Eleições
Bruno Boghossian: Preso, Lula exercerá influência sobre capítulos finais da eleição
Petista reconfigura disputa na esquerda e explora indefinição sobre candidatura
Fora da eleição, Lula exerce a distância sua força gravitacional. Nas últimas semanas, o ex-presidente agiu como negociador político e reconfigurou os termos da competição na esquerda. Nos próximos 65 dias, o petista vai explorar as incertezas de sua candidatura para se manter no centro do debate.
Parte da campanha deste ano ainda gira em torno de uma indefinição que desorienta cerca de 30% dos brasileiros e provoca a repulsa de outros 36%. As interrogações propositadamente mantidas ao redor de Lula provocam tempestades nos campos de seus adversários e numa fatia significativa do eleitorado.
Na semana que vem, o Supremo deve julgar um pedido de liberdade do ex-presidente. A inclusão do caso na pauta é suficiente para mobilizar eleitores e candidatos. Ainda que o petista sofra um revés, o PT buscará reforçar a narrativa de perseguição judicial a seu candidato.
A esse episódio, sucederá a batalha sabidamente perdida sobre o registro da candidatura de Lula, no dia 15. A Justiça Eleitoral articula o veto à inscrição do ex-presidente no fim do mês, o que deve prolongar por ao menos duas semanas essa falsa dúvida na disputa.
Na prática, Lula obriga a corrida presidencial a aguardar suas orientações. O posicionamento do tabuleiro só estará completo quando o petista ungir o sucessor para o qual espera transferir sua popularidade —o que pode ocorrer oficialmente apenas a 20 dias da eleição.
A participação virtual de Lula afeta a disputa à esquerda e à direita. Da cadeia, o ex-presidente trabalhou para bloquear alianças e isolar Ciro Gomes (PDT), que pretendia ser uma alternativa nesse campo. No polo oposto, cada passo do petista provoca uma onda antipetista na guerra particular de Jair Bolsonaro (PSL) e Geraldo Alckmin (PSDB).
O papel de Lula na eleição será consideravelmente menor do que seu peso como candidato de fato, mas não se pode ignorar que os próximos capítulos dependem, em boa medida, de sua candidatura fantasma.
Luiz Carlos Azedo: Arma-se o jogo do PT
Nos cálculos otimistas dos petistas, o candidato a ser escolhido por Lula estará seguramente no segundo turno. Vem daí a gana dos militantes contra os “coxinhas” e “golpistas”
Depois da aliança em torno do tucano Geraldo Alckmin, na qual DEM, PP, PR, PRB e Solidariedade se juntam ao PSDB, ao PSD, ao PTB e ao PPS, a movimentação mais importante até agora no tabuleiro eleitoral foi feita pelo PT, que conseguiu costurar por baixo uma aliança com o PSB em 11 estados e anular qualquer possibilidade de a legenda fechar com o candidato do PDT, Ciro Gomes, no plano nacional. Hegemonizado pelo governador de Pernambuco, Paulo Câmara, o PSB também abriu mão da candidatura de Márcio França, em Minas Gerais, em troca da retirada do nome de Marília Arraes, candidata petista em Pernambuco. Sem candidato a presidente da República, a legenda optou por liberar seus caciques regionais.
Com isso, a movimentação do PT para viabilizar os candidatos do partido nos estados começa a predominar em relação à manutenção da candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está preso em Curitiba. Tudo indica que a legenda vai mesmo lançá-lo à Presidência na convenção de sábado, em São Paulo, e forçar a barra junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para registrar seu nome, mas está difícil encontrar um aliado coadjuvante para a manobra, até porque a tendência do PT é indicar o “poste” que irá substituí-lo como vice já na convenção. Ontem, Manuela D’Ávila teve o nome confirmado pelo PCdoB, que sonha com a vice na chapa petista tão logo Lula seja substituído. Por ora, não há outros pretendentes.
Marqueteiros fazem as contas da capacidade de transferência de votos de Lula, que lidera as pesquisas de opinião quando seu nome é consultado, com 30% de intenções de votos. Imagina-se que o petista alavancará de 17% a 22% dos votos para o “poste” que vier a apoiar, garantindo-lhe um lugar no segundo turno. O problema é que os mais cotados para substituir Lula, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad e o ex-governador da Bahia Jaques Wagner, largam bem atrás dos demais candidatos, na faixa dos 2% de intenções de voto.
Nos cálculos otimistas dos petistas, o candidato a ser escolhido por Lula estará seguramente no segundo turno. Vem daí a gana dos militantes contra os “coxinhas” e “golpistas”, o “apagão” moral de artistas, intelectuais e sindicalistas em relação ao propinoduto da Petrobras e outros escândalos, a campanha ensandecida de seus advogados e parlamentares contra a Operação Lava-Jato, sem falar nas afrontas da cúpula partidária ao Judiciário. Com a faca nos dentes, a legenda quer revanche. Esqueçam Jair Bolsonaro (PSL), em segundo lugar nas pesquisas e favorito no pleito sem Lula na disputa. O inimigo principal do PT é o tucano Geraldo Alckmin. Caciques do PMDB, como Renan Calheiros e Eunício de Oliveira, que votaram a favor do impeachment, já foram perdoados.
Indicação
A narrativa de vitimização do ex-presidente uniu e mobilizou a militância petista, que acredita na rápida transferência de voto para o nome ungido pelo líder. É aí que surgem os problemas. Há três candidatos que disputam o espólio lulista no eleitorado. O primeiro é Ciro Gomes, principalmente no Nordeste, não foi à toa o esforço realizado para impedir sua aliança com o PSB; o segundo, Marina Silva (Rede); e o terceiro, Guilherme Boulos (PSOL). Álvaro Dias (Podemos) atrapalha mais o tucano Geraldo Alkmin, principalmente no Sul do país.
A propósito, fora de São Paulo não será fácil a transferência de votos para Haddad, apesar dos modos mais refinados e perfil acadêmico do ex-ministro da Educação de Lula. Teria apoio da militância sindical e nas universidades federais, mas isso não basta para alavancar uma candidatura majoritária nacionalmente. A outra opção é Jaques Wagner, carioca abduzido pela Bahia, que teria mais trânsito no Nordeste e não teria tantas dificuldades no Sudeste. O problema é que a seção paulista do PT não quererá abrir mão das vantagens que a candidatura do ex-prefeito oferece para a sobrevivência de seus parlamentares.
A grande contradição da estratégia petista é a confrontação com o Judiciário, ao radicalizar o discurso contra a Lava-Jato em defesa de Lula. A manutenção de uma candidatura que todos sabem inelegível, aproveitando-se dos prazos do calendário eleitoral e dos ritos de registro de chapas, perturba o processo eleitoral. Quando mais bem-sucedida a estratégia no plano eleitoral, mais desestabilizadora será institucionalmente, pois coloca em xeque o Supremo Tribunal Federal (STF). Para o PT, a preservação da democracia e suas instituições é uma responsabilidade dos demais atores políticos. Ou seja, a legenda regrediu à época em que se recusou a votar em Tancredo Neves no colégio eleitoral para derrotar Paulo Maluf, não por acaso um aliado do governo Lula e do ex-prefeito Haddad.
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El País: Bolsonaro ignora o Brasil real que ganha até dois salários mínimos
Em seu primeiro teste de fogo, no Roda Viva, candidato mobiliza só seu público e derrapa sobre saúde, educação e economia
Por Talita Bedinelli, do El País
No primeiro teste de fogo real de Jair Bolsonaro nestas eleições, a aparição diante de jornalistas no programa Roda Viva, da TV Cultura, o eleitor ficou sem saber o que, de fato, planeja para os temas que afetam seu cotidiano o líder das pesquisas, na ausência de Lula. Que ele defende a ditadura e a tortura, odeia a esquerda (e qualquer pauta progressista e pró-direitos humanos) e quer que todos tenham o direito de usar arma de fogo, já se é sabido. É na polêmica, campo onde cresceu e apareceu, que ele brilha para sua plateia de fiéis seguidores, que nesta segunda mais uma vez mostraram sua musculatura e ajudaram a atração a ser a mais recordista de audiência entre todos os presidenciáveis. Mas, quando deixa de ser a caricatura já conhecida da Internet é que o candidato se perde e falha em apresentar propostas para melhorar a educação, a saúde e a economia. Ao que parece, recorrerá, para isso, a uma ampla rede de postos Ipiranga, expressão usada por ele para se referir a seus futuros ministros, caso eleito. Para o longevo legislador (deputado federal desde 1991), as políticas públicas parecem ser seu calcanhar de Aquiles.
Em suas respostas, Bolsonaro demonstra pouco conhecimento do Brasil real. Quando questionado, por exemplo, sobre o que fazer em relação à mortalidade infantil, que voltou a aumentar pela primeira vez desde 1990, creditou a situação ao nascimento de prematuros, algo que, de fato, é um problema, mas que está longe de responder pela complexidade do tema. Dados publicados pela Folha de S.Paulo neste mês apontam o preocupante crescimento de 12%, em um único ano, de mortes de menores de cinco anos por diarreia, doença relacionada com pobreza e falta de saneamento básico. Quando confrontado sobre o impacto das questões sanitárias nesta estatística, o candidato à presidente desconversou. "Tem um mar de problemas, tem a ver com o passado sanitário daquela pessoa, com a alimentação da mãe, um montão de coisas. Muita gestante não dá bola para sua saúde bucal ou não faz os exames do seu sistema urinário com frequência. Certos problemas advém disso e a possibilidade de prematuros aumenta assustadoramente", respondeu.
O militar reformado também defendeu propor ao Congresso a redução da porcentagem das cotas para negros nas universidades, ignorando análises que mostram como tais ações afirmativas são positivas para o país e negando que o Brasil tenha uma dívida com a população afrodescendente por conta da escravidão, raiz da desigualdade —"Que dívida? Eu nunca escravizei ninguém. Se for ver a história realmente, o português nem pisada na África, os próprios negros é que entregavam os escravos". E afirmou que pretende investir com mais força no ensino fundamental, o mais coberto justamente por uma obrigatoriedade constitucional, quando os principais gargalos do país são os ensinos infantil (enorme falta de creches) e o médio, um limbo geralmente esquecido pelos Estados. Para a área da ciência e da tecnologia, seu posto Ipiranga seria o polêmico astronauta Marcos Pontes, criticado por passar ainda jovem para a reserva militar apenas dois anos depois de o país investir 10 milhões de dólares em sua ida ao espaço —foi atuar na iniciativa privada e fez até propaganda de travesseiros potencializados com a "tecnologia da Nasa".
Na economia, mais ausência de respostas. O desemprego no campo, para ele, por exemplo, é culpa do avanço tecnológico, que extinguiu postos de trabalho. E, para ele, quem perdeu o emprego precisa se capacitar para exercer outra profissão, como se as opções fossem abundantes no interior do país.
Nestes próximos dois meses que antecedem a eleição, a campanha que levará à escolha do próximo presidente ruma, espera-se, para além da histeria das redes sociais e ganha também a vida real. É agora, quando os candidatos passam a poder falar como candidatos, que os eleitores começam a prestar atenção. E a escolha é pragmática, se baseia em como a própria vida pode mudar para melhor, afirmam os cientistas políticos. A maioria da população, aquela que ganha até dois salários mínimos, que sente mais os efeitos de uma economia em recessão e do desemprego, que depende de uma saúde pública de péssima qualidade e que têm acesso a uma educação sofrível é justamente o quinhão da população que menos confia em Bolsonaro, mesmo sem Lula nas pesquisas. Enquanto entre os que ganham até 10 salários mínimos a intenção de votos no militar reformado é de 34%, entre os que ganham até 2 salários é de 13%, aponta o último Datafolha, realizado no início do mês passado.
Ao ignorar os temas caros para a maior parte da população, Bolsonaro parece não ter entendido ainda que não concorre mais ao Legislativo, onde a polêmica rende votos. Quando encarado como candidato sério, não parece ter qualquer proposta concreta. Resta saber se ele conseguirá se manter na liderança com uma campanha baseada apenas em raiva e ódio. Pode ser que este seu discurso batido funcione e seja suficiente para levá-lo, ao menos, para o segundo turno, em uma eleição fragmentada e sem candidatos fortes e onde as previsões de analistas políticos parecem não alcançar a realidade. Mas é possível também que ele pare de crescer. Porque os problemas do Brasil real não se resolvem num posto de gasolina. E quem acorda cedo para enfrentar esta realidade sabe disso.
Lilia Schwarcz: Bolsonaro contou a história que quis, não aquela dos documentos
Foram transportados para as Américas 12 milhões de africanos e africanas durante todo o período do tráfico negreiro
Vira e mexe alguém volta com a teoria de que a escravidão não foi uma ideia dos ocidentais, mas sim dos próprios africanos. Nada mais covarde e perverso do que transformar a vítima em algoz. Vítimas, aliás, que sempre reagiram, e de inúmeras formas, ao cativeiro.
Na segunda-feira, dia 30, em entrevista ao programa Roda Viva, foi a vez do presidenciável Jair Bolsonaro se sair com a seguinte frase: “se for ver a história realmente, os portugueses nem pisavam na África. Foram os próprios negros que entregavam os escravos (...) Faziam o tráfico, mas não caçavam os negros. Eram entregues pelos próprios negros”.
Craque na política do fake news, Bolsonaro contou a história que quis, não aquela encontrada nos documentos. Esqueceu de explicar, por exemplo, que a escravidão já estava presente na Europa. Desde a Antiguidade, o continente conheceu diversas formas de escravidão, mas menos intensas ou disseminadas do que aquela que surgiria a partir do século 16. A escravidão mercantil.
Por sinal, poucos povos deixaram de conviver com alguma forma de escravidão; a África também. No entanto, por lá, a instituição se desenvolveu paralelamente a sistemas de linhagem e de parentesco. Os escravizados não eram entendidos, pois, como “coisas” ou “propriedades”, nem tampouco considerados centrais para o funcionamento regular dessas sociedades.
Já o contato luso com a África Negra teve longa história, antecedendo em até meio século a descoberta do Brasil. Em 1455, Zurara, em sua “Crônica de Guiné”, descrevia atividades portuguesas na foz do rio Senegal.
Nessa época, o interesse luso estava voltado mais para o ouro, sendo que escravos, marfim e pimenta eram motivações secundárias. Foi com a introdução da cultura do açúcar que a história girou: os escravizados tornaram-se fundamentais na produção agrícola, o negócio tornou-se muito lucrativo e o interesse se voltou da pimenta para o tráfico de viventes com os portugueses entrando continente africano adentro.
Enquanto isso, já em meados do 16, Lisboa era a cidade europeia que mais possuía escravos africanos: contava com cerca de 100 mil habitantes, dos quais 10 mil eram cativos.
Em Cabo Verde, São Tomé e Madeira desenvolveram-se ao longo do 16 e do 17 verdadeiras sociedades luso-africanas, condicionadas pelo comércio transatlântico. Em 1582, cerca de 16 mil pessoas viviam nessas ilhas, sendo 87% formada por escravizados.
Por volta de 1520, portugueses mantinham número razoável de feitorias na África, controlando caravanas de cativos que vinham do baixo rio Zaire e do Benin. Dirigiam-se para São Tomé, e, a partir de 1570, voltaram-se para o rico mercado do Brasil.
A chegada dos portugueses à costa atlântica subsaariana no começo do 16 alteraria de forma radical as modalidades de comércio, tanto no que se refere à escala, como ao recurso crescente à violência. A nova conquista modificaria também modalidades internas de guerra e de redes de relacionamento no interior de estados africanos. Tudo com a interferência direta dos lusos, que “pisaram” firme no continente.
Com a cultura do açúcar, dentre os principais produtos do Império português, a situação se modificaria ainda mais, sobretudo a partir das relações estáveis com os congoleses. Naquele local, os portugueses destacaram-se por sua forte e estável presença, atuando no local como clérigos, traficantes e soldados.
Também a quantidade de almas humanas traficadas pelos portugueses cresceu e muito: enquanto na primeira metade do século 16 o volume de africanos entrados no Brasil não passava de algumas centenas anuais, registram-se 3.000 importações por ano já na década de 1580.
Teve papel fundamental a conquista de uma nova feitoria em Luanda, a qual, a partir de 1576, se transformaria em posto ativo nesse tipo de comércio. Por dois séculos os portugueses manteriam seus “pés” bem firmes em Luanda, na região do rio Cuanza e Benguela.
O certo é que, a essa altura, os lusitanos estavam bem familiarizados com as populações africanas que escravizavam. Além do mais, com o incremento do comércio do ouro e do marfim no Oeste da África, e o crescimento da atuação econômica portuguesa na Ásia, as relações foram ficando ainda mais corriqueiras.
Enfim, a eficácia crescente dos traficantes portugueses do Atlântico na oferta de mão de obra, na regularidade no suprimento de cativos vindos daquele continente e o declínio dos preços fizeram com que, para a Europa do século 16, os africanos se transformassem em sinônimo de mão de obra escrava e os portugueses em grandes especialistas na arte de traficar dentro e fora da África.
Foram transportados para as Américas 12 milhões de africanos e africanas durante todo o período do tráfico negreiro, sendo que, desse total, 4,9 milhões tiveram como destino final o Brasil.
O tráfico era um negócio complexo e dominado pelos portugueses, que acabaram promovendo inúmeras guerras e alterando a estrutura interna dos estados africanos com graves consequências atuais. Os lusos “pisaram” muito no território africano, e não há como tirar a responsabilidade de quem sabe que a tem.
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Professora titular do Departamento de Antropologia da USP e global scholar na Universidade de Princeton (EUA), é curadora-adjunta para histórias e narrativas do Masp e organizadora, com Flavio Gomes, de “Dicionário da Escravidão e da Liberdade: 50 Textos Críticos (Companhia das Letras, 2018)
Luiz Carlos Azedo: Agosto no Supremo
O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma os trabalhos hoje com uma pauta importante, mas politicamente lateral: os julgamentos de três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 2139, 2160 e 2237) que questionam dispositivo da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e duas ações que discutem a validade de imposição de idade mínima para a matrícula de alunos no ensino infantil e fundamental, uma Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 17 e outra de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 292. A agenda principal, porém, foi anunciada por 11 militantes do Movimento de Trabalhadores Sem-Terra (MST), que ontem iniciaram uma greve de fome pela libertação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sob as marquises do Supremo. Foram removidos do local por ordem da presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia.
O Supremo está na iminência de dar um basta a essas tentativas do ex-presidente de desmoralizar o Judiciário. Ontem, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, enviou manifestação ao STF contra o agravo regimental em que o ex-presidente Lula questiona decisão do ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato, no caso do tríplex do Guarujá (SP). No documento, a PGR afirma que a decisão do TRF4 – que condenou Lula a 12 anos e um mês de reclusão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro – deve ser mantida, e que o pedido da defesa é inadmissível e não possui plausibilidade jurídica.
Lula pleiteia efeito suspensivo ao recurso extraordinário apresentado contra o acórdão do TRF4. Para Raquel Dodge, isso não é possível, pois o recurso já foi negado pelo tribunal de origem. Em razão disso, e pela perda do objeto do pedido, o STF não deveria sequer apreciar a questão. Entretanto, caso os ministros aceitem julgar o caso, a procuradora-geral requer o não provimento do agravo regimental. Além de não preencher condições mínimas de admissibilidade e plausibilidade jurídica, o recurso de Lula se baseia em supostas violações a normas infraconstitucionais que o Ministério Público Federal rechaça.
A manifestação da procuradora-geral da República desconstrói a narrativa de que Lula foi condenado sem provas. Raquel Dodge rechaça o inconformismo do petista e destaca que os magistrados do TRF-4, “nas duas decisões, a última inclusive por unanimidade”, tiveram a seu dispor uma gama de material probatório e entenderam haver “provas robustas de que Lula praticou os crimes”. A defesa do ex-presidente Lula apresentou dois embargos de declaração contra a decisão do TRF-4 que aumentou a pena para 12 anos e um mês de reclusão. A um foi dado provimento em parte e o outro não foi conhecido. Em seguida, foi interposto recurso especial no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e recurso extraordinário no STF. Ao mesmo tempo, foi apresentada Medida Cautelar perante o presidente do TRF-4 pedindo que os recursos Especial e Extraordinário fossem recebidos com efeito suspensivo.
O nome desta cascata de recursos é chicana. Após o pedido ser indeferido, a defesa de Lula ajuizou nova medida cautelar no STF pedindo que o recurso extraordinário fosse recebido com efeito suspensivo. O recurso extraordinário não foi admitido pela vice-presidente do TRF-4 e, em função dessa decisão, o ministro Edson Fachin considerou prejudicada a medida cautelar. Outro agravo regimental foi interposto, pedindo que fosse reconsiderada a decisão do ministro do STF. Mas isso não ocorreu, e o agravo regimental será submetido ao julgamento do plenário. Na manifestação enviada ao Supremo, a PGR rebate todas as alegações da defesa do ex-presidente.
Para Raquel Dodge, o recurso extremo de Lula não apresenta relevância capaz de transcender seus interesses subjetivos e afetar outras pessoas em situação semelhante. “Tampouco traz questões cuja resolução dependa da análise do direito em tese e não de fatos estritamente relacionados à causa concreta ora posta à apreciação judicial. Trata-se de recurso que versa sobre questões afetas unicamente à situação processual do requerente.”
Candidatura
O uso ilimitado de recursos pela defesa de Lula não tem nada a ver com a boa advocacia, é apenas uma estratégia política para manter sua candidatura e embaralhar o jogo eleitoral. De certa forma, Lula está conseguindo iludir seus eleitores. Ontem, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luiz Fux, deu um chega pra lá nas intenções petistas, ao anunciar que Lula está inelegível e não há a menor hipótese de registrar sua candidatura. Ou seja, mesmo que a convenção do PT venha a promover a provocação de confirmar a candidatura de Lula, ela não será aceita pela Corte, na avaliação de seu presidente. Na verdade, a regra vale para todos os pretendentes que estiverem condenados em segunda instância, em razão da Lei da Ficha Limpa e não apenas para Lula.
» Visto, lido e ouvido – Os leitores do Correio e o jornalismo brasileiro perderam, ontem, seu mais longevo colunista, o jornalista Ari Cunha, pioneiro de Brasília. Um dos responsáveis pela circulação deste jornal desde o dia da inauguração da nova capital, durante mais de 50 anos, foi um dos principais repórteres políticos do país. RIP!
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El País: Após estagnar, Bolsonaro dá sinais de recuperação nas redes, sua boia de salvação
Candidato sai de sua zona de conforto na Internet para participar do programa Roda Viva. Resiliência da candidatura mesmo sem tempo de TV é maior incógnita da campanha até agora
Por Afonso Benites, do El País
Aconteça o que acontecer, o futuro do fenômeno Jair Bolsonaro, o pré-candidato de extrema-direita ao Planalto, vai depender de sua capacidade de capitalizar o uso das redes sociais. É que o seu PSL não conseguiu fechar alianças e, por causa disso, o ex-capitão do Exército terá reduzido espaço na propaganda oficial de rádio e TV – o partido terá menos de 10 segundos diários na programação de 24 minutos – e ausência de palanques fortes nos Estados. O problema para o presidenciável, e não só para ele, é que ainda não se sabe o quanto a eleição brasileira ainda é dependente do horário eleitoral gratuito, que começa em 31 de agosto. Antes mesmo que essa pergunta crucial seja respondida, a Internet, considerada maior trunfo e boia de salvação do militar reformado, deu sinais de arrefecer no fervor por sua candidatura. Nas últimas semanas, o apoio a Bolsonaro na redes sociais estagnou em relação ao seus concorrentes de campanha, segundo levantamento da consultoria Atlas Político. Só deu sinais de recuperação nos últimos dias, justo antes e na esteira de sua participação no programa Roda Viva, da TV Cultura, nesta segunda-feira.
A participação no Roda Viva é um dos testes de fogo de Bolsonaro, que lidera as pesquisas de opinião, ainda que sem grandes crescimentos recentes, se o nome de Luiz Inácio Lula da Silva, preso em Curitiba, não é considerado. No centro do cenário e cercado de jornalistas, ele deixou sua zona de conforto nas redes, onde fala para boa parte dos convertidos, e se deparou com representantes dos principais jornais brasileiros, muitos dos quais ele critica frequente e insistentemente. Os primeiros momentos do pré-candidato foram tensos. Aparentando estar nervoso, ele enfrentou uma bateria de perguntas sobre as violações de direitos humanos cometidas durante a ditadura militar. Ele repetiu sua argumentação negacionista: argumentou que não houve golpe em 1964 e minimizou o uso de tortura, que descreveu como o uso, "talvez", de "algumas maldades". Em outro momento, chegou a elogiar o ex-deputado preso pela Operação Lava Jato, Eduardo Cunha, pelo apoio do carioca ao projeto que obriga a existência de voto impresso. "Eu gostaria de ter estado mais vezes ao lado do Eduardo Cunha", disse. No decorrer dos blocos, fugiu de perguntas específicas sobre propostas programáticas, como para a recuperação econômica, e manteve o tom de enfrentamento e discurso contra as mazelas da escravidão e as cotas raciais.
Do seu desempenho na espécie de paredão midiático depende uma nova injeção de ânimo nas redes, como já aconteceu com pré-candidatos que passaram na bancada antes dele. Até agora, quem se deu melhor na aparição foi Manuela D'Ávila (PCdoB), que ganhou mais de 18.000 novos seguidores contando apenas o dia da entrevista e os dois dias de repercussão - as frequentes interrupções à pré-candidata provocaram um debate sobre machismo no programa. "De todos, Manuela, Guilherme Boulos e Álvaro Dias se destacaram. Geraldo Alckmin e Marina Silva não impressionaram", comenta Andrei Roman, do Atlas Político.
Nos números da consultoria, desde que intensificou sua campanha eleitoral e passou a participar de entrevistas e sabatinas, o número de seguidores do presidenciável Bolsonaro no Facebook - ele é recordista, com mais de 5 milhões de pessoas - ou caiu ou estagnou na comparação dia a dia. Nem mesmo em 22 de julho, quando foi oficializado como o candidato à presidência do PSL, ele registrou crescimento considerável. Naquele dia, entre 13 pré-candidatos monitorados pelo Atlas Político, o deputado de extrema direita ficou na sétima colocação dos que mais recebiam novos seguidores. Nos últimos dias, contudo, começou a receber novos seguidores. Só entre os dias 27 e 29 deste mês, ele ganhou 30.799 seguidores. Atualmente, é o segundo que mais registra novos fãs na rede social. Fica atrás apenas de João Amoêdo, do NOVO. No caso desse, porém, esse crescimento é resultado do patrocínio de posts.
Não só Bolsonaro depende das redes. Outros nomes concorrentes de partidos nanicos como Amoêdo, Marina Silva (REDE), Guilherme Boulos (PSOL) e Álvaro Dias (PODEMOS) também. De outro lado, conglomerados de esquerda e direita dividirão a maior fatia da propaganda oficial. Até o momento, Geraldo Alckmin detém quase 12 minutos diários da programação por causa da aliança de seu PSDB com outros oito partidos. Ainda aguardando uma definição de legendas como PSB, PCdoB e PT, Ciro Gomes (PDT) poderá agregar outra fatia desse bolo – se o PT desistir de candidatura própria—, enquanto que o MDB, sozinho, somará outros dois minutos e meio. “Dado que a gente vive uma situação diferente, em que parte dos líderes das pesquisas não tem tempo de TV, as redes sociais passam a ser o principal espaço que eles têm para atuar. Por isso sua importância aumenta neste ano”, explicou o cientista de computação e professor da Universidade Federal de Minas Gerais, Fabrício Benevenuto, que coordena um projeto de acompanhamento da campanha política nas redes.
Gráfico mostra o desempenho dos pré-candidatos nas redes no dia da aparição do Roda Viva e nos dois dias seguintes. Manoela D'Ávila foi a que mais capitalizou a aparição.
Gráfico mostra o desempenho dos pré-candidatos nas redes no dia da aparição do Roda Viva e nos dois dias seguintes. Manoela D'Ávila foi a que mais capitalizou a aparição. Atlas Político
Variação de engajamento
Desde o início de junho, proporcionalmente o espaço que Bolsonaro tinha em comparação com os demais concorrentes também sofreu grandes oscilações de 11% a 38%, ainda segundo a consultoria de Andrei Roman. No dia 29, último dado disponibilizado pelo Atlas Político, 27% das interações com os presidenciáveis eram feitas por meio de Bolsonaro, atrás apenas de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com 39%. O engajamento é o sinônimo de todas as interações envolvendo um perfil do Facebook. Isso inclui os compartilhamentos, os comentários e as curtidas feitos sobre as postagens desse usuário.
A par da redução de seguidores e a grande oscilação entre o engajamento de suas postagens, Bolsonaro decidiu orientar seus admiradores a o seguirem em outra rede social chamada Mano, na qual tem a TV Bolsonaro. É um aplicativo nacional no qual, segundo os coordenadores da campanha dele, seria mais confiável do que o Facebook. Em um dos vídeos em que pede o apoio de seus fãs, o deputado estadual Flávio Bolsonaro, filho do presidenciável ele diz que a campanha de seu pai tem sofrido um ataque covarde, uma censura. “Como muitos de vocês já sabem o alcance das nossas postagens nas grandes redes sociais, como o Facebook, tem sido absurdamente restringido”.
A aposta nas redes não é simples porque o terreno ainda é movediço. Ainda há dúvidas sobre a utilização das ferramentas - pela primeira vez os candidatos poderão investir dinheiro das campanhas para que sua mensagem chegue a mais pessoas - e sobre como a Justiça Eleitoral vai monitorá-la na prática. Há um debate em curso sobre o que é permitido ou não publicar, até mesmo porque tudo está sujeito às regras do Facebook, o gigante norte-americana que também é alvo de polêmicas nos EUA. Na semana passada, a companhia fechou quase duas centenas de páginas e 87 contas que, segundo a rede, infringiam suas normas. Parte delas é ligada ao Movimento Brasil Livre, um grupo de direita que influenciou no impeachment de Dilma Rousseff (PT). Oficialmente, a companhia alegou que havia “uma rede coordenada" "com o propósito de gerar divisão e espalhar desinformação”. O conceito de "espalhar desinformação" ainda está sendo debatido e questionado e nada descarta que novos expurgos voltem a ocorrer afetando as mesmas ou outras forças dos espectro político.
Mesmo fora do Facebook o cenário também é de mudança. A campanha de Bolsonaro diz apostar nos grupos de WhatsApp movimentados - que são quase 900 segundo disse seu apoiador, deputado Major Olímpio, à revista Piauí - para difundir sua mensagem. A questão é que o próprio WhatsApp resolveu restringir o número de encaminhamentos simultâneos de mensagens. Antes, não havia restrição. Desde o dia 19 de julho, contudo, esse número no Brasil foi diminuído para 20 contatos ou grupos.
https://www.facebook.com/rodaviva/videos/2033964346647837/
Luiz Carlos Azedo: Medo do imprevisto
“Não há alternativa para as forças políticas mais responsáveis que não seja a defesa da democracia, ganhando ou perdendo as eleições”
“Se algum sabichão lhes disser o que vai acontecer, estará mentindo. Essa eleição é imprevisível!”, disse o velho Antônio Ribeiro Granja, antes de apagar as velas do bolo de aniversário de 105 anos, domingo. Rodeado de parentes, amigos e companheiros que lhe deram apoio na clandestinidade, voltou ao velho refúgio do Faraó de Baixo, localidade de Cachoeiras de Macacu (RJ) cercada de fontes de água mineral, no pé da Serra do Mar.
Integrante do Comitê Central do PCB, Granja escapou de um sequestro em Itaboraí, em 1975, por muito pouco. À época, 18 integrantes do PCB, dos quais 12 do Comitê Central, foram assassinados. Avisado pelo filho, o engenheiro mecânico José Roberto Portugal, então um menino, saiu pelos fundos do sítio quando a equipe de agentes do DOI-CODI estava chegando. “Um deles passou a 20 metros de mim, com a metralhadora nas mãos; eu estava escondido no meio do mato, só com a calça do pijama e descalço.”
Graças àquela região montanhosa e aos antigos hábitos de ex-trabalhador rural, “Seu Chico”, como era chamado na região, driblou seus perseguidores se passando por boia-fria na fazenda Funchal. Depois, foi morar num sítio em Casemiro de Abreu. Foi um dos poucos dirigentes a permanecer no país durante todo o regime militar. De sandália havaiana e chapéu de palha, com as mãos calejadas pelo cabo da enxada, circulava pelo interior do antigo Estado do Rio como um peixe na água. Foi assim que reorganizou o antigo Partidão no interior fluminense e garantiu a eleição dos deputados comunistas Marcelo Cerqueira (federal) e Alves de Brito (estadual), pelo antigo MDB, nas eleições de 1978.
Seu grande mérito foi se distanciar do interesse imediato, no caso, a própria sobrevivência, para compreender o processo político. Granja percebeu, mesmo após as prisões do professor e economista Aírton Albuquerque, chefe do Departamento de Economia da Universidade Federal Fluminense, e dos jornalistas Maurício Azedo e Luiz Paulo Santana Machado, logo após o carnaval de 1976, que a situação política estava mudando. Saiu da toca e foi à luta pela liberdade e pela democracia. Seu objetivo imediato era a anistia, a grande missão que confiou a Marcelo Cerqueira como parlamentar.
O Pacote de Abril, baixado pelo presidente Ernesto Geisel com o propósito de conter o avanço das oposições nas eleições municipais de 1976, na sua avaliação, fora uma demonstração de fraqueza. Os fatos confirmaram as previsões do velho dirigente do PCB, que aos 105 anos continua com uma memória invejável, capaz ainda de recitar suas poesias, contar causos da longa militância política e, com fina ironia e grande senso de humor, falar sobre a conjuntura sem dizer as besteiras que circulam com fartura pelas redes sociais.
Granja nunca teve medo do novo. Todas as vezes em que foi necessário, jogou dogmas e concepções ultrapassadas na lata do lixo da história. Fez autocrítica da Intentona de 1935, apoiou o relatório Kruschov, renegou as teses que defendiam a luta armada para lutar contra ditadura e chegar ao poder. Sabia que o PCB flertara com o golpismo em 1964, pois foi testemunha da conversa de Luiz Carlos Prestes com o presidente João Goulart, com Raul Riff, em fevereiro de 1964, quando o líder comunista sugeriu ao presidente deposto que apelasse às massas para fazer as reformas, que anunciou no Comício de 13 de março, sem respaldo do Congresso, em vez de recuar. Granja apoiou a mudança de sigla do PCB para PPS, do qual é o presidente de honra, e guardou no baú de recordações amorosas a velha bandeira vermelha com a foice e o martelo que empunhava desde 1934.
O futuro
O que fazer diante do imponderável anunciado por Granja? Em primeiro lugar, considerar as contingências nas quais ocorrem as eleições deste ano. Uma economia que, bem ou mal, voltou a crescer, mas tem baixo desempenho porque o governo gasta mais do que arrecada. O pior já passou, foi a recessão do governo Dilma Rousseff. Sua “nova matriz econômica” ameaçava transformar o país numa nova Venezuela. Nossas instituições políticas sobreviveram à crise tríplice (econômica, política e ética) que nos levou ao impeachment.
O governo de transição está enfraquecido pelas denúncias de corrupção, mas mantém respaldo no Congresso para levar o país às eleições. O presidente Michel Temer é fleumático e equilibrado, apesar da impopularidade e das denúncias da Operação Lava-Jato. Finalmente, as Forças Armadas se mantêm nos limites estabelecidos pela Constituição, mesmo com a tropa torcendo pela eleição de um ex-militar à Presidência.
O imprevisível faz parte da democracia. Duro seria se tivéssemos eleições de cartas marcadas ou se as mesmas fossem suspensas. Sim, a radicalização política protagonizada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em contraponto com a narrativa autoritária do deputado Jair Bolsonaro cria um quadro de instabilidade institucional, mas as regras do jogo eleitoral podem resolver essa questão. Quem quer que venha a ganhar, terá que lidar com o Congresso e o Judiciário, a imprensa e a opinião pública. E não há alternativa para as forças políticas mais responsáveis que não seja a defesa da democracia, ganhando ou perdendo as eleições.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-medo-do-imprevisto/
Soninha Francine: Lula, um homem inocente
Há quem acredite que Lula é um homem inocente de todas as acusações.
Como não há muito espaço para debate, não cheguei a discutir com nenhuma das pessoas que defendem esse ponto de vista se elas:
- Não acreditam que tenha havido crimes graves (roubo e abuso de poder, em suma) nos governos do PT (2003-2016) e nas eleições de Lula e Dilma;
- Acreditam que houve crimes sim, mas Lula não tem nada a ver com eles.
Só me interessa, agora, discutir esses dois pontos. (E não: se houve ou não abusos na Lava Jato; se ele deveria ou não estar preso; se ele poderia ou não ser candidato; se o triplex era para ele ou não era para ele; se o Aécio é culpado ou não; se Temer é culpado ou não; se foi golpe ou não foi golpe e outros relacionados).
Caso não acreditem que tenha havido crimes:
- Por que empreiteiros, banqueiros, parlamentares, governadores, ministros, doleiros, lobistas, diretores de estatais, tesoureiros e marqueteiros da campanha estão ou estiveram presos?
Todas as acusações foram inventadas?
Nenhuma prova existiu?
Não foi devolvido/recuperado dinheiro?
A Petrobrás não foi usada para troca de favores ilegais e desvio de recursos?
As empreiteiras não foram favorecidas em processos ilícitos (superfaturamento, concorrência fajuta, pagamentos por serviços não realizados etc)?
Candidatos do PT não receberam, por dentro e por fora, dinheiro de empresas beneficiadas em esquemas?
Caso concordem que houve crimes:
- Lula não tinha nada a ver com crimes vultosos cometidos na cúpula da Petrobrás?
- Lula não tinha nada a ver com as fraudes em obras do PAC, das Olimpíadas, da Copa do Mundo, do Pré-Sal, de Belo Monte, Jirau e Santo Antonio, do Minha Casa Minha Vida, dos Fundos de Pensão, da Bancoop etc? Do Cabral, do Geddel?
Se fosse possível discutir seriamente, educadamente, eu gostaria muito de ouvir respostas, compreender o pensamento, argumentar cada ponto. Acho que só daria certo por correspondência à moda antiga - carta pra lá, carta pra cá. Escrita à mão, com o limite que o braço impõe em velocidade e extensão.
Essas pessoas olham para mim e não acreditam que eu não vejo um gigantesco complô das elites, das forças do Capital, da direita reacionária.
Eu olho para elas e não me conformo que não vejam que as forças do Capital se refastelaram nesses 13 anos de governo do PT, com a decisiva participação do governo e do partido.
É louco, talvez uma obra de ficção - um diálogo entre entidades míticas, um julgamento do fim dos tempos, uma peça de teatro época - consiga absorver argumentos dos dois lados de um modo desafiador, que provoque no futuro a reflexão de quem não viveu e não quer partir de cara de um dos dois pressupostos (maior roubalheira da história x maior perseguição injusta de todos os tempos).
Eu adoro as cenas de julgamento bem escritas, de grandes obras literárias ou de seriados modernos - Law & Order, The Good Wife. Você ouve as conclusões da acusação e pensa "caceta, f*deu com a defesa". Aí vem a defesa e faz uma fala arrasadora, e você pensa "UAU, por isso um bom advogado vale tanto!!!!!!!!!!!!!" (ou, na minha mente de cineasta incubada, "pqp, que roteirista espetacular!!").
Às vezes estou do lado da acusação e, às vezes, da defesa, sem qualquer hesitação, e me coloco no lugar do júri e penso: "SERÁ que no lugar deles eu teria dúvida??". Há episódios em que o júri decide "errado" (nós, espectadores, temos as provas que eles não têm) e eu consigo entendê-los.
****
O que acho mais, muito mais difícil entender: como alguém pode achar que Lula e Dilma acabaram com a miséria, com a fome, transformaram o Brasil em outro tipo de país, muito mais justo, menos desigual, mais inclusivo. Meu Deus! É o Brasil "de sempre", sem esgoto tratado, sem estradas minimamente decentes (São Paulo é um éden), sem ferrovias, sem moradia digna para milhões e milhões de pessoas, sem refeições diárias balanceadas para milhões e milhões e milhões de pessoas, sem saúde básica, sem educação básica, sem segurança urbana, sem presídios decentes, sem meio ambiente equilibrado, sem mobilidade urbana justa, sem equidade de raça e gênero.
Como podem acreditar que o Brasil foi mesmo tudo aquilo que a propaganda disse que foi? O Brasil real tá aí, no mundo de verdade! Não é a tese de alguém, é onde vivemos, é só viver, olhar, ouvir, cheirar, tocar, conhecer!
Carlos Alberto di Franco: Jornalismo, alma da democracia
As redes sociais reverberam, multiplicam, agitam, mas o pontapé inicial é sempre das empresas de conteúdo independentes
Não existe um único assunto relevante que não tenha nascido numa pauta do jornalismo de qualidade. Os temas das nossas conversas são, frequentemente, determinados pelo noticiário e pela opinião dos jornais. A imprensa é, de fato, o oxigênio da sociedade. Sem ela as sociedades sucumbem às recorrentes aventuras populistas e autoritárias.
As redes sociais reverberam, multiplicam, agitam. Mas o pontapé inicial é sempre das empresas de conteúdo independentes. Sem elas a democracia não funciona.
O jornalismo não é antinada. Mas também não é neutro. É um espaço de contraponto. Seu compromisso não está vinculado aos ventos passageiros da política e dos partidarismos. Sua agenda é, ou deveria ser, determinada por valores perenes: liberdade, dignidade humana, respeito às minorias, promoção da livre-iniciativa, abertura ao contraditório. Por isso os jornais são fustigados pelos que, à esquerda e à direita, desenham projetos autoritários de poder.
O jornalismo sustenta a democracia não com engajamentos espúrios, mas com a força informativa da reportagem e com o farol de uma opinião firme, mas equilibrada e magnânima. A reportagem é, sem dúvida, o coração da mídia.
As redes sociais e o jornalismo cidadão têm contribuído de forma singular para o processo comunicativo e propiciado novas formas de participação, de construção da esfera pública, de mobilização do cidadão. Suscitam debates, geram polêmicas, algumas com forte radicalização, exercem pressão. Mas as notícias que realmente importam, aquelas que são capazes de alterar os rumos de um país, são fruto não de boatos ou meias-verdades disseminadas de forma irresponsável ou ingênua, mas resultam de um trabalho investigativo feito dentro de rígidos padrões de qualidade, algo que está na essência dos bons jornais.
A confiança da população na qualidade ética dos seus jornais tem sido um inestimável apoio para o desenvolvimento de um verdadeiro jornalismo de buldogues. O combate à corrupção e o enquadramento de históricos caciques da política nacional, alguns acertando suas contas na prisão e outros sofrendo o ostracismo do poder, só são possíveis graças à força do binômio que sustenta a democracia: imprensa livre e opinião pública informada.
Poucas coisas podem ter o mesmo impacto que o jornal tem sobre os funcionários públicos corruptos, sobre os políticos que se ligam ao crime, que abusam do seu poder, que traem os valores e os princípios democráticos. Políticos e governantes com desvios de conduta odeiam os jornais. Mas estes são, de longe, os grandes parceiros da sociedade, a alma da democracia.
Navega-se freneticamente no espaço virtual. Uma enxurrada de estímulos dispersa a inteligência. Fica-se refém da superficialidade e do vazio. Perdem-se contexto e sensibilidade crítica. A fragmentação dos conteúdos pode transmitir certa sensação de liberdade. Não dependemos, aparentemente, de ninguém. Somos os editores do nosso diário personalizado. Será?
Não creio, sinceramente. Penso que existe uma crescente demanda de jornalismo puro, de conteúdos editados com rigor, critério e qualidade técnica e ética. Há uma nostalgia de reportagem. É preciso recuperar, num contexto muito mais transparente e interativo, as competências e o fascínio do jornalismo de sempre.
Jornalismo sem brilho e sem alma é uma perigosa doença que pode contaminar redações. O leitor não sente o pulsar da vida. As reportagens não têm cheiro do asfalto. As empresas precisam repensar os seus modelos e investir poderosamente no coração. É preciso dar novo vigor à reportagem e ao conteúdo bem editado, sério, preciso, ético.
É preciso contar boas histórias. E apurar com verdadeiro empenho de isenção. A apuração de mentira representa uma das mais graves agressões à ética e à qualidade informativa. Matérias previamente decididas em guetos sectários buscam a cumplicidade da imparcialidade aparente. A decisão de ouvir o outro lado não é honesta, não se apoia na busca da verdade, mas num artifício que transmite um simulacro de isenção, uma ficção de imparcialidade. O assalto à verdade culmina com uma estratégia exemplar: repercussão seletiva. O pluralismo de fachada, hermético e dogmático, convoca pretensos especialistas para declarar o que o repórter quer ouvir. Mata-se a notícia. Cria-se a versão.
Frequentemente, também se sucumbe ao politicamente correto. Certas matérias, prisioneiras de chavões inconsistentes que há muito deveriam ter sido banidos das redações, mostram o flagrante descompasso entre essas interpretações e a força eloquente dos números e dos fatos. Resultado: a credibilidade, verdadeiro capital de um veículo, se esvai pelo ralo dos preconceitos.
A precipitação e a falta de rigor são outros vírus que ameaçam a qualidade. A incompetência foge dos bancos de dados. Na falta de pergunta inteligente, a ditadura das aspas ocupa o lugar da informação. O jornalismo de registro, burocrático e insosso, é o resultado acabado de uma perversa patologia: a falta de planejamento e a obsessão de editores com o fechamento. Quando editores não formam os seus repórteres, quando a qualidade é expulsa pela ditadura do deadline, quando as pautas não nascem da vida real, mas de pauteiros anestesiados pelo clima rarefeito das redações, é preciso ter a coragem de repensar todos os processos.
Estamos em ano eleitoral. Os leitores esperam algo mais do que aspas, fofoca, intriga política e marketing superficial. Querem bons perfis dos candidatos, análise aprofundada das suas propostas, desconstrução de miragens demagógicas e populistas.
A fortaleza do jornal não é dar notícia, é se adiantar e investir em análise, interpretação e se valer de sua credibilidade. Não é verdade que o público não goste de ler. Não lê o que não lhe interessa, o que não tem substância. Um bom texto, para um público que adquire a imprensa de qualidade, sempre vai ter interessados.
* Carlos Alberto di Franco é jornalista
Ricardo Noblat: Lula candidato é fraude
Por que ele não pode cumprir pena como outro preso qualquer?
Que sinuca de bico está o Supremo Tribunal. Se mandar Lula para casa agora, se dirá que o fez a tempo de ele poder ser candidato. Se mandar imediatamente depois da eleição, se dirá que o manteve preso só para impedi-lo de ser candidato. Não seria o caso então de deixá-lo simplesmente cumprir a pena como outros presos?
O ex-governador Sérgio Cabral, do Rio, foi condenado e está preso. Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara, também. Assim como está preso o ex-ministro Geddel Vieira Lima, sequer julgado, e o ex-ministro Antônio Palocci, empenhado em delatar para diminuir seu tempo de cadeia. Por que Lula, condenado três vezes, não pode?
Ele foi condenado pelo juiz Sérgio Moro. Apelou então para o tribunal de Porto Alegre. Ali, a sentença do Moro foi até aumentada, e por unanimidade. Lula então apelou de novo. E o mesmo tribunal confirmou a sentença ampliada. Todos os recursos de defesa para libertá-lo foram negados por tribunais superiores. Fazer o quê?
Quem acha que eleição sem Lula é uma fraude tem todo o direito de achar, mas, por coerência, não deveria participar das eleições para não coonestar com a fraude. Mas o PT participará, sim. Como participou de todas as fases do impeachment de Dilma mesmo dizendo que o impeachment era uma fraude. Ou melhor: um golpe.
O impeachment do ex-presidente Fernando Collor, liderado pelo PT, não foi considerado golpe por Lula e os que o apoiaram. Lula liderou a chamada “Marcha dos Cem Mil” a Brasília para exigir o impeachment do então presidente Fernando Henrique Cardoso. O ex-ministro Tarso Genro publicou na Folha artigo a respeito.
Vida que segue. E para que siga com algum grau de ordenamento, cumpra-se a lei que deve servir igualmente para todos, e obedeça-se à Justiça, uma vez que nada de melhor foi inventado. Seria desejável que não se tentasse enganar as pessoas com falsas promessas – mas aí é cobrar demais a muita gente.
No próximo dia 15, quando requerer o registro da candidatura de Lula, o PT não mandará o documento que deveria informar se ele já foi ou não condenado pela Justiça. É o que basta para o registro ser negado. Quer dizer: para tirar vantagem, o PT está empenhado em frustrar milhões de brasileiros com essa história de Lula candidato.
Fazer o quê?
Por que ele não pode cumprir pena como outro preso qualquer?
Que sinuca de bico está o Supremo Tribunal. Se mandar Lula para casa agora, se dirá que o fez a tempo de ele poder ser candidato. Se mandar imediatamente depois da eleição, se dirá que o manteve preso só para impedi-lo de ser candidato. Não seria o caso então de deixá-lo simplesmente cumprir a pena como outros presos?
O ex-governador Sérgio Cabral, do Rio, foi condenado e está preso. Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara, também. Assim como está preso o ex-ministro Geddel Vieira Lima, sequer julgado, e o ex-ministro Antônio Palocci, empenhado em delatar para diminuir seu tempo de cadeia. Por que Lula, condenado três vezes, não pode?
Ele foi condenado pelo juiz Sérgio Moro. Apelou então para o tribunal de Porto Alegre. Ali, a sentença do Moro foi até aumentada, e por unanimidade. Lula então apelou de novo. E o mesmo tribunal confirmou a sentença ampliada. Todos os recursos de defesa para libertá-lo foram negados por tribunais superiores. Fazer o quê?
Quem acha que eleição sem Lula é uma fraude tem todo o direito de achar, mas, por coerência, não deveria participar das eleições para não coonestar com a fraude. Mas o PT participará, sim. Como participou de todas as fases do impeachment de Dilma mesmo dizendo que o impeachment era uma fraude. Ou melhor: um golpe.
O impeachment do ex-presidente Fernando Collor, liderado pelo PT, não foi considerado golpe por Lula e os que o apoiaram. Lula liderou a chamada “Marcha dos Cem Mil” a Brasília para exigir o impeachment do então presidente Fernando Henrique Cardoso. O ex-ministro Tarso Genro publicou na Folha artigo a respeito.
Vida que segue. E para que siga com algum grau de ordenamento, cumpra-se a lei que deve servir igualmente para todos, e obedeça-se à Justiça, uma vez que nada de melhor foi inventado. Seria desejável que não se tentasse enganar as pessoas com falsas promessas – mas aí é cobrar demais a muita gente.
No próximo dia 15, quando requerer o registro da candidatura de Lula, o PT não mandará o documento que deveria informar se ele já foi ou não condenado pela Justiça. É o que basta para o registro ser negado. Quer dizer: para tirar vantagem, o PT está empenhado em frustrar milhões de brasileiros com essa história de Lula candidato.
Fazer o quê?
El País: Corrida de presidenciáveis pelos vices vira missão quase tão difícil quanto ganhar a eleição
Principais presidenciáveis vivem temporada de 'nãos' a convites para compor chapas. Articulações esbarram em acordos regionais e indefinição do PT
Por Afonso Benites, do El País
A busca por um(a) candidato(a) a vice-presidente nas eleições brasileiras segue desta maneira: Jair Bolsonaro (PSL) já ouviu três nãos seguidos – o do senador Magno Malta (PR), o do general Augusto Heleno (PRP) e o do general Hamilton Mourão (PRTB) – e está perto de ouvir um quarto, o da professora de direito Janaína Paschoal (PSL). Geraldo Alckmin (PSDB) levou um fora, o do empresário Josué Gomes (PR). Ciro Gomes (PDT) foi sondado, mas caiu em um truque do centrão e, agora, não está entre os mais procurados. Marina Silva (REDE) já falou em oferecer a vaga de vice ao PV. Álvaro Dias (PODE) e outros representantes de partidos pequenos buscam uma solução caseira com a formação de chapas puro-sangue.
Na eleição mais incerta desde 1989, os principais concorrentes ao Planalto se deparam com uma série de dificuldades para encontrar um(a) companheiro(a) de chapa. Para despistar quem os questiona sobre o assunto costumam seguir o mesmo rumo de Alckmin, dizendo que ainda falta muito tempo para essa decisão ser tomada – quando na verdade o prazo para o fim das convenções termina no dia 5 de agosto (daqui a uma semana) e o de inscrição de chapa em 15 de setembro. “Não temos pressa. Ainda temos até o dia 4 para nos decidirmos”, afirmou o tucano nesta quinta-feira, durante o anúncio do apoio do centrão à candidatura dele. Poucas horas depois, Josué Gomes enviou uma carta agradecendo o convite e se recusando a concorrer como vice do tucano.
Algumas das razões dessa indefinição apontadas por analistas políticos ouvidos pelo EL PAÍS: 1) a incerteza do que o PT fará sobre sua candidatura inviabiliza parte das coligações – já que Luiz Inácio Lula da Silva está preso e provavelmente será impedido de concorrer; 2) Bolsonaro, Marina e Ciro, que lideram as pesquisas sem Lula, pouco têm a oferecer para atrair aliados. Não têm tempo de propaganda de rádio e TV, possuem poucos recursos partidários, assim como pequenas bancadas na Câmara dos Deputados ou prefeitos eleitos que poderiam lhes servir de cabos eleitorais; 3) longa distância do topo nas pesquisas eleitorais, casos de Alckmin e Dias; 4) polarização de candidaturas em um país que costumava se deparar com uma antiga queda de braço entre PT e PSDB e; 5) acordos regionais que acabam interferindo no plano federal. De olho nos próprios rincões, caciques regionais agem contra o que poderia ser um consenso partidário.
“Tradicionalmente o vice cumpre a função de equilibrar a chapa, do ponto de vista ideológico, geográfico, financeiro e do tempo de TV. Ou ainda na questão de gênero, se o candidato a presidente é um homem, talvez haja a preferência por escolher uma mulher e vice-versa”, explicou o cientista político Ricardo Caldas, professor da Universidade de Brasília (UnB).
Caldas diz que o caso do PT, que insiste na improvável candidatura de Lula, causa ainda um mal-estar para as instituições e faz com que vários partidos de esquerda, como o PCdoB, o PSB e o PDT, fiquem em compasso de espera sobre uma definição sobre os rumos petistas. Em tese, o ex-presidente não poderia concorrer porque já possui uma condenação em segunda instância, pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Conforme a Lei da Ficha Limpa, condenados por tribunais não podem disputar uma eleição. Mas os defensores do petista acreditam que ele tem chance de, até meados de setembro, reverter a decisão e fazer com que Lula registre sua candidatura. Se isso não ocorrer, ele tentaria transferir votos para um possível sucessor, como o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad ou o ex-governador da Bahia Jacques Wagner. “O que o PT está fazendo é uma pressão nas instituições até o limite. Assim, você estressa o sistema político e cria um clima pesado para a eleição”.
Na avaliação do professor e cientista político Wladimir Gramacho, também da UnB, a questão local tem influenciado intensamente na definição das alianças nacionais e, consecutivamente, na definição dos vices. “Essa eleição federativa dificulta muito as decisões dos partidos. A principal dificuldade em formar chapa é combinar uma decisão que seja mais simples ou óbvia, com as implicações estaduais desse vínculo”.
Um exemplo sobre essa análise de Gramacho. O PSB decidiu em seu congresso que nesta eleição presidencial haveria três alternativas a seguir. Teria um candidato próprio, apoiaria um nome com ideais de esquerda semelhantes aos dos socialistas ou ficariam neutros.
A candidatura própria naufragou depois que o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa desistiu da disputa. O apoio a um nome viável de esquerda hoje restringe-se a Ciro Gomes. E a neutralidade é minoritária, mas conta com articulações antes impensadas. Uma delas foi a feita pelo governador de São Paulo e candidato à reeleição Márcio França. Na quarta-feira, ele lançou Leany Lemos candidata à presidência pelo PSB. Aliada do governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg (PSB), e pré-candidata ao Senado, Lemos nem foi consultada sobre essa possibilidade. Na semana retrasada, França já tinha tentado emplacar o nome da senadora baiana Lídice da Mata. Mais um balão de ensaio que não deu em nada. “São tentativas de desviar o foco e fazer com que os convencionais [que decidem o rumo do partido] decidam pela neutralidade e, dessa maneira, beneficie o próprio Márcio, que defende a candidatura do Alckmin”, disse uma liderança socialista.
O PSB ainda se depara com embates em dois Estados do Nordeste, Pernambuco e Paraíba, onde as legendas forçam um entendimento com o PT, algo já descartado na esfera nacional. Com problemas semelhantes estão Bolsonaro e Álvaro Dias. O primeiro quase fechou com o PR, mas desentendimentos no Rio de Janeiro afastaram essa união. O segundo estava perto de se juntar ao PRB, mas não conseguiu costurar acordos regionais em postos como no Paraná e em Mato Grosso do Sul.
Assim, a tendência é que as principais definições sobre os candidatos a vice fiquem mesmo para a reta final das convenções. Ainda que, como disse o professor Gramacho, o cargo de vice na República brasileira seja um bom emprego. “Em qualquer momento ele pode se tornar presidente”, lembrou o analista antes de citar três suplentes que assumiram a presidência após a morte ou o impeachment do presidente eleito. José Sarney (1985-1990), Itamar Franco (1992-1995) e Michel Temer (2016-2018).
OS POSSÍVEIS VICES
Já tem vice
PSOL - A chapa é formada pelo líder social Guilherme Boulos e pela liderança indígena Sônia Guajajara.
NOVO - O ex-banqueiro João Amoêdo tem como suplente o cientista político Christian Lohbauer.
PSTU - Vera Lúcia com o ativista Hertz Dias.
Os que negociam a vaga de vice
PT - Partido insiste na incerta candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva e nem iniciou a busca por um vice.
PSL - Jair Bolsonaro ouviu três nãos e agora busca uma chapa puro-sangue. Os alvos são o astronauta aposentado Marcos Pontes, o suplente de deputado federal Luciano Bivar ou o advogado e presidente interino do PSL, Gustavo Bebbiano.
REDE - Marina Silva negocia com o PROS e pode ter o deputado Maurício Rands como seu vice. Mas a tendência é que um nome da própria REDE a siga, como o presidente do Flamengo Eduardo Bandeira de Mello.
PDT - Ciro Gomes espera uma definição do PSB, que poderia indicar o ex-prefeito de Belo Horizonte Marcio Lacerda ou o ex-deputado gaúcho Beto Albuquerque. Outra alternativa, seria fechar com o PCdoB, que lançou a pré-candidatura de Manuela D'ávila.
PSDB - Geraldo Alckmin espera uma sugestão de seus aliados do centrão. Após o não de Josué Gomes, os nomes sugeridos até agora são do deputado Mendonça Filho (DEM), da senadora Ana Amélia (PP), do ex-deputado Aldo Rebelo (SD), da vice-governadora do Piauí, Margarete Coelho, e do empresário Flávio Rocha (PRB).
PODEMOS - Álvaro Dias esperava definições do PRB para negociar a vice. Pode ser obrigado a encontrar uma chapa caseira ou se aliar a um dos nanicos que sonda.
MDB - Isolado, Henrique Meirelles ainda não sugeriu nenhum vice. Mas também deve recorrer a algum correligionário.
PCdoB - Manuela D'ávila lançou seu nome, mas espera definições do PT, do PSB e do PDT. Pode desistir de concorrer para ser vice de Ciro ou de algum nome petista.
PRTB, PSC e PSDC - Lançaram, respectivamente Levy Fidelix, Paulo Rabello de Castro e José Maria Eymael. Tendência é que, se não desistirem da disputa, concorram com chapas puras.
Luiz Carlos Azedo: Da arte de ensacar demônios
“Eles estão soltos, e não será uma tarefa fácil lidar com isto: os fantasmas do velho positivismo autoritário rondam o Palácio do Planalto, à direita e à esquerda”
“Soltar o demônio da revolução é fácil. Difícil é recolhê-lo. É o que fazemos agora, cumprindo nosso dever cívico”, a frase do presidente Prudente de Moraes (1841-1902) ao amigo Bernardino de Campos, seu ministro da Fazenda, logo após tomar posse, sintetiza a situação em que encontrou o país em novembro de 1894. O governo autoritário de Floriano Peixoto por muito pouco não se transformou na ditadura positivista sonhada por Júlio de Castilhos e Benjamin Constant, que viria a se materializar mais tarde, com Getúlio Vargas (de 1930 a 1945) e o regime militar (1964-1985). Floriano não passou o cargo ao sucessor, gesto que mais tarde seria repetido pelo presidente João Batista Figueiredo, ao ser sucedido por José Sarney (MDB).
Natural de Piracicaba (SP), Prudente foi o primeiro político republicano de verdade a governar o país, em meio à grave crise econômica e a muitas turbulências políticas. Jorge Caldeira, em História da Riqueza no Brasil, cinco séculos de pessoas, costumes e governos (Estação Brasil), nos reposiciona em relação aos episódios da época, entre os quais o desastre que foi o “florianismo” e a influência nefasta do positivismo para a economia e a política, sobretudo em razão da tutela dos militares sobre o Estado e deste em relação à sociedade. Prudente governou o país sem recorrer ao estado de sítio nem censurar a imprensa; apostou na transparência de atos de governo, no bom senso da opinião pública, no federalismo e na tradição da nossa política local, que, desde os tempos coloniais, governava as cidades.
Não foi um governo fácil, porque dele teve que se afastar devido a uma cirurgia na bexiga, muito complexa àquela época. Seu substituto, o vice-presidente Manoel Vitorino, deixou-se influenciar pelos positivistas ao mandar o Exército intervir em Canudos, a pretexto de combater os monarquistas, o que se revelou uma grande tragédia. Coube ao florianista Moreira Cesar, carniceiro da revolução federalista em Santa Catarina, na qual mandou fuzilar 185 pessoas, no quilômetro 65 da ferrovia Curitiba-Paranaguá e nas fortalezas de Anhantomirim e Araçatuba, protagonizar o vexame principal. Euclides da Cunha, n’Os Sertões, descreve em detalhes o fim trágico do militar, que acabou esquartejado pelos jagunços no sertão da Bahia, depois de derrotado à frente de um exército de 1500 homens bem armados.
No dia da morte do coronel “Treme-terra”, 4 de março de 1897, Prudente reassumiu o poder, em meio a protestos populares e ataques de jornalistas de grande prestígio, como Nilo Peçanha, Alcindo Guanabara, Paula Nei e José do Patrocínio. Não teve alternativa a não ser despachar o novo ministro do Exército, general Carlos Machado Bittencourt, para liquidar com o arraial de Antônio Conselheiro, episódio que traumatizou a nação. Bittencourt morreu num atentado, no qual foi alvejado ao salvar a vida do presidente da República. Nem assim Prudente recorreu ao estado de sítio. Com seu prestígio, conseguiu derrotar o caudilho Júlio de Castilhos e eleger Campos Salles como sucessor. Ao deixar o poder, os demônios estavam todos ensacados.
Fantasmas
Aos trancos e barrancos desde o impeachment de Dilma Rousseff, o país chega às eleições presidenciais num quadro de grande imprevisibilidade. O futuro presidente da República terá uma tarefa muito parecida com a de Prudente de Moraes: enfrentar a crise fiscal e retomar o crescimento econômico, num ambiente em que a recessão aprofundou as iniquidades sociais do país. Sua principal tarefa política, porém, será ensacar os demônios novamente. Eles estão soltos e não será uma tarefa fácil lidar com isto: os fantasmas do velho positivismo autoritário rondam o Palácio do Planalto, à direita e à esquerda.
É do jogo democrático a narrativa autoritária nas disputas eleitorais, que precisam ser tratadas como tal. O que não é do jogo é a desestabilização das instituições políticas e a afronta à Constituição. É aí que a disjuntiva Lula-Bolsonaro entra em cena e protagoniza a radicalização política. Na velha dialética, representa a “unidade dos contrários”. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado a 12 anos e um mês de prisão por receber vantagens indevidas no exercício do cargo, por causa da Lei da Ficha Limpa (aprovada com os votos do PT, diga-se de passagem), está inelegível. Não se trata de jurisprudência do Supremo, como é o caso da execução de sua pena após condenação em segunda instância. A lei somente poderia ser revogada pelo Congresso.
Ocorre que o ex-presidente Lula não aceita as decisões judiciais, se diz vítima de perseguição da Operação Lava-Jato e lidera uma campanha política cujo objetivo não é apenas a sua liberdade, mas a manutenção da candidatura a presidente da República na marra, aproveitando-se do calendário eleitoral e dos ritos processuais. Seu objetivo é concorrer às eleições sub júdice, para emparedar o Judiciário e revogar sua prisão pelo “voto popular”. Quem ganha com isso? Em primeiro lugar, a recidiva do florianismo, representado pelo deputado Jair Bolsonaro (PSL), o ex-capitão do Exército que empolga setores conservadores da sociedade.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-da-arte-de-ensacar-demonios/