Eleições
Rogério Furquim Werneck: Chegar a outubro
Há profusão de propostas de armações fiscais prontas para serem impostas a governo que se mostra cada vez mais frágil
A esperança de que o vigor da recuperação da economia pudesse ter efeito favorável sobre a evolução do quadro eleitoral vem se mostrando infundada. Na verdade, o que se observa no momento é justo o contrário: a prolongada indefinição do quadro eleitoral vem tendo efeito adverso sobre o vigor da recuperação. As expectativas de crescimento do PIB, em 2018, vêm sendo rapidamente revisadas para baixo. A expansão de 3%, que parecia crível em janeiro, já passou a ser considerada irrealista.
Com o país já a quase cinco meses das eleições e ainda em meio a tanta incerteza acerca do desfecho da disputa presidencial, a apreensão com a insustentabilidade do quadro fiscal tornou-se muito mais incômoda. Já não pode ser tão facilmente descartada com base na velha alegação escapista de que ainda há tempo de sobra para se equacionar o problema e que, de uma maneira ou de outra, a crise fiscal acabará superada. Não chega a ser uma surpresa que, nessas circunstâncias, a retomada dos investimentos, e até do consumo, continue em boa parte entravada.
É reconfortante que a saída de Henrique Meirelles da Fazenda, num momento em que o presidente passou a enfrentar novo processo de fragilização, não tenha dado ensejo a enfraquecimento da equipe econômica. Muito pelo contrário. Por paradoxal que possa parecer, a equipe se fortaleceu. A nova escalação da Fazenda é o melhor seguro com que agora conta o país para continuar a crer que as contas públicas permanecerão sob relativo controle até o final do ano.
Mas não há como ter ilusões. O jogo mudou. Tudo indica que o governo não conseguirá entregar a maior parte das 15 medidas alardeadas em fevereiro que, mesmo sem a reforma da Previdência, supostamente dariam força ao círculo virtuoso que se vislumbrava no final do ano passado. Assediado de novo pelo Ministério Público e fadado a perder boa parte do escasso capital político que ainda lhe resta, o presidente parece já não nutrir fantasias sobre o que o final do mandato lhe reserva. A agenda do Executivo com o Congresso passou a ter caráter essencialmente defensivo: proteger a retaguarda do presidente, no seu embate com o Ministério Público, e evitar a aprovação de medidas que tornem o quadro fiscal ainda mais difícil do que já é.
É natural que, com a proximidade das eleições, parte importante da batalha pela preservação do controle fiscal venha sendo travada dentro do próprio Executivo. Na esteira da decepção com o vigor da recuperação da economia e, especialmente, com o ritmo de queda do desemprego, a equipe econômica vem tendo de se desdobrar para conter a prodigalidade fiscal, dentro do governo. Nem sempre com sucesso, como bem ilustra a emblemática decisão do Planalto de conceder ao Bolsa Família reajuste acima da inflação, em meio ao pavoroso atoleiro fiscal em que o país está metido.
Tirando bom proveito da fragilidade do Planalto, a base governista parece cada vez mais voraz no seu empenho em extrair benesses do governo. Na derrubada de vetos presidenciais a excessos do Congresso nessa extração de benesses, tem havido conluio escancarado entre os interesses contrariados na base governista e seus representantes no ministério de Temer.
Tanto no Congresso como no âmbito do próprio Executivo, há uma profusão de propostas de armações fiscais prontas para serem impostas a um governo que se mostra cada vez mais frágil. Liberalidades com o FGTS, linhas de crédito indefensáveis da Caixa Econômica, ampliação dos recursos para financiamento público de campanhas eleitorais, operações de salvatagem de governadores falidos, linhas de financiamento para governos municipais e novos perdões absurdos de dívidas fiscais.
Não há como subestimar as dificuldades que terão de ser enfrentadas pela equipe econômica nos próximos meses, para que consiga evitar sério agravamento do quadro fiscal. Chegar a outubro com contas públicas sob relativo controle exigirá longa travessia em campo minado.
Depois de outubro, será o que as urnas quiserem.
* Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio
Nelson Motta: Aquele momento fatal
A meia hora fatal em que Lula e Dilma se trancaram em uma sala, e ela saiu candidata à reeleição, mudou o rumo do Brasil
Com a participação de todas as suas correntes internas na discussão dos programas do partido e na ocupação de cargos de governo, com suas assembleias intermináveis, o PT sempre se orgulhou de sua democracia interna, de ser um partido sem caciques — embora comandado por Lula e José Dirceu.
Lula sempre mandou no partido, nas executivas, nos diretórios, nas assembleias, em Dirceu, mas reinava principalmente nos comícios, insuperável com sua inteligência, seu histrionismo, sua malandragem política e suas bravatas que incendiavam a militância. Que partido não gostaria de ter um líder com o carisma e a personalidade de Lula?
O lado ruim de ter um líder carismático absoluto, cultuado e incontestável é depender de suas decisões pessoais, de acordo com as suas conveniências de momento.
Ao indicar no “dedaço” Dilma Rousseff para presidenta, enfrentando profundas e fundadas resistências no partido, afinal o DNA dela era brizolista, assumiu o seu maior risco — e conquistou a sua maior vitória. Depois, para eleger Fernando Haddad prefeito de São Paulo, chegou a fazer uma aliança e posar ao lado de Maluf, para estupor dos petistas de todas as correntes. E, cheio de orgulho e certeza, cunhou uma de suas grandes frases: “De poste em poste vamos iluminando o Brasil”.
Se houvesse democracia interna no PT, com convenções para escolher candidaturas, em 2014 Lula teria sido aclamado pelo partido para a sucessão de Dilma e massacraria Aécio Neves. Mas, assim como a havia escolhido imperialmente, Lula teria que discutir com a rainha, só com ela, a sua sucessão.
Aquela meia hora decisiva em que os dois se trancaram em uma sala, e Lula saiu abatido e Dilma candidata à reeleição, mudou o rumo do PT e a História do Brasil. No momento em que sua força, sua experiencia e sua inteligência foram mais necessários, Lula piscou. E Dilma ganhou no grito, rompendo o acordo de o poste devolver-lhe o trono depois de quatro anos.
O resto é história, com as consequências funestas que teve para o Brasil, para o PT e para Lula, porque um grande líder popular quase religioso e infalível falhou num momento fatal.
El País: “Não se pode permitir que o Judiciário escolha quem governa e quem pode ser eleito”, diz Eloísa Machado
Para advogada especialista em estudos sobre o Supremo, o STF tem pautado cada vez mais as eleições presidenciais
Por Marina Rossi, do El País
Na última terça-feira, o Supremo Tribunal Federal decidiu retirar das mãos do juiz Sérgio Moro parte das delações da Odebrecht que citam o ex-presidente Lula no caso do sítio de Atibaia. Dois dias depois, Moro desafiou o Supremo, decidindo que a ação deveria permanecer em Curitiba. Para Eloísa Machado de Almeida, especialista em Direitos Humanos e uma das coordenadoras do Supremo em Pauta, é difícil saber o que as decisões, tanto do Supremo, quanto de Moro, podem significar em termos práticos. Mas ela arrisca dizer que o juiz de Curitiba está "inaugurando uma queda de braço" com o STF. "Imagino que muito em breve teremos um novo pronunciamento do Supremo sobre isso", disse, em entrevista ao EL PAÍS.
A especialista também fala sobre os diferentes tratamentos da Justiça diante dos réus políticos. Isso porque, na mesma terça-feira, em Minas Gerais, o Tribunal de Justiça dava mais passo para a lenta caminhada da condenação do ex-governador mineiro ex-presidente do PSDB Eduardo Azeredo. Por um placar apertado – três a dois – os desembargadores rejeitaram os embargos da defesa de Azeredo e mantiveram a pena de 20 anos de prisão pelos crimes de peculato e lavagem de dinheiro no caso conhecido como mensalão tucano. "O grande desafio que está colocado é a capacidade da Lava Jato ir além de Lula", diz. "Mas que não se trata do mesmo tratamento [entre um político e outro], isso é evidente".
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
Pergunta. O que essa decisão mais recente da segunda turma do Supremo, de tirar das mãos de Moro parte das delações que envolvem o processo do sítio de Atibaia, significa?
Resposta. O Moro já decidiu que não vai enviar este caso para a Justiça de São Paulo.
P. Mas ele pode fazer isso?
R. Eu acho que ele está inaugurando uma queda de braço com o Supremo. O que ele diz é que o acórdão sequer foi publicado, o que é verdade, e que não há uma referência direta sobre quais partes do processo devem ser remetidas a São Paulo. Ou seja, Moro está resistindo a essa decisão. Por isso acho que muito em breve teremos um novo pronunciamento do Supremo sobre isso. Talvez explicando quais fatos relativos ao processo de Atibaia não têm conexão com a Petrobras, justificando assim a decisão de tirar da Lava Jato.
P. Na mesma terça-feira, a Justiça de Minas Gerais deu mais um passo para a condenação de Eduardo Azeredo. O processo é sobre um crime que teria ocorrido há 20 anos. Diante de um julgamento que ocorreu em tempo recorde, o do ex-presidente Lula, há dois pesos e duas medidas?
R. O grande desafio que está colocado é a capacidade de a Lava Jato ir além de Lula. Alguns movimentos ocorreram logo após a prisão dele, como o recebimento da denúncia contra Aécio Neves e agora essa nova etapa do caso de Azeredo. Mas não se trata do mesmo tratamento e isso é evidente. Principalmente quando falamos em prisão, porque estamos falando de um símbolo muito forte para uma pessoa que vive da imagem pública como Lula. Tem um efeito simbólico que vai para além da condenação. E até agora não houve nenhuma prisão de alguma figura no mesmo nível de Lula.
P. Nas eleições de 2014, elegemos um Congresso ultraconservador. Naquela época, o Supremo, era visto como uma espécie de boia de salvação no debate de pautas mais progressistas. Discussões como a da descriminalização do uso da maconha e do aborto avançavam na corte, enquanto emperravam na Câmara ou no Senado. De lá para cá as coisas mudaram? Como enxerga os últimos quatro anos de atuação do Supremo?
R. O Supremo mudou. Aquele Supremo que julgou pesquisas com células tronco e ações afirmativas, por exemplo, não é mais o mesmo. Houve uma mudança relevante de composição no tribunal e de fato, agora, o tribunal não tem conseguido avançar em grandes matérias referentes aos direitos humanos. Ainda que algumas matérias tenham sido votadas, como demarcação de terras quilombolas, o reconhecimento de união para pessoas de mesmo sexo, as cotas para negros nos concursos públicos. Houve uma série de algumas ações positivas em relação aos direitos humanos, mas a impressão que a gente tem é que esses casos foram julgados com bastante esforço, sobretudo a demarcação de terras quilombolas. Não foram casos fáceis de passar no Supremo. Havia resistência, foram sessões interrompidas. Não é mais um tribunal que tem na predominância da sua pauta ações de direitos humanos.
P. Isso é só porque a composição mudou? Ou tem outro fator relevante para ser levado em consideração?
R. Tem outras coisas. Um fator, claro, é a composição. Você muda a composição, muda o tribunal. E isso faz diferença. Há também uma agenda que se instalou no Supremo, talvez desde o mensalão, de combate à corrupção. E aí, de certa maneira, as duas grandes operações, o mensalão e a Lava Jato, acabaram por monopolizar ou deixar quase monopolizada a pauta do Supremo para esses temas. E desde 2014, também com a deflagração do processo de impeachment da Dilma, o que a gente vê é o Supremo Tribunal Federal no centro da crise institucional brasileira, não necessariamente ajudando a resolver essa crise, e trazendo questões como por exemplo o afastamento do presidente da Câmara dos Deputados, afastamento de presidente do Senado, ou sobre prisão em flagrante de senador, suspensão de exercício de mandato de senador, prisão em segunda instância... Ou seja, o STF de 2014 para cá é o STF do impeachment, da Operação Lava Jato e o STF que marcou uma nova forma de relação com os demais poderes, impondo o que eu tenho chamado de uma agenda de moralização da política. Ainda que você possa ter, e claro, como tem, a relevância da descoberta de alguns casos de corrupção, o tribunal de certa maneira aproveitou a Operação Lava Jato para impor o que ele considera ser uma visão adequada de Justiça.
P. Você acha que o STF está funcionando como deveria funcionar?
R. Não, não está. Essa agenda de moralização da política é muito perniciosa para o ambiente democrático. Tribunais com agenda são bastante complicados em uma democracia e quando a gente analisa especificamente as ações, todas elas são ações tomadas em momentos de excepcionalidade, o que trouxe uma grande insegurança para o cenário jurídico. O exemplo mais recente, claro, é o da prisão em segunda instância, onde, por conta da excepcionalidade da Operação Lava Jato, se muda o entendimento, depois com votos contados se volta atrás, e em razão da excepcionalidade do caso do Lula não se revisita esse tema. Isso sem mencionar o poder enorme ao qual o Supremo se autoconferiu ao se permitir por exemplo suspender o exercício de mandato de deputados e senadores. Isso não é uma medida prevista na Constituição, foi uma medida adotada no caso do [ex-presidente da Câmara dos Deputados] Eduardo Cunha, agora novamente no caso do senador Aécio Neves [o Senado derrubou mais tarde a decisão do STF] e mostra o grau enorme de interferência do Supremo em relação ao sistema político. Claro, tem muita coisa na Operação Lava Jato que é um processo criminal, que é interpretação, que pode ser mais ou menos dura em relação ao crime de corrupção, que envolve caixa 1, caixa dois, toda essa jurisprudência mais ou menos pesada em relação a essa agenda de combate ao crime. Mas associada à Operação Lava Jato tem também uma proposta de moralização da política que no meu entender é bastante negativa.
P. Como esse superpoder do Supremo pode interferir nessas eleições?
R. Já está interferindo. Eu não tenho dúvida de que essas eleições estão pautadas talvez mais pelo Supremo Tribunal Federal do que pelo próprio sistema político. A gente tem um pré-candidato à presidência que teve seu caso julgado recentemente, que é o Lula, que teve seu caso julgado no Supremo e em razão disso foi preso e está cumprindo provisoriamente a sua pena. Outro pré-candidato à presidência da República muito bem colocado nas pesquisas, o Bolsonaro, já responde a um processo no Supremo, que é o crime de injúria contra a deputada Maria do Rosário [em 2014, Bolsonaro disse à deputada petista que não a "estupraria" porque ela "não merecia], e ele também pode ficar fora da disputa presidencial caso seja condenado, e tem uma nova denúncia agora apresentada pela Procuradoria Geral da República que ainda não foi julgada pelo Supremo [a PGR apresentou no último dia 13 uma denúncia contra Bolsonaro pelo crime de racismo. Em abril de 2017, o deputado disse em uma palestra que quilombolas "não servem nem para procriar"].
P. E são esses dois pré-candidatos que estão liderando as pesquisas.
R. Pois é. É evidente que tem uma relação muito grande do Supremo com as eleições. Há uma terceira figura relevante agora que é o Aécio Neves (PSDB) que se tornou réu. Além de outras várias decisões que mudaram drasticamente a maneira das eleições, como, por exemplo, a proibição do financiamento privado de campanha. São muitas decisões sobre o sistema eleitoral e essas decisões hoje, especificamente as que se referem à Operação Lava Jato, estão pautando o cenário eleitoral.
P. Isso poderia ser o reflexo de uma crise institucional?
R. Sem dúvida. Uma das coisas que foram reveladas durante esse processo é o grau de promiscuidade de parte da nossa classe política, mas isso não pode servir de pretexto para que o direito substitua a política. Claro, todos esses casos devem ser investigados e devidamente punidos, mas não se pode permitir que o judiciário escolha quem governa e quem pode ser eleito. Isso gera problemas muito grandes para a qualidade da nossa democracia. E o que a gente vê hoje é que de fato, com este grau de abrangência do Supremo e da Operação Lava Jato, tudo é decidido no âmbito do Judiciário.
P. E neste contexto, temos um ex-presidente do Supremo que nem lançou a sua pré-candidatura e já aparece nas pesquisas com 10% das intenções de voto. Como você enxerga a possível candidatura de Joaquim Barbosa?
R. Ele se tornou uma figura bastante popular em razão talvez desta postura bastante dura na ação penal 430, o mensalão. E isso não é só o caso de Joaquim Barbosa. Se a gente analisar o fenômeno que se desenvolveu em torno da figura de Sérgio Moro é algo muito parecido. E isso é um reflexo deste debate que eu estou trazendo: o judiciário tem uma agenda de moralização da política onde a política passa a ser vista como algo sujo, eminentemente corrupto, onde o próprio sistema presidencialista passa a ser acusado de algo criminoso, onde ações que não são criminosas, mas são políticas, passam a ser enxergadas como algo ruim. E aí tem a substituição da via da política por esses heróis do judiciário. Me parece que é um movimento natural dessa agenda que tem sido encampada pela Procuradoria Geral da República, pelo Ministério Público -e isso é importante que se diga- mas completamente abraçada pelo judiciário.
P. Qual balanço você faz sobre a alteração da jurisprudência para prisão em segunda instância?
R. Eu sou muito crítica a essa posição do Supremo. Primeiro porque a Constituição é bastante clara. Não bastasse a Constituição, há também o Código de Processo Penal que é ainda mais explícito em relação à possibilidade de prisão até o trânsito em julgado. O tribunal que ignora uma garantia que se tem da Constituição em nome de uma suposta necessidade de se realizar justiça é algo inadmissível. Além disso, o nosso sistema de justiça é seletivo. As pessoas pobres e negras são alvos preferenciais e isso faz com que as nossas prisões sejam lugares absolutamente desprovidos de qualquer condição humana de se manter uma pessoa ali. Portanto, não há nenhuma razão para se acreditar que essa medida tomada pelo Supremo também não será afetada pela seletividade. Permitir prisão em segunda instância, inclusive sem aguardar até o habeas corpus, é bastante preocupante. E é evidente que, sendo o nosso sistema de justiça seletivo, essa medida também será aplicada seletivamente.
P. Acha que essa alteração colaborou para superlotar os presídios ou reduzir a corrupção?
R. Não. A gente não pode afirmar que isso especificamente tenha gerado superlotação. A causa principal de superlotação nos presídios ainda está associada à prisão antes de qualquer sentença. Entre 30% e 40% das pessoas que estão nos presídios sequer receberam sentença. Estamos falando de um sistema que funciona muito mal. Você não vai melhorar esse sistema simplesmente antecipando a pena com trânsito em julgado.
O Globo: PGR denuncia Lula, Gleisi e mais 4 por corrupção e lavagem de dinheiro
O ex-presidente Lula, preso em Curitiba, a senadora Gleisi Hoffmann, o ex-ministro Paulo Bernardo e mais três foram denunciados ontem pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Eles teriam sido beneficiados em esquema da Odebrecht
André de Souza e Aguirre Talento, do O Globo
-BRASÍLIA E SÃO PAULO - A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, denunciou ontem o expresidente Luiz Inácio Lula da Silva, a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR), e mais quatro pessoas pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. De acordo com a denúncia, a empreiteira Odebrecht prometeu US$ 40 milhões a Lula em 2010 em troca de decisões políticas que beneficiassem a empresa. Entre essas decisões está, por exemplo, o aumento da linha de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para obras tocadas pela companhia em Angola.
O processo está no Supremo Tribunal Federal (STF), aos cuidados do ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato na Corte. Segundo a acusação, o dinheiro, que totalizava R$ 64 milhões na época, ficou à disposição do PT. Parte teria sido usada em 2014 na campanha de Gleisi ao governo do Paraná.
Também foram denunciados os ex-ministros Paulo Bernardo (marido da senadora) e Antonio Palocci, o empresário Marcelo Odebrecht, e Leones Dall'Agnol, chefe de gabinete de Gleisi. Para que eles se tornem réus e tenha início um processo penal, é preciso que a Segunda Turma do STF, composta atualmente pelos ministros Fachin, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Celso Mello, aceite a denúncia.
Além da condenação, Dodge pediu que os petistas sejam obrigados a pagar valores milionários. Para Lula, Paulo Bernardo e Palocci, a denúncia solicita a condenação à reparação, juntos, de US$ 40 milhões, valor da vantagem indevida, mais R$ 10 milhões de indenização por dano moral coletivo. Para Gleisi e Paulo Bernardo, Dodge solicita reparação de R$ 3 milhões pela propina, mais R$ 500 mil de dano moral coletivo. Também pede que Gleisi devolva à União R$ 1,8 milhão referente ao valor inexistente declarado à Justiça Eleitoral.
A PGR sustentou ainda que, em 2014, Gleisi e Paulo Bernardo aceitaram receber R$ 5 milhões via caixa dois. Os pagamentos teriam alcançado pelo menos R$ 3 milhões. A entrega do dinheiro teria sido sido viabilizada por Benedicto Júnior, executivo da Odebrecht, e Leones Dall'Agnol, que trabalhava para Gleisi. Tanto Benedicto quanto Marcelo Odebrecht fecharam acordos de delação.
PAGAMENTOS DISSIMULADOS
Um dos métodos usados por Gleisi para lavar dinheiro da propina da Odebrecht, segundo a PGR, foi declarar pagamentos inexistentes à Justiça Eleitoral. A denúncia aponta que Gleisi declarou à Justiça Eleitoral ter pago R$ 3 milhões à empresa Oliveiros Marques Comunicação e Política, mas o dono da empresa, Oliveiros Domingos, afirmou em depoimento que só recebeu efetivamente R$ 1,1 milhão.
“Ocorre que R$ 1.830.000,00 dessa prestação de contas à Justiça Eleitoral foram ocultados (não foram efetivamente gastos) e dissimulados como despesa de campanha para escamotear a natureza e origem criminosas: recebimento dessas vantagens espúrias”, escreveu Raquel Dodge.
A PGR considerou válidas as provas documentais obtidas a partir da delação da Odebrecht. “Os depoimentos prestados nas colaborações premiadas dos executivos da Odebrecht foram ponto a ponto corroborados por uma série de provas documentais (e-mails, planilha produzida em sistema periciável e anotações), todas praticadas de forma espontânea e contemporaneamente àqueles fatos de 2010”, escreveu Dodge na denúncia, apontando ainda informações obtidas a partir da quebra de sigilos telefônicos.
Em seu depoimento, a senadora negou as acusações e afirmou que não pediu recursos à Odebrecht em 2014. Sua defesa não foi localizada. As defesas de Paulo Bernardo e Antonio Palocci afirmaram que não poderiam comentar porque não tiveram acesso ao teor da investigação. Procurada, a defesa de Lula não respondeu até o fechamento desta edição.
Dos seis denunciados, apenas Gleisi, por ser parlamentar, tem foro privilegiado no STF. Mas Dodge entendeu que as acusações dos outros cinco têm relação com os crimes atribuídos à senadora.
LULA TENTA LIBERAR DINHEIRO
A ex-presidente Dilma Rousseff vai depor ao juiz Sergio Moro no próximo dia 25 de junho, no processo em que Lula responde à acusação de ter sido favorecido por obras no sítio de Atibaia (SP) feitas pelas construtoras Odebrecht e OAS e pelo pecuarista José Carlos Bumlai. Dilma foi intimada ontem por um oficial de Justiça do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) e falará como testemunha de defesa de Lula. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso também foi incluído na lista de testemunhas do petista.
Preso desde o último dia 7, Lula pediu a Moro a liberação de parte dos recursos bloqueados pela Justiça — R$ 8,9 milhões em fundos de previdência e R$ 660 mil em contas bancárias. Alegou que, sem dinheiro, não consegue se defender nos oito processos, divididos entre Curitiba e o Distrito Federal. Em despacho ontem, Moro pediu que seja demonstrada a origem lícita dos valores.
Na petição, a defesa de Lula atribuiu os investimentos a valores recebidos da LILS Palestras, mas o juiz afirmou que “seria oportuno” esclarecer a “origem remota” dos recursos.
Os pagamentos feitos pelas empreiteiras à LILS Palestras e as doações ao Instituto Lula são alvo de investigações da força-tarefa da Lava-Jato.
Também ontem, a juíza Carolina Lebbos voltou a indeferir visitas ao ex-presidente na sede da Polícia Federal de Curitiba. Seis líderes de centrais sindicais, que estarão hoje na capital paranaense para um ato conjunto pelo 1º de Maio, Dia do Trabalhador, pediram para visitar Lula na cadeia na quarta-feira.
O ato das centrais começa pela manhã, quando caravanas prometem se reunir em torno do prédio da PF para o tradicional “bom-dia Lula” dos acampados no local. O clima é de preocupação depois que os manifestantes pró-Lula foram alvo de ataque a tiros na madrugada de sábado.
(Colaboraram: Cleide Carvalho e Katna Baran)
Míriam Leitão: Inimigo meu
Sempre haverá tensão entre Estados Unidos e China, mas o que está acontecendo é conjuntural e determinado pelo pensamento limitado do presidente Trump. Não é a reedição da Guerra Fria, porque, ao contrário da relação EUA-URSS, as duas potências agora são interdependentes. Ontem a China avisou que não aceitará duas exigências do governo Trump e isso elevou o temor de uma guerra comercial.
Mesmo sendo temporário e conjuntural, preocupa, porque um conflito comercial entre as duas maiores potências reduz o crescimento mundial e não favorece ninguém. Pode ajudar pontualmente o Brasil pela elevação dos preços de algumas commodities ou da demanda por algum produto, mas a tensão entre China e Estados Unidos não estimula a economia global.
O jornal “The New York Times” trouxe ontem a informação de que os chineses pretendem endurecer em dois pontos impostos pelo presidente Donald Trump: a obrigatoriedade de cortar US$ 100 bilhões no déficit comercial entre os dois países, e a redução dos estímulos da política industrial chinesa em favor de novas tecnologias como inteligência artificial, semi-condutores, carros elétricos e aviões. Depois de um seminário de três dias entre autoridades chinesas e consultores, a decisão foi de não aceitar as duas imposições.
Dizer “não” antes de começar uma negociação — a reunião bilateral será esta semana — é um ato de esperteza. Mas de qualquer maneira reduzir o comércio nessa proporção e ainda interromper um projeto local é mesmo difícil.
De acordo com dados do governo americano, nos dois primeiros meses de 2018, o déficit comercial com a China chegou a US$ 65,2 bi, ou 14,5% a mais que no mesmo período de 2017. O ano passado havia fechado com um rombo de US$ 375,2 bi. O que Trump propõe é uma redução mandatória por parte da China desse déficit em US$ 100 bi. Isso o levaria de volta aos níveis de 2010, quando os americanos venderam US$ 91,9 bi e compraram US$ 364,9 bi da China. Em 2017, a corrente de comércio estava em outro patamar. Mais integrados ao parceiro asiático, os EUA exportaram US$ 130,3 bi e importaram US$ 505,5 bi da China.
A visão de Trump é de déficit como prejuízo do país, como se fosse uma empresa. Na verdade o comércio tem inúmeros lados, e a importação de produtos chineses tem toda uma rede de interesses dentro da economia americana. A mais óbvia delas é a inflação baixa mesmo em período de retomada do crescimento.
Os maiores volumes das exportações americanas vêm exatamente de produtos de maior valor agregado e alta tecnologia. OS EUA embarcaram US$ 16,2 bi em aviões e equipamentos aéreos para o parceiro asiático em 2017. A exportação de veículos de passageiros somou US$ 10,5 bi. Fabricantes americanos venderam US$ 6 bi em semicondutores para a China, mais US$ 5,4 bi em máquinas industriais. Entre as commodities, os destaques foram os US$ 12,3 bi em soja e os US$ 4,4 bi em petróleo.
Da China, os EUA compraram US$ 70,3 bi em celulares e outros bens residenciais em 2017. No topo da lista das importações também aparecem os US$ 45,5 bi em computadores e os US$ 31,6 bi em acessórios para computadores. Outros US$ 33,4 bi foram gastos em equipamentos de tecnologia, mais US$ 26,7 bi em brinquedos e produtos esportivos e US$ 24,1 bi em vestuário. Os produtos de aço e ferro são pouco relevantes na lista, somaram US$ 4,9 bi.
O governo chinês argumenta que o desequilíbrio nas contas entre os dois países é provocado pela diferença da taxa de poupança. Os chineses poupam dois quintos da sua renda e os Estados Unidos são uma sociedade consumista. O governo americano diz que o déficit é provocado por práticas desleais de comércio. Provavelmente, os dois têm razão. Os americanos não poupam, e a China subsidia suas exportações, os bancos estatais fornecem empréstimos baratos para as empresas, o custo de mão de obra é baixo. Mas Trump está estimulando ainda mais o consumo, e o consumidor americano se aproveita dos subsídios chineses quando compra produtos com preço baixo. É difícil separar as duas economias porque elas já se misturaram demais ao longo dos anos de intenso comércio bilateral e investimentos chineses nos Estados Unidos.
Eliane Cantanhêde: Minas já foi Minas
Dilma, Aécio, Pimentel... não se fazem mais políticos mineiros como antigamente
Minas Gerais é um dos três principais Estados da Federação e tinha fama de ser, historicamente, o maior celeiro de políticos matreiros e competentes do País, as tais “raposas políticas”. Porém, se o Rio vive um caos e a eleição presidencial é uma grande interrogação, a situação de Minas não é nenhuma maravilha e a campanha no Estado é igualmente incerta.
Terceira maior economia do País, segunda maior população e segundo maior eleitorado (quase 11% do total), Minas continua sendo definidor de eleições presidenciais, mas seus principais partidos estão machucados e seus mais lustrosos líderes políticos andam em maus lençóis, devendo muitas explicações à Justiça, à Assembleia, à opinião pública.
Diferentemente de São Paulo e Rio, Minas aparece pouco na grande mídia e, em 2014, as análises políticas partiam de duas premissas: Dilma Rousseff ganharia no Nordeste e Aécio Neves levaria fácil em Minas, mas ele perdeu no primeiro e segundo turnos no seu Estado e seu candidato ao governo, Pimenta da Veiga, sofreu derrota fragorosa.
Para arrematar, a aposta de Aécio perdeu feio, dois anos depois, para a prefeitura de Belo Horizonte.
De outro lado, Dilma ganhou no Nordeste e em Minas, seu Estado de origem, apesar de ser gaúcha por adoção, e seu ex-ministro, conselheiro e amigo Fernando Pimentel levou o governo e assim dividiu o “Triângulo das Bermudas” pelos três principais partidos: São Paulo manteve o PSDB, Rio continuou com o agora MDB (apesar de tudo...) e Minas foi do PSDB para o PT.
A guerra entre PT e PSDB é particularmente encarniçada em Minas, mas o resultado é que quem levou a prefeitura da capital em 2016 foi o empresário e dirigente desportivo Alexandre Kalil, do insignificante PHS, que se tornou o mais lustroso “outsider” da eleição no País, apresentando-se como apolítico e apartidário.
Kalil é, assim, o maior exemplo de que em Minas não se fazem mais políticos como antigamente, ou como Afonso Arinos, Milton Campos, Gustavo Capanema, Juscelino Kubitschek, Tancredo Neves e Itamar Franco, que tinham lá suas idiossincrasias, mas com imensa liderança ou matreirice política.
Os ex-governadores e ex-presidentes do PSDB Eduardo Azeredo e Aécio Neves estão mal, um com o pé na prisão, o outro réu no Supremo. E a Assembleia Legislativa acaba de acatar o pedido de impeachment do petista Fernando Pimentel, candidato à reeleição contra o ex-governador tucano Antonio Anastasia, caçado a laço pelo presidenciável Geraldo Alckmin. A contragosto, ele cedeu.
E por que tanto empenho do PSDB por Anastasia? O PT reina no Nordeste, o Rio virou a casa da mãe Joana, Álvaro Dias capitaliza o desencanto com Aécio no Sul e Jair Bolsonaro embrenhou-se pelo Centro-Oeste. Alckmin só terá chance se, além de recuperar São Paulo, conquistar Minas – algo que nem Aécio conseguiu.
Como complicador tanto para tucanos quanto para petistas, Dilma Rousseff resolveu aproveitar o jeitinho do Senado, que lhe cassou o mandato, mas manteve a elegibilidade, e quer disputar o Senado por Minas, apesar de alternar residência entre Rio e Porto Alegre. Se tende a tirar votos do PSDB, ela já entra rachando a aliança entre PT e MDB.
Depois do impeachment de Dilma e do colapso político de Aécio, os dois mineiros do segundo turno de 2014, sobra como consolo para Minas ser ainda o Estado mais cobiçado na escolha de vices. O empresário Josué Gomes da Silva é o melhor exemplo. De um Estado-chave, dono de uma das maiores fortunas do Brasil e filho do vice de Lula, José Alencar, ele se filiou a um partido, o PR, e tem tudo para ser o vice ideal e salvar a imagem da política mineira em outubro. Só falta o principal: querer.
Merval Pereira: O dilema de Alckmin
O candidato do PSDB à Presidência, ex-governador paulista Geraldo Alckmin, vive um dilema que pode ser fundamental para sua campanha: aproximar-se do PMDB para se beneficiar da máquina do governo federal, além da própria máquina partidária, com capilaridade pelo país, com a maior bancada de deputados federais da Câmara e o maior número de prefeitos e vereadores, ou fugir como o diabo da cruz do contágio da impopularidade do governo de Michel Temer.
O PMDB é um fator decisivo na vida do PSDB desde sua fundação em junho de 1988, fruto justamente de uma dissidência do PMDB, à época dominado por Orestes Quércia, governador de São Paulo, o principal expoente da ala fisiológica do partido. Os tucanos hoje se encontram presos a uma contradição de sua própria história, pois não conseguem se desvencilhar de uma aliança carcomida com o PMDB, envolvido, como quase sempre, em acusações de corrupção e fisiologismo político, depois de ter vivido uma história de resistência e luta contra a ditadura em que políticos como Ulysses Guimarães e Tancredo Neves davam o tom do partido.
Foram eles que salvaram o partido da extinção, quando o regime militar exigiu que todas as agremiações politicas tivessem o nome começando por P de partido, para dar fim a sigla que já se identificava com a oposição da ditadura e com as reivindicações dos mais pobres. Servia de barriga de aluguem a diversos movimentos políticos banidos pela ditadura, inclusive o Partido Comunista.
Passou a chamar-se então Partido do Movimento Democrático Brasileiro. Agora, através de uma manobra vulgar, seus atuais dirigentes retiraram o P da legenda, para que voltasse a ser o antigo MDB, como se uma letra, que anteriormente foi útil para burlar uma proibição da ditadura, agora fosse capaz de limpar o seu nome, dando-lhe de volta a respeitabilidade que outrora teve.
O PSDB, às voltas com seus próprios problemas de corrupção, e o PMDB voltaram a se encontrar no impeachment da então presidente Dilma, mas os tucanos, que acertaram ao aderir ao governo legitimamente constituído pelo respeito à Constituição e que só chegou ao Palácio do Planalto por ter sido escolhido pelo PT para compor a chapa oficial, perdeu o “timing” de sair do governo quando revelou-se a gravação da conversa entre o presidente Michel Temer e Joesley Batista.
E pode morrer afogado, não com Temer, como se temia, mas por Temer e sua aliança de bastidores com o grupo do senador Aécio Neves, os dois pensando apenas em salvarem as próprias peles. Também o senador Aloysio Nunes Ferreira, um líder de peso no partido, manteve-se no cargo de ministro das Relações Exteriores.
O PMDB, depois de experiências frustradas com candidaturas à Presidência da República — a primeira em 1989 com Ulysses Guimarães que, cristianizado pelos companheiros, chegou em quinto lugar, atrás até mesmo de Enéas, e em 1994 com Orestes Quércia, que chegou em quarto lugar —, decidiu não mais ser protagonista, passando a ser o coadjuvante que todos desejam. Ficou famoso nessa época o axioma que dizia que o PMDB não conseguia governar, mas nenhum partido poderia governar sem seu apoio.
Em 2010, para fazer sua sucessora Dilma, o ex-presidente Lula achou mais prudente oficializar uma aliança que já vinha desde seu governo, mas de modo velado. A chegada ao poder de fato não fez bem ao PMDB, a ponto de hoje se falar que o partido é cobiçado por todos para namorar, mas ninguém quer casar.
Sua proximidade tornou-se tóxica, a tal ponto que o presidente Temer, que vive agora na televisão para se defender de acusações ou para gestos populistas como o aumento da Bolsa Família em ano eleitoral, pensou até mesmo em candidatar-se ele mesmo à Presidência da República, a falta de quem o defenda. Seguindo o conselho do ex-presidente José Sarney, que lhe disse que seu pior erro político foi não ter tido um candidato para defendê-lo na campanha presidencial de 1989, em tantos aspectos tão parecida com a de hoje.
Aparentemente já desistiu, mas para apoiar o PSDB exige que Alckmin defenda seu legado, o que pode ser a pá de cal nas suas pretensões.
UOL: Candidatura de Dilma ao Senado e impeachment ampliam racha entre PT e MDB em MG
O que parecia ser um plano infalível para recolocar a ex-presidente Dilma Rousseff diante dos holofotes não está saindo exatamente como o planejado pelo PT
Por Leandro Prazeres, do UOL
A eventual candidatura de Dilma ao Senado por Minas Gerais vinha sendo costurada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas a inclusão do nome de Dilma no concorrido cenário político mineiro causou ruídos dentro e fora do partido e é considerado um dos principais fatores que levaram à abertura de um pedido de impeachment contra o governador mineiro, Fernando Pimentel (PT).
As articulações em torno da candidatura de Dilma ao Senado por Minas Gerais ganharam força no início deste mês e teriam sido feitas por parte do PT mineiro e por Lula antes de sua prisão. No dia 6 de abril, ela transferiu seu título eleitoral do Rio Grande do Sul para Minas Gerais, abrindo caminho para uma eventual candidatura. O plano tinha quatro objetivos principais: usar a popularidade que Dilma ainda teria em Minas para ajudar a alavancar a candidatura à reeleição de Fernando Pimentel (PT); manter a combalida aliança do PT com o MDB em nível estadual e atrair novos aliados; preparar um palanque eleitoral sólido para o nome do PT na disputa pela Presidência da República; e aproveitar o desgaste do PSDB mineiro por conta das investigações contra os senadores Aécio Neves (PSDB) e Zezé Perrella (MDB) para ocupar espaços no Senado.
A candidatura de Dilma ao Senado parecia ainda mais viável na semana passada, quando o senador Aécio Neves virou réu em um processo no STF (Supremo Tribunal Federal) por corrupção passiva e obstrução de Justiça relacionado às suspeitas de que ele teria pedido R$ 2 milhões em propinas para o grupo JBS.
O problema é que a introdução do nome de Dilma no complexo xadrez político mineiro causou desconforto em parte significativa do MDB e até mesmo dentro do PT. Há algumas semanas, a ala do MDB mineiro que dava sustentação à aliança como PT, liderada pelo presidente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, Adalclever Lopes, começou a dar demonstrações de incômodo.
O MDB gostaria de ter o caminho aberto para encabeçar candidaturas para as duas cadeiras em disputa no Senado. Fontes ouvidas pelo UOL afirmam que Adalclever estaria interessado em uma dessas vagas e que uma candidatura de Dilma reduziria as chances de o MDB consegui-las. Acomodar os interesses do MDB parece fundamental para os planos de reeleição de Fernando Pimentel. O partido não governa Minas Gerais desde 2003, quando Itamar Franco deixou o poder estadual. Mesmo assim, o partido é uma das principais forças no estado. Além de Adalclever, o MDB é o partido do vicegovernador, Antônio Andrade, e é a legenda que comanda o maior número de prefeituras no Estado: 164. O PT é apenas o nono em número de prefeituras: 41.
Diante do imbróglio, os caciques dos dois partidos chegaram a pensar em uma alternativa para ter Dilma disputando as eleições sem atrapalhar os planos do MDB ao Senado. O plano seria lançá-la como candidata a deputada federal em uma coligação proporcional envolvendo o PT e o MDB. O atual governador de Minas, Fernando Pimentel, que quer concorrer à reeleição. O projeto, porém, não teria o aval de Dilma, porque ela teria capital eleitoral para atrair votos que ajudariam a eleger parte da bancada do MDB na Câmara que votou pelo impeachment dela em 2016.
"A Dilma ia ajudar a eleger golpista? Não faz o menor sentido", diz o deputado estadual Rogério Corrêa (PT-MG), um dos principais entusiastas da candidatura de Dilma ao Senado. Oficialmente, o MDB nega desconforto com a candidatura de Dilma, mas, na última quinta-feira (26), Adalclever, até então aliado de Pimentel, autorizou a abertura de um processo de impeachment contra o governador com base em supostos atrasos nos repasses a prefeituras, fornecedores e à Assembleia Legislativa. Agora, ele se coloca como pré-candidato ao governo de Minas Gerais, assim como atual vice-governador, Antônio Andrade (MDB).
"A abertura do processo de impeachment não tem relação com a candidatura da Dilma. Nós fomos aliados no passado. Agora, nessas eleições, uma nova aliança precisa ser feita que pode ser com o PT ou não. Mas, pelo que parece, não será", disse Adalclever, que é filho do deputado federal Mauro Lopes (MDB-MG), o mesmo que, três dias depois de se licenciar do cargo de ministro do governo de Dilma Rousseff votou pelo impeachment da ex-presidente.
Um assessor próximo ao governador Fernando Pimentel, sob a condição de anonimato, disse acreditar que a disputa ao Senado pode ter sido um dos fatores que determinaram a abertura do processo de impeachment. Segundo ele, a relação do PT com o MDB estava desgastada e a possibilidade de a ex-presidente ser candidata pode ter instigado ainda mais os ânimos dos antigos aliados. O assessor disse, no entanto, que a decisão do MDB foi precipitada porque a candidatura Dilma nunca havia sido uma imposição de Pimentel ao grupo político.
Para o deputado estadual Rogério Corrêa (PT-MG), o PT não deveria recuar do projeto em torno de Dilma por conta do processo de impeachment. "Não é assim que se joga. A candidatura da Dilma não é uma espécie de moeda de troca para a gente ficar negociando. Temos força para reverter esse pedido de impeachment e acho que devemos manter a candidatura da Dilma de qualquer forma", afirmou.
Resistências dentro do PT
Entre petistas mais preocupados com a reeleição de Pimentel, a preocupação é sobre se a entrada de Dilma na disputa política em Minas Gerais traria mais benefícios ou problemas ao governador. A gestão de Pimentel vem sendo marcada pelas investigações da Operação Acrônimo e pela crise fiscal do estado que causou o atraso no pagamento dos salários de servidores.
Em um cenário tão complexo, perder um aliado com o peso do MDB não seria algo desejável. Além disso, a chegada de Dilma poderia atrapalhar os planos de políticos do PT que estariam "na fila" para alçar voos mais altos.
O deputado federal Reginaldo Lopes, por exemplo, é um dos pré-candidatos do partido ao Senado. Ele afirma que pesquisas indicariam que, sem Dilma no páreo, ele lideraria a corrida a uma das cadeiras em disputa. Com ela na disputa, o cenário seria mais incerto. "Sem ela, eu lidero. Com ela, eu fico atrás. Mas ela é muito mais conhecida do que eu", afirma. Lopes, no entanto, diz haver espaço para que ele e Dilma sejam candidatos do PT ao Senado. "Não vejo motivos para que a gente não seja candidato. Acho que há outros espaços a serem ocupados pelo MDB dentro da nossa aliança", disse.
Futuro da aliança em jogo
Diante do impasse envolvendo o nome de Dilma, o futuro da aliança entre PT e MDB está incerto. Oficialmente, o MDB aposta que terá candidatura própria ao governo de Minas Gerais. Uma definição sobre deverá ocorrer após a convenção estadual do partido, prevista para o início do mês de maio. Nos bastidores, o PT ainda tem esperança de que o MDB possa apoiar, ainda que parcialmente, a chapa de Pimentel à reeleição. "Todo partido tem direito de lançar candidatura própria, mas a gente acha que não faria sentido o MDB fazer isso agora. Temos uma aliança que já dura algum tempo. Além disso, não acredito que eles possam se aliar ao PSDB nessa disputa. Seria uma reviravolta muito improvável", diz o deputado estadual Rogério Corrêa.
A reportagem do UOL procurou, por telefone e por email, a assessoria de imprensa da ex-presidente Dilma Rousseff para falar sobre o caso, mas, até a última atualização deste texto, não houve resposta. O comentário será incluído assim que ela se manifestar.
El País: "É hora do MTST ocupar a política. Estamos em uma encruzilhada histórica, não é possível se omitir", diz Boulos
O pré-candidato à Presidência pelo PSOL diz que pretende construir uma nova forma de fazer política, que enfrente o mercado e os bancos, com a participação popular
Por Talita Bedinelli, do El País
A trajetória de Guilherme Boulos (São Paulo, 1982) poderia ser confundida com a de qualquer outro jovem de esquerda crescido na classe média paulistana. Filho de médicos, ele entrou no curso de filosofia da Universidade de São Paulo (USP) e especializou-se em psicologia. No ano passado, concluiu um mestrado em psiquiatria. Mas, diferentemente da maioria dos jovens militantes de esquerda que circulam pelos corredores da fefeleche uspiana, ele não ingressou no movimento estudantil. Preferiu as bases do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), que ocupa terrenos vazios nas metrópoles como forma de pressionar o poder público a disponibilizar moradia para quem não tem casa própria.
Seguindo os passos de Luiz Inácio Lula da Silva, e com a benção do ex-sindicalista, de quem é amigo, pretende agora levar sua participação para além do movimento social. Filiou-se ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) para disputar a Presidência em outubro. E, assim como o petista antes de ganhar a quarta eleição presidencial que disputava, vai enfrentar o desafio de ser o que tem o discurso mais radical da competição. Sua estratégia será a de apostar no cansaço das pessoas com a velha política e apresentar "uma nova forma de fazer política", lastreada na participação popular. Assim, garante, será possível enfrentar o mercado e os interesses do Congresso Nacional.
Pergunta. Como foi a decisão de se candidatar?
Resposta. Não foi uma decisão apenas individual. Eu atuo no MTST há 16 anos, na Frente Povo Sem Medo, e, cada vez mais, com o agravamento da situação política do país, a política transbordou para as ruas. Para os movimentos sociais se tornou impossível falar apenas da sua pauta específica. Isso nos levou para um debate político mais amplo, que foi criando condições para uma aliança. Foi nos levando a uma aproximação com o PSOL, um partido que manteve uma coerência muito importante. A aliança que nós construímos, entre partido e movimento social, é algo, eu diria, inédito na política brasileira, ao menos no último período.
Você não fazia parte da militância do PSOL?
Minha relação com o PSOL vem de alguns anos, mas de se encontrar nas lutas. Foi uma aproximação que foi sendo construída com o tempo, mas a filiação ocorreu há poucos meses.
Setores do partido inicialmente ficaram insatisfeitos com a sua pré-candidatura. Diziam que não houve diálogo para escolher seu nome e temiam sua proximidade pessoal com o Lula, quando o PSOL vem justamente da crítica ao PT, às alianças e aos problemas éticos do partido. Como vê isso?
O PSOL se construiu a partir de críticas ao PT e nós, o MTST, também temos críticas ao PT em nossa trajetória. O MTST nunca fez parte do Governo. Sempre manteve mobilizações nos governos petistas. Aliás, muita gente que estava no Governo com o PT na hora de distribuir os cargos não estava no Sindicato dos Metalúrgicos às vésperas de o Lula ser preso. Nós fomos aqueles que não estávamos no momento de distribuir o poder, mas estávamos solidários no sindicato. Isso diz muito sobre o tipo de esquerda que a gente representa e quer construir. Em relação às questões internas do PSOL, é natural e desejável que todo partido tenha pluralidade. Ao mesmo tempo, o PSOL por suas instâncias tomou uma definição. No dia 10 de março, por mais de 70%, o partido decidiu pela nossa candidatura. E a partir deste momento o PSOL está unido e esta é uma página virada.
O MTST é um movimento que sempre se afirmou apartidário. Vocês não temeram que essa proximidade com um partido político pudesse desagradar a base?
Nós fizemos um debate amplo e cuidadoso dentro do MTST. Com os 14 Estados em que o MTST está presente, com as coordenações, com a base do movimento. E a definição pela nossa candidatura foi consensual. Foi uma decisão do movimento de compor uma aliança. E o movimento entra por inteiro por entender que estão colocados desafios políticos. Estamos em uma encruzilhada da história brasileira e não é possível se omitir. O MTST entendeu que era o momento de ocupar a política também. De ocupar outros espaços para apresentar outro projeto de sociedade e de país. Isso não prejudica em nada a autonomia do movimento.
O MTST foi o primeiro a chegar com a militância na porta do sindicato e você esteve perto de Lula todo o tempo na véspera da prisão dele. Por que houve essa decisão de ir pra lá?
Entendemos que o país vive hoje a crise democrática mais grave desde a ditadura militar. É um momento muito preocupante. Uma escalada de violência política que se expressou sobretudo com o assassinato covarde e bárbaro da Marielle Franco, no Rio de Janeiro, que foi uma execução política. Essa crise democrática se expressa ainda com o avanço da militarização da sociedade na política, com a intervenção militar no Rio de Janeiro, com as declarações do comandante Villas Bôas às vésperas do julgamento do STF, e a politização do judiciário. Quando setores do Judiciário não fazem seu papel de forma isenta, para julgar com base em provas, respeitando presunção de inocência e se contaminam por um jogo político partidário, isso é muito grave. E foi isso que aconteceu no julgamento do Lula. Ele foi preso em uma prisão política. Estar em São Bernardo do Campo significava estar do lado certo da história, estar em defesa da democracia brasileira. Defender a liberdade do Lula não é uma defesa que caiba apenas ao PT, é de todos aqueles que são de esquerda e defendem a democracia no Brasil.
Você foi sondado pelo Lula para se filiar ao PT?
Tenho uma relação de muito respeito com o Lula, de admiração. Construímos uma relação política a partir do MTST. Mas eu tenho as minhas posições e sempre expressei para ele de forma transparente e clara. Inclusive as diferenças que tenho em relação ao PT.
Como quais?
Não ter enfrentado temas essenciais como uma reforma política, a democratização das comunicações, uma reforma tributária, combate a privilégios do andar de cima. Nunca deixei de colocar isso publicamente, nem em conversas com o próprio Lula. As posições que tenho e que expresso há algum tempo não são encampadas pela maioria do PT. Isso se expressa, por exemplo, na questão das alianças. Depois de um golpe como o que ocorreu, fazer alianças com o PMDB, como se está fazendo em vários Estados, o que para nós desde o princípio era uma política errada, agora para nós é algo completamente inadmissível. O Lula sempre soube dessas diferenças e sempre respeitou isso.
Existe algum espaço para uma candidatura única da esquerda nesta eleição?
Hoje nós temos uma crise democrática muito profunda e é importante que haja uma unidade democrática. A esquerda precisa ter a maturidade de estar junta nas questões fundamentais. Mas isso não pode significar jogar para baixo do tapete diferenças de pontos de vista, de projetos e de futuro que existem e são legítimas. O pensamento único não deve fazer parte da trajetória de quem quer transformar a sociedade. O que está colocado neste momento é a construção de uma unidade democrática e temos investido em relação a isso.
Não pode ser um erro estratégico dividir os votos?
Acho curioso quando se fala da pulverização dos votos da esquerda e não se fala da dos votos da direita. A direita tem mais de dez candidaturas hoje no Brasil.
Verdade, mas tem Jair Bolsonaro, que é um nome forte e pode chegar ao segundo turno.
Há uma quantidade enorme de candidaturas no espectro da direita. Algumas são Temer puro sangue, outras Temer disfarçado, mas todas defendem a política deste Governo que tem 4% de aprovação na sociedade. Não me parece razoável supor que o brasileiro vai colocar no segundo turno duas candidaturas que expressem a política do Governo mais rejeitado da história recente do país. Ao mesmo tempo, reitero: acho que a esquerda tem que discutir construções de unidade e programas. Isso não pode ser fruto de imposições. De aliança por tempo de televisão, de uma velha lógica de fazer aliança. Tem que ser fruto de um debate programático.
E quais seriam essas diferenças que impedem uma união neste momento?
Queremos pensar um projeto para a próxima geração. Um dos erros da esquerda foi de apenas se organizar ou construir programas e alianças pensando a eleição seguinte. Isso nos deixa vulneráveis em relação às mudanças do cenário político. Tem que ter uma democratização profunda da política brasileira, que aproxime o poder das pessoas. Isso significa colocar o povo no jogo, significa plebiscitos, referendos, conselhos. Formas de participação em que as pessoas não se limitem a apertar um botão a cada quatro anos. O Brasil se tornou ingovernável. Acreditamos que não dá para governar do ponto de vista das transformações sem jogar o PMDB pela primeira vez na Nova República na oposição. Este é um ponto que envolve trazer o povo para efetivamente apitar no poder.
E como fazer isso, em um Congresso onde o PMDB tem uma das maiores bancadas, onde há um centrão que tem poder de voto? Como se Governa sem ter a maioria dentro do Congresso?
Eleição não é cheque em branco. Não quer dizer que o político eleito pode fazer o que lhe der na telha. Seja o presidente da República sejam os representantes do Congresso Nacional. O povo tem que ser ouvido e consultado permanentemente. Isso faz bem à democracia. Antes que se diga que isso é ilusório, já existe em vários países do mundo. A Suíça é a que mais faz plebiscito no mundo. A Constituição do Brasil prevê isso há 30 anos e só houve dois plebiscitos. Qual é o medo que se tem do povo participar do jogo cotidiano da política? A sociedade tem que estar mais mobilizada, mais atenta ao que está acontecendo. O Congresso não vai abrir mão de seus próprios privilégios. Não quero diminuir a legitimidade do Congresso, nem da Presidência ou de qualquer outro cargo eletivo. Esta representação precisa funcionar. Agora, não podem decidir tudo. Não é cheque em branco. O povo tem que ser escutado e ter o poder de decisão.
Mas não é possível se regular tudo por plebiscito e referendo. O cotidiano não é mais complicado do que isso, especialmente em um Congresso cada vez mais conservador?
Eu acredito que há espaço para o crescimento do campo progressista neste processo eleitoral. O PSOL está apresentando uma chapa ampla de deputados e senadores no Brasil inteiro. Este Congresso está absolutamente desacreditado. E a renovação que nós esperamos é uma renovação que não seja apenas nominal, mas na forma de fazer política. Depois, vamos colocar as coisas claras na mesa: governar, ter maioria parlamentar, nos termos do Congresso atual significa participar de um balcão de negócios nada republicano. Significa comprar partidos em troca de cargos, ministérios, pedaços em estatais que muitas vezes se transformam em negócios escusos. Este é o modelo de governabilidade. Se alguém disser que vai mudar o Brasil com esse Congresso, negociando novamente, desconfiem. Pra nós, só vale a pena entrar no processo eleitoral se for para fazer algo profundamente diferente disso. Nós entendemos que essa forma é a participação popular. Plebiscitos e referendos são uma maneira, mas também com conselhos de políticas setoriais deliberativos. Um conselho de educação com a participação de professores, estudantes, técnicos da área, que tenha poder deliberativo sobre política de educação também orçamentária.
Mas como presidente como seria a sua relação com o Congresso, que ainda assim vai ter que decidir muitas coisas?
Temos que separar o joio do trigo. Existem parlamentares efetivamente representativos. Existem parlamentares extraordinários no Brasil que têm um trabalho comprometido com a maioria do povo brasileiro, de reconhecida honestidade, e existem máfias que atuam por meio de parlamentares no Congresso nacional. Nós não vamos nos submeter a máfia alguma, não vamos aceitar negociação do tipo a bancada ruralista não vai dar voto se fizer um decreto de demarcação de terras indígenas. Não vamos nos submeter a esse tipo de chantagem.
Se você, então, como presidente, faz uma demarcação de terra indígena e o Congresso trava a pauta, o que você vai fazer?
A sociedade precisa ser mobilizada. Agora, para um governo como o nosso ser eleito, isso já é a expressão de uma mobilização da sociedade. Para propostas como a que a gente defende ganhem corpo e tenham condições de ganhar uma eleição no Brasil significa que já houve uma ativação no processo de mobilização da sociedade. Isso começa já. O próprio processo de campanha já tem que começar assim. A nossa campanha vai ser uma campanha de mobilização, um debate de projeto para o país.
E você acha que é possível construir isso até outubro?
A sociedade está num processo de incertezas, de encruzilhada, o cenário é muito aberto. Tudo é possível. Veja que hoje quem ganha as eleições quando se tira o Lula são os indecisos, os nulos e os brancos. Muito a frente do Bolsonaro, que é colocado como o primeiro nas pesquisas. O nível de indefinição na sociedade, de insatisfação e cansaço com esse sistema político é enorme. Se as pessoas identificarem numa proposta a expressão da nossa indignação com o sistema político, se elas verem naquilo algo que não compactua com aquela velha forma de fazer política e está disposta a fazer de um outro jeito, isso pode, sim, gerar engajamento.
Seu discurso lembra muito o do PT e do Lula no início. E Lula perdeu a eleição presidencial três vezes. Em 1998, quando ele disputava com o Fernando Henrique, se dizia que se ele ganhasse os movimentos de moradia invadiriam as casas das pessoas e a classe média entrou em pânico. Você vem de um movimento que ocupa imóveis, que entrou recentemente no tríplex do Guarujá. Não teme que o discurso mais radical e sua atuação política assustem uma camada da população?
Nós não vamos fazer campanha guiada por marqueteiro. Isso vai assustar tal setor, tirar voto aqui ou acolá... Francamente, só vale a pena entrar em um processo como esse se for para sair com mais dignidade do que se entrou. Eu não vou abrir mão das bandeiras que eu acredito. O PSOL e essa aliança de movimentos populares não vão abrir mão das suas bandeiras. Aliás, muitas pesquisas mostram que isso não é um passivo eleitoral. Se nós olharmos o cenário eleitoral, vemos que onde a esquerda tem tido sucesso é onde não tem tido medo de dizer o que quer e onde quer chegar. Porque as pessoas estão descrentes desta política da maquiagem, onde os candidatos colocam uma máscara até as eleições e depois tiram e governam para os grandes interesses econômicos. As pessoas percebem quando é um discurso fabricado sobre medida. Também queria acrescentar que essa campanha vai ser uma oportunidade de quebrar preconceitos. O problema da moradia no Brasil é um escândalo. Nós temos seis milhões e duzentas mil famílias sem casa e mais de sete milhões de imóveis ociosos. Tem mais casa sem gente do que gente sem casa. Nós vamos mostrar para o país que quem ocupa não ocupa porque quer levar uma vantagem, porque é vagabundo e não quer trabalhar, como um certo preconceito difundido no senso comum tenta fazer crer. Uma mãe que leva seus filhos para uma ocupação, pisando no barro, para baixo de lona, não faz isso porque acha bonito. Faz isso porque todo final do mês tem que enfrentar a dura opção entre pagar aluguel e botar comida na mesa. Essa é a realidade de milhões de famílias nas periferias. É preciso desmistificar as ocupações. Na nossa campanha eu não vou em nenhum momento renegar aquilo que eu represento e o que eu fiz nos últimos 16 anos.
Então não pensa em fazer um aceno de não sou radical? Um aceno ao mercado como fez a campanha de Lula para que ele vencesse pela primeira vez?
Para governar para as maiorias no Brasil é preciso enfrentar o 1%. Não tem outra saída. Na situação em que estamos hoje não tem espaço para se avançar um milímetro em conquistas sociais, em avanços de direitos, em políticas públicas, sem enfrentar os privilégios do 1%. É preciso regular o sistema bancário.
A própria Dilma afirmou acreditar que sua derrocada começou pela falta de apoio do mercado. Como vai ser a sua relação com os bancos?
Se for para um presidente eleito governar para o mercado, cancela as eleições de uma vez. Deixa o mercado indicar. Reúne os quatro maiores bancos do país e define quem é o presidente do Brasil.
Mas você vai ter que conversar com os bancos...
Nós podemos conversar com quem for. A questão é: nós não vamos abrir mão de uma política de que banco vai ter que pagar imposto, de reduzir taxa de juros, esse spread bancário criminoso e violento, que é o maior do mundo. Esses privilégios têm que ser enfrentados. Não acho que a Dilma caiu porque fez o enfrentamento aos bancos. Acho que, em parte, ela tenha caído também porque não buscou ter um lastro popular. Para fazer política de enfrentamento com quem sempre mandou no Brasil é preciso estar lastreado. Eu não estou aqui defendendo inconsequências ou dando soluções mágicas, que eu vou chegar lá e vou fazer tudo o que os outros não fizeram. Isso é balela. Mas a forma de fazer os enfrentamentos que são necessários hoje no país é lastrear a política nas maiorias sociais. Em mobilização permanente da sociedade. Temos que levar o debate sobre tributação dos bancos. Este debate não pode ser feito entre o Banco Central, o representante dos banqueiros e o Ministério da Fazenda.
E qual seria a linha de sua política econômica?
Nossa política é primeiro a do enfrentamento das desigualdades. Uma política para enfrentar o abismo social brasileiro. Dado recente da Oxfam mostrou que seis bilionários têm mais riqueza do que cem milhões de pessoas no país. Isso precisa ser enfrentado. Precisamos de um novo modelo de desenvolvimento. O Brasil viveu nos últimos 30 anos uma reprimarização. Hoje a nossa pauta produtiva e de exportação está mais voltada para agroindústria, mineração, ligada a matérias-primas do que era 30 anos atrás. Nós hoje precisamos de um modelo de desenvolvimento econômico que não seja predatório, que seja totalmente conectado com questões ambientais, que respeite o direito das populações tradicionais. Um modelo que reveja a matriz energética e de transportes no país, que aumente as fontes de energias renováveis. Queremos construir um novo modelo de desenvolvimento, que invista em infraestrutura social. Não apenas para o capital, para a produção.
E como fazer isso?
Isso passa por uma retomada de investimento público no Brasil. Não se sai do abismo econômico que nós estamos sem investimento público. A ideia de ajuste fiscal que foi aplicada já em 2015, no Governo Dilma com Joaquim Levy, e depois aprofundada de maneira brutal depois do golpe parlamentar, fracassou por completo. Ela pressupõe que reduzir investimento público vai melhorar a situação fiscal. O que nós vimos foi o contrário. Reduzir investimento público fez com que a economia desaquecesse ainda mais, reduzisse a arrecadação e deteriorasse ainda mais a condição fiscal. Esse investimento em estrutura social e políticas públicas é o que pode permitir geração de emprego.
E como aumentar os investimentos em um Estado quebrado e com uma dívida pública altíssima que só cresce?
A dívida pública do Brasil não é altíssima, é abaixo de todos os padrões internacionais. Está em 74% do PIB. A dívida dos Estados Unidos está acima de 100% do PIB, da maioria dos países europeus é isso. Proporcionalmente aos padrões internacionais, é baixa. Nenhum país do mundo, tratando-se dos países de capitalismo avançado, se desenvolveu sem investimento público e sem endividamento. O problema da alta da dívida brasileira são duas questões: taxas de juros absolutamente fora dos padrões internacionais e a falta de crescimento econômico. A proporção dívida/PIB aumenta quando a taxa de juros para crescimento da dívida é maior do que a taxa de crescimento [do país]. Uma política de crescimento econômico reduz a dívida. Tivemos processo de redução da dívida recente, durante o Governo Lula, aliás com taxas de juros altíssimas naquele período, por conta do crescimento econômico.
E de onde vem o dinheiro?
Precisamos fazer uma reforma tributária profunda. A estimativa dos economistas que trabalham conosco é de que se poderia se arrecadar 120 bilhões ao ano só tributando lucros e dividendos, com uma escala progressiva, o que corresponde a 2% do PIB. Imposto sobre grandes fortunas, que é uma tributação sobre imposto que está parado, poderia render até 0,5% do PIB. Aumentar a alíquota de imposto sobre herança também aumentaria a arrecadação. É possível se fazer hoje com que se reduza o pagamento de impostos pelos mais pobres e pela classe média, aumentando, por exemplo, a faixa de isenção do imposto de renda e fazendo com que comecem a pagar impostos para financiar o Estado brasileiro aqueles que estão no topo da pirâmide, o 1%, e você ter condições de sustentar políticas públicas a partir daí. Fazer com que rico comece a pagar imposto é uma questão de justiça tributária.
Como vê a política de desoneração de impostos adotada pelos governos petistas?
Nós não defendemos esta política de desonerações. Aliás, achamos que isso foi um dos grandes erros da política econômica adotada pela Dilma no seu primeiro mandato. Nós achamos que a economia deve se construir de outra maneira, com um papel pró-ativo do Estado, com um papel fundamental de investimento público e uma política econômica voltada para a distribuição de renda e o desenvolvimento de outras formas produtivas que estejam sintonizadas com os interesses sociais e não das grandes corporações econômicas.
Vocês são críticos da reforma da Previdência. Mas a previdência representará um problema para o país. Como vocês pretendem lidar com essa questão?
A previdência tem que ser vista como uma política de segurança social, de assegurar renda para o povo mais pobre. A reforma proposta pelo Temer é absolutamente criminosa, propõe que as pessoas se aposentem no caixão e não mexe nos privilégios essenciais. Nós queremos mexer, sim, na previdência. Mas nos privilégios de altas cúpulas do poder que ganham acima do teto constitucional. Nós queremos mexer nos privilégios dos militares que têm uma previdência especial altamente injustificável, muito mais onerosa proporcionalmente que a dos civis. Nenhum desses pontos entrou na reforma do Temer. Queremos, sim, cobrar a dívida das grandes empresas com a previdência.
Você como psicanalista, como avalia o discurso do Bolsonaro em relação à violência?
Nós vivemos em um período de muita insegurança da sociedade. Uma crise econômica, política, ética, uma falta de perspectiva de futuro. Esse sentimento geral de insegurança, incerteza, gera medo nas pessoas sobre o amanhã. A psicanálise nos mostra que frequentemente o medo se converte em agressividade, em intolerância. Quando somos guiados pelo medo, somos presas fáceis de um discurso agressivo. Nós mesmos reproduzimos esse discurso como uma formação reativa de nosso medo, uma forma de escondê-lo, de abafá-lo. É aí que o Bolsonaro entra. Ele entra como alguém que mexe nos piores sentimentos das pessoas, que canaliza pela via do medo, do ódio, a fragilidade que as pessoas estão em um momento como esse. Ele é uma síntese do que a sociedade brasileira tem de pior, dos sentimentos mais negativos das pessoas em um momento de crise. Mas esse não é o único caminho e é isso que queremos mostrar na nossa candidatura. A insegurança própria desses momentos não flui apenas pelo caminho do medo. Ela flui também pelo caminho da esperança. Ela pode desaguar na construção de um novo projeto de futuro, que esteja baseado não em ódio, mas em valores, em solidariedade, em estar junto com as pessoas. O papel de uma alternativa política no Brasil hoje tem que ser a política da esperança, de construir senso de comunidade. É isso que vai nos dar uma alternativa de futuro.
Hamilton Garcia: A questão militar
O Comandante do Exército, General Eduardo Villas Bôas, afirmou em rede social, às vésperas do julgamento do habeas corpus do ex-Presidente Lula no STF, “que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”. O recado foi interpretado, quer como pressão indevida dos militares sobre o poder Judiciário, quer como preocupação comungada pela maioria da nação.
No STF, coube ao decano Ministro Celso de Mello verbalizar a primeira opinião: “O respeito indeclinável à Constituição e às leis da República representa o limite intransponível a que se deve submeter os agentes do Estado, quaisquer que sejam os estamentos a que eles pertencem”. Já o Ministro Luís R. Barroso se vocalizou a segunda: “O que você pode sentir é que os militares, como todo mundo no Brasil, estão preocupados e querem mudar as coisas para melhor. Como eu também”[1].
À luz da nossa história, de frequentes intervenções militares na política, todavia, é certo que a simples evocação do “respeito indeclinável à Constituição e às leis” não serve como bom contraponto, visto que essa tradição se forjou exatamente com base nesse princípio, evocado como antídoto à tendência histórica dos “agentes do Estado”, em particular dos civis, ao respeito declinável “à Constituição e às leis” — de acordo “apenas com interesses pessoais”, como assinalou o Comandante do Exército.
O fato é que o recado do General embutiu um alerta ao Judiciário, em meio à evidente erosão da autoridade do Executivo e do Legislativo, de que ele se tornou a penúltima fortaleza da defesa do Estado democrático de direito — a última são as Forças Armadas (FFAA) em nossa tradição republicana. Ao mesmo tempo, Villas Bôas mandou um recado à tropa: a prerrogativa do resguardo da lei e da ordem cabe exclusivamente aos poderes de Estado, não aos indivíduos em geral.
Para compreendermos adequadamente a questão, precisamos entender como as FFAA se tornaram protagonistas de nossa história por meio da combinação de três fatores interligados: 1) o fortalecimento gradual da convicção, no último quartel do séc. XIX, de que seu lugar entre as instituições nacionais dependeria mais de sua própria organização (corporativa) do que do processo de modernização, truncado pelo Estado escravista à sombra da Constituição de 1824; 2) o fato de que a decadência do modo escravista de produção solapava as bases da autoridade do Poder Moderador (Monarquia), ameaçando a unidade e a ordem nacional, sem que outra instituição civil lhe ocupasse o lugar; 3) a constatação de que a incipiência da sociedade civil existente, a par da fragilidade das instituições civis de poder, representavam o perigo efetivo de uma luta fratricida entre os brasileiros.
Enquanto o país marcava passo ao sabor do conservadorismo hesitante da monarquia, o Exército se modernizava com a gradual desaristocratização dos postos de comando propiciado pela imposição de critérios meritocráticos para a promoção na carreira, implementado pela reforma militar de 1850, que obrigou a profissionalização dos oficiais por meio de especialização na Real Academia Militar[2]. A partir daí, o Exército foi se democratizando pelo ingresso em seus quadros de indivíduos oriundos da pequena-burguesia que, de outro modo, estariam fadados à pobreza. Além do ensino técnico, eles também adquiriam habilidades intelectuais por meio de uma formação universalista, de viés positivista[3], que os habilitavam também a expressar o descontentamento difuso da plebe sem representação, além do sentimento nacionalista emergente na sociedade.
Desde a Guerra do Paraguai (1864-1870), os militares viram-se de algum modo envolvidos em movimentos nacionais de grande significado, sob a influência do Apostolado de Benjamin Constant[4], quer pelo fim da escravidão, por eleições livres (voto secreto), pela independência do Poder Judiciário, ou mesmo por um Estado forte para a superação do atraso nacional, entre outras. Após a forte repressão que se seguiu às greves operárias de 1917, com a expulsão de estrangeiros anarcossindicalistas (1921) e o prolongado estado de sítio (1922-26) — com a proibição do recém-criado partido operário (PCB) —, as lutas democráticas passaram à caserna por meio de grupos militares que promoveriam diversos movimentos armados entre 1922 e 1927, conhecidos como “levantes tenentistas” dada a forte participação da suboficialidade do Exército neles.
Em paralelo a estas agitações, sobretudo após a I Guerra Mundial (1914-18), cresce o movimento interno profissionalizante impulsionado quer por jovens oficiais formados em intercâmbio na Alemanha (“jovens turcos”), quer por oficiais antitenentistas que propugnavam a unidade do Exército e seu engajamento institucional, através do estado-maior, somente em caso de grave ameaça à ordem interna[5]. Nessa perspectiva se enquadrariam a intervenção de 1930, em meio as denúncias de fraude eleitoral; o golpe varguista de 1937, depois da fracassada revolta militar comunista de 1935; a derrubada de Vargas em 1945, para garantir a redemocratização do país; entre outros episódios cujo ápice (destoante) seria o contra-golpe de 1964, quando o poder só seria devolvido aos civis 20 anos após.
É sob essa moldura que devemos entender o posicionamento público do Gen. Villas-Bôas, liderança militar de perfil liberal, moldada pela perspectiva institucional-profissionalizante da ESG — que fundiu segurança com desenvolvimento econômico —, para quem “o Brasil (…) tem um sistema de pesos e contrapesos que dispensa a sociedade de ser tutelada”, mas que, ao mesmo tempo, sabe dos efeitos disruptivos de suas fraquezas institucionais sobre a sociedade e, particularmente, sobre a tropa, num momento em que as ameaças explícitas dos populistas de esquerda em prol da “guerra de classes” encontram como antípoda Jair Bolsonaro e sua pregação intervencionista, com repercussões internas no próprio Alto Comando do Exército — vide Gen. Hamilton Mourão.
Nesse contexto, tudo que um Chefe do Exército não pode fazer é se fingir de morto em “seu quadrado normativo”[6], sob pena de ver crescer, com o beneplácito dos comandantes de batalhão, a volta do fantasma do engajamento de base dos militares na política.
[1] In. <www1.folha.uol.com.br/poder/2018/04/na-vespera-de-julgamento-sobre-lula-comandante-do-exercito-diz-repudiar-impunidade.shtml>, <noticias.uol.com.br/politica/eleicoes/2018/noticias/2018/04/04/celso-de-mello-responde-a-general-do-exercio.htm> e <www.bbc.com/portuguese/brasil-43761667>.
[2] Vide Beatriz Coelho Silva, QUESTÃO MILITAR, in. <cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/QUESTÃO%20MILITAR.pdf>.
[3] Vide Arsenio E. Corrêa, A Ingerência Militar na República e o Positivismo, ed. Expressão&Cultura/RJ, 1997.
[4] Id. p. 14.
[5] Vide CPDOC, in. <cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/biografias/bertoldo_klinger>, <cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/biografias/goes_monteiro> e <cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos20/CrisePolitica/MovimentoTenentista>.
[6] Como gostaria o ex-Ministro Ayres de Brito, in. <noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2018/04/04/general-saiu-do-quadrado-normativo-a-que-devia-se-ater-diz-ex-presidente-do-stf.htm>.
Elio Gaspari: Palocci foi o quindim do mercado
Antonio Palocci chegou ao Ministério da Fazenda em 2003 antecedido por denúncias de malfeitorias praticadas quando era prefeito de Ribeirão Preto, mas foi protegido pela simpatia do andar de cima, sobretudo da banca. Uma das maracutaias envolvia uma licitação de R$ 1,2 milhão para a compra de cestas básicas, grosseiramente manipulada para favorecer empresas amigas.
Como ministro da Fazenda de Lula e chefe da Casa Civil de Dilma Rousseff, Palocci tornou-se o comissário do andar de cima. A aliança de empreiteiros, empresários e papeleiros com Lula, Dilma e José Dirceu era essencialmente oportunista. Com Palocci havia mais que isso. O ex-ministro enriqueceu ao passar pelo governo.
Quando o juiz Sergio Moro bloqueou suas contas pessoais e empresariais, tinha R$ 30,8 milhões. Vivia num apartamento cinematográfico comprado por R$ 6,6 milhões. Uma parte contabilizada dessa receita veio de contratos de consultoria com grandes empresas.
A colaboração do ex-ministro poderá resultar na exibição de novas conexões da máquina de roubalheiras. Hoje, empreiteiros e fornecedores larápios tornaram-se arroz de festa. Palocci operava no lado oculto da Lua e pode mostrar como as propinas disfarçavam-se de caixa dois ou fingem ser contratos de consultoria. Um exemplo pitoresco dessas ligações perigosas circulou há poucos meses.
Palocci teria contado que, em 2002, antes do início do romance do PT com a banca, armou a transferência de US$ 1 milhão do ditador líbio Muammar Gaddafi para a campanha de Lula. Tomara que o comissário tenha mostrado à Polícia Federal a trilha bancária dessa transação.
A CHAPA CIRO-HADDAD ESTÁ NO BARALHO
Com nome e sobrenome, a ideia de uma chapa com Ciro Gomes (PDT) na cabeça e Fernando Haddad (PT) na vice veio de Luiz Carlos Bresser-Pereira e foi revelada pelo repórter Mario Sergio Conti, narrando uma conversa que juntou os dois, mais o ex-ministro de FHC e o professor Antonio Delfim Netto. Sem nome e sobrenome, a ideia está nos baralhos de muita gente, inclusive nos de Ciro e Haddad.
Exposta assim, a chapa parece uma especulação prematura. Mostrada de outro jeito, ela é quase inevitável. Basta que sejam aceitas duas pré-condições:
1 - Nos próximos meses Ciro e o PT convivem num pacto de não agressão, como vêm fazendo até agora.
2 - Até agosto as pesquisas indicam que Ciro e Haddad (admitindo-se que ele venha a ser o poste de Lula) têm algum fôlego, mas nenhum dos dois é forte o suficiente para ter certeza de que chegará ao segundo turno. Hoje Ciro tem 9% e Haddad, 2%.
Admitindo-se que as pesquisas mantenham Ciro em melhor posição que Haddad, o PT troca uma eleição perdida pela esperança de uma vice.
A maior resistência à chapa Ciro-Haddad virá do PT, onde suas facções sonham com cenários que vão da imortalidade política e eleitoral de Lula ao delírio de uma explosão popular, com gente nas ruas e pneus queimados.
O PT tem uma propensão suicida. No início da campanha eleitoral de 2014, a senadora Marta Suplicy lançou-se numa operação para substituir Dilma Rousseff, com um "Volta Lula". Tinha apoios e até mesmo a cumplicidade silenciosa de "Nosso Guia".
A manobra morreu porque Lula não disse a frase fatal: "Quero a cadeira". Meses depois, reeleita, Dilma colocou Joaquim Levy no Ministério da Fazenda, mas deixou que ele fosse fritado pelo PT. Olhando-se pelo retrovisor, a história do PT teria sido outra com Lula candidato e Levy trabalhando em paz.
LULA SOLTO
Um sábio que já viu cinco eleições presidenciais avisa:
"Se Lula estiver em liberdade no dia da eleição, mesmo sem ser candidato, dobrará as chances do seu poste, seja ele quem for.
Os ministros do Supremo podem saber muito direito, mas não conseguiriam explicar na rua por que um homem libertado 'Excelso Pretório' pode ser culpado de alguma coisa."
LULA PRESO
As chances de Lula ser libertado antes da eleição de outubro pelo Judiciário, pelo Padre Eterno, ou por extraterrestres, são praticamente nulas.
POSTE 2.0
Está entendido que o ex-governador baiano Jaques Wagner não é candidato a poste de Lula. Hoje, o lugar é de Fernando Haddad. Como o PT não consegue viver sem uma briga interna, surgiu um novo nome, o do ex-chanceler Celso Amorim.
JANOT X RAQUEL
Mesmo tendo cumprido uma obsequiosa quarentena no exterior, o ex-procurador-geral Rodrigo Janot não conseguiu desencarnar.
AVANÇO E ATRASO
As montadoras brasileiras perderam a parada na qual pretendiam prorrogar a festa de incentivos fiscais que drenaram a bolsa da Viúva em R$ 28 bilhões desde 2006. Deverão se contentar com mimos menores.
As empresas querem benefícios e prometem investir em tecnologia, mas suas reivindicações acontecem num momento em que a China se arma para liderar o mercado de carros elétricos, coisa que em Pindorama não existe nem em sonho.
Piorando o quadro, os chineses da XEV acabam de apresentar um modelo de veículo popular elétrico cujas peças, salvo o chassi, os vidros e as baterias, são impressas em 3D.
TEMER CANDIDATO
Deve-se retificar a informação segundo a qual Temer não pode deixar que o balão de sua candidatura à reeleição murche, pois se o fizer, não conseguirá que o seu café venha quente.
Dizendo que não é candidato, nem água da pia receberá.
TERCEIRA DENÚNCIA
Há fortes indícios de que, havendo uma terceira denúncia contra Temer, ela não será votada pela Câmara antes da eleição de 7 de outubro. Disso resultará uma situação girafa, pois no dia seguinte existirão novos deputados, a serem empossados em 2019.
A Câmara de hoje, com um mandato caduco, não deveria abrir um processo que poderia afastar um presidente com poucos meses de mandato.
Nessa confusão, a denúncia poderia ficar nas nuvens, perdendo seu efeito letal no dia 1º de janeiro, quando Temer deixará a Presidência.
Pelas regras de hoje, no dia seguinte, ele perde o foro especial.
RECORDAR É VIVER
Os padecimentos do general Eduardo Villas Bôas, que sofre de uma doença degenerativa, parecem ter criado uma situação original. Ela é inédita num regime democrático, mas na ditadura o ministro do Exército, Orlando Geisel, comandou a tropa debilitado por um tifo. Homem magro, perdeu 12 quilos e passou alguns períodos em casa, obrigado a manter repouso absoluto.
A saúde de Orlando Geisel começou a ratear em 1972, com uma sucessão de gripes. Ele tinha um enfisema pulmonar, não se tratava e evitava médicos. No ano seguinte houve dias em que mal tinha forças para comparecer a uma cerimônia militar.
Naquela época ninguém sabia da doença do ministro e quem sabia fingia ignorância.
O Globo: Fim do foro privilegiado deve reduzir em 95% ações no STF
Julgamento a ser retomado 4ª feira pode agilizar punições de políticos
Por Cleide Carvalho, de O Globo
Pela primeira vez, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) vai se debruçar, na próxima quarta-feira, sobre a restrição do foro privilegiado a políticos, atingindo 594 parlamentares da Câmara e do Senado. Pelo novo entendimento da maioria dos ministros, o foro especial deve passar a valer apenas para atos praticados durante o mandato e em decorrência dele. Apenas o ministro Alexandre de Moraes votou até agora pela inclusão também de crimes comuns.
O caso em discussão na Corte é o de Marcos da Rocha Mendes (PMDB), três vezes prefeito de Cabo Frio. Ele é acusado de distribuir carne às vésperas da eleição de 2008, e seus correligionários foram flagrados trocando notas de R$ 50 por votos. Desde então, Mendes foi prefeito e deputado federal e a denúncia transitou entre o Tribunal Regional Eleitoral (TSE) e o Supremo.
O relator do processo de Mendes no STF é o ministro Luís Roberto Barroso, que viu no caso uma oportunidade de mudar a questão do foro.
— O sistema é feito para não funcionar. Mesmo quem defende a ideia de que o foro por prerrogativa de função não é um mal em si, na sua origem e inspiração, não tem como deixar de reconhecer que, entre nós, ele se tornou uma perversão da Justiça — escreveu o ministro Barroso.
O julgamento da Ação Penal 937 no STF dura um ano. A proposta de Barroso foi apresentada em maio do ano passado. Dos oito ministros que votaram, seis acompanharam o relator. Dois ministros pediram vista — Alexandre de Moraes e Dias Toffoli. O ministro Marco Aurélio Mello apenas divergiu quanto à parte final da tese. Para ele, caso a autoridade deixe o cargo, a prerrogativa cessa e o processo-crime permanece, em definitivo, na primeira instância da Justiça.
O STF tem hoje cerca de 500 processos contra parlamentares. De acordo com o quinto relatório Supremo em Números, da Fundação Getúlio Vargas, apenas 5% das ações penais contra autoridades que tramitaram de 2007 a 2016 permaneceriam na corte caso o plenário confirme a tese de Barroso.
FUGINDO DE MORO
A decisão, porém, alcança apenas uma fração dos mais de 54 mil detentores de foro privilegiado no país. O foro é, em si, uma fonte inesgotável de manobras de políticos para atrasar processos. O ex-deputado João Alberto Pizzolatti Junior (PP-SC) tem um caso sui generis. Logo no início das investigações da Lava-Jato, ele surgiu como um dos beneficiários do esquema de propina da Petrobras. Foi denunciado pelo Ministério Público Federal por ter amealhado R$ 460 milhões em propina, em conjunto com os colegas de partido como Pedro Corrêa, Pedro Henry, Mário Negromonte e Nelson Meurer.
Quatro anos depois do início da Lava-Jato, apesar das várias provas acumuladas, a situação de Pizzolatti está indefinida. Ele não tentou se reeleger em 2014, perdeu o foro, mas conseguiu ser nomeado secretário extraordinário do governo de Roraima, onde nunca morou, apenas para escapar do juiz Sérgio Moro.
Nem precisou. Seu caso nunca saiu do Supremo, mas pouco andou. No último dia 20, foi enviado à seção judiciária do Distrito Federal, por determinação do ministro Edson Fachin, que desmembrou o inquérito da cúpula do PP. O advogado de Pizzolatti, Michel Saliba, afirma que ainda não decidiu se vai ou não interpor recurso à decisão de Fachin. Mesmo sem cargo, Pizzolatti tem foro no Supremo porque seu caso está ligado ao de ex-colegas beneficiados.
A governadora Suely Campos, do PP, fez a nomeação, garantindo assim foro privilegiado em segunda instância — Tribunal Regional Federal da 1ª Região ou Tribunal de Justiça do Estado. Desde então, Suely nomeou Pizzolatti três vezes, mudando apenas o nome da secretaria. Seu salário era de R$ 23 mil. Pizzolatti já não trabalha para o governo de Roraima desde outubro de 2017.
Seu ex-colega Nelson Meurer não teve a mesma sorte. Deve ser julgado em 15 de maio pela Segunda Turma do STF. Meurer deverá ser, assim, o primeiro alvo da Lava-Jato sentenciado na Suprema Corte.