Eleições

Juíza proíbe Lula de gravar vídeos e fazer pré-campanha na prisão

Ex-presidente também não poderá dar entrevista na cadeia

Por Gustavo Schmitt, do O Globo

SÃO PAULO - A juíza Carolina Moura Lebbos, titular da 12ª Vara Federal de Execuções Penais (VEP) de Curitiba, negou, nesta quarta-feira, pedido apresentado pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para gravar vídeos, conceder entrevistas e fazer, por meio de videoconferência, atos de pré-campanha, além de participar "presencialmente" da convenção do PT. Filmagens na sede da Polícia Federal (PF) em Curitiba também estão vedadas. É lá que o petista cumpre, desde 7 de abril, pena de 12 anos e um mês de prisão pela condenação no caso do tríplex do Guarujá.

A decisão é mais um revés no caminho do petista. No último domingo, após uma série de desentendimentos judiciais, foi negado um habeas corpus apresentado por três deputados federais petistas para que o ex-presidente deixasse a prisão.

A magistrada explicou que, ainda que Lula se apresente como pré-candidato ao Planalto, sua situação se identifica com o "status de inelegível", numa referência ao texto da Lei da Ficha Limpa, que impede que candidatos condenados por órgãos colegiados disputem eleição.

Após ser sentenciado por Moro a nove anos e meio de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro, Lula recorreu ao tribunal de segunda instância e teve sua pena aumentada para 12 anos e um mês de prisão. A condenação foi mantida por unanimidade por três desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4). O petista, porém, poderá registrar a candidatura até o dia 15 de agosto, mas a decisão final será do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

"Como já afirmado, o executado cumpre pena decorrente de condenação pelos delitos de corrupção ativa e lavagem de dinheiro, confirmada pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Portanto, o caso em tela se subsume plenamente à hipótese legal, tratando-se de situação de inelegibilidade", escreveu a juíza.

Ao tratar sobre os pedidos para fazer campanha e dar entrevistas na cadeia, Lebbos justificou sua decisão com base nas regras da Justiça Penal. Ela também frisou que é preciso respeitar a segurança prisional e disse que se concedido o benefício ao petista não haveria tratamento isonômico em relação aos demais presos.

"As necessidades de preservação da segurança e da estabilidade do ambiente carcerário não permitem que o contato com o mundo exterior e o direito de expressão do condenado se concretizem pelas vias pretendidas, mediante realização de sabatinas/entrevistas, sequer contempladas na legislação", afirmou a juíza. Ela ainda complementou:

"A situação fica bastante clara ao se notar, por exemplo, a evidente inviabilidade, por questões de segurança pública e de administração penitenciária, de universalização aos demais detentos da possibilidade de comunicação com o mundo exterior mediante acesso de veículos de comunicação para reiteradas sabatinas ou entrevistas", concluiu.

O pedido da defesa foi apresentado à Justiça no dia 8 de junho pelo advogado Eugênio Aragão, em nome do PT. Aragão, que foi ministro da Justiça no governo Dilma Rousseff, afirmou na petição que a execução provisória da pena imposta ao ex-presidente não cassou os direitos políticos e não pode restringir a pré-candidatura à Presidência. Ressalta que a lei prevê tratamento isonômico aos candidatos, e que veículos de comunicação já pediram autorização para ouvir Lula como presidenciável. Aragão disse que vai recorrer da decisão ao TRF4.

O PT tem mantido o nome de Lula como presidenciável. O partido alega que ele tem direito de gravar vídeos para ser usado na campanha, porque ele não está com seus direitos políticos suspensos. O argumento da sigla é que não pode haver uma impugnação prévia da candidatura, antes da apresentação do registro à Justiça Eleitoral, por isso o ex-presidente tem direito de se apresentar como presidenciável.

Petistas reagiram contra o despacho da juíza. Gleisi Hoffmann, presidente do PT, protestou no Twitter: “Justiça permite entrevistas com Fernandinho Beira-Mar e Marcinho VP, mas não permite com Lula, o maior líder popular do nosso país. Se isto não é perseguição, é o quê?”. Carolina Lebbos não se manifestou sobre a crítica de Gleisi.

No despacho, a juíza não faz referência ao uso das redes sociais com o perfil do ex-presidente que têm sido mantidas ativas pelo partido mesmo enquanto ele segue preso. Nesta tarde, por exemplo, o Twitter de Lula fez comentários sobre a derrota da Inglaterra para a Croácia na Copa do Mundo.

Cristiano Zanin, defensor de Lula, disse que a decisão da juíza reforça violações a direitos e garantias fundamentais do ex-presidente. Ele ponderou que a situação de inelegibilidade mencionada pela magistrada ainda terá que ser analisada pelos Tribunais Superiores no julgamento de recursos da defesa.


Luiz Carlos Azedo: A maré é brava

A maioria dos governadores está em risco eleitoral, seja por causa das dificuldades financeiras e dos ajustes fiscais feitos durante a recessão, seja por envolvimento na Lava-Jato ou outros escândalos

Considerado um excelente gestor público e exemplo de político com responsabilidade fiscal, o governador Paulo Hartung (PMDB) anunciou que não pretende concorrer à reeleição, surpreendendo o mundo político. Aparentemente, cansou da política e do esforço de Síssifo que é equilibrar as contas públicas e atender às demandas populares. Os adversários dizem que jogou a toalha porque, nas pesquisas eleitorais, perde para o ex-governador Renato Casagrande, que derrotou em 2014 mas agora lidera a corrida pelo Palácio Anchieta.

O político capixaba é um dos mais bem-sucedidos da geração de jovens que reorganizaram a UNE e se tornaram políticos profissionais na transição à democracia. Caiu nas graças dos economistas da Casa das Garças (PUC-RIO) ao enfrentar uma greve de policiais militares sem fazer concessões, o que exigiu uma intervenção federal no estado. O desgaste político provocado pelo ajuste fiscal não foi apenas o descontentamento da corporação, as obras paradas de responsabilidade do estado, inclusive na capital, também pesam na balança, além do rompimento com antigos aliados, como o prefeito de Vitória, Luciano Rezende (PPS), e o ex-prefeito Luiz Paulo Vellozo Lucas, que deixou o PSDB e se filiou ao PPS.

O desgaste de Paulo Hartung, porém, não é um fenômeno local. Um balanço da situação eleitoral nos estados revela que a maioria dos governadores está em risco eleitoral, seja por causa das dificuldades financeiras e dos ajustes fiscais feitos durante a recessão, seja por envolvimento na Lava-Jato ou outros escândalos. A vida não está fácil para quem tem mandato e exerce o poder, essa é a realidade às vésperas da campanha eleitoral. Como não se desincompatibilizou do cargo, Hartung não pode concorrer ao Senado ou ser candidato a vice-presidente da República. Vai concluir o mandato e fazer um sabático. Mas, quem quiser que se iluda, se não voltar atrás, tentará fazer o sucessor.

A maré é brava. A imagem náutica é perfeita para a situação dos políticos com mandato: a maioria está na arrebentação, furando as ondas para não morrer afogado. Pode tentar um “jacaré” e correr o risco de levar um caixote para chegar na praia. Poucos políticos são capazes de surfar a onda do voto raivoso dos eleitores. A situação somente não é mais dramática para os parlamentares federais porque a nova legislação eleitoral e o financiamento público de campanha deixaram os políticos com mandato em situação de vantagem estratégica em relação aos demais candidatos, inclusive nos grandes partidos. Entretanto, ninguém sabe direito qual será a eficácia das novas mídias e redes sociais na campanha, em comparação com a tevê, o rádio e os acordos eleitorais tradicionais.

Levantamento realizado pela consultoria Arko Advice mostra que, dos 20 candidatos à reeleição, somente largam com índices de intenção de voto acima de 40% os governadores Renan Filho (MDB), em Alagoas; Rui Costa (PT), na Bahia); Camilo Santana (PT), no Ceará; Flávio Dino (PCdoB), no Maranhão; e Wellington Dias (PT), no Piauí. Na sequência, quem estava em melhor situação, era Hartung, com 28%. É óbvio que esse cenário pode ser alterado, para isso existe a campanha eleitoral, na qual os atuais governadores têm a vantagem de poder exibir os serviços prestados e as obras realizadas. Foi assim, por exemplo, que o governador fluminense Luiz Fernando Pezão (MDB), que tinha apenas 15% de intenções de votos nessa época de 2014, conseguiu se reeleger. É o mesmo índice, por exemplo, do governador Fernando Pimentel (PT), em Minas. Rodrigo Rollemberg (PSB0, com 9%, tem o precedente de José Melo (PROS-AM), que se reelegeu em 2014 com o mesmo percentual.

Coligações

Os partidos estão empurrando suas convenções para o começo de agosto, em função da indefinição do quadro nacional. Normalmente, a armação da chapa de candidatos ao Senado e à Câmara passa pelas coligações eleitorais no plano nacional e local. É uma engenharia que os políticos com mandato conhecem bem, principalmente os deputados federais. A coligação errada pode custar o mandato de um parlamentar bem votado e catapultar para o Congresso um político estreante com menor votação. Cabe aos candidatos a governador liderar a formação de sua coligação. Para isso, geralmente, eles esperam a definição dos candidatos a presidente da República, pressionando a cúpula de seus partidos na direção que lhes parece mais conveniente.

Como a disputa pela Presidência da República está muito estranha, essas definições estão atrasadas. Exemplos de partidos embananados com isso são o PSB, que deriva para a candidatura de Ciro Gomes (PDT), e o DEM, que não sabe se apoia o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDDB). Marina Silva (Rede) e Jair Bolsonaro (PSL) correm por fora, sem conseguir uma grande coligação, embora liderem as pesquisas com Lula fora do baralho. Apesar de o ex-presidente se dizer candidato, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad já é considerado seu substituto, até com chances de chegar ao segundo turno. Quando essas definições ocorrerem, o cenário eleitoral estará armado e a campanha eleitoral começará para valer.

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Luiz Carlos Azedo: A criminalização da política

A prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua inelegibilidade exacerbam as tensões entre os políticos e promotores, delegados federais e magistrados que os investigam

A criminalização da política é a outra face da moeda de sua judicialização. São fenômenos que refletem a velha tensão entre a ética da responsabilidade e a ética das convicções, conceitos que ajudam a entender as vicissitudes da Operação Lava-Jato e seus atores, o inferno astral dos políticos às vésperas das eleições e o racha entre “garantistas” e “punitivistas” no Supremo Tribunal federal (STF). Essa bola rola quadrada no debate eleitoral, mais ou menos como aconteceu com a nossa seleção no jogo contra a Bélgica, na sexta-feira, um adversário sem tradição nas finais da Copa do Mundo. Entretanto, quem sentiu o peso da camisa foi a equipe do Brasil, pentacampeã mundial.

Aproveitando o parêntese, não é só na política e na economia que não entendemos a globalização. O Brasil exporta aviões, carne, soja, café, minérios e jogadores de futebol. Com exceção dos aviões, são matérias-primas que serão processadas e beneficiadas, recebendo valor agregado lá fora, o que inclui os jogadores de futebol. O mundo no qual os nossos jogadores surpreendiam os adversários e seus esquemas táticos com a habilidade do drible e a criatividade das jogadas deixou de existir. Na conquista do Penta, no Japão, a maioria dos nossos craques já era globalizada. No futebol, como acontece com a nossa economia, exportamos craques, mas não importamos a expertise organizacional e comercial dos grandes clubes europeus para acompanhar as mudanças em curso no mundo.

Nossos craques são cosmopolitas, nossos dirigentes, provincianos; jogadores como Neymar são estrelas do marketing esportivo mundial, milionários da “sociedade do espetáculo”, que vendem marcas tanto fora quanto dentro de campo. Lobistas e patrimonialistas, nossos principais cartolas de nível internacional entraram em cana. Com a globalização, empresas e instituições estão sendo obrigadas a assumir regras cada vez mais rigorosas de compliance, para respeitar as normas legais e “evitar, detectar e tratar qualquer desvio ou inconformidade” que possa ocorrer.

Marco Polo del Nero, José Maria Marin e Ricardo Teixeira, os três últimos presidentes da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), montaram um esquema corrupto que arrecadou pelo menos R$ 120 milhões em propinas. Segundo investigações lideradas pelo FBI, cobraram uma espécie de “pedágio” de cada empresa que procurava a entidade com a meta de fechar acordos de transmissão ou de exploração de marketing. O que impressionou os investigadores foi o caráter sistemático das propinas cobradas. “Eles conspiraram de forma intencional para fraudar a CBF”, concluiu o Departamento de Justiça dos EUA.

Lava-Jato
Alguém pode estar imaginando: o que isso tem a ver com a crise ética e a Lava-Jato? Muita coisa. O sucesso da Lava-Jato não se deve apenas às “delações premiadas” de executivos, agentes públicos e políticos, que não estão ocorrendo apenas por causa das longas prisões preventivas, como acusam seus críticos. Deve-se, em grande parte, às regras de compliance de empresas europeias e norte-americanas e dos bancos suíços. Grandes esquemas de lavagem de dinheiro do mercado financeiro internacional, sem os quais as operações de caixa dois não seriam possíveis, foram desmantelados. Com a saída da Inglaterra do Brexit, os paraísos fiscais das ex-colônias britânicas estão sendo devassados. Mesmo que os poderosos doleiros sejam soltos, o “esquema” foi desmantelado.

Retomando o fio da meada: a criminalização da política não foi uma consequência da Lava-Jato, ao contrário; ela é uma decorrência do patrimonialismo e do uso generalizado de caixa dois nas campanhas eleitorais, com recursos desviados de obras e serviços públicos. Em razão de uma legislação frouxa, esse tipo de prática estava incorporado à cultura política tradicional, na qual o que distinguia o político honesto do ladrão era a formação de patrimônio com recursos de campanha e não a origem do dinheiro. Com a Constituição de 1988, legalmente, essa prática estava condenada, mas a ficha não caiu, até o julgamento do mensalão pelo STF. A resposta ao julgamento, porém, não foi a erradicação do caixa dois; foi a sua sofisticação e centralização, conforme nos mostra a Operação Lava-Jato. Mas, subestimou-se o papel dos órgãos de controle do Estado (MPF, PF, Receita etc.) e a cooperação internacional.

Hoje, a crise ética é um vetor da disputa eleitoral e ameaça levar de roldão a elite política do país. A prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua inelegibilidade mostram que ninguém está a salvo de uma condenação. O caso exacerba as tensões entre políticos e promotores, delegados federais e magistrados que os investigam. Às vésperas das eleições, pôs na berlinda os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que substituíram os militares no papel de “poder moderador” na vida nacional, mas se digladiam em público em razão de divergências doutrinárias sobre direitos dos réus, esferas de competência e grau de punibilidade dos envolvidos na Lava-Jato. No Congresso, os políticos envolvidos já articulam uma espécie de anistia para os casos de caixa dois eleitoral e o fim da prisão imediata após condenação em segunda instância, a pretexto de “descriminalizar” a política.

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El País: Elite da indústria aplaude Bolsonaro e vaia Ciro por criticar reforma trabalhista

Alckmin defende reforma tributária que alivia empresários citando Trump. Militar da reserva não apresenta propostas, mas levanta plateia com frases de efeito contra o "politicamente correto"

Por Afonso Benites, do El País

Em encontro com a elite dos industriais do Brasil em Brasília, dois dos protagonistas desta eleição presidencial se depararam com tratamentos distintos. Enquanto o pré-candidato de extrema direita Jair Bolsonaro (PSL) foi aplaudido ao menos seis vezes ao dizer frases de efeitos - contra a "ideologia de gênero" e contra o "politicamente correto", que incluía a defesa de fazer piadas contra minorias sociais - e quase não apresentou propostas detalhadas para o setor, Ciro Gomes (PDT) acabou vaiado ao defender uma nova reforma trabalhista para substituir as regras aprovadas sob Michel Temer. A plateia era formada, em sua imensa maioria, por homens, de classe alta, brancos. Quase 2.000 pessoas.

Líder nas pesquisas em cenários sem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está preso, como concorrente do PT, Bolsonaro evitou o tempo inteiro em entrar em temas econômicos. Disse ser "humilde" por não entender do assunto e buscar o suporte de quem saiba. Por essa razão, não respondeu diretamente a nenhuma das três perguntas feitas pelos empresários que o assistiam durante evento promovido pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). Não aprofundou nem qual seria sua reforma da Previdência, que ele diz ser necessária. “Talvez o Paulo Guedes fosse o mais preparado para responder”, disse em dado momento do encontro. O economista Guedes é o consultor econômico do parlamentar e seu eventual ministro da Fazenda.

Ainda assim, Bolsonaro não precisou mais do que superficialidades para ser aplaudido. Uma das vezes foi quando reforçou o seu discurso de que parte de seu primeiro escalão será ocupado por militares. “Vou botar generais nos ministérios, sim. Qual o problema? Os anteriores botavam terroristas e corruptos e ninguém falava nada”. Em outro momento, foi quando defendia não levar ideologia para as negociações com o Congresso. “Não quero botar um busto do Che Guevara no Palácio do Planalto”. Também disse que contará com o apoio dos evangélicos, que são contra a "ideologia de gênero", e atrairá a bancada ruralista ao qualificar de "terrorista" o MST (Movimento dos Sem Terra). "Hoje estão tirando nossa alegria de viver, não podemos mais contar piadas de afrodescendentes, de cearenses, de goianos", disse Bolsonaro, que é réu no Supremo Tribunal Federal por injúria e incitação ao racismo.

Ciro Gomes e Alckmin
Já o candidato Ciro Gomes teve apupos a ele desferidos. Ocorreram no momento em que o pedetista revelou que tem um acordo com as centrais sindicais que, se eleito presidente, ele apresentará uma nova proposta de reforma trabalhista. O seu projeto seria discutido com representantes dos patrões, empregados e de universidades. “Meu compromisso com as centrais sindicais é trazer essa bola de volta ao meio de campo”. Após ser vaiado, ele disse: “É assim que vai ser. Ponto final”. Mais vaias, que provocaram uma nova reação do pré-candidato. “Se quiserem presidente fraco, escolham um desses que ficam de conversa fiada aqui com vocês”.

O empresariado foi um dos grandes fiadores da reforma trabalhista apresentada pelo Governo Michel Temer e aprovada pelo Congresso Nacional no ano passado. Era natural que fosse contrário a mudar a lei como foi promulgada. Ao ser questionado sobre o que achou das vaias, Ciro disse que as via com maior naturalidade e lembrou que também foi aplaudido. “Quando se é vaiado defendendo os trabalhadores, parece que é um prêmio. E nem quero fazer disso um prêmio”, afirmou aos jornalistas ao final do evento. De fato, em outras quatro ocasiões, Ciro acabou aplaudido – entre elas quando defendeu que o Judiciário e o Ministério Público têm de “voltarem para seus quadrados” e deixarem de influenciarem na política e quando prometeu manter incentivos fiscais permanentes para o setor industrial.

Seja como for, o pré-candidato do PDT foi o único dos seis que passaram pelo palco da CNI que teve a reação negativa do público. O público se manifestou favoravelmente também a Geraldo Alckmin (PSDB), que propôs a criação de um imposto único (unificando IPI, ICMS, ISS e outros) além da redução do imposto de renda para pessoa jurídica (citou a reforma tributária de Donald Trump como exemplo), e para Álvaro Dias (PODE), quando ele citou que pretende intensificar as relações multilaterais do país. Quando os oradores foram Marina Silva (REDE) e Henrique Meirelles (MDB) quase nenhuma reação foi notada.

Algo que os seis pré-candidatos tiveram em comum foi a de não se debruçarem sobre as propostas apresentadas pela CNI. Antes de iniciar o diálogo com os pré-candidatos, a entidade elaborou um documento com 43 propostas para os concorrentes. Tudo citado muito brevemente por todos. Essa foi a segunda maratona de entrevistas das quais os presidenciáveis participaram em Brasília. Ao longo desse mês, todos deverão se dedicar às convenções partidárias, nas quais serão seladas as alianças e coligações para a disputa ao Planalto.


Luiz Carlos Azedo: O abismo à frente

A crise ética, a violência do cotidiano, a desagregação da família e uma economia que demanda mais tecnologia e menos mão de obra explicam muita coisa, inclusive o recrudescimento da misoginia, do preconceito, da intolerância e da radicalização política

A famosa Escola de Frankfurt, que reuniu a nata da inteligência judaico-alemã — Theodor Adorno, Max Horkheimer (os dois apertam as mãos na foto em destaque), Hebert Marcuse, Erich From, Friedrich Pollok, Franz Neumann e Jürgen Haberman, Walter Benjamin, entre outros — exerceu notável influência sobre o pensamento social-democrata e liberal no século passado. Surgiu para explicar o fracasso da revolução socialista (espartaquista) na Alemanha, mas acabou dedicando boa parte de sua “teoria crítica” ao estudo das razões que levaram o povo alemão a apoiar o nazismo.

O livro Grande Hotel Abismo (Companhia das Letras), do jornalista britânico Stuart Jeffries, conta a história desse grupo de jovens intelectuais judeus de famílias abastadas, que foi obrigado a fugir da Alemanha para sobreviver ao nazismo e buscou refúgio nos Estados Unidos. Curiosamente, o Instituto de Pesquisa Social nasceu sob influência soviética e foi financiado por um banqueiro alemão, numa cidade onde os judeus buscavam a plena integração e o sucesso social, tendo eleito o prefeito local em 1924. Em 1933, eram 26 mil asquenazes em Frankfurt; antes que terminasse a Segunda Guerra Mundial, 9 mil haviam sido deportados. Hoje, os mortos do Holocausto são homenageados em 11.134 cubos de metal na Wand der Namen.

Entretanto, a Escola de Frankfurt, como se tornou conhecida, logo renegou a ortodoxia marxista. Seus integrantes não concordavam com a tese de que os intelectuais devem transformar o mundo, eram céticos em relação à luta política e se colocavam acima dos partidos. Haviam abandonado a conexão entre a teoria e a prática, mas não imaginavam que muitos anos depois, após maio de 1968, intelectuais como Adorno e Marcuse seriam os gurus de estudantes radicais e da chamada nova esquerda.

Para a esquerda mais ortodoxa, o fascismo era “a ditadura terrorista aberta dos elementos mais reacionários, mais chauvinistas, mais imperialistas do capital financeiro”, uma fórmula simplificada, que permitiria aos comunistas alemães classificarem a socialdemocracia como uma força “social-fascista”, num ajuste de contas pelo fracasso da Liga Espartaquista, que tentou tomar o poder em 1919. Enquanto a esquerda se digladiava, o fascismo se expandia pela Europa, com ajuda das tropas nazistas (Itália, Alemanha, Hungria, Bulgária, Áustria, Espanha, França, Holanda, Romênia, Suíça, Polônia, Grécia e Iugoslávia), chegava ao Oriente (Japão, China e Líbano) e à América Latina (Brasil, Chile e Costa Rica).

Como explicar a adesão das massas ao fascismo? Esse debate emergiu na Escola de Frankfurt por vias completamente diferentes da abordagem tradicional. Wilhelm Reich, por exemplo, em 1933, no livro Psicologia de massas do fascismo, atribuiu sua ascensão à repressão sexual. Para ele, a família não era, como tinha sido para Hegel, uma zona autônoma que resistia ao Estado, mas a miniatura de um Estado autoritário que preparava a criança para sua ulterior subordinação. Esse debate foi retomado por Erich Fromm, o principal formulador do grupo na área de psicanálise, para quem o sadismo era a outra face da moeda do masoquismo, conforme a conclusão de Freud. O sadomasoquismo era caracterizado por um esforço compulsivo em busca de ordem.

Freud explica
Na República de Weimar, quando a Alemanha transitava para o capitalismo monopolista de Estado, o povo alemão estava impotente, esmagado pela crise econômica e espiritualmente alienado. De forma sadomasoquista, não pretendia mudar o próprio destino, preferiu se submeter à autoridade que faria isso por ele. “O desejo de estar sob uma autoridade é canalizado para um líder forte, enquanto outras figuras paternas específicas tornam-se alvo de rebelião”, escreveu Fromm. A personalidade autoritária de Hitler não somente governou a Alemanha em nome de uma autoridade maior, a superioridade racial ariana, como a tornou atraente para o povo alemão, principalmente uma insegura classe média.

Essa abordagem freudiana do fascismo tornou-se predominante na Escola de Frankfurt, mas não era única. Foi contestada por outros intelectuais, que viam o fascismo como a resultante do capitalismo de Estado e do nacionalismo, entre outras causas. Mas há que se reconhecer: ela tem o seu valor, pode ajudar a compreender certos fenômenos que não têm uma explicação aparente e nos surpreendem pelo mundo afora. Não é à toa que a chamada “teoria crítica” da Escola de Frankfurt desperta um novo interesse. A crise das democracias e a estagnação econômica no Ocidente contrastam com a modernização e emergência de regimes autoritários no Oriente.

No Brasil, por exemplo, o buraco negro do chamado centro democrático não tem a ver apenas com a crise ética de nossa elite política; a violência do cotidiano, a desagregação da família unicelular-patriarcal e uma economia que, demandando mais tecnologia e menos mão de obra, explicam muita coisa, inclusive o recrudescimento da misoginia, do preconceito de gênero e racial, da intolerância religiosa e da radicalização ideológica no debate eleitoral. “O indivíduo assustado busca alguém ou algo a que possa atrelar o seu ‘eu’”, diria Fromm. Ou seja, à incapacidade de mudar o seu próprio destino, o cidadão comum desesperançado procura alguém que supostamente possa fazê-lo na marra.

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Valor Econômico: Ibope expõe insatisfação do eleitor

A avaliação do governo Michel Temer, desaprovado em junho por 79% dos brasileiros, é a pior desde 1986, quando a pesquisa CNI/Ibope começou a ser feita

Por Raymundo Costa, Raphael Di Cunto e Fabio Murakawa, do Valor Econômico

BRASÍLIA - Às vésperas das convenções de julho, a pesquisa CNI/Ibope dificulta ainda mais a definição dos candidatos dos partidos à sucessão presidencial. O líder é um provável não candidato (Lula) e a taxa de votos em branco e nulos, em pelo menos uma hipótese testada, é quatro vezes maior que a registrada na eleição de 2014. A pesquisa também põe em xeque as estratégias sobretudo do PT e do PSDB para o 7 de outubro.

No PT o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva estica ao máximo uma candidatura que provavelmente será derrubada nos tribunais, com base na Lei de Ficha Limpa. Enquanto isso, o nome tido como o mais provável para substituí-lo na cabeça de chapa, Fernando Haddad, patina na faixa dos 2% - o ex-prefeito tem rendimento melhor em pesquisas em que foi apontado como o candidato preferido de Lula.

A estratégia de Geraldo Alckmin (PSDB) também é considerada de alto risco: o tucano espera o horário eleitoral gratuito para melhorar seus baixos índices nas pesquisas - 6% no cenário sem Lula e 4% no cenário em que o nome do ex-presidente foi apresentado ao eleitor. Alckmin perde para Jair Bolsonaro (PSL) nos tradicionais redutos eleitorais dos tucanos, como São Paulo, o Centro-Oeste e o Sul do país.

Para o Rede, com Marina Silva como a perseguidora mais próxima de Bolsonaro, o erro na estratégia é o isolamento.. Estrutura partidária, alianças e tempo de televisão (alguns segundos, até agora) devem fazer falta na reta final da campanha, como fizeram em 2014, quando a candidata liderou até a véspera da eleição. Bolsonaro está com 17% e Marina 13%, no cenário sem a presença de Lula, uma diferença que fica dentro da margem de erro do levantamento

A agressividade de Ciro Gomes também parece não estar dando resultado - o pedetista praticamente não saiu do lugar, comparado a outras pesquisas. Faz bem em investir em alianças.

A tendência de uma eleição com alto número de votos em brancos e nulos já fora detectada em outras pesquisas e, sobretudo, em eleições complementares realizadas em recentemente. No Amazonas, em 2017, o número de votos em branco, nulos e abstenção chegou a 36,35% do total. No Tocantins, em eleição realizada neste ano, o não voto bateu 43,54%. O cenário da CNI/Ibope para a eleição presidencial de outubro é ainda mais preocupante.

Na pesquisa espontânea, sem que o instituto de pesquisa indique quem são os pré-candidatos, o percentual de votos em branco e nulos em junho de 2014 era de 16%. Pela pesquisa feita agora em junho de 2018, chega a 31%. Na pesquisa estimulada, no cenário em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o candidato do PT, os votos em branco e nulos estão em 22%. Sem o petista, sobem para 33%. Há quatro anos, o percentual era de apenas 8%. Isso sem contar com o absenteísmo.

Para o gerente-executivo de Pesquisa e Competitividade da Confederação Nacional da Indústria, Renato da Fonseca, "o eleitor está desapontado". Mas também que a estratégia do PT pode estar errada. Segundo Fonseca, o fato de parte dos votos de Lula migrarem para os nulos pode indicar que o substituto sugerido pela pesquisa, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT), não é tão conhecido dos eleitores do Nordeste, onde o ex-presidente tem muita força.

Mesmo com o nome de Lula na pesquisa, contudo, há um índice muito maior de quem adianta que não votará em ninguém - o que é diferente dos indecisos, que ainda não escolheram no cardápio até agora oferecido pelos partidos e estão em percentual parecido do de quatro anos atrás. "[Voto em] Branco e nulo não é indeciso, é o cara que diz que vai anular, que está insatisfeito com alguma coisa", destacou Fonseca.

Pesquisas anteriores já mostravam descontentamento dos eleitores com a política e a CNI/Ibope fez outras perguntas nessa sondagem para tentar entender os motivos, mas o resultado ainda não está pronto e só deve ser divulgado em duas semanas. "O eleitor está muito decepcionado", disse Fonseca. "Tudo sinaliza que teremos percentual maior de votos em branco e nulos, ou de abstenção, que na eleição de 14".

A avaliação do governo Michel Temer, desaprovado em junho por 79% dos brasileiros, é a pior desde 1986, quando a pesquisa CNI/Ibope começou a ser feita.


Luiz Carlos Azedo: Cunha livre?

Se a regra fosse adotada para todos os presos, as cadeias brasileiras se esvaziariam em 40%, média de detidos em caráter provisório

O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu ontem um habeas corpus para revogar a prisão preventiva do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ), decretada pelo juízo da 14ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio Grande do Norte. Cunha continua preso, por causa de outros decretos de prisão em Brasília e no Rio de Janeiro, mas a decisão sinaliza mais uma vez que a confusão na Corte é grande, por causa das divergências de entendimento dos ministros em relação à própria jurisprudência. O Supremo parece uma biruta de aeroporto, desnorteia a opinião pública e gera instabilidade política, em meio à crise ética que desmoraliza a elite política do país.

Tecnicamente, a decisão de Marco Aurélio tem fundamento constitucional. Está em linha com as declarações recentes do ministro, entre as quais, suas reiteradas críticas ao fato de o Supremo não rediscutir o mérito da execução das penas em segunda instância. A prisão de Cunha foi decretada em junho do ano passado, com base em “evidências da atuação delitiva no favorecimento do grupo OAS na concessão de aeroportos”. Depoimento de colaborador e dados bancários atestam a transferência de R$ 4 milhões da Odebrecht ao diretório do PMDB no Rio Grande do Norte, utilizados na campanha eleitoral de Henrique Eduardo Alves ao governo do estado.

Em recentes decisões, a segunda turma do Supremo, apelidada de Jardim do Éden, mitigou o instituto da delação premiada, que foi apartado das provas, e desconsiderou doações legais como comprovação de corrupção e lavagem de dinheiro. Marco Aurélio participa da primeira turma, chamada nos bastidores do tribunal como “Câmera de Gás”. A existência das turmas no Supremo, jabuticaba criada para desafogar a Corte, está virando um problema institucional.

A defesa de Cunha alega, entre outros pontos, a invalidade dos fundamentos da custódia cautelar, por considerar inexistente risco à ordem pública diante da ausência de contemporaneidade entre os fatos, ocorridos entre 2012 e 2015, e a prisão. Destaca também que seu cliente não mais concorrerá a cargo eletivo, fato que impede possível atuação na arrecadação de fundos para campanhas eleitorais.

Na liminar, Marco Aurélio destacou que Cunha está preso há um ano e 19 dias, sem que tenha sido julgado pelos fatos em questão. Essa situação, segundo o relator, configura excesso de prazo da custódia. “Privar de liberdade, por tempo desproporcional, pessoa cuja responsabilidade penal não veio a ser declarada em definitivo viola o princípio da não culpabilidade”, afirmou. A manutenção da prisão preventiva, para o relator, seria autorizar a execução antecipada da pena, ignorando-se a garantia constitucional da não culpabilidade.

Se essa regra fosse adotada para todos os presos, as cadeias brasileiras se esvaziariam em 40%, média de detidos em caráter provisório. Os processos da esmagadora maioria dos presos não transitaram em julgado. No Brasil, o direito penal é originário das Ordenações Manuelinas, que estabeleciam penas distintas para os mesmos crimes, dependendo da condição social dos réus. Cortesãos, funcionários públicos e proprietários tinham privilégios em relação ao povo. Vem daí o foro privilegiado.

Cartas de seguro

O rei D. Manuel, o Venturoso (ou Felicíssimo), liderou a formação do Império Ultramarino português, de 1495 a 1521. Os preceitos jurídicos que estabeleceu foram organizados em cinco volumes, publicados de 1512 até a sua morte, ou seja, logo após o Descobrimento. Os réus ficavam à mercê das disparidades de tratamento, segundo suas condições e estado; da discricionariedade e arbitrariedade dos juízes, que não lhes davam conta das razões porque haviam sido condenados; e se sujeitavam às violências do sistema, açoites, mutilações, degredo para os limites mais distantes do reino, quando não à pena de “morte por zelo”.

Dois institutos sobrevivem até hoje na nossa legislação penal: as seguranças reais, que se solicitam à Justiça, não por criminosos, mas por inocentes “que temem com justa causa ser inquietados por outros” (Forais de Fresno); e as cartas de seguro, que consistiam no decreto pelo qual o juiz concedia ao réu pronunciado para captura a faculdade de comparecer em juízo e, sob certas condições, regressar solto do crime de que era acusado, permanecendo em liberdade, até que se concluísse a causa (Cortes d’Elvas, 1361).

Ontem, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu remeter ao plenário o recurso da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que pede a suspensão da condenação de 12 anos e 1 mês de prisão em regime fechado, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, no caso do tríplex do Guarujá. No agravo, a defesa de Lula sustenta que os dias em que ele é mantido em cárcere jamais lhe serão devolvidos. Afirma ainda que, por ser pré-candidato à Presidência da República, o petista corre sérios riscos de ter seus direitos políticos indevidamente cerceados, o que, em vista do processo eleitoral em curso, mostra-se “gravíssimo e irreversível”.

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Luiz Carlos Azedo: Só a vitória nos une

Quem quiser que se iluda, a libertação de José Dirceu em meio à Copa do Mundo é uma espécie de amostra grátis do que pode acontecer com a Operação Lava-Jato após o recesso do Judiciário

Uma das poucas coisas na vida nacional que ainda demonstram nossa coesão social é a seleção de futebol em jogos da Copa do Mundo, como ontem, em Moscou, quando a equipe brasileira derrotou a Sérvia, uma das nações mais antigas da Europa, originária de eslavos que migraram da Galícia durante o século VII.

Católicos ortodoxos (herança bizantina), durante 400 anos, o país foi dominado pelo Império Otomano. Somente no século XX, o sonho de grandeza dos sérvios atingiu seu apogeu, com a criação da Iugoslávia, que incorporou Montenegro, Croácia, Macedônia, Bósnia e Kosovo. Com o colapso do socialismo no Leste europeu, porém, o plano da Grande Sérvia deu lugar à recidiva de sua “balcanização”, após os bombardeios da OTAN, em 1999. Até hoje, Kosovo e Metohija estão sob ocupação da ONU.

Nossos problemas nem de longe se comparam aos da Sérvia. À medida que vai convencendo o país que tem qualidade técnica e garra para disputar o título de hexa campeão do mundo, a Seleção Brasileira nos une na vitória. Na derrota, é outra história: espalha baixo-astral. Por isso, vamos para o mata-mata contra o México com medo de um revés, embora o time de Tite tenha jogado bem melhor do que nas partidas anteriores, inclusive Neymar, que não simulou faltas nem reclamou do juiz. Tiago Silva, Paulinho e, mais uma vez, Phillipe Coutinho foram heróis em campo. A vitória de ontem funcionou como uma espécie de antídoto contra as nossas decepções.

De onde vem essa chama da Seleção Brasileira, que incendeia os corações brasileiros? A rigor, vem da vitória canarinha de 1958, na Suécia, quando Pelé e Garrincha assombraram o mundo, num time que tinha ainda Gilmar, De Sorti, Bellini, Mauro, Nílton Santos, Orlando, Didi, Vavá e Zagalo, entre outros craques. O Brasil perdeu o complexo de vira-latas adquirido desde a derrota para o Uruguai, na Copa de 1950, em pleno Maracanã. O time azul-celeste é estraga prazeres; agora, derrotaram os anfitriões russos na fase classificatória.

Em 1958, nem o gol sueco que inaugurou o placar abalou a equipe. Didi pegou a bola e foi andando com ela debaixo dos braços até o meio de campo. O Brasil virou o jogo, ganhou por 5 a 2. Naquela época, o país vivia em clima de bossa-nova. O governo de Juscelino Kubitschek era democrático, empreendedor e esbanjava otimismo. O Plano de Metas pretendeu atuar em cinco setores da economia nacional: energia, transportes, indústrias de base, alimentação e educação. Houve crescimento em 100% na indústria de base. Brasília já estava em construção.

A vitória da seleção deu ao país mais confiança no futuro e coesão social, embora de forma momentânea, porque a inflação e o desequilíbrio cambial logo esgarçaram as relações na sociedade e acirraram a radicalização política, o que resultou mais tarde na renúncia de seu sucessor eleito, Jânio Quadros, e na deposição do vice-presidente que assumiu em seu lugar, João Goulart, em 1964.

O clima de ontem, em razão do jogo da Seleção, ainda é um ponto fora da curva. O esgarçamento social e a radicalização política são muito preocupantes. Pode ser que fiquem congelados por causa dos jogos, mas assim que a Copa terminar, mesmo que o Brasil seja campeão, darão o tom no processo eleitoral. A não ser que haja um realinhamento de forças políticas, que rompa a polarização direita-esquerda protagonizada pelo deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ) e pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Essa polarização, agora, está sendo alavancada por decisões contraditórias do Supremo Tribunal Federal (STF).

Iluminismo

Quem quiser que se iluda, a libertação de José Dirceu em meio à Copa do Mundo é uma espécie de amostra grátis do que pode acontecer com a Operação Lava-Jato após o recesso do Judiciário. A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também pleiteia sua libertação, que provavelmente teria ocorrido na terça-feira, se o ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato, não houvesse remetido o caso ao plenário da Corte. O argumento dos advogados de Lula é o mesmo que serviu de base para a libertação de Dirceu: a “plausabilidade recursal”. Eles querem suspender a execução da pena de 12 anos e 1 mês de prisão em regime fechado imposta ao ex-presidente da República, no caso do tríplex de Guarujá. Alegam cerceamento da defesa e exasperação da punição.

Uma mudança de rumo no Supremo, às vésperas das eleições, pode consolidar o cenário de radicalização política. O direito positivo aparta as decisões judiciais das questões morais, essa é a nossa cultura jurídica dominante. A Lava-Jato, entretanto, desnudou o patrimonialismo da nossa elite política e trouxe à luz uma grave crise ética, à qual os tribunais não têm como ignorar. O sujeito iluminista (“penso, logo existo”) é uma marca registrada da magistratura. Como ator político, porém, costuma ser um desastre, porque não é capaz de perceber nem liderar os movimentos da sociedade. Ainda mais uma sociedade como a nossa, com o cotidiano marcado pelas injustiças e pela desigualdade.

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Rosângela Bittar: Super nicho verde-oliva

A cabeça do eleitor de Bolsonaro, segundo a XP

Os números não mentem. Do eleitorado do deputado Jair Bolsonaro, pré-candidato do PSL à Presidência da República, precisamente 63% defendem uma intervenção militar no governo. Logo atrás de Bolsonaro, com 38%, estão os brasileiros em geral. Não é pouca coisa, basta ver o número de indecisos que somam o mesmo percentual: 38%. Bem abaixo vêm os eleitores dos demais candidatos que também desejam manifestação de força para conquistar o Palácio do Planalto: Geraldo Alckmin (37%), Marina Silva (35%), Álvaro Dias (32%), Lula (27%) e Ciro Gomes (24%). Ou seja, o ponto fora da média é mesmo o candidato-capitão, como mostra a última pesquisa semanal da XP, feita pelo Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe) que, pela primeira vez, introduziu grandes temas polêmicos, de interesse da sociedade e cruzou as respostas com os candidatos preferidos de cada eleitor.

Dessa vez foram feitas mil entrevistas, por telefone, no período de 18 a 20 de junho, com margem de erro de três pontos e, pela primeira vez entre as cinco rodadas já realizadas, abordando assuntos tabus para candidatos. A pesquisa reune opiniões dentro do conjunto do eleitorado e entre os eleitores de cada um dos candidatos.

É claro que, por introduzir a opinião do eleitorado sobre temas controvertidos, a pesquisa apresenta não apenas essa, da intervenção militar, mas outras revelações importantes. Um exemplo é a pena de morte: nada menos do que 66% do eleitorado de Jair Bolsonaro são favoráveis ao carrasco. No que diz respeito ao direito de ter e portar armas, 74% do eleitor de Bolsonaro se declara também a favor. Mais de dois terços, portanto. No caso da união civil entre pessoas do mesmo sexo o percentual de aprovação é menor, mas igualmente alto: 57% do eleitorado. A redução da idade penal para 16 anos conta com o apoio de 95% do eleitorado de Bolsonaro.

Os demais ficam na média nacional, mas há temas em que Marina Silva e Ciro Gomes estão na frente, como: Legalização da maconha (39% do eleitorado de Ciro e 24% do eleitorado da Marina estão a favor, são os dois índices mais altos); ou casamento entre pessoas do mesmo sexo (63% do eleitorado de Ciro estão a favor e 53% do eleitorado da Marina também, tema tabu para a religião dela, mas aqui se inicia outra história, que não vem agora ao caso, voltemos a Bolsonaro). Seus eleitores defendem as privatizações (49%); a intervenção do governo na economia (52%); a reforma da Previdência (49%). Embora abaixo dos 50%, esses percentuais são mais altos que o dos eleitores que são contrários aos temas.

Mas o que chama a atenção, realmente, é a defesa da intervenção militar, em um momento delicado, quando ninguém ainda entendeu as sucessivas reuniões do general Villas Bôas, comandante do Exército, com os candidatos a Presidente, convidados a ir ao seu encontro o que, em se tratando de quem é, tem o tom de intimação. O candidato visto como um representante dos militares já anunciou, também, que seu governo será majoritariamente formado por profissionais das Forças Armadas. E, um terceiro sinal, as candidaturas de militares a mandatos do legislativo se multiplicam pelo Brasil.

É um nicho do candidato Jair Bolsonaro. Um super nicho verde-oliva.

Os militares tentaram, algumas vezes, desconversar. Há poucos meses, integrantes do Alto Comando, para tranquilizar seus interlocutores preocupados com a escalada de Bolsonaro e sua ligação fraterna com a caserna, disseram que não se devia temê-lo, o certo era considerá-lo uma caricatura. De lá para cá, a caricatura se aprumou e começou-se a vislumbrar, com ele, uma chance de volta dos militares ao poder político.

O ex-ministro da Defesa, Aldo Rebelo, também candidato a presidente da República pelo SD, recomenda que se esqueça essa hipótese, a da volta dos militares, ou de estar ocorrendo no país uma conspiração em torno da candidatura de Jair Bolsonaro. Também não vê nada de estranho no convite do general Villas Boas aos candidatos para uma conversa no QG do Exército. "O que ele quer é apenas que não esqueçam a agenda dos militares". Qual é essa agenda? O ex-ministro explica: "é a agenda do orçamento das Forças Armadas, a agenda da presença deles na vida do país".

Qualquer outra coisa não teria ressonância. "Alguém está ouvindo a OAB pedir um golpe? Ou a CNBB pedir um golpe? A Fiesp está pedindo golpe? Esqueça".

A pesquisa XP confirma pesquisas Datafolha, de setembro do ano passado e de abril deste ano, que vinham apontando o crescimento do número de brasileiros que acham boa a ditadura militar (17%) e os que acham que tanto faz ditadura como democracia (21%). Eram, portanto, 38% os que pensavam dessa forma. Na pesquisa XP, a análise dos números globais mostra que também são 38% os que se manifestam a favor de uma intervenção militar. Serão os mesmos?

Na conclusão do sociólogo e cientista político Antonio Lavareda, os números revelam o seguinte: "38 % é um tamanho francamente insuficiente para ganhar o segundo turno, mas mais que o necessário para ir ao segundo turno". Ou seja, Bolsonaro estaria no segundo turno, resta saber com quem.

Ele, provavelmente, deve preferir um candidato de esquerda, identificado, se possível com o PT, para jogar com o contraponto e a rejeição de 60% ao partido e a Lula.

Com uma maioria anti-petista, a vitória poderia ir mais facilmente ao encontro de Bolsonaro. Se não for, a luta de Bolsonaro ficará mais difícil, pois a pesquisa semanal mostra que, no segundo turno, os candidatos competitivos disputam voto a voto com Bolsonaro, qualquer campanha bem sucedida pode ultrapassá-lo.

Essa pesquisa apresenta três cenários possíveis mas apenas um provável. O mais realista é o que considera Fernando Haddad como indicado de Lula. (Os outros dois, irreais, são Lula candidato ou Haddad por ele mesmo, sem Lula).

No cenário realista, os que não votam em ninguém somam o maior índice da disputa, 24%; em seguida vem Jair Bolsonaro com 19%, Haddad apoiado por Lula com 12%. Marina com 11%, Ciro e Alckmin com 8% cada. Desconhecido, Fernando Haddad tende a crescer à medida em que for aparecendo na TV, em propaganda eleitoral gratuita.


El País: Lava Jato quer montar sua bancada policial no Congresso

Ao menos cinco ex-juízes também tentam chegar a cargos eletivos nesta eleição. Deputados apoiam CPI para investigar investigadores

Por Afonso Benites, do El País

Tentando aproveitar a onda de combate à corrupção e a operação Lava Jato, um grupo de policiais federais e juízes tenta obter nas urnas o apoio para se elegerem deputados e governadores. Ao menos 35 tentam viabilizar suas candidaturas para se colocarem como opção aos eleitores. Três deles são ex-juízes, que desistiram da toga para tentarem se eleger governadores de seus Estados. São eles: Odilon de Oliveira (PDT-MS), Márlon Reis (REDE-TO) e Wilson Witzel (PSC-RJ). Mais dois ex-magistrados tentarão concorrer ao Congresso, Julier Sebatião (PDT-MT) e Selma Arruda (PSL-MT). E outros 30, são policiais federais que disputarão vagas em Assembleias Legislativas e Câmara dos Deputados.

Esses agentes de segurança pública se uniram em uma frente que dá suporte às candidaturas. Participam, por exemplo, de um debate em que se comprometeram a defender as mesmas pautas no Legislativo com relação à segurança pública, assim como na defesa dos interesses da categoria policial. Um dos desafios será, por exemplo, lutar para impedir que sejam instaladas Comissões Parlamentares de Inquérito para investigar os investigadores. Nesta semana ganhou força em Brasília a CPI da Lava Jato, que já conta com 190 assinaturas. O objetivo é investigar supostos abusos da operação que minou a classe política brasileira. “Formamos essa frente Lava Jato para tentar aproveitar esse momento de combate à corrupção. Por mais que o nome provoque amores e desamores em parte da população, entendemos que há mais pontos positivos do que negativos”, afirmou o presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais, Luis Boudens.

Na atual legislatura, dos 513 deputados federais, dois são PFs: Aluisio Mendes (PODE-MA) e Eduardo Bolsonaro (PSL-MA). O primeiro é agente aposentado da PF e foi eleito depois de ser secretário de Segurança do Maranhão. O segundo, que estava na polícia há apenas cinco anos, garantiu sua vaga no Congresso principalmente por causa do sobrenome de seu pai, o deputado federal e pré-candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSL-RJ). Ambos disputarão a reeleição. A meta para 2018 é eleger entre cinco e sete policiais federais.

Uma característica entre os candidatos policiais é o de se afastar de partidos pré-definidos como de esquerda. “Depois do mensalão e da Lava Jato o PT e os partidos ligados a ele ficaram marcados pela corrupção. Nossos policiais que eram filiados a uma dessas legendas ou se desligaram ou desistiram de concorrer”, afirmou Boudens.

Um dos rostos policiais mais marcados pela operação, o de Newton Ishii (o japonês da federal), não estará nas eleições deste ano. Apesar de ter se filiado ao Patriota, do Paraná, e ter recebido diversos convites, o agente aposentado decidiu não se candidatar neste ano. Diz que sua função é orientar os candidatos, por meio de palestras que profere.

Na eleição passada, de 2016, ao menos dois policiais federais já tinham se aproveitado da onda Lava Jato para se apresentarem como políticos. Ambos se elegeram vereadores em Campo Grande (André Salineiro, do PSDB) e em Três Lagoas (Renee Araújo, do PSD), no Mato Grosso do Sul. Agora, pretendem fazer uma “dobradinha” para tentarem chegar à Assembleia e à Câmara. “No legislativo o policial tenta levar a experiência que ele teve na rua”, completou Boudens.

Ao contrário dos policiais, os magistrados não são tão organizados enquanto classe. Depois que desistiram do Judiciário, apenas tiveram reuniões esporádicas com seus colegas e as entidades que os representam. Ainda assim, tentam usar suas experiências como profissionais que sentenciaram grandes criminosos para se elegerem. Um dos exemplos é Odilon. Pernambucano que fez a carreira no Mato Grosso do Sul, ele é reconhecido por decisões contrárias a narcotraficantes como Fernandinho Beira Mar e Jorge Rafaat.

Márlon Reis, do Tocantins, foi candidato na eleição suplementar que ocorreu no início deste mês, acabou em quinto lugar, mas deverá colocar seu nome novamente nas urnas em outubro. Ele é um dos autores da Lei da Ficha Limpa. Já Witzel, que presidiu a Associação dos Juízes Federais do Rio e do Espírito Santo, teve a carreira vinculada à área de execuções penais. Em seu discurso ensaiado costuma dizer que na política tentará evitar os erros que costumam ser corrigidos pelo Judiciário.

No Mato Grosso, dois ex-magistrados foram cotados para o Governo, cujo o titular é Pedro Taques (PSDB), ex-procurador de Justiça. Mas ambos desistiram. Julier tentará uma cadeira na Câmara e Selma Arruda, no Senado. Apesar de fugirem de comparações com a esquerda, todos esses antigos membros do Judiciário tentam obter o mesmo sucesso que o atual governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB). Antes de se engajar na política partidária, ele foi presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros e, agora, tentará a reeleição contra o clã de José Sarney (MDB).

 


Luiz Carlos Azedo: A decantação da Lava-Jato

A divisão no Supremo Tribunal Federal (STF) entre “garantistas” e “punitivistas”, revela um choque de concepções jurídicas que veio para ficar

Está em curso a decantação da Operação Lava-Jato, com reflexos na disputa eleitoral deste ano. Embora sejam dois processos distintos, têm um ponto de convergência: a situação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso em Curitiba, onde cumpre pena de 12 anos e 1 mês de reclusão em regime fechado.

Decantação é um processo da separação de substâncias líquidas ou sólidas que não devem ser misturadas. É o método utilizado para tratamento de esgoto e retirada das impurezas da água. Um processo simples, quase natural: a decantação ocorre devido à diferença da densidade e da solubilidade entre substâncias heterogêneas. No caso de dois líquidos – a água e o óleo, por exemplo —, a substância com maior densidade (óleo) tende a se acumular sob a menos densa (água).

A decantação também é usada para separar líquidos de sólidos, como a água e a areia. Em repouso, a força da gravidade fará pouco a pouco que as substâncias estejam visivelmente separadas. Também é possível acelerar esse processo. A centrifugação, por exemplo, faz com que a força da gravidade atraia a substância mais densa para o fundo do recipiente, como acontece com as roupas numa máquina de lavar.

No caso dos políticos com mandato envolvidos na Operação Lava-Jato, a decantação começou no Supremo Tribunal Federal (STF) com a absolvição da presidente do PT, Gleisi Hoffman, e o marido, o ex-ministro do Planejamento Paulo Bernardo, por insuficiência de provas, pela segunda turma da Corte. Todos os ministros do chamado “Jardim do Éden” votaram contra a condenação por formação de quadrilha e corrupção passiva. O ministro-relator da Lava-Jato, Edson Fachin, porém, pediu a condenação da presidente do PT por falsidade ideológica (crime de caixa dois), mas foi acompanhado apenas por Celso de Mello, num voto de 100 páginas. Votaram contra a condenação os ministros Ricardo Lewandowski, presidente da turma, Gilmar Mendes e Dias Toffoli.

A decisão aparta as delações premiadas das provas do processo; ou seja, decanta as denúncias do Ministério Público Federal (MPF) contra os políticos baseadas na delação premiada de Emílio e Marcelo Odebrecht. E deve servir de base para a jurisprudência do tribunal que norteará os demais julgamentos de envolvidos na Lava-Jato, principalmente os com direito a foro privilegiado.

Há cheiro de manjericão e orégano no ar, mas ainda não há pizza. Tudo vai depender das decisões do pleno do STF, no qual o voto derrotado de Celso de Mello pode servir de fio da meada para uma nova jurisprudência. Se o julgamento fosse na primeira turma, apelidada de “câmara de gás”, não haveria nenhuma surpresa se o resultado fosse o inverso e Gleisi acabasse condenada por uso de caixa dois. O plenário do Supremo terá que se pronunciar caso a caso, examinando as provas de cada acusação, daí a decantação.

Na terça-feira, haveria o julgamento na segunda turma de um recurso extraordinário da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Estavam em jogo duas questões: uma de natureza criminal, a condenação no processo do tríplex do Guarujá, pelo Tribunal Regional Federal; outra, eleitoral, a liberação da candidatura a presidente da República. O petista ainda aparece como franco favorito nas pesquisas de intenção de voto.

Divergências
Na sexta-feira, porém, a desembargadora federal Maria de Fátima Labarrère reconheceu o recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), o que fez naufragar a manobra dos advogados para chegar ao “Jardim do Éden”. O recurso acusa o juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, de parcialidade, e a força-tarefa da Lava-Jato, de excesso de acusação. Com isso, o relator do caso, Édson Fachin, retirou o assunto em pauta e furou o balão. O pretexto do recurso ao STF era a omissão do TRF-4. Mais decantação.

A divisão no Supremo Tribunal Federal (STF) entre “garantistas”, encabeçados pelo ministro Gilmar Mendes, e “punitivistas”, liderados pelo ministro Luiz Barroso, revela um choque de concepções jurídicas que veio para ficar. Entretanto, o embate ganhou contornos maniqueístas por causa das idiossincrasias dos ministros. Por exemplo, Gilmar Mendes, em julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), do qual era presidente, chamou a primeira turma de “câmara de gás”. O ministro Herman Benjamin, do STJ, rebateu com o argumento de que o segundo colegiado seria, então, o “Jardim do Éden”. Uma festa para advogados, promotores e jornalistas.

Na verdade, nesse choque de concepções entre os ministros, os “garantistas” levam vantagem em relação a “punitivistas” se considerarmos os códigos de processo e a jurisprudência existente, que têm base no chamado direito germânico-romano, essencialmente positivista. Gilmar Mendes é expoente dessa corrente.

O neoconstitucionalismo, o novo direito constitucional que emerge na Corte, é protagonizado por Luís Roberto Barroso. Seus marcos são o pós-positivismo, com a centralidade dos direitos fundamentais e a reaproximação do direito e da ética; e a força normativa da Constituição, com expansão da jurisdição e uma nova dogmática da interpretação constitucional. Esse embate será longo, em razão das mudanças em curso na relação entre Estado e sociedade.

O problema é que a divisão do Supremo está sendo um fator de instabilidade política e institucional, por causa de maiorias temporárias, que se formam a cada julgamento, devido à troca de ministros. Nesse cenário, a decantação da Lava-Jato é uma maneira de separar o joio do trigo, no caso das delações premiadas, e definir quem pode e quem não pode disputar as eleições de 2018, cuja realização é a premissa para que a ordem constitucional sobreviva a tantos solavancos.

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Congresso em Foco: Inteligência artificial revela as estratégias dos presidenciáveis no Instagram

Lula, Bolsonaro, Marina, Ciro e Alckmim: estudo inédito mostra como cada um deles quer ser visto pelos mais de 50 milhões de brasileiros que utilizam o Instagram

Por Sylvio Costa e Fábio Góis, do Congresso em Foco

Lula, o “filho do Brasil”, sempre nos braços da multidão. Jair Bolsonaro, o trabalhador, um político em movimento, seja no Congresso, seja em atividades de pré-campanha. Marina Silva, a persistente, a mulher que dá entrevistas, participa de eventos e que gosta de produzir frases de efeito. Ciro Gomes, o “Cirão da massa”, o homem do povo. Geraldo Alckmin, o político que faz, o candidato com realizações concretas para mostrar.

Essas são as imagens que os candidatos líderes das pesquisas presidenciais tentam projetar por meio de uma das principais mídias sociais, o Instagram, que é acessado mensalmente por mais de 50 milhões de usuários brasileiros. As conclusões são de um estudo inédito, que o Congresso em Foco publica com exclusividade. Conciliando rigor acadêmico com técnicas de inteligência artificial e computação visual, a análise revela diferenças importantes entre os presidenciáveis.

Para produzir o trabalho Em busca do melhor ângulo: a imagem dos presidenciáveis no Instagram – uma análise quanti-qualitativa com inteligência artificial, o Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados (Ibpad) analisou todas as imagens publicadas neste ano no Instagram por Lula (PT) – cuja condenação e prisão na Operação Lava Jato põem sua pré-candidatura em xeque –, Jair Bolsonaro (PSL), Marina Silva (Rede), Ciro Gomes (PDT) e Geraldo Alckmin (PSDB).

“A gente aplica a inteligência artificial para analisar e descobrir objetos e conceitos que por vezes ficam subjacentes. O objetivo é analisar estratégias e quais tipos de elementos os pré-candidatos a presidente estão utilizando para se posicionar no período pré-eleitoral”, explica o coordenador do projeto e diretor de Pesquisa em Comunicação do Ibpad, Tarcizio Silva. “Por exemplo, o Alckmin é o que mais publica sobre iniciativas, de fato. O Lula é quem mais publica fotos de multidão, fotos com o povo. Conceitos de militarismo estão associados a Bolsonaro, ele utiliza isso de forma estratégica”, acrescentou Tarcizio, que é mestre e doutorando em Comunicação.

Nada é por acaso

O estudo parte do pressuposto de que não há escolhas aleatórias quando se trata de postagem em redes sociais. “Queremos comunicar aos espectadores controlando – na medida do possível – o modo pelo qual seremos enxergados pelo público. No caso de políticos, esse controle é – ou deveria ser – muito mais refletido, já que o aparato imagético publicado na internet ajuda a formar a sua figura pública”, diz o relatório.

Faz mais de uma década que as mídias sociais têm relevância, e relevância crescente, no complexo de comunicação que envolve as campanhas políticas no Brasil e no mundo. Plataformas como Facebook, Twitter e Youtube são usadas para criar uma linha de contato mais direta entre candidatos e público. O uso eleitoral do Instagram é fenômeno mais novo, assim como a própria plataforma. Nesse aspecto, o estudo explora uma área de investigação incipiente no país. Incipiente e reveladora.

O Instagram, aponta o pesquisador sueco Kirill Filimonov, tem sido cada vez mais usado estrategicamente em campanhas políticas com os objetivos de: 1) disseminar mensagens; 2) mobilizar eleitores; 3) gerenciar a imagem do candidato e; 4) amplificar e complementar outros canais de comunicação direta com os eleitores.

Para analisar as postagens dos pré-candidatos a presidente, os especialistas do Ibpad usaram um recurso de inteligência digital desenvolvido pelo Google, o Google Vision. A ferramenta permite “ler” expressões faciais e reconhecer os elementos presentes em uma imagem, como objetos, lugares, ações, pessoas e marcas. Uma das suas vantagens é que ela possibilita agrupar, por similaridade, grande quantidade de imagens com mais precisão e muito mais velocidade do que um ser humano é capaz. Feito o agrupamento, entra em ação a inteligência humana, insubstituível na interpretação dos dados visuais e textuais.

(Um parêntesis breve pros nerds na escuta. Da coleta à análise final, os pesquisadores do Ibpad usaram, além do Google Vision API, as seguintes ferramentas: Netlytic, LibreOffice, Notepad++, Gephi Memespector, ImagenetPlotter, Inkscape e, claro, Python).

O quinhão de cada um(a)

Rede social favorita de alguns milhões de brasileiros, sobretudo dos estratos populacionais urbanos mais jovens, o Instagram é um território em que o deputado militar Jair Bolsonaro demonstra grande vantagem sobre os seus concorrentes. Dos pré-candidatos à Presidência da República, ele é o único que acumula mais de 1 milhão de seguidores no Instagram.

Lula, o segundo colocado, tem menos de 260 mil seguidores. Marina, Ciro  e Alckmin ficam com números entre 95 mil e 120 mil.

O ex-governador de São Paulo é quem mais publica. Foram 514 posts nos primeiros cinco meses de 2018. Ciro foi o menos presente no Instagram: publicou apenas 16 imagens no mesmo período.

Veja a seguir como saem (literalmente) na foto os presidenciáveis que lideram as pesquisas.

 

Bolsonaro – contra os políticos


Líder no Instagram tanto em número de seguidores quanto em engajamento, Jair Bolsonaro é, dos cinco, o que deixa mais claro que está em plena campanha. Conforme o Ipad, ele “utiliza seu perfil no Instagram para mostrar trabalho, sendo frequentes pronunciamentos sobre questões importantes para seu eleitorado, imagens de eventos da pré-campanha e fotografias de momentos de trabalho do parlamentar”.

Mas o deputado também privilegia registros que põem em evidência a sua popularidade. Imagens mostrando mobilização popular ou o seu contato com simpatizantes são comuns. Também fica claro o pouco apreço que o parlamentar demonstra em relação a outros políticos. Quando são mencionados, ainda que de forma indireta, eles sofrem críticas. Os dois políticos mais criticados em seu perfil são Lula e Alckmim. Os posts de Bolsonaro trazem ainda referências constantes ao Exército, à bandeira nacional e à ideia de autoridade que o candidato pretende encarnar.

Tarcizio, o coordenador do estudo, enfatiza que isso é “elemento distintivo” nos posts de Bolsonaro. Somente neles, aparecem coisas que remetem à ideia de militarismo, como fardas e referências ao Exército. Perfis ligados ao Exército e ao PSC (partido conservador cristão ao qual o deputado foi filiado) também estão na rede de usuários que gravitam em torno de Bolsonaro.

 

* Fonte: Ibpad

 

 

Lula – gente como a gente


Segundo a pesquisa, Lula aposta numa abordagem mais “humanizadora” da sua figura, utilizando-se principalmente do seu carisma pessoal e de sua capacidade de causar comoção popular como “combustível para reforçar a sua imagem de ‘filho do Brasil’”. Ou seja, de um cidadão comum que, chegando ao poder, não perdeu suas raízes nem o compromisso com a maioria pobre da nação.

No Instagram, as imagens postadas no perfil de Lula são abundantes em registros sobre manifestações populares, contatos com fãs e com a militância do PT. Também há muitas fotos mostrando o apoio que o ex-presidente recebeu antes de ser preso, em 7 de abril. Imagens de campanha e de aliados políticos, além de fotos com familiares e registros de sua trajetória de vida, também são constantes no perfil do petista. “A mobilização popular em torno da figura de Lula reuniu diversas imagens de fãs, eleitores e simpatizantes em imagens de apoio – principalmente após a sua prisão. Menos frequente, mas ainda proeminente, foi o endosso de artistas/pensadores”, afirma o estudo.

 

* Fonte: Ibpad

 

 

Ciro – o menos conhecido


No caso de Ciro Gomes, três são os eixos principais de sua apresentação na rede social: atos de campanha/contato com simpatizantes, posicionamentos político-ideológicos e registros com a família.

“Ciro Gomes, que adotou em estratégia populista também o cômico apelido de ‘Cirão da Massa’, utiliza seu perfil no Instagram para reforçar a imagem de homem do povo. Seja em interação direta com eleitores ou em eventos políticos, o deputado está sempre em contato com o público”, observa o estudo do Ibpad.

A pesquisa também destaca que ele é, dos cinco presenciáveis analisados, o menos conhecido pelo público. Daí, suspeitam os pesquisadores, “a presença de várias imagens do candidato com membros da sua família”, o que o Ibpad interpreta como “uma estratégia para aproximar o candidato do seu público”.

* Fonte: Ibpad

 

 

Marina – a persistente


Trajetória política, contato com apoiadores e registros familiares são a tônica das imagens publicadas no perfil da ex-senadora, ex-ministra do Meio Ambiente e idealizadora da Rede.

“Marina Silva demonstra sua persistência também no Instagram: o perfil da senadora consiste, majoritariamente, em imagens com foco na campanha, seja em frases de efeito, posicionamento político e/ou atividades de trabalho (entrevistas, eventos etc.)”, aponta o relatório do Ibpad.

O tom das postagens é, em geral, de conclamação à militância. Alguns posts, por exemplo, buscavam mobilizar a sociedade pelo fim do foro privilegiado, que dá a um grupo restrito de autoridades – incluindo parlamentares federais e ministros de Estado – o direito de ter os seus crimes julgados exclusivamente pelo Supremo Tribunal Federal (essa regra foi revista recentemente e agora o STF só julga casos ocorridos durante o exercício do mandato).

 

* Fonte: Ibpad

 

 

Alckmin – gente que faz

O ex-governador paulista Geraldo Alckmin é o presidenciável mais ativo no Instagram. Publica mais do que qualquer outro dos seus principais adversários, mas perde de todos eles em termos de média de engajamento por post.

Ele valoriza, acima de tudo, sua experiência como gestor. “Geraldo Alckmin exibe no Instagram diversas iniciativas e realizações que promoveu enquanto líder do estado. São imagens que reafirmam a eficiência do seu governo, tanto empírica (fotos em obras visitas, etc) quanto imageticamente (ilustrações com mensagens informativas)”, destaca o estudo.

A ideia é passar o conceito de que o político, que governou São Paulo por quatro vezes, está #preparadoparaobrasil, conforme a hashtag que ele utiliza. Fotos com eleitores são bem mais raras em seu perfil no que de outros candidatos. Quando aparecem, elas cumprem a função de humanizar o candidato e de retratá-lo “em situações cotidianas e mais mundanas”, acentua o Ibpad.

 

*Fonte: Ibpad

 

* Colaborou Thallita Essi

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