Eleições

Época: A crise e as eleições por dois respeitados intelectuais brasileiros

Por Ruan de Sousa Gabriel, de O Globo / Época

A greve dos caminhoneiros torna mais aguda a crise política que o Brasil vive?
ANDRÉ SINGER - A crise que estamos vivendo agora é decorrência da ruptura inconstitucional que ocorreu em 2016. A derrubada da Dilma por um golpe parlamentar, por uma manobra, representou um esgarçamento da democracia. A fraqueza do governo Temer, que fica visível com a crise dos caminhoneiros, é consequência dessa ruptura institucional. É um governo que tem muita dificuldade para encaminhar uma solução para uma situação desta gravidade. Infelizmente, o que estamos vivendo é consequência de um conjunto de decisões muito mal encaminhadas desde aquela época. Temos de conseguir atravessar este período difícil para chegar até as próximas eleições dentro de condições normais, dentro do calendário normal e, com isso, conseguir virar essa página. A legitimidade do governo Temer é muito baixa. Portanto, ele tem muita dificuldade para solucionar situações como esta que estamos vivendo. A crise é consequência da ruptura institucional e do esgarçamento da democracia que começou a ocorrer com o impeachment da ex-presidente Dilma.

BRASILIO SALLUM - Nossa democracia está em crise. Essa crise se manifestou no impeachment de Dilma e nas tentativas de impedir o presidente Temer. O exercício do poder ficou muito difícil. A situação na qual ocorreram as paralisações dos caminhoneiros já era uma situação de fragilidade. Temer não tem força para dirigir o processo. A greve dos caminhoneiros não enfraqueceu o governo. O governo já estava fraco. O Estado brasileiro não consegue definir seus rumos. Não é uma crise nova. Estamos em crise há muito tempo. O impeachment da Dilma foi uma “solução” institucional que não superou a crise. É uma crise grave, que afetou muito a organização do Estado brasileiro, deslegitimando todo o sistema político, que se assentava num solo de corrupção. A greve dos caminhoneiros revelou a fragilidade do governo, as dificuldades do governo para exercer autoridade. Mas tudo isso já vem de muito tempo.

Foi golpe?
AS - Foi golpe. É preciso reconhecer que a Constituição prevê o impeachment, mas exige a comprovação de crime de responsabilidade, o que jamais ficou demonstrado. Logo depois da reeleição de Dilma, diversas forças políticas, como o PSDB, começaram a questionar a legitimidade da presidente. Nos bastidores, Eduardo Cunha começou a trabalhar para que a presidente não concluísse seu mandato. E a extrema-direita começou a fazer manifestações pelo impeachment imediatamente, uma pauta que, na época, ninguém assumia. Até o PSDB era crítico da ideia de um impeachment sem base. Essa falta de embasamento jurídico persistiu. O impeachment de Dilma claramente não se sustenta do ponto de vista legal. É por isso que eu afirmo que, sim, houve um golpe parlamentar.

BS - Não foi golpe. O termo “golpe parlamentar” é uma figura de retórica que foi utilizada por quem perdeu. Collor também falava em “golpe parlamentar”. Temos de reconhecer o valor das regras democráticas. Os perdedores da disputa democrática não devem desqualificar as regras. Não se pode dizer que o impeachment não tem base jurídica ou que dois terços da Câmara e do Senado são golpistas porque concluíram que as pedaladas fiscais constituem crime de responsabilidade. Os perdedores podem discordar da tese, mas isso não transforma os outros em golpistas. Infelizmente, esse discurso do “golpe” se manteve, o que prejudica a democracia, pois desqualifica as regras segundo as quais vivemos. Mas, principalmente, esse discurso do “golpe” é um equívoco político tremendo porque tira do principal partido de esquerda do país a capacidade de negociar ao desqualificar seus adversários e transformá-los em inimigos.

Por que Dilma caiu se, diferentemente do que aconteceu no impeachment de Collor, não havia um amplo consenso das forças políticas em favor de sua destituição?
AS - Também por isso podemos falar em golpe. Para derrubar Dilma, formou-se uma maioria relativa para atender ao número de votos que a Constituição exige. No entanto, não se formou nenhum consenso capaz de um impedimento, ao contrário do que ocorreu na época do ex-presidente Collor. Naquela época, havia um consenso no Congresso e na sociedade de que o mandato tinha de ser interrompido porque havia crime de responsabilidade. Nada disso aconteceu agora. Repito: formou-se uma maioria relativa, mas não um consenso que garantisse, além de razões legais, bases sociais e políticas para sustentar o impedimento.

BS - No impeachment de Collor, houve um consenso entre as forças políticas que tinham promovido a redemocratização e a Constituição de 1988. Essas forças políticas democratizantes se articularam numa frente para evitar que Collor atuasse antidemocraticamente. Ele agia de forma extremamente voluntarista, não seguia as regras do presidencialismo de coalizão. Collor tinha uma coalizão precária e suspeitas de corrupção pessoal. No caso de Dilma, houve uma sucessão de equívocos da presidente, que tinha uma extraordinária dificuldade de manejar o sistema político — além de uma crise econômica terrível. Nos dois casos, eram presidentes voluntaristas e incapazes de manejar as demandas do Congresso. O que torna extraordinário o impeachment de Dilma é que não havia acusação de corrupção contra ela. Ela caiu por inabilidade política.

Qual o peso da economia na queda de Dilma?
AS - Enorme. É difícil quantificar, porque também houve a Lava Jato e a formação de uma frente antirrepublicana, comandada por Eduardo Cunha e Michel Temer. Mas, claro, a economia pesou muito. A ex-presidente tomou decisões econômicas consistentes. O problema não foi de competência. Não quero dizer que não tenha havido erros técnicos, mas, sim, que houve um plano econômico defensável e consistente, que respondia às demandas dos principais setores industriais, como desvalorização do real, queda dos juros e medidas de proteção à indústria. A nova matriz econômica era consistente, mas perdeu o apoio dos industriais. Dilma fez tudo isso para alavancar o investimento industrial, mas os empresários começaram a reclamar que o governo era muito intervencionista. Mas o governo intervinha em favor da indústria. Há um paradoxo político aí. De fato, em meados do primeiro mandato, Dilma perdeu uma base de apoio fundamental e não conseguiu se recuperar dessa perda.

BS - Tremendo. Houve a junção de duas coisas: crise econômica e suspeita de corrupção. O ritmo da economia caiu violentamente a partir de 2014. A crise, combinada à percepção de corrupção no governo petista, criou um mal-estar que justificou a paulatina oposição dos empresários, que, inicialmente, apoiavam Dilma.

Houve sete impeachments na América Latina entre 1992 e 2015. Esse número elevado contribui para a instabilidade das democracias da região?
AS - O impeachment é um recurso constitucional para ser usado muito raramente. Na América Latina, o impeachment está se tornando uma espécie de semiparlamentarismo. Governos muito fracos são interrompidos, o que é um recurso típico de regimes parlamentaristas. Nestes, os governos caem quando não têm mais maioria parlamentar. Mas, na América Latina, não há parlamentarismo, e sim presidencialismo. Esse uso do impeachment é uma completa distorção de sua finalidade.

BS - As democracias latino-americanos têm demonstrado extraordinária resistência. Os governos civis se mantiveram. Nos últimos 30 anos, os principais países do continente têm apresentado crescimento econômico medíocre se comparado ao desenvolvimento econômico pujante que ocorreu entre os anos 1930 e 1980. Depois dos anos 1980, houve uma queda assustadora do ritmo de crescimento. Nesse contexto de pobreza relativa, a preservação das regras democráticas é positiva. As quedas de presidentes simplesmente atestam que um presidente não pode governar de forma voluntariosa. Quando um presidente ultrapassa certos limites, ele não se sustenta mais. Ou se sustenta apenas na base da opressão.

O parlamentarismo garantiria democracias mais estáveis?
AS - Esse discurso confirma a hipótese do uso indevido do impeachment. No caso da presidente Dilma, o impeachment foi usado nesse espírito semiparlamentarista por forças que estavam, sim, muito inclinadas a sugerir a implantação do parlamentarismo no Brasil. Isso é ruim. Impeachment é uma coisa. Adoção do parlamentarismo é outra discussão. Eu defendi o parlamentarismo no plebiscito de 1993. No entanto, a política brasileira real acabou se configurando com a oposição entre um partido popular e um partido de classe média. Embora haja também um terceiro partido, que eu chamo de partido do interior, o MDB. A adoção do parlamentarismo inviabiliza a possibilidade de o partido popular chegar ao poder, porque o Parlamento tende a ser dominado pela aliança entre o partido de classe média e o partido do interior. Foi essa a aliança do impeachment. Na prática, o parlamentarismo no Brasil funcionaria como um filtro. Só chegariam ao poder aqueles que conseguissem compor com um Congresso dominado pela aliança desses dois partidos. No presidencialismo, o confronto entre o partido de classe média e o partido popular permite que as grandes questões brasileiras sejam decididas a cada quatro anos na eleição presidencial, quando a população se manifestar.

BS - O parlamentarismo é sempre mais estável, porque a queda de primeiros-ministros é corriqueira. A adoção do parlamentarismo não vale a pena porque a população já mostrou adesão ao presidencialismo. Melhorias podem ser implementadas para tornar o sistema presidencialista mais democrático e funcional, como mudar as regras eleitorais para que o Congresso esteja em sintonia com a sociedade. Atualmente, os representantes estão muito dissociados dos representados. O vínculo entre representantes e representados é fundamental para fortalecer o Parlamento e fomentar uma independência em relação ao Executivo que não seja voluntarista, mas em sintonia com os eleitores.

Um presidente forte, que conte com a legitimidade do voto popular, poderia reorganizar o sistema partidário?
AS - Não sei se o próximo presidente, se possuir a necessária capacidade de negociação, seria capaz de estancar a fragmentação partidária. No melhor dos cenários, ele seria capaz de agilizar uma reforma política, o que depende do Congresso, que nunca quer debater esse tema por entender que se beneficia da atual fragmentação do sistema.

BS - Um presidente forte é um presidente que carrega o prestígio eleitoral. Isso lhe garante uma janela de oportunidade para propor reformas. A reforma política deve ser prioridade.

Como possibilitar a renovação política?
AS - É preciso estabelecer um consenso na sociedade em torno de mecanismos como o voto em lista fechada. O eleitorado brasileiro está pouco informado e tende a achar que o voto em lista fechada reforça as burocracias partidárias em detrimento da liberdade do eleitor. Mas não é isso, sobretudo se, junto com a lista fechada, estabelecermos mecanismos como primárias que obriguem os partidos a se abrir para a votação de todos os cidadãos na hora de escolher os candidatos. Há uma série de mecanismos institucionais que poderiam ser adotados para, progressivamente, evoluirmos para uma democracia mais participativa, transparente, ideológica e representativa. Mas não sou otimista no que se refere a uma renovação dos quadros políticos, porque os partidos não estão conseguindo responder às demandas da população. Os partidos precisam prestar contas e tornar crível seu compromisso de mudar suas práticas para recuperar credibilidade. Não tenho nada contra quem defenda renovação política, mas será muito difícil uma renovação que descarte toda uma camada de políticos profissionais que sabem como o sistema funciona porque estão nele há décadas. Nenhum país que eu conheça conseguiu fazer isso, senão por meio de uma revolução. O Brasil enfrenta uma crise complexa, mas não há processo revolucionário em curso. É possível que, em 2019, vejamos mais ou menos as mesmas figuras no Congresso Nacional.

BS - A Operação Lava Jato mostrou que o sistema político é baseado em corrupção há muito tempo. Precisamos alinhavar sistemas eleitorais que sejam mais representativos e mais baratos. Temos de reduzir os custos das campanhas para que o dinheiro do fundo partidário seja suficiente e não haja um estímulo para políticos profissionais absorverem dinheiro de empresas que prestam serviços ao Estado. O voto distrital misto é um meio razoável de baratear as campanhas e aumentar a representatividade.

A polarização PT-PSDB — mesmo que representada por forças políticas próximas a esses partidos — tende a se repetir nas eleições de 2018?
AS - A polarização entre uma alternativa de classe média e uma alternativa popular tende a se repetir. Como essas alternativas vão se representar é um enigma. O panorama está muito confuso. Em que pesem todos os problemas que enfrentam, PT e PSDB continuarão a ser partidos importantes, pela experiência adquirida, pela capacidade de chegar aonde outros partidos não chegam, pelas lideranças que detêm. E também pelos programas que apresentam, que, de alguma maneira, recolocam as grandes questões nacionais, como a intervenção ou não do Estado na economia. PT e PSDB vão preservar algum grau de influência, mas não sei se será a mesma influência que tiveram entre 1994 e 2014.

BS - Seria desejável a repetição dessa polarização, com candidatos como Geraldo Alckmin e Ciro Gomes. Alckmin é um liberal democrata, um homem experiente, que não promete nenhuma maluquice. Ele tem capacidade de governo, é um homem de partido e não está envolvido em corrupção. Ciro é personalista, mas não representa um risco de ruptura. Apesar do personalismo, ele vai se articular com outros partidos. Foi governador, tem experiência administrativa. Não podemos ter um principiante na Presidência.

Lula não poderá concorrer e os outros pré-candidatos disputam seu espólio eleitoral. Quem será o herdeiro político do lulismo?
AS - É difícil fazer previsões porque é uma situação completamente inédita. Minha aposta é que o ex-presidente Lula, chegado o momento, terá um comportamento racional. Ele sabe que detém vários ativos — votos, liderança, popularidade — que podem garantir a sobrevivência do PT. O PT não é pouca coisa. Continua sendo o maior partido brasileiro. Acredito que Lula fará um movimento no sentido de preservar o PT. Em um momento que é difícil determinar, acredito que ele indicará o nome que seja mais interessante para o PT.

BS - Não vejo outras pessoas que tenham essa capacidade que Lula tem, de ser uma esquerda de composição. O PT, como os outros partidos, não produziu novas lideranças. Não se renovou. As lideranças políticas que temos hoje vieram da redemocratização e envelheceram sem que novos líderes fossem produzidos.

Ciro quer ter um empresário como vice em sua chapa. Ele repete o movimento lulista de 2002 ao acenar para a esquerda ao mesmo tempo que convida um patrão para compor sua chapa? O empresário José Alencar foi vice de Lula.
AS - A filiação do industrial Benjamin Steinbruch ao PP para ser vice de Ciro indica o movimento de aproximação do programa lulista, que é de transformação dentro da ordem. Ciro entendeu o que o lulismo fez e procura repetir essa fórmula. O problema é que ele não é do PT. O PT é central para o futuro do lulismo. O ex-presidente Lula apostou no futuro ao ficar no Brasil e se entregar à Polícia Federal e, assim, perpetuar sua liderança e o lulismo. Pesa bastante o fato de Ciro não ser do PT. Ele tem adotado um movimento de se afastar do PT, o que dificulta a possível incorporação dele ao futuro lulista. Não entendo muito bem por que ele faz esse movimento de aproximação do lulismo e afastamento do PT.

BS - Ciro é uma liderança personalista, não é um homem de partido. É um candidato forte. É provável que lideranças petistas o apoiem. Ele tem capacidade de atrair quadros lulistas. Mas, repito, ele não é um homem de partido, é uma liderança personalista. Espero que, se chegar à Presidência, consiga moderar seus impulsos para lidar com o Congresso.

O lulismo é capaz de sobreviver sem Lula e sem o PT?
AS - Lulismo sem Lula é como peronismo sem (Juan Domingo) Perón (presidente argentino). Lula plantou uma perspectiva que deve durar. Ele continua atuando, mesmo restrito pela prisão. Os lulistas estão fazendo um grande esforço para que ele continue a ser um líder, mesmo na prisão. Não vejo como o lulismo possa continuar sem o PT.

BS - O lulismo não sobrevive sem Lula. O mais preocupante é que o petismo aparentemente se transformou em lulismo. O PT não é mais um partido capaz de projetar um programa e lutar por ele. A possibilidade de o PT continuar como partido será definida neste ano. Do jeito como as coisas estão andando, o PT pode desaparecer como referência, porque ele depende pura e simplesmente de Lula. O partido vive uma situação muito complicada: ele precisa definir uma maneira de seguir sem a candidatura Lula e propor um programa para o país. Eu temo que, ao insistir na tática de defender a candidatura Lula, o partido perca sua relevância.


Roberto Freire: Em defesa da ordem democrática

O governo negociou e atendeu às reivindicações dos grevistas dos transportes.

Não houve a contrapartida necessária, por parte dos manifestantes, com a volta dos caminhões às rodovias e estradas e a retomada do abastecimento.

Desnudou-se o caráter do movimento grevista.

Na primeira nota do movimento, reivindicava-se, como primeiro item, o voto impresso nas eleições de 2018.

Tal reivindicação nada tem a ver com a natureza das questões envolvidas nos transportes, mas sim, com a plataforma de determinado candidato de ultradireita, em nada interessado nas reivindicações específicas dos caminhoneiros e mesmo de empresas do setor.

Ontem, governo e grevistas chegaram a um acordo, cujo mérito não é escopo deste artigo discutir agora.

Já durante a negociação, determinada liderança ausentou-se, alegando desconfiança no governo.

Exigia garantias de que o Congresso aprovaria a eliminação de determinado imposto. Ou seja, queria o Congresso, Senado e Câmara ajoelhados diante do que se proclamou representar.

Restou demonstrado que há interesses turvos, que não querem negociar, apenas almejam desestabilizar a democracia.

Não cabe tergiversar com quem coloca em risco à democracia e nossas liberdades.

Só democrata desavisado imagina que do desabastecimento generalizado, que uma greve como essa provoca, as instituições do Estado de Direito se sustentam e se fortalecem.

Nunca é demais lembrar da tragédia chilena com a deposição de Allende e instauração da ditadura de Pinochet. Tudo começou com uma greve de caminhoneiros.

O governo federal acaba de tomar as medidas acertadas para restabelecer ordem e defender a população, sempre a maior vítima de qualquer desabastecimento. E mais com a determinação de respeitar o acordo estabelecido com o comando do movimento grevista.

Não cabe vacilação.

Os democratas devem dar todo apoio às medidas anunciadas pelo governo federal que, dentro da legislação do Estado de Direito Democrático, possam garantir o pleno exercício das liberdades e dos direitos da cidadania brasileira.


Luiz Carlos Azedo: Governo fraco

A União, o Congresso, os governos estaduais, as empresas de transportes e os caminhoneiros brigam por um acordo que jogue a conta no colo do consumidor

“Isso é coisa de governo fraco”, sapecou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ao criticar a mobilização das Forças Armadas para enfrentar a crise de abastecimento provocada pela greve dos caminhoneiros (na verdade, um grande locaute das transportadoras, que só agora começa a ser enfrentado pelo governo como manda a lei). Na quarta-feira, Maia foi protagonista de uma votação na Câmara que complicou ainda mais a situação, ao induzir os deputados a votarem pela extinção do Pis-Cofins no diesel dizendo que a perda seria de R$ 3 bilhões, quando na realidade seria de R$ 10 bilhões. Disse que as contas da receita estavam erradas, ao contrário dos cálculos da assessoria técnica do relator, deputado Orlando Silva (PCdoB-RJ).

O último presidente da Câmara a se aproveitar de um governo fraco foi o ex-deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ), que abriu o processo de impeachment de Dilma Rousseff (PT), aliado à oposição, mas hoje está cumprindo pena em regime fechado. Dilma havia passado por um tremendo desgaste em 2013, quando foi surpreendida por grandes manifestações de protestos em todo o país, mas, mesmo assim, conseguiu a reeleição. Não resistiu, porém, quando as mobilizações de rua convergiram para as articulações no Congresso, em razão do colapso de sua “nova matriz econômica”, que jogou o país na maior recessão de sua história e provocou desemprego em massa. Seu vice, Michel Temer, entrou na conspiração e assumiu seu lugar. É um presidente fraco pela própria natureza.

Ao contrário de Cunha, Maia é hoje o primeiro na linha de sucessão de Temer. Na semana passada, o ambiente na Câmara era de vaca estranhar o bezerro, como gostam de afirmar os políticos. Os que haviam votado contra a denúncia contra Michel Temer diziam que sua manutenção no cargo foi um erro. Estava-se pagando um preço muito alto por isso, pois o governo não se recuperou da crise ética, apesar da queda da inflação e dos juros baixos. Aliados de Temer admitem que estão sendo muito cobrados pelos eleitores por causa do voto contra a denúncia. O ambiente na Câmara não é favorável ao governo. Resumindo, se houver uma nova denúncia, Temer será afastado do poder.

Maia sabe disso e parece arrependido do apoio a Temer. Teve os destinos do país nas mãos, mas não atendeu ao apelo da maioria dos seus pares, depois de um puxão de orelhas de sua mãe, uma chilena que viveu os dias dramáticos da queda de Salvador Allende ao lado do ex-prefeito Cesar Maia, então um jovem professor de economia exilado no Chile. Mariangeles Ibarra Maia, em mensagem encaminhada ao filho, pediu: “Não conspire contra Temer”. A pré-candidatura de Maia a presidente da República parecia uma jogada para garantir a recondução ao comando da Câmara; agora, começa a ter outro sentido.

Caso Temer fosse afastado, Maia assumiria a Presidência e poderia concorrer à reeleição no cargo. Há dois caminhos para isso: abrir um processo de impeachment, o que teria uma conotação golpista para o presidente da Câmara; ou esperar a terceira denúncia contra Temer, com base na investigação do Porto de Santos. Nos tempos de Janot, isso já teria ocorrido. A procuradora-geral Raquel Dodge, porém, não tem a mesma gana do antecessor contra Temer, por quem foi nomeada para o cargo, sendo a segunda mais votada entre os procuradores.

Abastecimento

O Brasil já teve muitos governos fracos, alguns acabaram depostos, como a Regência da princesa Isabel, em 1889, e os governos de Washington Luiz, na Revolução de 1930, e o de João Goulart, em 1964. Mas nenhum foi tão fraco como a Regência Provisória que assumiu o comando do país com a abdicação de Dom Pedro I, em 1831, formado pelo paulista José da Costa Carvalho, o maranhense João Bráulio Munis e o general Francisco de Lima e Silva. Num dos seus piores momentos, o governo passou seis dias cercado por mercenários amotinados, traficantes e fidalgos insatisfeitos. Nessa crise, avultou-se o ministro da Justiça, o padre Diogo Antônio Feijó, e um jovem major do Exército, Luiz Alves de Lima e Silva, filho do general, que enfrentaram os amotinados e, depois, uma série de rebeliões. Era uma época em que o nosso Estado-nação estava nos seus primórdios.

Hoje, temos um governo fraco, mas um Estado forte, com instituições sólidas e mão pesada. É uma ironia, mas a crise que estamos vivendo decorre mais do segundo do que do primeiro aspecto. Resulta de um conflito distributivo no qual a conta já não fecha, além de uma estratégia de desenvolvimento que tem como polos mais dinâmicos da indústria a produção de veículos automotivos e a exploração e o refino de petróleo do pré-sal, de um lado; a construção civil nas cidades e a produção de commodities agrícolas no campo, de outro. O Estado forte vive de aumentar impostos de combustíveis, telecomunicações e energia elétrica, para financiar governos ineficientes e subsidiar setores privilegiados da economia.

A paralisação colapsou a economia, enquanto a União, o Congresso, os governos estaduais, as empresas de transportes e os caminhoneiros brigam para ver quem vai ganhar mais ao jogar a conta no colo do consumidor. Por essa razão, a greve dos caminhoneiros gerou sentimentos contraditórios na população, que num primeiro momento ficou contra o governo, porque abraça a ideia de reduzir impostos para baixar o preço do combustível, muito inflacionado pela alta do dólar. Até o abastecimento entrar em colapso. Agora, a opinião pública se volta contra os grevistas, mas não refresca o governo. A crise política instalada só se resolverá nas eleições

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Luiz Carlos Azedo: Coisa estranha

Nunca é demais lembrar que uma greve de caminhoneiros, em 1972, desestabilizou o governo de Salvador Allende no Chile e abriu caminho para o golpe do general Pinochet

Depois de seis horas de negociações com os líderes dos caminhoneiros, o governo conseguiu uma trégua e a suspensão da greve que há quatro dias provocava bloqueios de rodovias e desabastecimento em todo o país. A incógnita agora é saber se o acordo será aceito pelos grevistas, já que um dos líderes se recusou a assiná-lo. De qualquer forma, duas dezenas de decisões liminares para desobstruir as rodovias federais já foram concedidas, em razão do colapso do sistema de transporte rodoviário, o risco de paralisação de aeroportos e o desabastecimento da população, não somente de combustíveis. A especulação nos postos de gasolina, que ainda provoca grandes filas, é criminosa.

O imobilismo do governo federal e dos governos estaduais quanto à desobstrução das rodovias durante a greve foi espantoso. Houve paralisação dos frigoríficos, até as fábricas de automóveis suspenderam a produção. O bloqueio dos portos registrou um fato ainda mais preocupante: a adesão de pescadores, que interditaram os canais de navegação, com suas traineiras, nos portos de Itajaí (SC) e de Santos (SP). A crise agora está no colo do ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, diante da necessidade de rapidamente desobstruir as rodovias e normalizar o abastecimento.

Há dois atores nessa crise que precisam esclarecer melhor a sua verdadeira posição: o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pré-candidato a presidente da República, que foi mais um a impor condições e contingenciar o governo nas negociações, e o presidente da Força Sindical, deputado Paulinho da Força (Solidariedade), que apoia os caminhoneiros incondicionalmente. Ambos são aliados e estão jogando juntos. O presidente Michel Temer, que sempre foi um conciliador, vacilou quanto a definir uma clara linha divisória entre o que seria uma greve legítima de caminhoneiros avulsos e o que está acontecendo, um locaute das grandes transportadoras.

Pescador de águas turvas, o candidato do PSL, deputado Jair Bolsonaro (RJ), declarou apoio à greve com um discurso articulado, assentado sobre a agenda de reivindicações dos caminhoneiros, pondo mais lenha na fogueira, pois mobilizou apoio aos grevistas. Não tinha nada a perder, qualquer que fosse o desfecho da greve, pois ganha com o desgaste do governo Temer e ganharia mais ainda se a situação provocasse a edição de um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e a mobilização das Forças Armadas.

A decisão da Petrobras de reduzir o preço do diesel em 10% resultou numa queda de 14% das ações da empresa na Bolsa de Valores, o que deslocou a petroleira da condição de mais valiosa empresa do país, com uma perda da ordem de R$ 40 bilhões num só dia. No mercado financeiro, a empresa ainda sofre um ataque especulativo, com a interpretação de que o gesto de redução de preços foi uma mudança de política e que a solução para o problema seria a privatização da petroleira. O mercado financeiro cavalga essa crise para levar vantagem. Não devemos esquecer que a Petrobras é uma empresa de capital aberta, apesar do controle acionário ser estatal.

O governo Temer foi surpreendido pelo que poderia se transformar numa tempestade perfeita, pois o desalinhamento de preços no setor de transportes, que sempre foi oligopolizado, e a gana arrecadadora dos estados e da própria União acabaram inviabilizando a política de flutuação do preço dos combustíveis de acordo com o mercado internacional. No meio dessa crise, as máfias dos combustíveis, que existem, se aproveitaram para auferir lucros absurdos e ilegais, com o aumento dos preços na bomba, num oportunismo selvagem. As agências do governo responsáveis pelo bom funcionamento do mercado, como a ANP e Procon, demoraram a reagir.

Tempestade perfeita, grosso modo, é um evento desfavorável drasticamente agravado pela combinação de circunstâncias, transformando-se em um desastre. A expressão também é usada para descrever fenômenos meteorológicos de grande magnitude, resultante de uma inusitada confluência de fatores, do tipo Efeito Borboleta, como a crise financeira de 2008. Não foi o caso, mas pode vir a ser, devido à perplexidade do governo e a crise de abastecimento.

Norberto Bobbio, notável jurista e filósofo italiano, ao falar dos maus governos, dizia que, graças às funções essenciais do Estado, mesmo assim serão sempre a forma mais concentrada de poder, porque arrecadam, normatizam e coagem. Quando nada funciona, advertia o mestre, a propósito da crise italiana do final dos anos 1970, um “subgoverno” se encarrega de exercer essas funções. É aí que mora o perigo dessa crise, pois nova greve dessa envergadura tem alto poder de desestabilização do governo, às vésperas das eleições presidenciais e na iminência de uma possível terceira denúncia contra o presidente Temer. Pode ser que essa tenha sido uma aposta de atores políticos interessados em se beneficiar da crise.

Nunca é demais lembrar que uma greve de caminhoneiros, em 1972, desestabilizou o governo de Salvador Allende no Chile e abriu caminho para o golpe do general Pinochet. O mesmo expediente fora usado antes, no Brasil, para desestabilizar o governo de Juscelino Kubitschek, em 1959, sem o mesmo sucesso. É bom não subestimar o que aconteceu, numa conjuntura em que o governo e o Congresso estão muito desgastados, e o país parece desnorteado. Só há um rumo a seguir: garantir as eleições e o respeito à Constituição, inclusive ao direito de ir e vir dos cidadãos, que foi muito agredido pela greve.

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Luiz Paulo Vellozo Lucas: Desafios da agenda liberal

A evolução da crise brasileira - e a proximidade das eleições presidenciais - está consagrando a agenda liberal como ponto de convergência dos democratas que rejeitam o populismo e a demagogia, principais estratégias petistas. A reforma do Estado em todas suas dimensões, a centralidade do compromisso com o equilíbrio fiscal e a eliminação do aparelhamento político da máquina pública já estão nos discursos dos candidatos que não possuem interesse no espólio eleitoral do lulopetismo.

A vitória nas urnas do projeto reformista é condição necessária, mas não suficiente para viabilizar sua implantação. A agenda liberal tem como questão central a reengenharia do Estado brasileiro, afim de libertá-lo de sua condição de capturado pelas relações de privilégios de estamentos e corporações. Adotá-la significa compreender que, sem um Estado capaz de fazer políticas públicas voltadas para a sociedade em seu conjunto, será impossível superar a iniquidade social e o atraso. Infelizmente, a ampla convergência acaba quando saímos da formulação geral e vamos para a implantação na prática. Reformar a CLT, a Previdência, o sistema tributário, privatizar a Eletrobrás e obras de infraestrutura, acabar com a estabilidade de funcionários públicos, reduzir custos e salários na máquina do Estado e extinguir subsídios fiscais…

Quando o deputado Bruno Araújo (PSDB-PE) renunciou ao Ministério das Cidades antecipando a saída do seu partido da base do governo Michel Temer, abrindo assim espaço para uma indicação ministerial do “centrão”, a bolsa de valores reagiu com otimismo, e a cotação das ações subiu. Os analistas do mercado financeiro calcularam que teria aumentado a chance de Temer conseguir a aprovação da reforma da previdência. Em resumo, piorar a qualidade da equipe ministerial com mais fisiologismo seria um preço que valeria a pena ser pago, afim de aprovar a reforma considerada crucial para o equilíbrio fiscal do país. E a politica urbana? Habitação, saneamento, mobilidade urbana, favelas… Não são importantes?

A primeira conclusão é que a agenda liberal não é propriedade dos analistas da bolsa de valores. Não interessa só ao mercado financeiro, como os populistas ainda teimam afirmar. Trata-se, hoje, da essência do interesse público. A segunda conclusão é de que não existe atalho para a implantação da agenda liberal por fora da boa politica, da negociação, do convencimento da opinião pública e, com ela, da construção de uma base política sólida a favor da racionalidade e da ética no trato das coisas a serem feitas pelo estado, em nome do interesse geral da sociedade.

É preciso ganhar politicamente a sociedade para o caminho das reformas. Elas não passarão de outra maneira. O “mercado” precisa se convencer de que é preciso reunir força politica para a implantação das reformas, compreender que quase sempre é preciso negociar regimes de transição e compensações. Mais que isso. É preciso não se iludir com a possibilidade de reformar o Estado na marra, tripudiando e esmagando os interesses contrariados. O Plano Cruzado tentou esse caminho, satanizando o empresariado e criminalizando alta dos preços. Não funcionou. A não ser para a vitória do governo Sarney nas eleições seguintes, que inventaram o “estelionato eleitoral”.

Os ameaçados pela agenda liberal, possíveis perdedores de privilégios, sabem se organizar e se defender. Este enfrentamento inevitável também não pode ser feito com apoio “comprado” na base de tratamento favorecido e distribuição de cargos e verbas. A base de sustentação de um futuro governo reformista terá de ser construída por forças políticas que apostem no sucesso da implantação de uma agenda liberal. Tropas mercenárias não lutam por reformas.

O economista Alan S. Blinder, da Universidade de Princeton - da primeira equipe econômica de Bill Clinton -, argumenta em seu livro Advice and Dissent: Why America suffers when economics and politics colide, que é fundamental encurtar o abismo cultural que existe entre a boa política e a boa economia. Diz ele que, só assim, será possível implantar políticas públicas que sejam, ao mesmo tempo, “racionalmente obstinadas” e “simpáticas”. Se nos Estados Unidos, com sua longa história de democracia e liberalismo, eles se preocupam com a irracionalidade econômica dos políticos e a falta de sensibilidade política dos economistas, imaginem o tamanho desse desafio no Brasil de hoje…

A crise de confiança que caracteriza a crise brasileira atinge tanto o mercado financeiro quanto a opinião pública e o eleitorado. Todos acompanham, com preocupação, o processo eleitoral e o sobe e desce das pesquisas de intenção de voto. Em 2002, quando o PT chegou ao poder disfarçado com a “Carta aos brasileiros” e entregou a gestão da economia a Palocci e Meirelles, ouviu-se muito “no mercado” que a vitória de José Serra teria sido pior. Estou convicto de que não!

O populismo disfarçado arrastou o Brasil para uma crise profunda e nem atalhos autoritários, nem governabilidade cooptada, serão capazes de nos salvar. Os indignados com a política brasileira - que não desistiram do Brasil - precisam atravessar o rubicão da desilusão e da paralisia para participarem, ativamente, do processo eleitoral, reforçando o campo democrático e reformista.

Reconheço que não é fácil, mas penso ser esse o único caminho verdadeiro.

* Luiz Paulo Vellozo Lucas é ex-prefeito de Vitória-ES; pré-candidato a Deputado Federal pelo PPS-ES.


A nova face do eleitor: o envelhecimento chega às urnas (O Globo)

População com mais de 60 anos supera a de jovens entre 16 a 24 anos

Por Daiane Costa e Igor Mello, de O Globo

RIO - Ainda que prevaleça a ideia de que o Brasil é um país de jovens, que são decisivos nos processos eleitorais, dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) compilados pelo demógrafo José Eustáquio Alves, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, mostram que a democracia brasileira tem uma face cada vez mais madura. Os idosos já representam 18,6% do eleitorado, ou 27,3 milhões de votos, enquanto que os jovens, de 16 a 24 anos, somam cinco milhões a menos: são 22,4 milhões ou 15,3% dos aptos a votar em outubro. Essa diferença é capaz de definir uma eleição. A mudança demográfica do eleitorado vem sendo percebida desde 2014, quando os dois grupos praticamente ficaram empatados no peso que têm nas urnas. Naquele ano, jovens representaram 16%, enquanto eleitores com 60 anos ou mais somaram 17%.

Conservadores, mas democráticos
Essas novas proporções caminham juntas com a aceleração do envelhecimento da população, que ficará ainda mais evidente a cada eleição. O professor estima que o Brasil se tornará oficialmente um país envelhecido em 2031, quando o número total de idosos vai superar o de crianças e adolescentes de zero a 14 anos. Um ano antes, o eleitorado com 60 anos ou mais já terá dobrado em relação ao grupo que tem entre 16 e 24 anos.

— Em 2014, a vantagem dos idosos era muito pequena. Um empate técnico, estatisticamente. Essa é a primeira eleição com um aumento consistente de eleitores idosos, em que são maioria evidente. E, como vivemos cada vez mais, esse não é um eleitor que vai embora. Os candidatos terão de trabalhar questões próprias dos idosos e conhecer a realidade deles se quiserem conquistar e manter esse voto na eleição seguinte —observa o autor do estudo.

Na avaliação de cientistas políticos, ainda que idosos sejam mais conservadores em relação a valores e ao comportamento social, defendem o regime democrático e querem estabilidade econômica. Características que sugerem, nas urnas, a escolha de um candidato de centro por esse grupo.

— Nossas pesquisas indicam que indivíduos a partir dos 55 anos são os mais contrários à legalização do aborto, ao casamento de pessoas do mesmo sexo e à adoção de criança por casal gay. Mas também são os que mais apoiam o regime democrático como forma de organizar o sistema político, devido à experiência que tiveram nos anos de ditadura— complementa Rachel Meneguello, pesquisadora do Centro de Estudos de Opinião Pública da Unicamp.

O fato de as mulheres serem maioria no eleitorado idoso (55%) também reforça a tendência ao voto no centro, avalia David Verge Fleischer, professor da Universidade de Brasília (UnB).

— As mulheres tendem a ser mais ponderadas em seus votos do que os homens. Mas ainda não vejo um candidato (a presidente) com esse perfil. Do outro lado, as pesquisas de opinião têm mostrado que os jovens tendem a votar em um candidato como o (Jair) Bolsanaro, porque é um grupo que nunca ouviu falar em regime militar — observa o professor, em referência ao pré-candidato do PSL à Presidência da República, que por reiteradas vezes defendeu publicamente a ação dos militares naquele período.

Pensamento equivocado sobre os jovens
A cientista política Helcimara de Souza Telles, coordenadora do grupo de pesquisa Opinião Pública, Marketing Político e Comportamento Eleitoral da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) reforça a observação de Fleischer. Ela diz que jovens podem ser mais conservadores do que seus pais:

— É um equívoco pensar que só os jovens são progressistas. Nas eleições de 2010, uma de nossas pesquisas identificou que um número considerável desse grupo estava abdicando da participação na esfera pública para atuar em associações religiosas e cuidar da vida pessoal. Achavam política algo desinteressante e apoiavam a obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas.

Para a especialista, esse desinteresse pela política pode ser maior entre os jovens das eleições deste ano, pois estão amadurecendo em um momento de profunda crise política institucional. Ela acredita que esse desencanto pode levar mais jovens de 16 a 17 anos, para os quais o voto é facultativo, a adiarem a ida às urnas. Até março, apenas 22% ou 1,5 milhão do total de adolescentes nessa faixa etária tinham título de eleitor. Já os eleitores idosos costumam comparecer em peso nas urnas.

— Nossas pesquisas pós-eleitorais, em 2010 e 2014, mostraram que, em média, 70% das pessoas com 70 anos ou mais votaram nos dois turnos das eleições — diz Rachel, da Unicamp.

Para a pesquisadora, esse comportamento eleitoral ativo reflete o amadurecimento da consciência sobre o voto fazer a diferença para o país e para a vida cotidiana, apesar de obrigatório.

O envelhecimento da população brasileira já desafia governantes a implementar novas políticas públicas, mas também provocará profundas mudanças na forma e no conteúdo dos discursos eleitorais deste ano. Para especialistas, os presidenciáveis precisarão entender o eleitor idoso. É preciso fugir de visões preconceituosas, como a de que os mais velhos necessariamente são conservadores ou votam com base em iniciativas pontuais, como as academias da terceira idade.

— Idoso nunca foi pauta no Brasil, diferentemente do que ocorre na Europa, onde as populações são mais envelhecidas. Questões como a Previdência, que se tornou um tema impopular, e ligadas à saúde, terão de entrar no radar dos candidatos — diz Helcimara de Souza Telles, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

José Eustáquio, pesquisador do IBGE, destaca que a falta de propostas concretas predomina no que diz respeito ao eleitorado mais maduro.

— Até agora, quando um político quer falar para o idoso, só quer discutir coisas boas: festa de terceira idade, atividades culturais, turismo para o que chamam de “melhor idade” — critica José Eustáquio.

Embora seja necessária a longo prazo, a reforma da Previdência se tornou um problema para os pré-candidatos à Presidência. Abortada pelo presidente Michel Temer em fevereiro por falta de apoio no Congresso e pela intervenção federal no Rio, a proposta é polêmica especialmente entre o eleitor mais velho, mais preocupado com o bolso. A tendência é que os candidatos fujam desse debate, como mostrou reportagem do GLOBO no domingo passado.

— É uma reforma necessária, mas o governo atual encaminhou essa questão de uma maneira muito ruim. Há muita rejeição entre as pessoas acima dos 55 anos, por causa da possibilidade de aumentar a idade mínima — avalia David Fleischer, professor da UnB.

O desempenho entre os idosos pode ser um trunfo ou um entrave para a viabilidade das candidaturas presidenciais. De acordo com a última pesquisa Datafolha, divulgada em abril, tanto Jair Bolsonaro (PSL) quanto Marina Silva (Rede), líderes nos cenários sem o ex-presidente Lula (PT), têm desempenhos aquém de suas médias no eleitorado acima de 60 anos: Bolsonaro atinge 11% das intenções de voto entre os idosos no cenário considerado pelo GLOBO, enquanto, no geral, chega a 17%; já Marina faz 13%, abaixo dos 15% que registra no conjunto do eleitorado.

Em busca de uma arrancada que os coloque no segundo turno, Ciro Gomes (PDT) e Geraldo Alckmin (PSDB) têm seus melhores desempenhos justamente entre os mais velhos: o pedetista chega a 11% entre os idosos, acima dos 9% que registra no geral; já Alckmin marca 9% entre os mais velhos, contra 7% entre todo o eleitorado.

PRÉ-CANDIDATOS APRESENTAM IDEAIS
O GLOBO procurou os quatro presidenciáveis, os mais bem colocados na última pesquisa do Datafolha, para entender suas estratégias de campanha e antecipar as propostas voltadas ao público idoso que serão incluídas em seus planos de governo.

Apostando nesse segmento como um trunfo para se viabilizar, Alckmin destacou suas realizações à frente do governo de São Paulo, e prometeu iniciativas específicas para essa faixa etária: “Em São Paulo, já avançamos nessas políticas com a criação do Fundo Estadual do Idoso, de um selo de certificação para municípios e hospitais e com a criação sistemática de Centros de Convivência por todo o estado. Nosso programa de governo leva em conta o conceito de ‘envelhecimento ativo’, preconizado pela OMS, e será estruturado em quatro pilares: saúde, aprendizado, participação ativa na comunidade e proteção. Cada um desses temas está sendo desdobrado”, afirmou em nota.

Com sua popularidade ancorada nos eleitores mais jovens, criados a partir da onda verde de 2010, Marina Silva destacou uma série de projetos para os cuidados na terceira idade, como a criação de programas de tratamento de doenças crônicas comuns entre os idosos, ampliação do número de vagas em instituições de longa permanência e incentivos à adequação dos espaços urbanos para atender às necessidades dos idosos. A candidata da Rede Sustentabilidade defende ainda a inclusão produtiva dos mais velhos e diz que é necessário “definir um marco regulatório nacional para casas de repouso e asilos e, de forma participativa, um novo modelo de atenção ao idoso que contemple lazer e inclusão produtiva por meio da valorização dos laços intergeracionais”, resume em nota.

Procuradas, as assessorias de Ciro Gomes e Jair Bolsonaro se comprometeram a responder as questões enviadas pelo GLOBO, mas não se manifestaram até o fechamento desta edição.


El País: Com desaprovação de 70%, Maduro procura uma vitória eleitoral para se legitimar

Algumas pesquisas dão vantagem ao opositor Henri Falcón, dissidente do chavismo, nas eleições deste domingo na Venezuela

Por Francesco Manetto, do El País

A Venezuela realiza nesse domingo eleições presidenciais repudiadas por amplos setores da sociedade, a comunidade internacional e sem a participação da maioria das forças de oposição. A eleição, decidida no começo do ano pelo Governo de Nicolás Maduro, não tem legitimidade, de acordo com a oposição, por não possuir garantias democráticas, supervisão suficiente e por ter um formato que favorece o chavismo. O presidente se prepara, dessa forma, para amparar seu poder em meio a uma catástrofe econômica sem precedentes.

O mandatário mede forças nas urnas com Henri Falcón, militar aposentado e ex-governador do Estado de Lara, e com o pastor evangélico Javier Bertucci. Ainda que algumas pesquisas deem vantagem a Falcón, que tem um passado de dirigente da situação até sua ruptura com o ex-presidente Hugo Chávez em 2010, Maduro, com o controle das instituições e com a máquina socialista, continua como favorito.

A desaprovação a sua gestão é altíssima, acima de 70%. É difícil, entretanto, vislumbrar outro resultado que não seja sua vitória. A eleição, mesmo com diversas suspeitas de fraude, é importante ao chavismo porque é a primeira reeleição do presidente bolivariano, já que as eleições de 2013, em que venceu por uma pequena diferença Henrique Capriles, foram uma espécie de trâmite após o falecimento de seu antecessor. Hoje começa de alguma forma uma nova fase dentro do regime, que já rompeu com alguns postulados de Chávez, começando por sua Constituição.

O realmente crucial serão, de qualquer forma, os próximos passos, o que acontecerá a partir de amanhã. Várias hipóteses sobre o futuro da Venezuela surgiram nos últimos meses. A primeira, feita, por exemplo, pelo presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, tem a ver com mais uma fuga rumo ao futuro. “O que irá acontecer lá é um exercício de consolidar uma ditadura, porque o que está previsto é que depois dessas eleições façam uma nova Constituição com artigos que de certa forma permitem ao regime ser mais repressivo do que foi até agora”, afirmou recentemente Santos em declarações ao EL PAÍS. A segunda possibilidade, que não é necessariamente oposta a esse plano, pode ser a tentativa de formar uma espécie de Governo de unidade nacional com Falcón. Isso dependerá dos apoios recebidos por seu rival e da participação. Seria, de qualquer maneira, um mero golpe de imagem que, de acordo com a maioria das forças de oposição, não teria efeitos práticos e não significaria uma mudança na gestão.

Também há quem espere que a hiperinflação, o desmoronamento de um sistema produtivo centrado no petróleo e a profunda crise social conduzirão a uma queda natural do regime. Enquanto isso, algumas das principais instâncias internacionais e quase todos os Governos da região já anunciaram que não legitimarão os resultados.

Sanções dos EUA
Na sexta-feira os Estados Unidos impuseram novas sanções contra o número dois do chavismo, Diosdado Cabello, e seu irmão. “O povo venezuelano sofre com políticos corruptos que reforçam seu controle do poder enquanto forram seus próprios bolsos”, disse o secretário do Tesouro, Steven Mnuchin. Por isso, acrescentou, os EUA sancionam figuras como Cabello, que “exploram suas posições oficiais para envolverem-se no tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, malversação de fundos estatais e outras atividades corruptas”.

O Governo de Maduro reagiu na sexta-feira a essas medidas com palavras que recorrem à habitual retórica do inimigo exterior e prefiguram um aumento do isolamento internacional do país. “Não surpreende que, nas vésperas de um novo processo eleitoral, onde o povo venezuelano sairá para defender a democracia contra as agressões imperialistas”, afirmou o Ministério das Relações Exteriores em um comunicado, “mais uma vez o regime norte-americano da vez tente sabotar as eleições mediante o uso de medidas ilegais de coerção”.

Enquanto as tensões diplomáticas crescem e centenas de milhares de pessoas fogem aos países vizinhos, os venezuelanos se dispõem a votar em um país partido ao meio.


Luiz Carlos Azedo: A desesperança

Até agora, ninguém se apresentou com um programa exequível que enfrente de forma combinada a crise fiscal e o combate às desigualdades

A cinco meses das eleições para a Presidência da República, a única certeza até agora é a mais importante de todas: o calendário eleitoral está mantido. Não é pouca coisa, num país cuja história é marcada por golpes de Estado como saída para crises. O que preocupa, entretanto, são os vetores de crise que perturbam a economia e a ausência de um projeto novo para um país que se atrasou na globalização.

O primeiro vetor é um cenário internacional em mudança, em razão da política econômica de Donald Trump, cumprindo à risca promessas de campanha que pareciam apenas peças de retórica, entre as quais a guerra comercial com a China. A expectativa de elevação dos juros nos Estados Unidos inverte a direção dos fluxos de investimentos no mundo, que deixam os países emergentes em busca de negócios naquela que ainda é a maior economia do mundo, e agora funciona como uma força centrípeta em relação à periferia. O Brasil já está sentindo o peso dessa variável, agravada por problemas em relação às nossas exportações, principalmente de frango e carne bovina, inclusive em relação ao outro polo da economia mundial, a China. A alta do dólar tem muito a ver com isso.

O segundo vetor é a nossa atividade econômica abaixo da expectativa, com redução das previsões oficiais de crescimento de 3% para cerca de 2,3%. O mercado já trabalha com um PIB de 1,5% a 2,5%, previsão corroborada pelo Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), que teve queda de 0,13% no primeiro trimestre deste ano em relação ao último trimestre de 2017. Com isso, o PIB do primeiro trimestre deve ficar na casa de 0,2% em comparação com igual período do ano anterior.

Não por acaso, porém, o BC interrompeu a redução dos juros, que haviam baixado de 14,25% ao ano em outubro de 2016 para os atuais 6,5%. O dólar fechou a semana a R$ 3,74, mesmo com o governo intervindo no câmbio, o que eleva as projeções de inflação para R$ 3,5%. Para quem viajar, o dólar já está quase a R$ 3,95. As expectativas de inflação para este ano, segundo a pesquisa Focus do BC, continuam em torno de 3,5%. O comunicado do Copom ressaltou que no cenário com juros constantes a 6,5% ao ano e a taxa de câmbio constante a R$ 3,60 por dólar, porém, as projeções de inflação sobem para cerca de 4% neste ano e em 2019. A meta de inflação deste ano é um IPCA de 4,5% com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual, ou seja, piso de 3% e teto de 6%. no país. Havia expectativa de que se mantivesse em torno do piso; agora, o cenário já é outro.

Há um terceiro vetor de crise, que está tendo grande impacto entre os agentes econômicos: a falta de blindagem da política fiscal, mesmo com aprovação do Teto de Gastos, por causa do grande deficit fiscal da União. Com a grande contribuição do Congresso, que abdicou da agenda das reformas, o enfraquecimento contínuo do governo Temer, as renúncias fiscais e a elevação dos gastos públicos pesam muito na balança. Ainda mais com o desgaste provocado pela crise ética, esses vetores somente poderiam ser neutralizados se houvesse um certo consenso entre os candidatos à Presidência em relação à necessidade de redução dos gastos públicos. Isso não acontece. Segundo o economista Arminio Fraga, o próximo presidente terá de fazer um ajuste fiscal de 5% do PIB. Num cenário eleitoral no qual a elite política enfrenta grande desgaste moral, uma proposta como essa não tem nenhum apelo eleitoral, a não ser que viesse acompanhada de um plano de metas robusto.

Candidatos
Até agora, ninguém se apresentou com um programa exequível que enfrente de forma combinada a crise fiscal e o combate às desigualdades. Candidatos que defendem o ajuste fiscal não apresentam um programa capaz de combatê-las. Em contrapartida, os que tratam das questões sociais não estão nem aí para a redução dos gastos do governo, mantendo uma narrativa populista. O resultado é a incerteza em relação à economia, que vinha numa trajetória de gradativo crescimento. Diante dessa situação, a reação dos agentes econômicos é de cautela quanto aos investimentos; e do eleitor, de indiferença em relação ao pleito. Será assim até depois da Copa do Mundo.

O lado mais dramático da situação é um exército de 25 milhões de desempregados, dos quais 11 milhões são jovens nem-nem (não estudam nem trabalham), sem perspectivas a curto prazo, seja porque a economia formal não gera empregos suficientes, seja porque a baixa atividade econômica também não permite a expansão do empreendedorismo. Além disso, nos setores mais dinâmicos, o surgimento de vagas demanda níveis de conhecimento técnico que aprofundam as desigualdades.

Num universo de 144 milhões de eleitores, essa massa de desempregados se deixa seduzir facilmente por propostas populistas e salvadores da pátria. Os eleitores de classe média, cada vez mais divorciados da política e suas instituições, também dão sinais de que não sabem ainda o rumo que vão tomar. Há um mar de desesperança, ainda mais porque a crise ética quebrou a confiança na elite política do país de forma generalizada entre as parcelas mais instruídas da população. No fundo, é preciso reinventar a esperança.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-desesperanca/


Roberto Freire: Tratores e armas

Na última quarta-feira, na AgroBrasília, uma feira de negócios da agropecuária, a imprensa questionou dois pré-candidatos à Presidência, sobre o centro de suas propostas para o campo, se possível, em uma única palavra.

O candidato da extrema-direita, Jair Bolsonaro, resumiu: armas.

Geraldo Alckmin, o candidato que pode unificar as forças democráticas, foi preciso: tratores.

O Brasil já disputa o pódio como o maior produtor de alimentos.

O agronegócio tem sido o principal responsável pela recuperação da economia, depois do desastre das gestões populistas capitaneadas por Lula e sua ungida.

Só no ano passado, o setor cresceu 13%, o que assegurou o 1% do crescimento do PIB, após quatro anos de recessão.

É o principal responsável pela queda da inflação a patamares inimagináveis há pouco. Isso significa mais comida no prato das famílias brasileiras e custos internos menores, o que aumenta a competitividade de nossos produtos lá fora.

É, o agronegócio, o principal gerador de divisas.Nossas pecuária e lavouras detêm o maior índice de produtividade do Planeta.

Ocupam, juntas, tão somente 8% do território brasileiro.

Para se ter uma idéia, as agriculturas e a pecuária da Dinamarca, Irlanda, países Baixos e Reino Unido, cultivam 74,8%, 74,7%, 66,2% e 63,9% dos respectivos territórios.

66% das nossas matas nativas estão preservadas. Não há, no sistema solar um único país já ou quase desenvolvido que ostente cifra de tal magnitude.

Para que isso aconteça, são necessários muita ciência, tecnologia e inovação para combinar crescimento da produção com preservação da natureza; muita indústria para suprir de implementos e equipamentos o setor; muita engenharia financeira para municiar crédito para a produção rural; muita infraestrutura para exportar e para levar a produção para o Brasil continental.

Não subestimo a violência rural, nem urbana. Ela se combate com a lei, com o aparelhamento das instituições estatais, enfim, com investimentos na Segurança Pública, jamais com armas nas mãos da população.

Geraldo Alckmin governou um Estado vitorioso na simbiose entre agronegócio, a indústria, a infraestrutura, a engenharia financeira e a ciência e tecnologia. Sabe do que está falando. Tem muito a mostrar.

O agronegócio é algo sério e não pode ser tratado com populismo e por populistas, seja de que quadrante for.

Nós, democratas, republicanos, cultivadores do pluralismo, da diversidade e lutadores pela justiça social, vemos o agronegócio como uma conquista do Brasil contemporâneo, que tem de ser preservado e alçado a novos patamares, com muita ciência, tecnologia e inovação com muita sustentabilidade e com muita integração com um mundo para alimentar.


Luiz Carlos Azedo: Mais do mesmo na política

O problema é que “mercado não ganha eleição”. É preciso construir um discurso capaz de galvanizar a opinião pública

O pré-candidato do PSDB à Presidência da República, Geraldo Alckmin, anunciou ontem que os economistas Edmar Bacha e Pérsio Arida, dois dos criadores do Plano Real, formarão sua equipe econômica. Bacha, que é um dos diretores da Casa das Garças, vai cuidar da política de comércio exterior. Também foram anunciados os economistas José Roberto Mendonça de Barros, que foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda entre 1995 e 1998, e seu filho, Alexandre Mendonça de Barros.

Num momento em que a economia dá sinais de estancamento por causa da crise fiscal e da nova situação internacional provocada pela política econômica de Donald Trump nos Estados Unidos (guerra comercial com a China e elevação dos juros pelo banco central norte-americano), o anúncio de Alckmin teve por objetivo criar um fato político que reaproxime os agentes econômicos de sua candidatura, que enfrenta grandes dificuldades para decolar. Para o mercado, não deixa de ser significativa a iniciativa, uma vez que o afrouxamento da política fiscal pelo governo Temer já comprometeu as expectativas de crescimento acima dos 3% do PIB em 2018.

O problema, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso gosta de dizer, é que “mercado não ganha eleição”. É preciso construir um discurso capaz de galvanizar a opinião pública, o que o candidato tucano não vem conseguindo. Outro problema é o isolamento político de Alckmin. No mesmo dia em que anunciou o miolo de sua equipe econômica, o presidente do MDB, Romero Jucá (RR), revelou que havia conversado com o presidente Michel Temer sobre as vantagens de anunciar logo a candidatura do ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles à Presidência da República, pelo MDB. Segundo ele, como não há um candidato de centro que se destaque, o ex-ministro da Fazenda poderia começar a ocupar esse espaço.

Nos bastidores do Palácio do Planalto, o projeto de reeleição de Michel Temer já foi sepultado, mas o de uma candidatura própria do MDB ainda não, apesar das resistências regionais. O documento “Encontro com o Futuro”, com um balanço dos dois anos de governo, na verdade, é uma plataforma política para as eleições, com propostas de políticas públicas e continuidade das reformas, inclusive da Previdência. Meirelles está entusiasmado com a possibilidade de ser candidato, uma vez que as relações entre Alckmin e Temer continuam estremecidas. Para setores do PSDB, porém, o ex-ministro da Fazenda seria o vice ideal do tucano paulista.

Lula e Dirceu
Para os petistas, ainda não caiu a ficha de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está fora da eleição e continuará preso, diante dos sucessivos recursos negados pela Justiça. Ontem, mais um sinal de que a prisão será mantida foi dado pelo juiz Haroldo Nader, da 6ª Vara Federal de Campinas, que decidiu suspender os benefícios do ex-presidente da República, ou seja, quatro seguranças, dois motoristas e dois assessores. Ação popular que alegava não haver razão para o petista contar com os benefícios na carceragem da Polícia Federal em Curitiba foi deferida pelo magistrado.

Para Nader, a Constituição prevê a suspensão de atos com custos para o patrimônio da União em caso de “inexistência dos motivos”. Lula não precisaria de nenhum dos três tipos de funcionários aos quais tem direito, estando preso e cumprindo “pena longa”. Também não necessita de segurança adicional, uma vez “sob custódia permanente do Estado, em sala individual (fato notório), ou seja, sob proteção da Polícia Federal”. Quanto ao motorista, argumentou que o ex-presidente “tem o direito de locomoção restrito ao prédio público da Polícia Federal”. Nader também considera “sem qualquer justificativa razoável a manutenção de assessores gerais a quem está detido, apartado dos afazeres normais, atividade política, profissional e até mesmo social”.

A decisão do juiz não deixa de ser uma resposta à forma como Lula está se comportando na prisão, em sintonia com a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR), que armou um acampamento em Curitiba para prestar solidariedade ao ex-presidente. A intensa articulação política feita pelo PT para caracterizar a prisão de Lula como um “ato de exceção”, inclusive no exterior, faz parte da narrativa de vitimização do petista. Do ponto de vista da sua defesa jurídica, porém, é um tremendo fracasso. Lula está perdendo todos os recursos.

Outro sinal de que o tempo fechou para os petistas foi a decisão de ontem do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com sede em Porto Alegre, que negou, por unanimidade, o último recurso do ex-ministro José Dirceu (PT) contra uma condenação na Operação Lava-Jato. José Dirceu foi considerado culpado por ter promovido vantagens indevidas à empreiteira Engevix em ao menos quatro contratos com a Petrobras, que lhe renderam pagamentos de propina, mas nega a acusação. Amigos sugeriram ao petista procurar a embaixada da Bolívia, Venezuela ou Cuba e pedir asilo político, mas o ex-ministro tem dito que prefere cumprir a pena com bom comportamento e brigar na Justiça para reduzi-la. Dirceu completou 72 anos em março passado.

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Míriam Leitão: Custo da corrupção

O país ainda vive os tremores secundários do grande terremoto na economia provocado pelos casos de corrupção. Empreiteiras estão reduzidas a uma fração do que eram e os negócios nos quais estão correm perigo. A Odebrecht tem hoje 30 mil funcionários e já teve 130 mil, sua carteira de projetos caiu à metade e ela ainda não conseguiu honrar um compromisso que venceu há dias.

A sequência de sinistros na economia ainda não acabou. O aeroporto de Viracopos, que tem a UTC no grupo de controle, fez um pedido de recuperação judicial. A Andrade Gutierrez deixou de pagar uma parcela da sua dívida, da mesma forma que a Odebrecht. As duas também têm participação na Usina de Santo Antônio, que não está muito bem.

Os procuradores diziam no começo da Lava-Jato, há quatro anos, que era preciso inverter a equação do custo-benefício da corrupção. Até então, o benefício era certo, e o custo, uma possibilidade remota. Isso era um estímulo aos negócios ilícitos. Não mais. Hoje já se sabe que CEO vai pra prisão. Os custos da corrupção produziram uma redução drástica dos ativos das principais empreiteiras, a começar da Odebrecht.

A construtora teve prejuízo de R$ 2 bilhões em 2016 e mais R$ 1,17 bilhão de perdas em 2017. O grupo deixou de pagar R$ 500 milhões em um bônus da dívida e tem um prazo de carência até o dia 25 deste mês para quitar o valor. Como essa operação é garantida pela construtora, ela poderá perder ativos caso não cumpra o prazo. Mas o risco maior para o grupo é o de os credores pedirem o vencimento antecipado de outros créditos. A holding negocia com bancos um empréstimo de mais de R$ 2 bilhões. A ideia é quitar a dívida e usar parte dos recursos restantes para capitalizar a construtora.

Fabio Januário, o novo presidente da Odebrecht Engenharia e Construção, concorda que o custo da corrupção foi elevado. Ele conta que, depois das revelações da Lava-Jato, a conformidade com as melhores práticas passou a ser indispensável no mercado da construção.

— Estou convicto de que os participantes que não se adequarem não vão sobreviver. O mercado das construtoras no Brasil mudou. Converso com vários financiadores de obras, bancos, agências multilaterais e outros provedores de capital. O recado é claro. Eles não vão investir em construtora que não esteja em conformidade. O financiador também entendeu esse risco e não o aceita mais.

A atuação dos financiadores se transforma, assim, em poderoso incentivo para que as construtoras mudem. O risco, de fato, cresceu. A UTC não conseguiu vender sua participação em Viracopos e viu a concessionária entrar em recuperação judicial. Grande parte dos problemas da empreiteira, que acabaram batendo no aeroporto, decorre do escândalo que levou para a prisão o dono da empresa, Ricardo Pessoa. A recuperação judicial é o mesmo destino da OAS, que tenta reestruturar suas dívidas desde 2015 e que este ano atrasou salários de funcionários. No PIB, a construção civil registra perdas desde 2014. Em 2015, caiu 9%. No ano passado, outros 5%.

No setor de fusões e aquisições, o comentário é que ficou difícil encontrar comprador para os ativos das empreiteiras porque eles podem esconder problemas provocados pela corrupção como, por exemplo, contratos intencionalmente mal feitos.

A Andrade Gutierrez atrasou o pagamento de uma dívida de R$ 1,2 bilhão nas últimas semanas, após o TCU bloquear R$ 508 milhões da companhia. Para recuperar o fôlego, o grupo prepara uma captação de quase R$ 2 bilhões, mas terá que garantir parte da operação com o patrimônio dos acionistas.

A Odebrecht viu a carteira de projetos cair de US$ 30 bilhões para US$ 15 bi. E só agora alguns negócios começam a voltar. Nos últimos dias, a empreiteira anunciou que vai tocar a obra de um porto nos Espírito Santo, um projeto de R$ 2,1 bi. Ela construirá também a usina termelétrica de Santa Cruz, no Rio, estimada em R$ 580 milhões. Aguarda, ainda, a resposta de uma concorrência na Tanzânia de US$ 3 bilhões e disputa pelo mundo novos projetos avaliados em US$ 2 bi.

Para que o negócio das construtoras volte a dar certo, elas precisam mudar de fato. Não basta assinar novos códigos de conformidade. Antes, terão que sobreviver à turbulência. E a terra ainda treme.

(COM MARCELO LOUREIRO)


Hamilton Garcia: A democratização do estado

A democracia representativa no Brasil é uma experiência historicamente recente, cuja inauguração pode ser associada ao fim da monarquia-escravista (1888-89) e ao processo de urbanização e diversificação econômico-social que a partir daí se encorpou. Se comparada à da Inglaterra, bem mais antiga, é também bastante mais irresoluta. Os ingleses, depois de um longo período de disputas religiosas (1547-58), conflitos políticos agudos e guerras civis (1640-89) – com um Rei decapitado (1649) e uma República autoritária (Cromwell, 1653-58) –, encontraram seu modelo numa Igreja reformada (1559) e numa Monarquia Constitucional governada por um Parlamento representativo sob a égide da Declaração de Direitos (1689), que afirmava a liberdade dos indivíduos como base inalienável das formas de governo.

No nosso caso, nem a Igreja foi reformada, nem o poder absoluto do Estado foi decapitado; tudo se deu, como reza nossa tradição, de maneira segura e sincrética, mantendo-se os indivíduos subjugados ao poder oligárquico, fonte primeira do poder de Estado. Depois de derrubada a Monarquia por uma conjuração militar-civil (1889), no qual o povo assumiu o papel de expectador – tanto ativo, como passivo –, inaugurou-se um período (Primeira República) onde as oligarquias agrárias ganharam autonomia (federalismo) e as burguesias voz ativa no cenário político das mais importantes cidades (liberalismo) sem, contudo, ameaçar o poder estabelecido sobre o vasto território – inclusive os currais eleitorais, beneficiados pela vigência do voto aberto e a ausência de autoridade corregedora isenta – e as mentalidades (Igreja Católica).

Não obstante o conservadorismo do pacto elitista inaugural da República – com a fracassada pretensão reformista de certos segmentos militares (positivistas) –, as novas classes sociais urbanas manifestariam seu descontentamento político, mesmo tendo contra elas o liberalismo de fachada instituído pela Constituição de 1891 e a dura repressão das forças policiais. Medidas como o fim do voto censitário, dos privilégios nobiliárquicos e da dominância eclesiástica sobre as localidades e a educação – entre outras iniciativas legais modernizadoras –, mesmo descasadas de reformas econômico-sociais progressistas (agrária, urbana, tributária, financeira, etc.), foram suficientes para, pelo menos, inaugurar um período de aspirações democráticas, que acabaria por desnudar o descompasso entre a superestrutura jurídico-política e as mudanças econômico-sociais, de sentido democratizante, provocadas pelo avanço do capitalismo – descompasso este que, não obstante os avanços percebidos desde 1985 (Nova República), está na base da instabilidade política dos nossos dias.

As curtas experiências liberal-democráticas vividas após as intervenções civis-militares de 1930 e 1945 – logo descontinuadas por intervenções análogas de polaridade invertida e sentido diverso, em 1937 e 1964 –, demonstraram a fragilidade (e força) de nossa tradição republicana. Nelas, podemos enxergar as marcas profundas do nosso modo de ser contemporâneo, radicado na formação social polarizada por quatro séculos de latifúndio, onde tanto a sociedade civil se forjou comprimida pelo esmagador peso do agrarismo colonial, como a sociedade política (Estado) se amalgamou ao compromisso neopatrimonial, mesmo quando sob a liderança de seus segmentos dissidentes (populismo).

Enquanto 1930 e 1945 nos revelaram uma sociedade civil trabalhadora frágil, incapaz de conter os arroubos jacobinos de suas lideranças – rupturismo que propiciou o retrocesso autoritário após a aventura "revolucionária" de 1935, e, depois, em sentido inverso, levou os comunistas a apoiar o ditador que antes queriam derrubar, precipitando a intervenção militar redemocratizadora –, 1937 e 1964 mostraram a inapetência da sociedade civil burguesa em lidar com as pressões legítimas (e ilegítimas) pela democratização vindas de baixo, cedendo ou estimulando o protagonismo conservador de caserna ao invés de pactuar a reforma das instituições republicanas da qual participavam – dentre elas o Parlamento e o Judiciário –, de modo a reverter seu embotamento histórico (patrimonialismo).

A semelhança com a crise de hoje não é mera coincidência: a sociedade civil trabalhadora continua presa fácil de lideranças retrovisoras (bolivarianistas) e de um populismo que, embora descido às fábricas, ainda veste o manto sagrado dos pais dos pobres, enquanto as principais instituições republicanas (redemocratizadas) claudicam pela insuficiência das reformas até aqui efetuadas, abrindo amplo espaço para o conservadorismo de caserna, agora autonomizado pela fórmula político-eleitoral do bolsonarismo.

De auspicioso, apenas a emergência de uma nova sociedade civil burguesa disposta a renovar as lideranças políticas do liberalismo, contra a vontade de seus partidos tradicionais; um novo ativismo do Ministério Público e do Judiciário, que – dentro de seus limites funcionais e ainda adstritos à esfera federal – permitem o avanço das reformas institucionais que Executivo e Legislativo tentam barrar; e uma liderança militar (Alto Comando) até aqui inclinada a apoiar ambas as novidades e agir, se necessário, apenas na condição de última instância.

Tal conjunção, que tem constituído até aqui a verdadeira âncora de nossa ainda frágil liberal-democracia – diga-se de passagem, contra a vontade de boa parte das esquerdas, inclusive a desconfiança de certos segmentos seus de viés liberal –, carece, é verdade, de uma concertação política mais ampla do que a permitida pelos parâmetros corporativos dos operadores do direito; mas isto parece estar sendo superado, não obstante sua mais nítida expressão eleitoral, Joaquim Barbosa, ter desistido da postulação por conta de uma aparente falta de vocação.

O que é importante nisso tudo, é que a sociedade civil, por meio da política bem pensada e articulada, pode vencer a pesada herança semirrepublicana que resiste no Estado, nas corporações e nas mentes de todos os quadrantes ideológicos, mas para isso vai ter que se livrar dos mitos e das concepções ideológicas anacrônicas e pseudorrealistas que impedem-na de enxergar o cenário em toda a sua inteireza e complexidade, inclusive contemplando os remédios contra a pior de todas as heranças: a marginalização social por meio da pauperização econômica e da alienação laboral-educacional, que exigem a reinvenção do liberalismo (liberalismo-social) e do progressismo-nacional (neodesenvolvimentismo).