas estatais, por meio de doações e propinas. Entre muitos outros desvios.

No Brasil, a Presidência da República também é, por excelência, um elemento de desinstitucionalização, por acumular poderes que desequilibram o federalismo e a relação com os outros Poderes.

Da mesma forma, a excessiva autonomia do Ministério Público Federal é um elemento que, sob a justificativa do bem comum, enfraquece as instituições, ao fomentar decisões não apenas transversais, mas com verticalidades que desmontam a hierarquia dentro e entre os Poderes.

Em suma, vivemos um quadro de grande desordem institucional que não é conjuntural. Decorre, como vimos aqui de forma sintética, de vários fatores históricos e estruturais de nosso sistema político.

Porém, ao final de tudo, o que mais espanta é o fato de não existirem grandes questionamentos sobre o tema. Predominam visões que sancionam ou descredenciam os movimentos a partir de interesses, e não de princípios.

No entanto, a construção de uma democracia de verdade impõe instituições fortes que operem dentro de marcos constitucionais e legais claros. Devemos, o quanto antes, retomar o caminho do fortalecimento de nossas instituições.

* Murillo de Aragão é consultor, advogado e cientista político, doutor em sociologia (UNB), é professor adjunto da Columbia University (Nova York)

 


Luiz Sérgio Henriques: Populismos e democracia bloqueada

Nos anos 70 do século passado Enrico Berlinguer, talvez o último grande dirigente do comunismo histórico, extraía para seu país, a conturbada Itália, uma lição advinda da tragédia de Salvador Allende na então distante América Latina. Impossível traçar, dizia Berlinguer, uma estratégia de superação das contradições mais agudas de uma sociedade – qualquer que fosse ela, mas especialmente as sociedades mais desenvolvidas – se a nação estivesse partida, digladiando-se ferozmente em metades inconciliáveis. Não bastaria à esquerda ter 50% mais um dos votos do eleitorado para levar adiante suas propostas: o apoio teria de ser mais amplo, as motivações, mais argumentadas e, particularmente, nenhuma dúvida poderia pairar sobre a obediência estrita das principais forças mudancistas às exigências da democracia política.

Não importa que a História se tenha mostrado bem mais imprevisível do que um político sofisticado como Berlinguer podia admitir com sua generosa estratégia de compromisso entre todos os democratas, muito além dos muros da cidadela da própria esquerda. O dado essencial a ser aqui considerado é que a partir de então, se dúvida havia, nenhuma esquerda podia mais pôr em questão o fato de que, para se credenciar a um papel dirigente, de nada lhe valeria colocar-se fora da dialética democrática em seu sentido mais estrito – a validação dos resultados eleitorais, a legitimação conferida aos adversários, a admissão da alternância no poder. Estratégias ou palavras de ordem inutilmente divisivas seriam pagas com o fracasso dos reformistas ou, pior ainda, com a perda da noção de um terreno comum a todos os cidadãos e definidor dos patamares mínimos de convivência.

O PCI de Berlinguer, a propósito, pisava em campo minado, que não podia ser transposto segundo a perspectiva da época. O sistema estava bloqueado nos termos da guerra fria. Havia o que se convencionou chamar de “sistema de poder” em torno dos democratas-cristãos e tal sistema se reproduziria aparentemente de modo indefinido, produzindo, entre outras coisas, o que os comunistas italianos não hesitavam em chamar de autêntica “questão moral” – e seus críticos viam como moralismo sem alcance estratégico. A ocupação do Estado pelos mesmos partidos, ainda que longe da patologia dos partidos-Estado do Leste Europeu, era causa de degradação dos costumes políticos e administrativos. E não podia prenunciar boa coisa. O bloqueio seria rompido menos pela política partidária do que pela irrupção clamorosa de uma operação judicial inédita até então, a qual, surpreendentemente, reverberaria no Brasil de nossos dias.

A ideia de que nos anos dourados do petismo se estava a gerar algo como um extraordinariamente resistente “sistema de poder” é uma boa pista a explorar. Episódios como o mensalão e o petrolão, entre outros, pareceram obedecer a uma lógica de ocupação numa escala desconhecida em nosso sistema político-partidário, que, diga-se de passagem, nunca se notabilizara pela transparência nos custos de campanha e no financiamento de suas atividades em geral. Havia aqui, como os autos indicam, “tenebrosas transações” entre empresas públicas, dirigentes partidários e grandes companhias privadas, capazes de gerar recursos para campanhas eleitorais com custos fora de qualquer controle – e os inevitáveis desvios colaterais para bolsos privados.

O sistema, assim, passou a funcionar simultaneamente sem transparência, limite ou controle da parte dos cidadãos. Alguém poderá argumentar, e terá razão, que se trata de práticas herdadas do passado, em geral tacitamente admitidas, e que o maior partido oposicionista, entrincheirado em dois dos principais Estados da Federação, teria sido responsável por criar e manter azeitados mecanismos de poder. No entanto, sem negar essa pesada responsabilidade, pode-se retrucar que o esquema petista exacerbou as irregularidades em termos tanto quantitativos quanto qualitativos. Não estávamos aqui diante de empreendimentos locais ou regionais, mas de um fenômeno que, pela primeira vez, chegava a ultrapassar as fronteiras do País.

Este último ponto merece atenção. Recursos financeiros e estratégias políticas se misturaram de modo explosivo por toda a América Latina, num tempo em que se passou a afirmar a hipótese problemática – para ser cauteloso – de certo “socialismo do século 21”. Bem pesadas as coisas, tratava-se menos de socialismo que de um ataque populista de esquerda à democracia representativa, de conteúdo diverso, mas formalmente não muito diferente dos ataques populistas de direita que assolam a Europa e a América do Norte e, infelizmente, também já não nos poupam.

Longe da melhor tradição comunista, evocada na figura de Berlinguer, o recurso expressivo típico desses populismos, na variedade de suas manifestações, é a retórica e a prática divisiva e confrontacional. Pretenderam cancelar o passado e refundar as nações, mas os resultados, uma vez no poder, foram medíocres ou catastróficos, como no caso venezuelano – veia aberta no continente. A técnica de construção de blocos de poder supostamente inamovíveis, exportada para os parceiros latino-americanos do petismo, tornou-se, contra a intenção de seus promotores, um verdadeiro teste de solidez das instituições democráticas, desafiadas a enfrentar subornos, escândalos e até crises de impeachment numa dezena de países.

Uma esquerda forte e plural é condição necessária, ainda que não suficiente, para a efetivação de uma agenda social digna do nome, bem como de um regime de liberdades que garanta essa agenda e seja por ela nutrido. Uma coisa nunca vai sem a outra: não há progresso social sem voto e democracia “formal”. Entre nós e esse caminho virtuoso ainda se interpõem os populismos de esquerda e de direita, que deveriam ser, mas não são, fato marginal ou lembrança do passado.
 


Merval Pereira: Uma disputa infindável

A disputa que está em processo dentro do Supremo Tribunal Federal terá mais um capítulo na próxima semana quando o plenário analisará o habeas corpus ao deputado Paulo Maluf. Esse caso tem importância crucial no desenrolar dos acontecimentos em curso porque discute dois pontos que podem interferir em outras ações.

O primeiro é a possibilidade de um ministro do Supremo desautorizar uma decisão de outro ministro, o que é proibido por uma súmula e nunca havia acontecido antes. Foi o que fez o ministro Dias Toffoli ao receber um recurso da defesa do deputado paulista e conceder o habeas corpus que havia sido negado monocraticamente pelo ministro Edson Fachin. Como se trata de matéria controvertida, o próprio Toffoli pediu que o caso fosse levado ao plenário. Ele alega que tomou essa decisão pelo estado de saúde do preso, que se deteriorava a cada dia. Uma gesto humanitário, justifica.

O plenário vai ter que decidir se esta prática passará a ser corrente no Supremo, ou se foi um caso especial que não dá margem a outros. Ou mesmo se Maluf deve voltar para a cadeia. Esta anomalia já está produzindo frutos, pois vários advogados já entraram com ações no STF pedindo para que a decisão de Fachin de negar o habeas corpus a Lula seja revista por outro ministro.

Não parece ter sentido neste caso, pois o habeas corpus de Lula foi negado pelo plenário, e já não é uma decisão monocrática do relator da Lava-Jato. Mas se ficar assentado que um ministro pode desautorizar outro, a guerra aberta estará declarada entre os componentes do STF.

A ação de Maluf tem outro ponto importantíssimo. É que o recurso da defesa de Maluf foi feito com base num embargo infringente, pois o deputado teve na Turma que o condenou um voto favorável. O ministro Fachin disse que não são cabíveis embargos infringentes nas Turmas e vetou a pretensão, ao contrário de Toffoli, que, sempre alegando razões humanitárias, aceitou o recurso. Se essa novidade for chancelada pelo plenário do Supremo, teremos nas Turmas julgamento embargos infringentes, embargos de declaração, embargos dos embargos, todos os instrumentos usados para procrastinar o resultado final de um julgamento.

Não há uma explicação formal para a não previsão dos embargos nas Turmas no regimento interno do Supremo. O caso foi discutido no julgamento do mensalão, quando o presidente do Supremo na época, Joaquim Barbosa, defendeu que os embargos infringentes deixaram de existir nas ações originárias dos tribunais superiores depois da edição da Lei 8.038/90, que regulamentou os processos naqueles tribunais de acordo com a Constituição de 1988, sem prevê-los.

Quem vai ter uma decisão difícil será o ministro Luís Roberto Barroso, que, no julgamento do mensalão, foi a favor dos embargos infringentes e acabou ajudando a rever as penas de réus importantes, como José Dirceu, que escapou do crime de quadrilha. Ele havia dito, na sabatina do Congresso, que em teoria os embargos não existiam mais, mas, ao tratar do caso concreto, os aceitou. Na decisão de agora, terá que assumir uma posição sobre o mesmo assunto com repercussão no trâmite dos processos, que ele luta para serem objetivos e não darem margem à procrastinação das penas. O STJ, que foi criado depois da Constituição de 1988, não prevê esses embargos.

Esses são os desdobramentos do choque de visões dentro do Supremo Tribunal Federal, já tratado aqui na coluna nos últimos dias. O que está havendo é uma disputa, de um lado filosófica sobre o que é o Estado de Direito, a defesa dos direitos individuais, um grupo, que hoje é minoritário, considera que a operação Lava-Jato, os procuradores de Curitiba e o juiz Moro estão se excedendo com as prisões provisórias alongadas, obrigando os presos a fazerem delação premiada; e alegam que está sendo decretado o fim do habeas corpus, um instrumento básico da democracia. E do outro lado, o grupo hoje majoritário acha que a Justiça tem que ter efetividade, que a manutenção do status quo vai fazer com que continue a impunidade a pessoas que tenham poder político, prestígio social ou dinheiro para pagar bons advogados.

A luta pela prisão em segunda instância pode também ter um desdobramento esta semana dependendo da decisão do ministro Marco Aurélio de encaminhar ou não à votação a liminar rejeitada pelo Partido Ecológico Nacional (PEN) para exame de uma ação que propõe que cessem as prisões em segunda instância até que sejam votadas as ações que tentam acabar com a possibilidade dessa prática.

É exemplar dessa disputa, que em uma visão mais crua opõe os que querem a manutenção do status quo àqueles que querem dar mais efetividade às decisões da Justiça, o grupo minoritário querer acabar com ela, voltando ao trânsito em julgado, e agora incluindo os embargos infringentes no julgamento das Turmas, dando uma margem de recursos imensa e que quase sempre favorece a prescrição da pena.