Eleições

El País: Quanto vale cada vice na eleição mais pulverizada desde 1989

Analisamos as vantagens e desvantagens da fórmula das cinco principais candidaturas. Candidatos tiveram dificuldade de ampliar o escopo e ficaram com chapa "da casa". Só Bolsonaro não tem mulher na composição

Por Afonso Benites, do El País

Na eleição presidencial mais pulverizada desde 1989, os candidatos, em sua maioria e com exceção de Geraldo Alckmin (PSDB), tiveram dificuldade em fazer amplas alianças. A situação acabou se refletindo na escolha dos vices: eles atraem poucos novos votos ou acabam transitando no mesmo campo ideológico que o cabeça de chapa. Abaixo, uma análise das composições dos principais concorrentes à Presidência da República neste ano feita por dois cientistas políticos entrevistados pelo EL PAÍS: Flávia Biroli e Paulo César Nascimento, ambos professores da Universidade de Brasília. "Digamos que se Bolsonaro tivesse conseguido mobilizar uma mulher conservadora, talvez passasse uma mensagem ao eleitorado feminino de que há alguma abertura”, diz Biroli a respeito da dificuldade do candidato de extrema-direita com o eleitorado feminino. “O vice nem sempre busca agregar em votos, mas em alianças. O povão não está nem aí para o vice", pondera Nascimento.

Lula – Haddad – Manuela

Com seu candidato preso e condenado por corrupção e lavagem de dinheiro em segunda instância, o PT lançou uma chapa tripla, com uma espécie de candidatos virtuais. A primeira formação é com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva encabeçando, tendo como suplente o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad. Como a candidatura de Lula provavelmente será vetada pela Justiça por ele ter infringido a Lei da Ficha Limpa, Haddad assumiria a candidatura e a deputada estadual gaúcha Manuela D’ávila (PCdoB) passaria a ser a vice. A chapa ficou composta pelo PT, PCdoB, PROS e PCO.

Flávia Biroli – “O espaço do possível nessas eleições explica muita coisa. O PT não conseguiu ampliar suas alianças. Embora, pouco conhecida nacionalmente, a Manuela é uma política com grande potencial. Agrega como mulher jovem e dialoga com a base ideológica que é a mais forte do PT. Por outro lado, ela abre menos uma perspectiva desse eleitorado que já vota em Lula”.

Paulo César Nascimento – “Lula não quer perder o grande poder que ele tem sobre o PT. Por isso, estica ao máximo a definição do seu candidato real. Com a Manuela sendo plano B para a vice, amplia-se o tempo de TV e segura um partido de esquerda que estava querendo alçar voo próprio. Já o Haddad tem penetração em certos setores muito maior que o Lula. Ele é um intelectual, menos truculento, sem rabo preso. É uma pessoa que melhora a imagem do PT”.

Bolsonaro – Mourão
Jair Bolsonaro (PSL) tentou ter outro vice. Primeiro ouviu um não do senador Magno Malta (PR). Depois, do PRP, do general Augusto Heleno. Foi rejeitado pelo também general Hamilton Mourão (PRTB) e pela advogada Janaína Paschoal (PSL). Sondou o herdeiro da família real Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL), mas não se definiu por ele. E voltou a instituir no general Mourão, um defensor da ditadura militar que já chegou a defender uma intervenção militar no Brasil durante os anos de crise do Governo Dilma Rousseff. Acabou consolidando uma chapa puro sangue militar. A coligação abrange o PSL e o PRTB.

Flávia Biroli – “A escolha do general aponta para uma confirmação da identidade principal do candidato até esse momento na relação com o eleitorado. Ele não trouxe para vice alguém que permitisse ampliar o escopo do eleitorado. Pelo contrário. Digamos que ele tivesse conseguido mobilizar uma mulher conservadora, talvez passasse uma mensagem ao eleitorado feminino de que há alguma abertura”.

Paulo César Nascimento – “O Bolsonaro é um caso de desespero. A escolha pelo general Mourão tem como objetivo aumentar sua penetração nas Forças Armadas. E só. O fato de ele ter sido só capitão, não garantiria os votos da área militar. Com um general ajuda a fortalecer nesse sentido, mas também o enfraquece por não ter uma ampliação do leque”.

Marina – Eduardo Jorge
Com seu discurso de renovação da política, poucos recursos e uma bancada minúscula, a REDE reduziu a possibilidade de firmar alianças. Na reta final das convenções, a ex-senadora Marina Silva (REDE) conseguiu confirmar um vice, seu antigo colega no parlamento Eduardo Jorge (PV). Ambos já foram filiados ao PT e defendem causas ambientais. Além disso, a fundadora da REDE já concorreu ao Planalto pelo PV, em 2010, o que facilitou a aproximação com a legenda. A aliança envolve apenas REDE e PV.

Flávia Biroli – “O Eduardo Jorge é um ambientalista que, em alguns aspectos, tem uma trajetória diferente da de Marina Silva. Ele teve um papel importante na Câmara quando havia possibilidade de se avançar na descriminalização do aborto no Brasil. Hoje o PV é um partido conservador. E Eduardo não é. Ao mesmo tempo, ele também traz a mesma marca com perspectiva ambiental. É uma soma que mais reforça um pensamento do que amplia”.

Paulo César Nascimento – “Foi uma escolha razoável dado a falta de opção. Se ela ampliasse para alguém do Centrão, por exemplo, ela se desmoralizaria completamente. Ela tem essa coisa messiânica, pureza de ética, que teria essa dificuldade grande em ampliar. O PV consegue ampliar seu tempo de TV e reforça a ideia do ambientalismo”.

Ciro – Kátia Abreu
O ex-governador do Ceará e ex-ministro Ciro Gomes (PDT) paquerou um grupo de cinco partidos do centrão e dois da esquerda, PSB e PCdoB. Viu ao menos três balões de ensaio serem lançados como seus possíveis vices: Manuela D’ávila (PCdoB), Márcio Lacerda (PSB) e Benjamin Steinbruch (PP). Acabou caindo em uma armadilha feita pelo centrão, que decidiu apoiar Geraldo Alckmin (PSDB). E em outra arapuca armada pelo PT, mas que envolvia o PCdoB e o PSB. O primeiro se coligou com os petistas. O outro, fez um acordo de não agressão com Lula e decidiu não apoiar ninguém. Ciro ficou isolado e recorreu a uma solução caseira. Sua vice é a senadora tocantinense Kátia Abreu (PDT), que já recebeu o "prêmio de motosserra de ouro" da ONG Greenpeace por agir contra a ampliação de unidades de conservação ambiental e de terras indígenas pelo país. Ela é membro da bancada ruralista e já foi ministra da Agricultura de Dilma Rousseff (PT). A coligação tem PDT e AVANTE (antigo PTdoB).

Flávia Biroli – “A centro esquerda que vê o Ciro como alguém capaz de trazer um projeto de caráter social fica em dúvida sobre o significado de se ter Katia Abreu como vice por causa de sua relação com o ruralismo. Ela é uma política complexa. Tenho dúvidas de que ela seja um aceno para direita que não votaria em Ciro e acho que não é uma figura simpática para a centro esquerda”.

Paulo César Nascimento – “A Kátia Abreu não tem a retórica tão radical como a de Ciro. É ligada ao ruralismo e, ao mesmo tempo, se aproximou muito do PT. Talvez o favoreça para penetrar nesse eleitorado do agronegócio assim como para pescar nas águas do petismo”.

Alckmin – Ana Amélia
Ao patinar nas pesquisas eleitorais e enfrentar resistências internas – alguns de seus correligionários queriam trocar sua candidatura pela de João Doria – o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB) conseguiu se firmar como o concorrente com a maior coligação nacional possível. São nove partidos juntos. Sua dificuldade nas últimas semanas foi a de escolher o seu vice. Ouviu um não do empresário Josué Alencar (PR) e tentou encontrar algum nome de peso na região Nordeste. Não conseguiu e optou pela senadora gaúcha Ana Amélia Lemos (PP). Ter uma postura conservadora, ser mulher e ligada ao agronegócio pesou na escolha. A coligação ficou assim: PSDB, PP, PR, PRB, DEM, SD, PPS, PSD e PTB.

Flávia Biroli – “O Alckmin apontou para o Rio Grande do Sul que é um Estado que tem se mostrado bastante conservador em suas intenções de voto recentemente. A disputa dele é sobretudo com Bolsonaro. Por isso escolheu uma mulher conservadora para tentar virar os votos do Bolsonaro. Podem dizer que ele não está preocupado com Norte e Nordeste, mas vários políticos de sua coligação são de lá. E isso pode ajudá-lo, desde que se empenhem na campanha”.

Paulo César Nascimento – “O vice nem sempre busca agregar em votos, mas em alianças. O povão não está nem aí para o vice. O candidato também se importa mais em ganhar tempo de TV e recursos. É esse o movimento feito pelo PSDB, pela escolha da Ana Amélia. Acredito que poderia deter o avanço do Álvaro Dias (PODEMOS) na região Sul e agregar também do lado do agronegócio e por ser mulher”.

DISPUTA REGISTRA O MAIOR NÚMERO DE CANDIDATOS DESDE 1989
Ao todo, há 13 candidaturas ao Palácio do Planalto. É o maior número de concorrentes desde 1989, quando houve 22 candidatos à Presidência da República. Além dessas cinco principais, ainda disputam o pleito as seguintes coligações:

- Álvaro Dias (PODEMOS) e Paulo Rabello de Castro (PSC);

- Guilherme Boulos (PSOL) e Sonia Guajajara (PSOL);

- Henrique Meirelles (MDB) e Germano Rigotto (MDB);

- João Amoêdo (NOVO) e Christian Lohbauer (NOVO);

- Cabo Daciolo (PATRIOTA) e Sulene Nascimento (PATRIOTA);

- José Maria Eymael (DC) e Helvio Costa (DC);

- João Vicente Goulart (PPL) e Léo Alves (PPL);

- Vera Lúcia (PSTU) e Hertz Dias (PSTU).


Míriam Leitão: O que é preciso saber sobre dívida pública

Até as eleições de 2002, o PT jogava a culpa dos problemas brasileiros na dívida pública. Essa bandeira, agora, foi levantada pelo candidato à Presidência pelo PDT, Ciro Gomes. A dívida é de fato alta e virou um problema, mas o caminho de reduzi-la é a penosa trilha do ajuste fiscal. Qualquer outra forma tem o potencial de criar muita perturbação na economia. E há soluções realmente perigosas.

A esquerda parecia ter entendido isso na Carta aos Brasileiros. O ponto óbvio é que o Tesouro não deve aos bancos, mas aos investidores de todo o país. Os fundos de pensão detêm 25% da dívida. Qualquer proposta voluntarista pode afetar essa poupança brasileira que está nas mãos das empresas, famílias, investidores institucionais e bancos. Afeta os aplicadores e o pagamento dos aposentados desses fundos de pensão.

Ciro Gomes já defendeu duas propostas. Estabelecer um teto para o pagamento da dívida. Além de um determinado valor não se aceitaria o custo financeiro. A segunda seria usar parte das reservas para comprar parte da dívida e reduzi-la.

A primeira solução provocaria uma crise de confiança. O investidor poderia temer pela segurança do seu ativo, da sua aplicação. Assim, procuraria outros ativos. O custo financeiro é de fato alto, mas o caminho para reduzi-lo é inverso a esse. O endividamento público está em R$ 5,2 trilhões, 77,2% do PIB. Desse total, R$ 1,1 trilhão são as operações compromissadas que o Banco Central usa para reduzir ou aumentar a liquidez do mercado, o dinheiro em circulação, e R$ 3,6 trilhões são a dívida mobiliária, ou seja, em títulos.

A dívida estava em 52% em 2014 e o que a fez subir para 77% foi o déficit primário no qual o país caiu no governo Dilma. O vermelho permanece. Quando o Tesouro fecha no negativo, precisa se endividar para fechar o ano. Isso eleva o endividamento. Durante muito tempo, ele caiu e ficou estabilizado exatamente porque o país teve superávit primário durante 16 anos.

As operações compromissadas vencem em prazo mais curto e por isso têm sido apontadas como o pior do problema. Mas não são em quatro dias, como tem sido dito. Vencem em até três meses, mas é curto prazo. Em 2006, eram 3% do PIB, e agora, 17%. O que fez aumentar foi exatamente a compra de reservas cambiais. No governo Lula, tomou-se a boa decisão de acumular reservas, mas quando o governo compra os dólares ele coloca reais no mercado e precisa depois vender papéis para diminuir os reais na economia, que poderiam alimentar a inflação. É isso que eles chamam de regular a liquidez.

E se o Tesouro decidir fazer a operação inversa, vendendo os dólares para resgatar a dívida? Vai trocar seis por meia duzia e ainda provocar um efeito colateral complicado. Se o governo vender os dólares em grande quantidade, o câmbio despenca. Ótimo para quem está endividado em dólar, ou tem uma viagem ao exterior, mas pode quebrar os exportadores se for um movimento brusco e superestimular a importação. Além disso, ao fazer a segunda etapa, que seria usar o dinheiro da venda das reservas para resgatar dívida antecipadamente, vai colocar mais reais na economia e precisará lançar títulos para enxugar.

O Brasil pagou nos 12 meses até junho, data do último relatório, R$ 397 bilhões de serviço da dívida, rolagem do principal e juros. É muito, mas já foi muito mais. O auge do custo do endividamento nos últimos seis anos foram os 12 meses terminados em janeiro de 2016, no governo Dilma, quando os juros estavam em 14,25% e a incerteza política cresceu com o processo de impeachment. Era 9% do PIB e agora é 6% do PIB, porque a Selic caiu. E só caiu porque antes foi derrubada a inflação.

Os caminhos da economia não podem ser tomados na direção inversa. É preciso primeiro zerar o déficit, porque o governo que tentar diminuir o endividamento ou seu custo na marra colherá inflação e pode provocar uma corrida para tirar as aplicações em título público. O voluntarismo, a demagogia eleitoral não cabem quando o assunto é a dívida, porque ela é a soma das economias de todos os brasileiros. Por mais antipatia que se possa ter dos bancos — e quem não tem? — eles não são os donos da dívida, são os intermediadores. O Brasil aprendeu dolorosamente isso no governo Collor. Não é possível tratar com leviandade esse problema 28 anos depois daquele trauma.


Luiz Carlos Azedo: Começa o jogo

Qualquer previsão do que pode acontecer antes de a campanha eleitoral começar nos meios de comunicação de massa é chute. Nas redes sociais, Bolsonaro e Marina estão em vantagem

Num quadro muito fragmentado, com35 partidos e 13 candidatos, a disputa pela Presidência da República, no primeiro turno, se dará no máximo entre meia dúzia de pretendentes. Na largada, os favoritos são Jair Bolsonaro (PSL) e Marina Silva (Rede), que têm demonstrado grande resiliência, mas esse quadro pode se alterar profundamente quando a campanha de rádio e tevê começar, devido ao grande tempo de televisão de Geraldo Alckmin (PSDB) e Fernando Haddad (PT), já escalado para substituir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de quem é vice na chapa aprovada em convenção.

As candidaturas de Ciro Gomes (PDT) e Álvaro Dias (Podemos) despontam no Nordeste e no Sul do país, respectivamente, com certa resiliência. Henrique Meirelles (PMDB), que dispõe de muitos recursos e tempo de televisão, é uma incógnita, por causa da traição anunciada dos caciques de seu partido, tanto quanto o candidato do PSol, Guilherme Boulos, um “Durango Kid” na campanha. Ambos têm menos de 1%. Qualquer previsão do que pode acontecer antes de a campanha eleitoral começar nos meios de comunicação de massa é chute. Nas redes sociais, por enquanto, Bolsonaro e Marina estão em vantagem estratégica devido aos militantes que mobilizam.

Uma das variáveis a ser conferida é o peso de Lula na campanha de Haddad. Sua indicação imediata como vice não estava nos planos do ex-presidente, cujo nome foi homologado na convenção petista. Mas os advogados da legenda advertiram que, sem o vice, o PT poderia simplesmente ficar fora eleição, pois o ex-presidente está inelegível e sua candidatura será impugnada. Ex-ministro da Educação e ex-prefeito de São Paulo que perdeu a reeleição, Haddad é o coordenador do programa de governo e o “poste” ungido por Lula para substituí-lo no pleito.

O PT quer transformar duas derrotas políticas históricas, o impeachment de Dilma Rousseff e a prisão de Lula, numa vitória eleitoral inolvidável: a volta ao poder. Não é uma proeza fácil, uma vez que as narrativas do golpe e de vitimização do líder petista nunca empolgaram a maioria da população e colidem com as instituições democráticas do país. Entretanto, serviram para manter a militância coesa, segurar uma parcela expressiva da base eleitoral e mobilizar a solidariedade internacional.

Isso talvez leve Haddad ao segundo turno. Mas ainda é apenas um “talvez”. Para que ocorra, é preciso que o espólio eleitoral de Lula não se disperse entre outros candidatos, principalmente Marina, Ciro e o próprio Boulos, que sempre foi muito ligado a Lula em São Paulo. Manuela D’Ávila (PCdoB), como nos antigos casamentos arranjados, já estava prometida a Haddad. Renunciou à candidatura para ser vice na chapa petista após a impugnação de Lula.

Frente

Outra incógnita é a pegada eleitoral do tucano Alckmin. Montou-se em torno dele uma ampla frente de hegemonia liberal conservadora, com quase metade do tempo de televisão da campanha e muitos recursos financeiros. O candidato do PSDB tem capacidade de vencer as eleições no Brasil meridional, como em outras eleições, mas pouca aderência no Nordeste. Toda a estratégia tucana foi montada para enfrentar Haddad no segundo turno, ou seja, deslocar da disputa os líderes Bolsonaro e Marina.

Caso a campanha eleitoral seja predominantemente analógica, esse cenário faz sentido. Mas vivemos um ambiente político no qual a sociedade se descolou das estruturas partidárias e a imagem dos políticos tradicionais está muito desgastada. Como Haddad, Alckmin é um sobrevivente. O PSDB está quase tão contaminado quanto o PT pelas denúncias de corrupção da Operação Lava-Jato. Na verdade, uma onda de insatisfação com os políticos, os partidos e a própria política varre o processo eleitoral.

A reforma eleitoral foi feita para salvar os grandes partidos e seus quadros principais de uma catástrofe, como se fosse um grande quebra-mar. Mas a grande onda de insatisfação popular pode saltar o enrocamento e chegar à praia com violência. Essa é mais ou menos a imagem da eleição. Se isso acontecer, Alckmin terá de furar a onda para não levar um caixote. A mesma coisa vale para Haddad.

Ao contrário, porém, Bolsonaro e Marina se posicionaram para surfar a onda. Pode ser que caiam da prancha, mas isso somente saberemos quando o cenário atual se modificar. Ciro Gomes e Álvaro Dias também surfam a onda. Políticos experientes, estão acostumados a bater sem piedade nos adversários, embora com sotaque diferente. Ciro mira os eleitores de Haddad; Dias, o de Alckmin. São dois cações mordendo os calcanhares do petista e do tucano.

Resta Meirelles. O candidato do PMDB acredita que pode enfrentar a onda montado num jet ski. O ex-ministro da Fazenda não pode ser atacado pelos petistas, porque foi da equipe de Lula; seu legado no governo Temer, porém, é contraditório. Seu ponto forte: venceu a recessão e a inflação; o fraco: não reduziu o deficit fiscal nem o desemprego em massa. Sua campanha será um termômetro do peso da campanha de rádio e tevê nas eleições.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-comeca-o-jogo/


Blog do PPS-SP: Para ajudar a entender Lula e Bolsonaro

 

Dizíamos aqui, outro dia:

“(…) Não compreendem que até os inabaláveis 30% de Lula nas pesquisas de intenção de voto estão impregnados pelo desejo da mudança e pela rejeição à política tradicional. Como assim? Na lógica cartesiana é inaceitável que Lula – candidato em cinco eleições, presidente duas vezes e avalista de Dilma em outras duas – tenha ainda eleitores que considerem votar nele como forma de protesto contra a política tradicional. E depois de tudo que foi revelado ainda votam no PT? Impossível! Absurdo! Mas quem foi que disse que essa é uma ciência exata e que o eleitor age dominado pela razão?Quem anuncia a intenção de voto em Lula – ou pede #LulaLivre nas redes sociais ou em algum desses manifestos de artistas, intelectuais e influenciadores digitais – não é um simples alienado que considera o petista o último dos inocentes ou o PT uma reserva de moralidade. Ao contrário. Excluído o petista de carteirinha, sobra em grande parte um eleitor saturado da política partidária tradicional, que um dia acreditou no discurso de Lula, viu vantagens em seus governos e agora, pesando na balança eleitoral o que está aí, considera tudo uma maçaroca de imundície e podridão. Solução simplista: se todos são iguais na sujeira e na corrupção, eu escolho aquele que ao menos fez algo de bom por mim quando esteve no poder. É quase uma reedição do ´rouba mas faz´.

Pensamento semelhante tem o eleitor de Jair Bolsonaro, ainda que no sentido inverso. Quanto mais os políticos e a mídia tradicional o apontarem como um boçal com ideias esdrúxulas, maior apoio e repercussão terá entre o exército anônimo de indignados e revoltados anencéfalos contra o atual sistema político. O folclórico Bolsonaro segue a linhagem dos EnéasTiriricas Cacarecos da história brasileira. Periga ser o herdeiro legítimo de quem elegeu Fernando Collor em 1989. Aí estaremos fritos de verdade.

É evidente (para quem se propõe a enxergar fora da caixinha), assim, que a polarização que traz Lula e Bolsonaro na liderança das pesquisas pré-eleitorais também carrega em si o desejo da mudança. Não se trata, em sua grande maioria, do voto racional, partidário ou ideológico, mas do simbolismo dessas duas candidaturas. Com Lula fora por conta da prisão e da ficha suja, restará conferir a sua capacidade de transferência de votos. Quem será o maior beneficiário do espólio lulista? O PT vai lançar Fernando Haddad? Ou será que Ciro Gomes personifica melhor esse eleitor órfão de Lula? E Marina Silva, somará quanto desses indignados ao legado de 20 milhões de eleitores cativos das duas últimas eleições? (…)”

Agora, com a confirmação das candidaturas, Bolsonaro com seu vice que é general da reserva, e Lula telegrafando o Plano B para a sua insistente não-candidatura, à espera da impugnação, com Haddad presidente e Manuela vice, as coisas começam a clarear.

Dois excelentes artigos nos ajudam a compreender a situação de Lula e de Bolsonaro. Um, do jornalista Clóvis Rossi (“PT entroniza dom Sebastião Lula da Silva“).Outro, do cientista político Marco Aurélio Nogueira (“Falando a sério sobre Bolsonaro“). Valem a leitura.


Denis Lerrer Rosenfield: Percepções do novo

Qual é, então, o sentido das mudanças exigidas pela sociedade?

O novo é percebido de diversas maneiras. Não há um sentido unívoco que seja compreendido pela opinião pública e pelos diferentes atores políticos. Cada um veicula a sua própria noção ao sabor das conveniências e das circunstâncias.

Nos últimos anos e, sobretudo, nos últimos meses fomos tomados pela ideia de que a sociedade brasileira estaria em busca do “novo” na política, sem que haja uma maior precisão a respeito. O que disso mais se aproxima é o desejo generalizado pela moralidade pública. É como se a vida do País se reduzisse à luta contra a corrupção, relegando a segundo plano as questões relativas às reformas de que o Brasil tanto precisa.

Até recentemente, o “novo” foi também identificado à entrada de outsiders na política, como se estivéssemos diante de uma novidade que poderia alterar o rumo das coisas. Alguns saíram, inclusive, com uma boa popularidade inicial em pesquisas de opinião, porém logo abandonaram a seara pública. A política tem agruras, violências e obstáculos que fazem com que mesmo os mais bem-intencionados não resistam ao seu teste inicial.

A questão reside em que medida o anseio social pelo novo se traduz por intenções de voto. Uma coisa é o desejo generalizado por mudanças, outra muito distinta é a sua concretização em escolhas propriamente eleitorais.

Haveria um descompasso entre a demanda de renovação política, assumida teoricamente pela sociedade, e as escolhas que se apresentam do ponto de vista político-partidário. A Lava Jato tornou-se um símbolo por encarnar a luta contra a corrupção, mas as intenções de voto, em boa parte, estão dirigidas à perpetuação de personagens políticos e partidos que são símbolos desta mesma corrupção.

A política é percebida por um setor importante da opinião pública como um lugar de tráfico de influências e de negociatas dos mais diferentes tipos, relegando o bem comum a uma posição subalterna. Identifica-se a velha política à atual classe dirigente, responsável por desvios e apropriação privada de recursos públicos. Portanto, a nova política deveria ser uma espécie de redenção da velha, salientando-se os aspectos de moralidade pública como sendo os mais relevantes.

Ocorre, contudo, que os problemas nacionais não se reduzem a uma visão que se esgotaria no combate pela moralidade pública, mas colocam na ordem do dia a urgência de reformas, cuja ausência pode conduzir o País a uma situação de insolvência. Entretanto, a necessidade de reformas não é percebida por um setor importante da sociedade como sendo algo indispensável. Ela mais bem representaria uma forma da “velha política”, e não da “nova”.

Vejamos sucintamente como se articulam estas relações entre a percepção do “novo” e do “velho” nas intenções de voto para a Presidência da República em algumas das candidaturas com maiores chances eleitorais.

O deputado Jair Bolsonaro está sendo o desaguadouro de boa parte da insatisfação da sociedade, por encarnar o “novo” na luta contra a corrupção e contra a atual classe política. Não importa, para esse efeito, que ele não seja um outsider, mas alguém com uma longa trajetória parlamentar. Ele conseguiu consolidar a imagem de que não guarda nenhuma relação com a atual classe política, recusando-se a qualquer aliança política que possa denegrir essa percepção. Seja dito a seu favor que o seu passado parlamentar é limpo do ponto de vista de atos de corrupção. Encarna, nesse sentido, na perspectiva da moralidade pública, o “novo” e o descompromisso com a atual classe política. Ademais, no contexto de descalabro nacional da segurança pública, sua luta contra a criminalidade aparece também como algo “novo”, tendo em vista a desatenção a este problema por todos os governos desde a redemocratização. Do ponto de vista econômico, não tem apresentado o seu programa de governo, embora venha sinalizando pela escolha de seu ministro da Fazenda, caso eleito, para posições de tipo liberal. Estaria, hoje, mais para o governo Castelo Branco do que para o governo Geisel.

O poste de Lula, seja quem for o(a) ungido(a), tem boas chances de estar presente no segundo turno, dada a forma empregada pelo PT para instrumentalizar as orientações do ex-presidente. Ocorre, aqui, um fenômeno particularmente interessante, pois são Lula, Dilma e o PT os principais responsáveis do descalabro fiscal, dos graves problemas econômicos e sociais do País, além de serem os principais atores dos crimes de corrupção. Isto é, a escolha pelo preposto de Lula seria uma opção pela “velha política”, apesar de ser apresentada como ideologicamente palatável graças a uma suposta luta por “direitos sociais”. Do ponto de vista econômico, o PT posicionou-se contra qualquer agenda reformista, contentando-se com a repetição dos velhos chavões de outrora.

O candidato tucano está, por sua vez, atravessado por contradições importantes. Para ganhar tempo de televisão, optou por uma composição partidária que em tudo reproduz à do atual governo, cuja impopularidade em boa parte reside nestas mesmas alianças. Geraldo Alckmin teria, então, feito uma escolha pela “velha política”, distanciando-se de um eleitorado que clama pela “nova política”. Aliás, foi este mesmo o discurso utilizado pelos tucanos para se distanciarem do atual governo. Perdeu, nesse sentido, o discurso da “nova política”, além de ter em seu partido vários ex-dirigentes envolvidos em investigações e condenações. Do ponto de vista econômico, sua agenda apresenta-se como reformista. Ocorre, porém, que os tucanos nos últimos meses se posicionaram frequentemente contra a agenda reformista do atual governo, vindo, inclusive, em vários momentos a torpedeá-la. E o fizeram dizendo que não aceitavam os métodos utilizados, isto é, os mesmos que estão sendo escolhidos atualmente nas novas alianças partidárias.

Qual é, então, o sentido das mudanças exigidas pela sociedade? Vão para “algo novo” ou visam ao restabelecimento do “velho”?

*Denis Lerrer Rosenfield é professor de filosofia na UFRGS.


Folha de S. Paulo: País precisa saber quem matou Vlado, diz viúva do jornalista

Clarice Herzog defende punição para crimes da ditadura e se diz assustada com ascensão de Bolsonaro

Por Marco Rodrigo Almeida, da Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - A vida de Clarice Herzog, 77, tomou um rumo trágico no dia 25 de outubro de 1975. Na manhã daquela data seu marido, o jornalista Vladimir Herzog, foi prestar depoimento no Doi-Codi de São Paulo, órgão da repressão do governo militar. Vlado, como era chamado por familiares e amigos, saiu morto de lá.

Nota oficial divulgada pelos militares dizia que ele havia cometido suicídio, enforcando-se com um cinto de macacão de presidiário. A foto criada para simular essa versão tornou-se um símbolo da repressão do período.

Testemunhos de outros presos no Doi-Codi, porém, apontavam que o jornalista, militante do Partido Comunista Brasileiro, fora torturado e morto por agentes militares.

Nas últimas quatro décadas, Clarice vem travando uma luta para que o Estado reconheça, investigue e puna os responsáveis pelo assassinato do marido. Em 1978 a Justiça condenou a União e determinou a apuração dos fatos, mas nada foi feito.

Tentativas posteriores de investigação foram arquivadas com base na prescrição do crime e na lei da Anistia.

No mês passado, dois fatos trouxeram o assassinato novamente à tona. No dia 4, divulgou-se que a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil por não esclarecer o crime e ordenou a retomada das investigações. No dia 30, o Ministério Público Federal em São Paulo anunciou que vai reabrir o caso.

“Esperamos que finalmente possamos saber o que ocorreu e quais são os responsáveis pela morte de Vlado”, diz Clarice.

Em entrevista à Folha, ela defende que os horrores da ditadura não devem ser esquecidos e se diz assustada com a ascensão do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) e com grupos que pedem intervenção militar no país.

A decisão da Corte Interamericana e o anúncio de que o MPF vai reabrir o caso renovaram suas esperanças? 
Sim, nos dá um pouco mais de esperança, mas precisamos esperar para ver qual será o encaminhamento, né. Eu abri um processo lá atrás [1976]. Um juiz determinou que fosse descoberto o que ocorreu, mas nunca responderam isso, nunca. Mesmo com a determinação da Justiça, ignoraram sempre.

Mas agora há também a pressão de um tribunal internacional. 
A condenação foi muito importante, pois a corte exigiu que o Estado diga o que ocorreu. Não só a família, mas toda a sociedade tem o direito de saber a verdade. É preciso que grupos façam pressão. Do governo não sairá nada.

Que desfecho a família Herzog deseja para o caso? 
Precisamos saber quem matou o Vlado. O país precisa disso. Queremos que os assassinos sejam julgados, e que o Estado peça perdão pelo que houve.
Os militares se achavam tão donos da verdade que nem se deram ao trabalho de disfarçar bem as barbaridades que faziam. Como podiam dizer que foi suicídio? Na foto o Vlado aparece com os pés no chão. Com os pés no chão! Não havia altura para que seu corpo pendesse. Como poderia se enforcar assim?

Em nenhum momento acreditou na tese de suicídio? Nunca, imagina. Ele sai espontaneamente para depor e se mata?
Foi o seguinte, naquela semana vários jornalistas foram presos. Muitos trabalhavam com o Vlado. Então eu disse para ele: “Você também vai ser procurado, vamos passar o fim de semana fora”.
Então na sexta de noite, um dia antes da morte dele, três grandões bateram lá em casa. Disseram que queriam chamar o Vlado para fazer umas fotos de casamento.

A senhora desconfiou na hora? 
Sim, na hora. Eu disse a eles que meu marido não fazia esse tipo de atividade, que ele estava trabalhando naquela hora. Perguntaram onde, disse que na TV Cultura. Eles não sabiam o endereço, eu disse que também não. Aí eles foram embora. Eu peguei meus dois filhos, eram crianças na época, e fui correndo para a TV. Queria pegar o Vlado e ir para nosso sítio. Mas quando cheguei os homens já estavam lá.

Houve uma discussão, queriam levar o Vlado naquela noite mesmo. O pessoal da TV começou a negociar. Ficou então combinado que ele se apresentaria no dia seguinte. Então no sábado [25 de outubro de 1975] ele foi e saiu morto de lá.

A senhora imaginou que ele pudesse sofrer alguma agressão? 
Não, nunca imaginei. Pensei que ele voltaria para casa algumas horas depois. Mas ao longo do dia fui ficando preocupada. Então na noite daquele sábado três homens da TV chegaram lá em casa e contaram o que houve. Eu saí berrando, “mataram o Vlado, mataram o Vlado”.

O que acha que ocorreu no Doi-Codi? 
Tenho a impressão de que o Vlado reagiu. Tinha um papel picado no chão, com a letra dele, com nomes de outras pessoas de esquerda. Alguns colegas que estavam presos lá ouviram Vlado berrar. Imagino que foi torturado, recebeu choque elétrico. Quando houve uma pausa, ele deve ter rasgado o papel e xingado os torturadores. Aí caíram em cima. Ele ficou todo arrebentado.

Desde então sua luta tem sido provar que ele foi assassinado. 
Sim, ele nunca se mataria. Naquele dia eu queria ter ido com ele, mas não deixaram. Depois fiquei pensando que deveria ter insistido. Talvez ele estivesse vivo hoje se eu tivesse ido.
Um dia comentava isso com uma amiga, e ela me disse algo que não tinha passado por minha cabeça. “Se você também estivesse lá, talvez vocês dois estaivessem mortos hoje. Como ficariam seus filhos?”

E como contou a eles? 
Eu não podia dizer que a polícia matou o pai deles. A polícia mata bandidos. Então na manhã do dia seguinte, um domingo, quando acordaram, sentei na cama do Ivo, o mais velho. Tinha nove anos na época. Disse a ele: “Tenho uma notícia triste. Papai, quando estava saindo da TV Cultura, foi atropelado e morreu”. Mas no outro dia ele já percebeu tudo o que tinha ocorrido, o caso estava nos jornais, na TV.  Ele participaram de tudo, os levei em todas as homenagens, no culto da Sé. Acho que é melhor viver essas coisas.

O culto ecumênico na Sé tornou-se reuniu mais de 8.000 pessoas, tornou-se um fato marcante na luta contra a ditadura. Ficou na história, né?
Muitos se afastaram de nós, mas muita gente nos apoiou também. O Vlado era muito querido, era fora do sério. Naquela época ele queria se dedicar ao cinema. Como eu tinha um emprego bom na publicidade, nós combinamos, eu sustentaria a casa, ele faria cinema. Não deu tempo.

A senhora e a viúva de Manoel Fiel Filho, operário cuja morte no Doi-Codi também foi registrada como suicídio, foram depois homenageadas no verso “Choram Marias e Clarisses” da música “O Bêbado e a Equilibrista”. 
Sim, fiquei muito surpresa quando soube. Um dia encontrei os compositores [João Bosco e Aldir Blanc] e me apresentei. Nos abraçamos, foi um momento muito legal.

Teve medo de sofrer alguma represália ao lutar para provar que houve um assassinato? 
Não, não sentia medo. Eles disseram que Vlado se matou. Então, se matassem mais alguém de nossa família, aquela farsa cairia por terra. Eu sentia que meus filhos e eu estávamos bem protegidos.  Na frente de nossa casa ficou por meses um carro da polícia, mas não sentia medo. Nem olhava para eles. Eu trabalhava na agência de publicidade Ogilvy na época. Um dos chefes falou que poderia me transferir para um escritório fora do país, mas não aceitei. Disse a ele: “Meu lugar é aqui. Preciso provar que o pai dos meus filhos foi assassinado”.

Em 2013 vocês receberam uma versão retificada do atestado de óbito de Herzog, no qual constava como causa de morte “lesões e maus tratos sofridos durante interrogatório” 
Sim, são algumas vitórias que tivemos ao longo dessa trajetória. A própria morte dele ajudou a conscientizar muita gente sobre a violência da ditadura.

A decisão da Corte Interamericana de condenar o Brasil pela morte de Herzog reabriu o debate sobre a lei da Anistia. Qual sua opinião? 
Como diz a sentença da corte, a morte de Vlado e de outras pessoas pela ditadura representa um crime contra a humanidade. A Anistia não deveria valer para esses casos.  Quem matou deve ser julgado e condenado. É lamentável que muitas pessoas ignorem esses crimes, até mesmo um candidato à Presidência da República.

A senhora se refere a Jair Bolsonaro (PSL). Perguntado sobre o caso Herzog, ele disse que “não estava lá” para confirmar que ele foi morto pelo regime e que “suicídio acontece, pessoal pratica”. 
Imagina, o cara quer ser presidente e diz uma coisa dessa? Acho um perigo, é assustador. Espero que perca seus eleitores durante a campanha. É um horror esse homem.

Vai votar em quem? 
Em nosso governador [Geraldo Alckmin (PSDB)]. Gosto muito do Henrique Meirelles (MDB), fez um trabalho muito bom na economia, mas não tem experiência nenhuma, não tem traquejo político. Aguentar aquilo ali deve ser barra pesada.

Como se classifica politicamente? 
Sou de esquerda.

Vota no PT? 
Não, sou contra o PT. Depois de tantos escândalos, não dá mais.

Como a senhora encara o fato de algumas pessoas irem às ruas pedir intervenção militar? 
É muita falta de informação, né. Muita gente ignora completamente o que foi a ditadura militar. Repetem sempre o discurso de que havia ordem naquela época. Uma loucura! Todas essas manifestações devem ser repudiadas fortemente pela sociedade. Acho que retomar o caso do Vlado pode ajudar a relembrar todo o horror daquele período.

Depois de 40 anos, a senhora se sente cansada? 
Sim, mas, sendo preciso, luto ainda mais para que o caso não fique impune.


El País: Mourão, o controverso general que sela a chapa puramente militar de Bolsonaro

Anúncio foi feito pelo candidato de extrema-direita do PSL em convenção em São Paulo e foi referendado pelo PRTB de Levy Fidelix

Por Afonso Benites, do El País

O deputado federal Jair Bolsonaro (PSL) anunciou que o general da reserva do Exército Hamilton Mourão será seu candidato a vice-presidente nas eleições de 2018. Bolsonaro falou na manhã deste domingo durante a convenção estadual do PSL em São Paulo. O nome de Mourão foi referendado pela convenção nacional do PRTB horas depois. "Eles podem ter muita coisa, mas só nós temos o povo ao nosso lado. No momento, eu deixo de ser capitão. O general Mourão deixa de ser general. Nós somos agora soldados do nosso Brasil", discursou Bolsonaro.

A estimativa é que chapa Bolsonaro-Mourão tenha 14 segundos diários do tempo de propaganda de rádio e TV, sendo 8 do PSL e 6 do PRTB. Ao todo, são 25 minutos na programação que envolve todas as legendas. O fundo eleitoral dos dois juntos -- que será dividido com os concorrentes ao parlamentos federal e estadual, assim como para os Governos -- chega aos 13 milhões de reais. Todo o fundo eleitoral distribuído entre os partidos é de 1,7 bilhão de reais. É bem pouco para o líder das pesquisas em cenários que não consideram a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, virtualmente impedido de concorrer pela Lei da Ficha Limpa. Por isso, a estratégia é seguir apostando pela bem-sucedida estratégia nas redes sociais.

Defesa da "intervenção militar"
Antes de ouvir o sim de Mourão, Bolsonaro já havia sido rejeitado por três possíveis candidatos, inclusive o próprio general. A advogada Janaína Paschoal (PSL) e o também general da reserva Augusto Heleno (PRP) haviam sido sondados para concorrer na chapa, mas as negociações não avançaram. Para convencer Mourão, Bolsonaro contou com a ajuda de Levy Fidelix, o presidente do PRTB que já disputou outras eleições presidenciais.

Com uma chapa puro sangue militar, Bolsonaro é ex-capitão do Exército, o PSL reforça o caráter de extrema-direita da candidatura. Os companheiros de chapa tem em comum a defesa da ditadura militar brasileira (1964-1985). Durante o Governo Dilma Rousseff (PT), Mourão era o comandante do Exército no Rio Grande do Sul e chegou a defender uma intervenção militar para debelar a crise política e econômica do governo petista. Ambos, Bolsonaro e Mourão, tem em comum a admiração pública pelo coronel Carlos Brilhante Ustra (1932-2015), chefe de um importante centro da repressão durante a ditadura militar e reconhecido como torturador pela Justiça brasileira e pelo relatório oficial da Comissão Nacional da Verdade, de 2014. Na cerimônia em que se despediu da carreira, o agora general reformado elogiou Ustra em em uma concorrida cerimônia no Salão de Honras do Comando Militar do Exército, em Brasília.

Desde que entrou para a reserva, Mourão passou a dirigir o Clube Militar e defender abertamente a candidatura de seu colega de farda. Em princípio, ele deveria concorrer a um cargo no Congresso Nacional. Mas mudou de ideia após insistentes pedidos de seus aliados.


El País: Haddad, vice e plano B de Lula, ganha reforço de Manuela D'Ávila no último minuto

Plano do ex-presidente era adiar o máximo possível anúncio de companheiro de chapa, mas recomendação do TSE precipitou desfecho. PCdoB repete aliança com petistas que mantém há décadas

Por Afonso Benites e Flávia Marreiro, do El País

O PT esticou até praticamente o último minuto o suspense sobre quem seria indicado a vice na chapa de Luiz Inácio Lula da Silva, candidato do partido à Presidência apesar de estar preso e virtualmente impedido de concorrer por causa da Lei Ficha Limpa. A espera que entrou noite adentro no domingo não trouxe surpresas: o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad ficou com a vaga e ganhou, no último suspiro do prazo legal, o apoio do PCdoB. A pré-candidata comunista Manuela D'Ávila abriu mão de sua candidatura a presidenta e será uma espécie de vice stand by - por enquanto, não tem o posto, mas uma vez definida a situação de Lula, será a companheira de chapa do próprio ex-presidente, uma possibilidade considerada remotíssima, ou de Haddad.

O anúncio foi feito, já passada a meia noite, na sede do PT, pela presidenta da sigla, Gleisi Hoffmann. Ao lado dela, Haddad fez um breve discurso agradecendo a indicação. Manuela D'Ávila não estava, mas os militantes, ensaiados, já entoavam músicas aclamando a deputada gaúcha, o ex-prefeito paulistano e Lula, preso desde abril em Curitiba. Segundo Gleisi, é Haddad quem vai representar Lula em atividades de campanha, como os debates.

Dada a situação, o ex-prefeito começa o percurso de vice, mas com o escrutínio de um cabeça de chapa - Lula lidera as intenções de voto, e o Haddad, quando posto nas simulações, não decola nas pesquisas. Se não está envolvido nos megaescândalos de corrupção que marcaram a reunião do PT, o ex-prefeito tampouco foi bem em sua última campanha: ele perdeu a disputa pela prefeitura de São Paulo para João Doria em 2016.

As redes sociais do partido já divulgaram imagens da dupla Lula-Haddad. Foi a explicitação do Plano B do PT: o partido vai insistir até quando possível no nome do ex-presidente, mas não deve flertar demasiado com o abismo legal, como era ventilado numa ala do partido considerada mais radical. Uma prova disso aconteceu neste próprio domingo. Enquanto na sexta Gleisi afirmava que o prazo legal para apresentar as candidaturas era dia 15 de agosto, neste domingo, mesmo reclamando publicamente, a decisão do PT foi seguir a recomendação do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de apresentar as chapas até esta segunda-feira.

As negociações na reta final com o PCdoB transpareceram tensas. "Cada um tem seu jeito, sua vida. Vou sair da minha casa agora, 22h, domingo, ficar longe de meus filhos que vejo tão pouco, para uma reunião com a direção do PT. Espero que se justifique, né?", queixou-se no Twitter Orlando Silva, integrante do PCdoB e ex-ministro de Lula, sobre as negociações neste domingo. Seja como for, o PCdoB cedeu. Após ensaiar não apoiar os petistas pela primeira vez em sete eleições, os comunistas aceitaram. Além do discurso de Manuela D'Ávila de que o partido trabalharia pela união do chamado campo progressista, pesou também o temor do PCdoB pela própria sobrevivência: as alianças regionais com o PT são importantes para ultrapassar a cláusula de barreira. Apesar da situação esdrúxula, Manuela se transforma na terceira vice mulher entre as candidaturas tidas como competitivas num momento de fortalecimento do movimento feminista no país e quando elas são a maioria do eleitorado e a maioria do contingente de indecisos neste momento.

Gosto amargo para Ciro Gomes, mas também para o PSB
Enquanto a novela PT-PCdoB se esticou até o último minuto, a do PSB encerrou-se com um gosto amargo para a sigla: nenhum partido político concluiu a sua convenção nacional tão rachado quanto os socialistas. O partido realizou sua convenção nacional e confirmou que ficará neutro no pleito, uma decisão que sufoca Ciro Gomes (PDT) e, por tabela, beneficia Geraldo Alckmin (PSDB) e o PT. Se já havia ficado isolado coma decisão do PSB, a vitória do PT com o PCdoB fortalece a candidatura do PT, mesmo com problemas maiúsculos, como a mais competitiva no campo progressista.

O clima acirrado entre os delegados no congresso deste domingo foi um retrato das divisões internas do partido. Quando Carlos Siqueira, presidente do PSB, apresentou a proposta de neutralidade, o salão do hotel em Brasília que recebeu a reunião se dividiu entre vaias e aplausos. “Um partido sem posições diferentes é um partido autoritário”, minimizou Siqueira, logo após o encontro.

O PSB tem atualmente uma bancada de 26 deputados federais e é dono de cerca de 40 segundos no horário eleitoral. Por isso, era visto como a sigla que poderia resgatar Ciro Gomes do isolamento depois que o pedetista foi rejeitado pelo Centrão (grupo de cinco partidos políticos de centro-direita que terminaram fechando uma coligação com Alckmin). O próprio Siqueira não escondia de aliados que preferia uma aliança eleitoral com Gomes.

Prevaleceu, no entanto, a vontade dos caciques dos diretórios regionais mais importantes do PSB, entre eles Pernambuco e São Paulo. Ironicamente, o governador pernambucano, Paulo Câmara, e o paulista, Márcio França, uniram forças para beneficiar dois inimigos históricos que tinham interesse em isolar o pedetista. Câmara defendeu a neutralidade dos socialistas para atender uma demanda do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cabo eleitoral praticamente imbatível em seu Estado. França, por sua vez, agiu para ajudar Alckmin, seu padrinho político e candidato à presidente da República.

A ala do PSB que defendia apoiar Ciro Gomes foi derrotada na votação deste domingo que sacramentou a neutralidade, mas as sequelas do embate ficaram evidentes. “Infelizmente a força convencional de Pernambuco e São Paulo é muito grande e a vontade dos outros Estados não foi capaz de superar essa força para defender a candidatura do Ciro Gomes”, disse o governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg.

Vácuo
Legenda de porte médio, o PSB perdeu em 2014 a seu principal expoente, o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos, morto em um acidente aéreo. Desde então, os socialistas não conseguiram encontrar uma liderança com força para unificar as diferentes facções da sigla. Uma situação que neste ano foi agravada por outro vácuo, a desistência do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, de disputar a presidência.

Embora neófito no PSB, Barbosa aparecia nas sondagens com 10% da preferência do eleitorado e figurava como um outsider com chances reais de chegar ao Palácio do Planalto. Sua recusa em se lançar na corrida presidencial acentuou o conflito interno entre os que queriam apoiar Ciro, o PT ou mesmo Alckmin. Como não havia forma de conciliar os diferentes interesses e a neutralidade trazia algum benefício aos aliados de petistas e tucanos, venceu a tese de não realizar uma aliança no cenário nacional. "Talvez ela [a neutralidade] seja a decisão menos traumática do partido, mas de forma alguma mostra uma unidade", avalia Marco Antônio Teixeira, professor de ciência política da Fundação Getúlio Vargas.

A fratura mais sentida no partido ocorreu em Minas Gerais e criou um impasse que ainda não foi solucionado. O PT havia condicionado retirar a candidatura de Marília Arraes ao Governo de Pernambuco, o que acabou acontecendo neste domingo apesar da resistência da petista, a um gesto semelhante por parte do ex-prefeito de Belo Horizonte, o socialista Márcio Lacerda, que aparecia em terceiro nas pesquisas de intenção de voto na corrida pelo comando de Minas Gerais. Lacerda, entretanto, não aceitou ser apenas uma “baixa colateral” do acerto celebrado pela cúpula do PSB. Ele realizou a reunião estadual que o oficializou candidato ao governo do Estado no sábado e entrou na convenção nacional deste domingo cobrando um preço para desistir das suas pretensões: que o PSB local não se alie formalmente ao petista Fernando Pimentel. Até esta segunda-feira, último dia que os partidos têm para comunicar a Justiça eleitoral do resultado das suas respectivas convenções, os socialistas correrão contra o tempo para tentar encontrar um arranjo em Minas que atenda os interesses do ex-prefeito de Belo Horizonte. "Eu não posso [me aliar ao PT] de jeito nenhum. Eu não vou ter os votos do PT e perco os votos que eu tenho”, justificou Lacerda.

OS CANDIDATOS E SEUS VICES
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Fernando Haddad

Ciro Gomes (PDT) e Kátia Abreu (PDT)

Geraldo Alckmin (PSDB) e Ana Amélia (PP)

Marina Silva (REDE) e Eduardo Jorge (PV)

Álvaro Dias (PODEMOS) e Paulo Rabello (PSC)

Henrique Meirelles (MDB) e Germano Rigotto (MDB)

Guilherme Boulos (PSOL) e Sonia Guajajara (PSOL)

João Amoêdo (NOVO) e Christian Lohbauer (NOVO)


FAP Entrevista: Marcus Vinicius Oliveira

Aliança de Alckmin com o “Centrão” é ambígua por não trazer mudanças significativas para o país, apesar de criar governabilidade, avalia Oliveira

Por Germano Martiniano

Marcus Vinicius Oliveira faz parte de uma nova onda de jovens intelectuais ligados à centro-esquerda. Graduado em história pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é autor do livro Em um rabo de foguete: trauma e cultura política em Ferreira Gullar. A obra, uma revisão de sua dissertação de mestrado, foi baseada na trajetória política do poeta ex-militante do PCB. Também dirigente da Fundação Astrojildo Pereira, o historiador é o entrevistado desta semana da FAP Entrevista, série publicada aos domingos com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil com o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições.

Com o período eleitoral prestes a começar, os partidos políticos e candidatos correm para fechar suas alianças até 15 de agosto. Uma das mais comentadas dos últimos dias foi o acordo do presidenciável Alckmin com o chamado “Centrão”. Para Marcus Vinicius Oliveira, que também é doutorando em História e Cultura Política pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), este acordo é ambíguo, pois, se por um lado cria governabilidade, por outro, parece ser mais do mesmo na política brasileira.

“Essa aproximação é positiva na medida em que procura recompor uma força política que ameaça se romper em virtude da polarização política brasileira. No entanto, a formação desse Centro traz riscos históricos à política brasileira, como à impossibilidade de realização de alterações significativas na ordem social, econômica e política”, avalia Oliveira.

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:

FAP Entrevista - As sabatinas de entrevistas com os pré-candidatos já fora iniciadas por diversas emissoras de televisão, como a TV Cultura com o Roda Viva e, por último, a GloboNews. O senhor chegou a assistir a algumas delas? Quais pontos e candidatos mais lhe chamaram atenção?

Marcus Vinicius Oliveira - Não acompanhei exatamente as entrevista da GloboNews, mas venho acompanhando outras entrevistas em outros canais. Dentre os candidatos que são mostrados à frente nas pesquisas, Ciro Gomes demonstra uma boa capacidade retórica para os debates que, em termos de redes sociais, tem o auxiliado a subir nas pesquisas. Contudo, isso não implica em um projeto sólido e sustentável para o Brasil. Em determinados momentos, Ciro ainda parece muito ligado a um projeto desenvolvimentista para o Brasil, marcado por uma forte presença do Estado. É um modelo histórico no país, mas que demonstrou também suas falhas e riscos.

Jair Bolsonaro, por outro lado, procura um caminho para o liberalismo a partir daquilo que chama de um casamento com o liberal Paulo Guedes. Esse caminho não parece convencer. A postura autoritária e fortemente nacionalista de Bolsonaro conflitam duramente com uma matriz liberal. É um liberalismo puramente instrumental que visa conquistar votos em virtude do crescimento das ideias liberais nos últimos anos. Além disso, é o candidato de um polo anti-democrático, grave para os rumos de nossa política, alimentando-se da profundidade de nossa crise, bem como da rejeição à política que também cresceu nos últimos anos.

Por fim, Geraldo Alckimin estabelece um itinerário rumo ao centro político, procurando apoios que possam sustentar a governabilidade brasileira diante da crise. Frente à polarização da política, a recomposição do centro é fundamental, uma vez que contribui para garantir uma estabilidade política em torno de um consenso, de determinadas propostas para o avanço do país. Contudo, há sempre o risco dessa adesão perder-se em meio aos escombros da velha política brasileira.

O cenário de 2018 é áspero e há muito o que acontecer até outubro. Sem pensar especificamente um candidato, acredito que uma das saídas de nossa crise passam pelo aprofundamento de nossa democracia, rumo à elaboração de reformas políticas que permitam não somente a retomada do crescimento, mas a revalorização da política.

Como o senhor avalia o apoio do Centrão a Geraldo Alckmin?
Essa aproximação com o centro guarda suas ambiguidades. Por um lado, é positiva na medida em que procura recompor uma força política que ameaça se romper em virtude da polarização política brasileira. Por outro lado, a formação desse centro traz riscos históricos à política brasileira. Tais riscos dizem respeito à impossibilidade de realização de alterações significativas na ordem social, econômica e política, em virtude dos vários interesses dispostos nessa ampla aliança que compõe esse “centrão”. Portanto, recompor o centro é importante e garante uma saída democrática para o Brasil. Contudo, fora de uma reforma política o estabelecimento desse centro não garante nenhum caminho para fora da crise. Nesses pactos, o velho não deve conduzir o novo, como de costume em nossa história.

Como avalia a participação da juventude na política, especialmente nas próximas eleições?
Minha experiência enquanto jovem e professor tem mostrado certa descrença da política por parte da juventude brasileira atual. Crescendo em um país em crise e assistindo à inúmeras denúncias de corrupção, me parece que os jovens, nascidos entre os últimos anos da década de 1990 e os primeiros de 2000, não nutrem, em geral, uma expectativa positiva em relação aos rumos do país. Por outro lado, é possível também notar um movimento de aproximação em relação à política. Percebo que o acesso às informações e ideias acerca da política cresceu incrivelmente. A internet contribui decisivamente para isso. Vejo, hoje, meus alunos discutindo política intensamente nas redes sociais. Nesse sentido, acho que há um aprendizado da política e da democracia por parte dos jovens. Estão começando a se politizar, a avaliar ideias e projetos políticos.

Muitas pessoas têm procurado movimentos apartidários, como o MBL, Acredito, Mulheres do Brasil, entre outros. O senhor avalia que existe uma rejeição à política tradicional?
Apartidarismo não significa necessariamente apolítico ou rejeição da política. Tais movimentos citados, apesar de apartidários, são essencialmente políticos. Essa procura por movimentos apartidários, creio, começou a aparecer com maior evidência a partir das manifestações de junho de 2013. Contudo, em determinados momentos, esse apartidarismo revelou uma desvalorização e até uma rejeição da política como foi citado. Essa rejeição é bastante perigosa para os rumos da democracia, porque a política é aquilo que garante a expressão dos interesses da sociedade civil na esfera pública.

É possível mudança fora da política?
As mudanças operadas fora da política são fortemente anti-democráticas, pois em momentos de crise, o espaço da política diminui, uma vez que a sensação de medo, caos e insegurança, faz com que a sociedade deseje um poder capaz de reordenar a sociedade. Nesse sentido, a crise dá margem a discursos anti-políticos, que rompem com o espaço de diálogo e expressão característicos da política. Portanto, valorizar a política é um dos fundamentos básicos de um regime democrático saudável, capaz de permitir os diálogos e as expressões de ideias e projetos dos mais diversos grupos presentes na sociedade civil.

Existem pensadores de centro-esquerda que se aproximam dos liberais, admitindo assim um Estado menos interventor e mais regulador. Como o senhor avalia um governo de esquerda na economia?
Essa aproximação da esquerda do liberalismo me agrada bastante. Contudo, é preciso pensar qual liberalismo estamos falando. Assim como a esquerda, o pensamento liberal possui diversas vertentes, tanto políticas quanto econômicas. Penso que um governo de esquerda precisa estar aberto à dinamicidade econômica própria ao liberalismo, capacitando o Brasil para assumir um outro lugar no mundo, sem, contudo, abandonar as perspectivas basilares da esquerda, a saber, a busca pela igualdade e justiça social. Uma esquerda democrática e contemporânea precisa conciliar a busca pela igualdade com a realização da liberdade e a prosperidade econômica.

Luiz Werneck Vianna, sociólogo, disse no Ato do Polo Democrático e Reformista realizado no mês passado no Rio de Janeiro que, apesar de todas nossas dificuldades, vê o futuro com esperança, que o importante é fortalecer, cada vez mais, nossas instituições democráticas. O senhor imagina um futuro com esperança?
Luiz Werneck Vianna é um dos intelectuais que mais admiro. Seu ensaio “A revolução passiva no Brasil” me acompanha durante toda minha trajetória de pesquisa, bem como é um norte para minhas aulas de história do Brasil. Sobre a pergunta, não sou exatamente a pessoa mais otimista. Mas, vejo alguns brilhos despontando no horizonte. Somos uma jovem democracia e estamos em constate aprendizado democrático. De certo modo, os problemas surgidos ao longo dos anos últimos anos geraram um amplo debate político no país. Claro, esse debate em diversos momentos perpassa pela rejeição da própria política. Contudo, é possível contornar esses problemas, rumo à uma revalorização da política. Para tanto, para que esse brilho possa se realizar efetivamente, as eleições e os próximos anos são essenciais. Não há garantias, há apenas possibilidades dentro de uma intrincada rede de relações de forças políticas. Como afirmou o saudoso Ferreira Gullar, “caminhos não há, mas os pés na grama os inventarão.”


El País: Ana Amélia, o amuleto de Alckmin para atrair bolsonaristas

PSDB desiste de fortalecer ex-governador no Nordeste e formaliza chapa com senadora sulista conservadora

Por Afonso Benites, do EL País

“Tenho ao meu lado a vice dos sonhos de todos os brasileiros”, discursou Geraldo Alckmin, em Brasília, na cerimônia do PSDB que o oficializou neste sábado como candidato à Presidência pela segunda vez. Ele se referia à sua recém-escolhida candidata a vice, a senadora gaúcha Ana Amélia, do PP. “Ana Amélia é empoderamento”, seguiu o tucano, usando, não por acaso, uma palavra cara ao movimento que quer fortalecer a presença na política das mulheres: elas são a maioria do eleitorado e a maioria dos indecisos atualmente.

Em princípio, Ana Amélia, 73 anos e em seu primeiro mandato como senadora, contava com forte restrição de seu partido, que preferia indicar uma mulher do Nordeste, como a vice-governadora do Piauí, Margarete Coelho. Pesou, entretanto, a vontade do tucano de tentar avançar sobre o eleitor conservador que migrou do PSDB para Jair Bolsonaro (PSL), de extrema-direita, assim como o de tentar reforçar sua proximidade com mulheres e com a região Sul do país. Três lideranças tucanas ouvidas pelo EL PAÍS disseram que o movimento de aproximação com Ana Amélia é o claro sinal de que faltava um nome de peso no Nordeste e que, nesse cenário, ele preferiu reforçar a verve direitista do PSDB do que apresentar um vice inexpressivo. “Vencer no Nordeste vai ser difícil. O PT ainda tem a preferência lá. E a Ana Amélia vai agregar em áreas que só o Bolsonaro estava de olho, nos mais conservadores”, disse um líder tucano.

Bolsonaro lidera as pesquisas eleitorais em que Lula não é apresentado como o nome do PT. Alckmin não chega aos 10% das intenções de votos e amarga a quarta colocação, atrás de Marina Silva (REDE), e Ciro Gomes (PDT). “O nosso candidato não precisa ser do Nordeste, o que ele precisa é olhar para o Nordeste com atenção”, minimizou o presidente do DEM e prefeito de Salvador, Antônio Carlos Magalhães Neto. Outros aliados também elogiaram. “Faltava a cereja do bolo. Esta é a cereja do bolo da candidatura Geraldo Alckmin”, afirmou Gilberto Kassab, presidente do PSD.

Fama na TV e gafe sobre Al Jazeera
Jornalista com longa carreira no Rio Grande do Sul, onde atuou como comentarista política na TV Globo local, Ana Amélia foi eleita senadora em sua primeira disputa, em 2010, com forte discurso antipetista. Perdeu o pleito para governadora em 2014 para José Ivo Sartori (MDB) e, agora, estava com elevadas chances de reeleição para o Senado. Pesquisas a colocavam com até 40% das intenções de votos dos gaúchos. Ao decidir concorrer como vice, ela abriu mão de ser uma liderança de direita no seu Estado, que nos últimos anos tem se eleito políticos com esse perfil.

Se o ex-governador de São Paulo não tem como marca frases de efeito, nem mesmo contra os petistas, Ana Amelia tem potencial para ocupar esse papel na campanha. Com seus discursos, ela caiu nas graças do MBL, o grupo de direita ultraliberal na economia e conservador nos costumes que não embarcou na campanha de Alckmin. Em abril, por exemplo, ela subiu na tribuna do Senado para criticar uma entrevista da presidenta do PT, Gleisi Hoffmann, ao canal do Qatar TV Al Jazeera, falando sobre a prisão de Lula. Segundo ela, a entrevista atrairia um "exército islâmico" ao Brasil.

Ana Amélia também é uma das integrantes da bancada ruralista. Ela defende, por exemplo, ampliação do porte de armas no campo, uma proposta que Alckmin passou a ventilar recentemente - mais uma tentativa de aproximação com à liberação total proposta por Bolsonaro. No Senado, destacou-se como opositora ao Governo de Dilma Rousseff (PT) e, em alguns momentos, fez oposição ao governo Michel Temer (MDB), apesar de ter sido favorável à reforma trabalhista e já ter declarado apoio à reforma da Previdência. Em seus discursos também pediu o afastamento do senador Aécio Neves (PSDB) que, assim como Temer, foi citado na flagrado nos grampos da JBS.

Apesar do discurso contra a corrupção, a senadora não vê conflito em ser filiada ao PP, o partido campeão de investigações na Operação Lava Jato. Os próprios Alckmin e Ana Amélia já foram apontados como receptores de recursos ilícitos da empreiteira Odebrecht. Nas planilhas dos executivos da empreiteira, que concordaram em fazer delação, eles eram apelidados de Santo e de Velha. Ambos negam quaisquer irregularidades nos valores doados pela empresa, que assinou uma delação premiada e um acordo de leniência com as autoridades brasileiras. Contra ele há um processo aberto na Justiça por essa razão. Contra ela, o inquérito não foi conclusivo.

Seja como for, isso pode ser considerado leve no contexto da coalizão que dá suporte a Alckmin, que se destaca pelo número de siglas apoiadoras ( PSD, o PP, o PR, o PRB, o DEM, o PTB, SD e o PPS) assim como pelo envolvimento de boa parte de seus aliados em escândalos políticos como mensalão e a Lava Jato. Uma das figuras notórias da convenção foi Roberto Jeferson, do PTB, condenado pelo mensalão, e sua filha, Cristiane Brasil, defenestrada do Ministério do Trabalho antes de conseguir tomar posse. No campo das ausências, chamou a atenção a de Aécio Neves. Candidato derrotado por Rousseff, em 2014, Aécio foi convencido a não concorrer à reeleição para que não precisasse aparecer no mesmo palanque que o candidato a governador do partido em Minas Gerais, Antonio Anastasia, nem no do próprio Alckmin. Difícil que essa retirada de cena surta efeito sobre os adversários.

"Precisamos da ordem democrática, que dialoga, que não exclui, que tolera as diferenças, que não busca resolver tudo na pancadaria nem usa o ódio como combustível da manipulação eleitoral”, discursou Alckmin, em mais um sinalização que escolheu Bolsonaro como adversário a ter a imagem desconstruída, no jargão do marketing político.

Se, ao contrário do que parecia no começo de junho, Alckmin conseguiu chegar como candidato competitivo na campanha, agora com Ana Amélia, amuleto direitista, acredita ter ganhado forçar para enfrentar dois desafios. O primeiro é chegar ao segundo turno. E, uma vez nele, a prova será superar o trauma de 2006. Com um série de erros na campanha, naquele ano Alckmin perdeu para Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no embate final com um raro recorde: recebeu menos votos no segundo turno do que no primeiro.


O Globo: Lula, preso e sem vice, é escolhido pelo PT como candidato ao Planalto

Após condenação em 2ª instância, ex-presidente se torna inelegível

Bruno Goes e Sérgio Roxo, de O Gllobo

SÃO PAULO / Sem o candidato que está preso em Curitiba desde 7 de abril e sem a definição do candidato a vice, o PT referendou ontem a indicação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para disputar a Presidência pela sexta vez. Condenado em segunda instância no caso do tríplex do Guarujá, o líder petista está enquadrado na Lei da Ficha Limpa e deve ter a candidatura impugnada. Internamente, a legenda discute a indicação de um plano B quando isso acontecer.

O adiamento da indicação do vice pode trazer implicações jurídicas à chapa petistas, e por isso o PT avalia anunciar até hoje o nome do companheiro de chapa, preferencialmente do próprio partido. São opções o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, tido como favorito, a presidente da legenda, Gleisi Hoffmann, e o ex-ministro Jaques Wagner. Reunida à tarde, a executiva do PT informou que ainda negocia aliança com o PCdoB, que indicaria Manuela D’Ávila, e com o PDT, mas Ciro Gomes nega a possibilidade.

As discussões sobre a indicação ou não de um vice até domingo dominaram os bastidores da convenção. Pela manhã, dirigentes petistas se encontraram com caciques do PCdoB, mas não houve entendimento. O PT também anunciou o apoio de dois partidos à candidatura: PROS e PCO.

Na impossibilidade de contar com Lula no ato realizado em uma casa de eventos no centro de São Paulo, a organização distribuiu máscara com a imagem do ex-presidente para os militantes presentes. Na hora de fazer a aclamação simbólica da indicação de Lula, Gleisi pediu que os presentes vestissem as máscaras. Lula apareceu em um painel no fundo do palco.

Em carta lida pelo ator Sergio Mamberti, Lula disse que, pelo primeira vez, em 38 anos, não comparecia a um encontro nacional do PT. O ex-presidente reclamou das restrições colocadas à sua candidatura.

“Já derrubaram uma presidenta eleita; agora querem vetar o direito do povo escolher livremente o próximo presidente. Querem inventar uma democracia sem povo”.

ENTREVISTA
Especialistas em legislação eleitoral afirmam que, até 2016, havia consenso: a escolha do vice podia ser feita depois da convenção, até a data do registro (15 de agosto, neste ano), desde que a convenção deliberasse nesse sentido. Mas uma resolução do TSE, com as regras da eleição de 2018, estabeleceu prazo de 24 horas do fim do período de convenções para o registro da ata da convenção na Justiça Eleitoral.

Há divisão na interpretação de especialistas ouvidos pelo GLOBO se o prazo final para indicação de vice é de 24 horas após o fim das convenções, ou se a decisão pode acontecer só na data final do registro.

O jornal italiano “La Repubblica” publicou ontem uma entrevista com Lula. O expresidente está proibido de conceder entrevista pela Justiça. O deputado italiano Roberto Gualtieri, do parlamento europeu, visitou Lula na cadeia, levado por Gleisi Hoffmann, e fez as 19 perguntas enviadas pelo jornal.

 


O Globo: Na eleição pós-Lava-Jato, velhos conhecidos disputarão a Presidência

Brasil deve ter o maior número de candidatos a presidente desde 1989

Por Miguel Caballero, de O Globo

RIO — Do ângulo que se olhe, a pré-campanha presidencial revelou contornos inéditos que reforçam tradições. Ao mesmo tempo, apontam novidades e inviabilizam previsões. Líder nas pesquisas, Lula está preso e ainda assim o PT formalizou, em convenção, seu nome como o presidenciável do partido.

No início da primeira campanha sob efeito do tsunami da Lava-Jato, previu-se que a aversão popular à política tradicional aplainaria os caminhos para os outsiders. Luciano Huck e Joaquim Barbosa, todavia, irromperam na mesma velocidade com que desistiram da aventura. Eram 24 postulantes. Agora serão no máximo 15.

É possível que os quase-candidatos tenham chegado quando o espaço da insatisfação contra tudo que aí está já havia sido ocupado por Jair Bolsonaro (PSL). Nos cenários sem Lula, ele lidera as pesquisas, mas jamais, no mês de agosto, o primeiro colocado teve número tão baixo de intenção de votos (mal supera os 20%). Seu fracasso na tentativa de atrair aliados indica que suas chances de vitória não pareceram fortes o suficiente para convencer os maiores especialistas do país em farejar candidaturas vitoriosas: os partidos do centrão. Em comum com PT, PDT, Bolsonaro chega à reta final das convenções sem candidato a vice: ontem Janaína Paschoal disse não ao convite.

Na hora decisiva, partidos como PRB, SD e PSD cederam à força gravitacional da chapa de Geraldo Alckmin, formalizado ontem como candidato do PSDB. Em dois meses se saberá se o duelo entre petistas e tucanos vai para seu quinto round ou se a polarização será furada pela direita por Bolsonaro, pela esquerda por Ciro Gomes (PDT), por Marina Silva (Rede) ou por uma surpresa ainda fora de qualquer radar.