Eleições

Luiz Carlos Azedo: A lei de Murici

A saída de Jucá da liderança sinaliza descolamento do governo Temer da poderosa bancada de senadores do PMDB, que pode diminuir de tamanho nas eleições deste ano

O senador Romero Jucá (MDB-RR) anunciou sua saída da liderança do governo no Senado, o que é um fato extraordinário, em se tratando de um parlamentar que se notabilizou por servir a todos os governos e só deixar o cargo contra a própria vontade, a pedido do presidente da República. Alegou não concordar com a forma como o Palácio do Planalto tem conduzido a crise dos imigrantes venezuelanos em Roraima. Jucá bateu em retirada defendendo o fechamento da fronteira do Brasil com a Venezuela, o que seria uma inconstitucionalidade. Foi uma jogada política para evitar uma derrota eleitoral acachapante.

Ex-interventor federal em Roraima no governo de José Sarney, embora seja pernambucano de origem, Jucá é o político mais importante da história do estado. Roraima somente adquiriu esse status com a promulgação da Constituição de 1988, ocasião em que se tornou seu primeiro governador. O antigo território federal de Rio Branco (criado em 1943, por causa da II Guerra Mundial) faz parte do Brasil desde a construção do Forte de São Joaquim, em 1778.

Graças à localização na confluência do rio Uraricoiera com o rio Tacutu, que formam o Rio Branco, a fortificação (que não existe mais) impediu que espanhóis, ingleses e neerlandeses se apossassem do território. No extremo Norte da Amazônia, faz fronteira com a Venezuela e a Guiana. Roraima tem enfrentado dificuldades para lidar com o volume de estrangeiros que deixam a Venezuela para fugir da crise econômica e social.

Presidente do PMDB, sua saída do governo Temer sinaliza um processo muito mais amplo de descolamento do partido do Palácio do Planalto, principalmente no Senado, onde a poderosa bancada de senadores pode diminuir bastante de tamanho. O ex-presidente do senado Renan Calheiros (AL) e o atual presidente da Casa, Eunício de Oliveira (CE), que também disputam a reeleição, já estão aliados ao PT.

Com 25% das intenções de voto na mais recente pesquisa do Ibope, Jucá está tecnicamente empatado com Ângela Portela (PDT), com 30%, e Mecias de Jesus (PRB), que aparece com 26%. Ambos defendem o fechamento da fronteira, juntamente à governadora Sueli Campos (PP). Na carta entregue pessoalmente ao presidente Temer, o senador nega um rompimento com Temer, mas diz que discorda “da forma como o governo federal está tratando a questão dos venezuelanos em Roraima”.

“O governo disse que é inegociável fechar a fronteira sob qualquer ponto de vista, e eu entendo que sem o fechamento da fronteira para organizar o trabalho, o assunto só vai agudizar”, justificou depois, em entrevista coletiva. Além do fechamento provisório da fronteira com a Venezuela, Jucá defende a fixação de cotas para imigrantes e a criação de um corredor humanitário para levá-los para outros estados. Com essas bandeiras, acredita que pode neutralizar o desgaste político e evitar a derrota eleitoral. Sem o mandato de senador, corre sério risco de ser julgado pelo juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, o grande temor dos políticos sem mandato.

A borrasca
As pesquisas estão mostrando que o MDB corre risco de reduzir a atual bancada no Senado de 16 senadores para nove. Além de Renan e Eunício, têm possibilidades de reeleição Roberto Requião (PR), Jader Barbalho (PA), Edison Lobão (MA) e Eduardo Braga (AM) e Jarbas Vasconcelos (PE), que hoje é deputado federal, todos em aliança com o PT, apesar de o MDB ter lançado a candidatura do ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles. Jucá e Garibaldi Filho (RN) estão em dificuldades eleitorais.

O controle do Senado sempre foi o maior trunfo do MDB, porque a Casa tem muito poder e cada senador, grande visibilidade, por dispor de acesso pleno à tribuna da Casa e à TV Senado, além de grande número de assessores. Compete ao Senado processar o presidente e o vice-presidente da República nos crimes de responsabilidade e outras autoridades federais civis e militares; e aceitar ou não a nomeação de ministros de tribunais superiores e do Tribunal de Contas; presidente e diretores do Banco Central; o procurador-geral da República e embaixadores, além de autorizar operações financeiras de interesse da União, dos estados, do Distrito Federal e municípios.

Apesar de ter muito tempo de televisão (1m55s de programa eleitoral e 151 inserções diárias), Meirelles já está sendo “cristianizado” pelos caciques peemedebistas do Senado. Nas eleições regionais, o MDB disputa para valer os estados de São Paulo, com Paulo Skaf; Santa Catarina, com Mauro Mariani; Rio Grande do Sul, José Ivo Sartori; Alagoas, Renan Filho; Pará, Helder Barbalho; e Paraíba; Zé Maranhão. Se esses resultados se confirmarem, a legenda poderá manter sua representação na Câmara, mas não necessariamente no Senado, por causa das alianças locais.

O desembarque do governo Temer, que continua registrando baixos índices de aprovação, já era esperado, uma vez que a sobrevivência dos caciques regionais da legenda segue a Lei de Murici: cada um cuida de si. Foi o que sinalizou o presidente do MDB, Romero Jucá, ao deixar a liderança do governo no Senado para tentar salvar a própria pele. A máxima do coronel Tamarindo, na terceira campanha de Canudos, entrou para a história do Brasil como símbolo de um grande desastre militar, que resultou no esquartejamento do próprio e do seu comandante, o sanguinário coronel Moreira Cesar, pelos jagunços de Antônio Conselheiro.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-lei-de-murici/


Rubens Barbosa: Descrédito do Brasil no exterior

PT usa falsa retórica em campanha externa pró-Lula

O ex-ministro Celso Amorim, em artigo publicado neste espaço (21/8), dá curso à versão de que a eleição sem Lula é uma fraude. Com crescente protagonismo na divulgação das políticas e ações desenvolvidas pelo PT, Celso Amorim tornou-se o agente e o arauto das ações lulopetistas no exterior, com crescente visibilidade interna e externa.

No artigo, a realidade é obscurecida por inverdades como forma de iludir os (e)leitores. O papa Francisco, a pedido do ex-ministro, em vez de manifestar apoio ao ex-presidente, mineiramente pediu que Lula rezasse por ele...

A teoria conspiratória da trama urdida com ramificações fora do país está longe de poder ser comprovada. A medida liminar dos peritos do Comitê de Direitos Humanos, sem nenhum aviso ou pedido prévio de informações, não tem validade porque, ao contrário do que se afirmou, o Protocolo Facultativo do Pacto de Direitos Civis e Políticos não foi promulgado no Brasil por inépcia do governo petista.

Pela primeira vez, o comitê opinou sobre eleições, confundindo direitos humanos (universais) e direitos políticos (que dependem da legislação de cada país). Cumprido todo o devido processo legal no julgamento do ex-presidente, a eleição será legítima, e não uma fraude. Amorim continuou a prática de substituir a realidade por uma falsa retórica, iniciada durante sua passagem pelo Itamaraty.

Desde 2016, a campanha no exterior ganhou várias vertentes: golpe do impedimento da presidente Rousseff mobilizando até candidato à Presidência dos EUA e líderes de partidos ideologicamente afins ao PT na Europa; versão da vitimização com o desrespeito aos direitos e a privação de liberdade do ex-presidente, apresentado como prisioneiro político; publicação de carta do ex-presidente com essa ficção no jornal "The New York Times"; politização das decisões da Justiça brasileira com recurso ao comitê facultativo do Conselho de Direitos Humanos.

Dando seguimento à divulgação da versão petista da realidade, segundo se informa, o PT vai aumentar a ofensiva internacional para garantir a presença de Lula nas eleições.

Trata-se realmente de uma campanha liderada pelo partido na mobilização de jornais, cientistas políticos, ONGs, governos e Parlamentos desinformados —ou que não querem se informar— sobre as leis, a Justiça e a democracia brasileira.

A estratégia é colocar em questionamento o regime democrático caso Lula seja, de fato, barrado pela Lei da Ficha Limpa. Não conheço ação semelhante em outro país. Nenhum partido político age de forma tão desassombrada contra a reputação de seu país, não para defender princípios ou direitos inquestionáveis, mas para auferir ganhos políticos de curto prazo.

Por que o PT não se associa aos que lutam pela democracia e a liberdade de verdadeiros prisioneiros políticos, como fazem os partidos de oposição na Venezuela, em vez de defender o regime autoritário de Maduro?

É inaceitável que, a partir de retórica distorcida e repleta de inverdades, essa campanha seja utilizada para reforçar o descrédito das instituições e das leis brasileiras.

Não se pode admitir que a reputação do país seja colocada em questão, no momento em que todos se empenham em superar a atual situação crítica em que nos encontramos, resultado de políticas equivocadas adotadas durante o governo do partido que agora apresenta no exterior uma democracia em frangalhos.

Celso Amorim, em entrevista, ousou declarar que o Brasil tem a alternativa de cumprir a determinação do comitê ou se tornar um pária global, equiparando-se a Mianmar e a Africa do Sul na época do apartheid.

Depois de passar oito anos defendendo uma política alegadamente ativa e altiva, o ex-chanceler está alienando a soberania brasileira com o único objetivo de defender as mentiras de seu partido.

Com a credibilidade externa do Brasil abalada pela crise econômica e pelos desmandos e corrupção dos últimos anos, a campanha de descrédito não pode passar sem indignada condenação dos que defendem interesses partidários e pessoais, nem sempre claros e muitas vezes questionáveis, por parte dos que põem o Brasil acima de intrigas ideológicas.

*Rubens Barbosa. diplomata, ex-embaixador do Brasil em Londres (1994-1999, governos Itamar e FHC) e em Washington (1999-2004, governos FHC e Lula)


Roberto Romano: Sobre lobos e cordeiros

Crises exigem observar com desconfiança as instituições que regem o trato dos cidadão com os Poderes. Usemos justas aspas nas antífonas do pensamento raso expresso em universidades, mídia e opinião pública. Não é fato que no Brasil “as instituições funcionem normalmente”. A menos que, por normalidade, se designe a teratologia a que o País se acostumou. Tal clichê namora o absurdo. Como poderia viver segundo normas um país onde administradores não prestam contas dos recursos financeiros, humanos e técnicos a seu dispor? Pode ser normal uma terra onde parlamentares legislam descaradamente em causa própria? Normal um Estado cujos magistrados causam bilhões de prejuízo ao erário e buscam acrescer substanciosas remunerações e privilégios? Normal um sistema de Poderes divorciado da cidadania, em que quem deve servir serve a si mesmo e humilha os contribuintes?

Ora, senhores, silenciem o mantra da “normalidade”, encaremos o monstruoso: sob o manto democrático impera na política, nas finanças públicas, na polícia e nos tribunais o arbítrio mesclado à demagogia.

Tomemos a política injusta exposta por Jean Bodin. No poder tirânico “o governante, pisando as leis da natureza, abusa da liberdade dos governados como se eles fossem escravos, e dos bens de outrem como se fossem seus” (Seis Livros da República, livro 2, cap. 4). Adianta o jurista: entre as prioridades tirânicas está o aumento de impostos.

Tiranos, arremata, assumem slogans (devises) belos e títulos divinos, mas a diferença entre eles e o governante justo é que o segundo labuta pelo bem público, mas eles cuidam apenas do seu proveito privado. O Supremo Tribunal Federal (STF) exige para si o título divino: protetor da Constituição! Mas a sua história mostra que, não raro, o suposto protetor se transforma em aliado da alcateia.

Ocorre nele a metamorfose narrada por Platão, autor realista que narra a origem da tirania. Numa situação política injusta surgem “denúncias, processos, lutas de uns com os outros, em grande número. O povo tem o costume de pôr uma pessoa qualquer à sua frente, para o desenvolvimento de sua grandeza. A tirania se origina da semente daquele protetor”. Platão retoma um mito: “Quem provar vísceras humanas, cortadas ao bocados no meio das de outras vítimas, é forçoso que se transforme em lobo”.

Uma técnica predileta do lobo/tirano é aumentar imoderadamente o fisco “para que os cidadãos, empobrecidos pelo pagamento de impostos, serem forçados a tratar do seu dia a dia e conspirem menos contra ele” (República, 565a- 569a).

A metamorfose do protetor em lobo inspira o pensamento jurídico do Ocidente. É impossível entender a doutrina hobbesiana sobre o estado de natureza, em que o homem é o tirano do homem, sem a base platônica. Maquiavel dela se nutriu de modo evidente para quem o estuda com rigor. A tese de Jean Bodin lhe deve o peso heurístico e a força política. O tirano, fulmina Platão, usa um filtro fatídico para triar pessoas. Nele os bons são retirados e os péssimos, mantidos. A purga efetivada pelos médicos é invertida: os humores doentios permanecem – a gentalha que apoia o arbítrio e a violência oficial – e os humores saudáveis são expelidos – os honestos. Desconheço análise mais dura sobre a instauração dos governos ditatoriais. Quem pretende lutar pelas liberdades públicas deve manter Platão na cabeceira.

Volto ao STF. É óbvio que um juiz, sobretudo na mais alta Corte, deve receber paga que o livre da precariedade financeira. Trata-se de condição básica para a sua independência. Sempre lutei por tal prerrogativa dos magistrados (cf, entre muitos textos meus, O Executivo é um buraco negro que tende a dissolver a autonomia dos Magistrados, em Judicatura, Informativo da Associação dos Magistrados de Pernambuco, Ano XVI, n.º 6, pág. 5). Atenção: mesmo os recursos lícitos vêm dos bolsos exangues dos contribuintes, não do plano celeste, como se maná fossem. Se além da justa remuneração o magistrado exige privilégios (auxílio-moradia e outros), já estamos sob domínio do lobo que provou sangue humano ao índice de 16%. Ainda temos a remota possibilidade de tal regalia ser barrada no Congresso Nacional. Mas os parlamentares, de certo modo, sabem que estão à mercê das togas, sobretudo após operações judiciais e de polícia que podem enterrar seus mandatos. O recado subliminar é sempre bem entendido pelos imprudentes representantes do povo (“ Sua Excelência”, no estranho discurso da presidente Cármen Lúcia).

O tirano usa como técnica para dominar a cidadania, paralisando-a, o aumento implacável de impostos. Os contribuintes, atormentados pelas dívidas, pelo desemprego, pela ausência de serviços públicos, de escolas ou hospitais, não têm espaço e tempo para vigiar os representantes e “protetores”. Os 63 mil assassinatos recentes, cadeias fétidas que servem como escolas de criminalidade somam-se ao fechamento de laboratórios científicos, humanísticos e técnicos. Na hora em que o STF concede a si mesmo o aumento privilegiado, bilhões são extraídos da Capes, do CNPq e de todas as agências de financiamento de pesquisa. Para além da lambida no sangue de quem paga impostos, o líquido vermelho é sorvido em baciadas a cada instante mais generosas.

Não é apenas o STF a beber o líquido rubro. No mesmo dia em que se anunciou o aumento de 16% para o Supremo e anexos (rombo presumido de R$ 4 bilhões nas contas públicas no próximo ano), deputados, num lobismo explícito, aumentam a receita do setor ruralista em R$ 14 bilhões, dívidas a serem perdoadas. Um modo lamentável de usar os bens dos governados como se fossem dos parlamentares.

Chego ao ponto inicial do presente texto: senhores, as instituições políticas e jurídicas brasileiras não funcionam “normalmente”. A não ser que o conceito de normalidade seja a definida na fábula de Esopo sobre o cordeiro e o lobo. Para bom entendedor, uma vírgula basta.

* Roberto Romano é professor da Unicamp, é autor de ‘Razões de Estado e outros Estados da Razão’ (Perspectiva)


Fernando Gabeira: O Brasil de De Gaulle

Ideia de virar ‘pais sério’ assusta. Somos leves e alegres. Candidato com esse objetivo tende a ser mal interpretado

Até hoje não se sabe ao certo se a frase foi dita ou não. Em 1962, no auge da guerra da lagosta, o general De Gaulle teria afirmado que o Brasil não é um país sério. Não havia, na época, rede social como conhecemos hoje. Ainda assim, a frase foi tema de amplos debates.

Jamais conversei sobre o tema com o amigo Luís Edgar de Andrade, que teria enviado a notícia de Paris. Muita gente afirma que a frase de De Gaulle jamais foi dita. Vou tomá-la como verdadeira porque esta semana, ao ler “Lições dos mestres”, de George Steiner, creio que posso fazer uma nova leitura da frase.

A França foi humilhada em 1870 e 1871 pela derrota diante dos alemães. E o país se descobriu ávido de “seriedade”. A constatação mais importante: a vitória prussiana não dependeu de superioridade bélica, mas sim de uma escolaridade sistemática, que a colocava à frente em ideias científicas e humanísticas.

O Gymnasium alemão, as universidades depois das reformas de Humboldt, os padrões de qualidade das pesquisas e publicações eruditas deixaram expostos a frivolidade e o amadorismo francês. Alexandre Dumas, em 1873, escreveu: “já não se trata mais de ser espirituoso, leve, libertino, zombeteiro e alegremente inconsequente. A França deve agora haver-se com o ‘muito sério’. Caso contrário, sucumbirá.”

Evidentemente, a França conseguiu dar a volta por cima, na época, modernizando seu ensino. De Gaulle, como conhecedor profundo da história de seu país, possivelmente estaria pensando nessa definição de sério, quando se deparou com as vacilações burocráticas do governo brasileiro.

Mesmo que a frase não tenha sido dita e existam enormes diferenças entre a França do fim do século XIX e o Brasil de hoje, De Gaulle poderia ser reinterpretado na sua definição de país sério.

Não fomos derrotados pelos alemães, mas por nós mesmos. Mas, certamente, o caminho de nos tornarmos um “país sério” passa pela educação.

Reconheço que a ideia de virar um “país sério” assusta. Afinal, o Brasil é leve e alegre. Um candidato com esse objetivo estratégico tende a ser mal interpretado.

Há razões para isso. Costumo citar uma frase de Samuel Beckett: não se passa um dia sem que algo seja acrescido ao nosso saber. A Bíblia tem algo parecido no Eclesiastes 1:18: “aquele que aumenta o seu saber, aumenta o seu pesar.”

Mas creio que Beckett chegou à conclusão por conta própria. Como Freud, ao afirmar que civilização entristece porque depende da repressão aos instintos. Mas nada disso significa um elogio à ignorância. No caso brasileiro, o clima e a natureza são fatores que garantem uma dose de leveza e alegria.

Será que os candidatos querem mesmo fazer do Brasil um país sério? Não fomos arrasados por uma guerra, mas a confiança está num nível muito baixo.

Uma grande virada na educação, não apenas humanística, mas científica e tecnológica, pode ser o grande objetivo nacional. Enquanto isso não acontece, passaremos nossos dias sobressaltados com pesquisas eleitorais, tentando adivinhar de que lado virá o desastre.

Certamente, os candidatos falam no tema, têm planos. Mas se colocam como alguém que pretende trabalhar e têm, na ponta da língua, os principais tópicos de seu programa. Eles se apresentam como prestadores de serviço. Raramente, se colocam como líderes que vislumbram uma trilha e propõem conduzir a sociedade por ela.

Pelo menos, fica essa possível sugestão de De Gaulle, que já encontrou a França com o problema educacional resolvido, e a conduziu pelos difíceis caminhos na guerra e depois dela.

No sentido que dou à sua possível frase, não há nenhuma ofensa, nada que possa agitar nossas inquietas redes sociais. É apenas um rumo, direção para o esforço coletivo, uma constatação de que temos diante de nós um problema que pode nos fazer sucumbir, como dizia Dumas.

Apesar da enorme importância da infraestrutura, dos investimentos na saúde e na segurança pública, nada disso nos tira do pântano senão compreendermos que o Brasil precisas e torna rum país sério, reconhecera educação como a sua grande derrota.

Não faltou quem se lembrasse disso ao longo dos anos. Ouvimos, concordamos, mas, no calor da história, simplesmente deixamos de lado.


El País: Mercado vira termômetro frenético do curto-circuito político do Brasil

Volatilidade do Ibovespa costuma subir 10% em ano eleitoral, mas a variação dobrou neste ano. Analistas apostam que as incertezas começam a se dissipar após início da campanha na televisão

Por Rodolfo Borges, do El País

O dólar chegou a valer 4,13 reais nos últimos dias, numa valorização de 24% só neste ano. E deve subir mais ao longo das próximas duas semanas — mais precisamente, até a divulgação da primeira pesquisa de intenção de voto após o início da campanha de televisão, mais ou menos por volta do dia 10 de setembro. É na subida do ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) nas pesquisas que o mercado aposta para aplacar as incertezas quanto ao futuro da agenda de reformas iniciada pelo Governo Michel Temer. A expectativa é de que Alckmin aproveite seu robusto tempo de propaganda televisiva para melhorar os índices eleitorais. Caso isso não aconteça, a turbulência se estenderá pelo menos até a data de publicação do resultado eleitoral. Neste conturbado ano eleitoral, contudo, qualquer previsão parece precipitada.

O gráfico do Santander expõe os resultados do Ibovespa durante anos eleitorais.
O gráfico do Santander expõe os resultados do Ibovespa durante anos eleitorais.

Vários fatores contribuem para o aumento da tensão neste ano. Ao contrário dos últimos anos, o Governo Michel Temer não tem popularidade o bastante para participar da disputa eleitoral, o que por si só deprime o ambiente. Ao ponto do candidato do Governo, o ex-ministro Henrique Meirelles (MDB), inexpressivo nas pesquisas de intenção de voto, preferir ligar sua imagem à do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) do que à atual administração. Além disso, Lula, apesar de preso, segue no jogo pelo menos até sua candidatura ser invalidada, o que recheia de incertezas uma campanha eleitoral feita em moldes inéditos, com menos tempo e sem dinheiro de empresas. A redução do período eleitoral jogou as propagandas de televisão para o fim de agosto. Neste ano, o horário eleitoral gratuito será exibido por apenas 35 dias. Em 2002, eram 50.  Na última eleição, em 2014, o horário eleitoral gratuito, que marca o início da corrida de fato, começou 12 dias antes, em 19 de agosto, e ocupava o dobro dos 12 minutos e meio que serão reservados neste ano.

Será tempo o bastante para Alckmin, titubeante nas pesquisas e queridinho do mercado, alcançar votos e passar ao segundo turno? O tucano é quem mais tempo tem reservado para a propaganda de TV, com 5 minutos e 32 segundos. E fica no ar a dúvida se a TV terá o mesmo papel nesta eleição como teve em outras disputas. Para os analistas, é inegável o peso da televisão. E mesmo com todas as nuances diferentes, ela terá o potencial de afirmar nomes ou virar resultados rapidamente. Olhando pelo retrovisor, é possível lembrar quadros como o de 2002, quando Lula tinha 37% das intenções de voto antes do início da propaganda na tevê, enquanto Ciro Gomes, então do PPS, aparecia em segundo lugar, com 27%, e José Serra (PSDB) tinha 13%. O tucano, que começou seu programa expondo uma gravação em que Ciro chamava um ouvinte de "burro", precisou de apenas 10 dias de campanha de televisão para encostar no adversário, com 19% contra 20% do ex-governador do Ceará. Mais dez dias depois, Serra já tinha alcançado 21% contra 15% de Ciro. O tucano iria para o segundo turno com 23% dos votos, enquanto Lula, alheio à batalha entre os dois, terminou com 46%. Ou seja, uma campanha bem feita tem o poder de mexer no tabuleiro eleitoral, e de forma rápida.

Segundo José Faria Júnior, sócio da Wagner Investimentos, o cenário deste ano se aproxima mais da eleição de 2014 do que das outras disputas recentes. As pesquisas que mostravam o senador Aécio Neves (PSDB) melhorando nas intenções de voto tendiam a baixar o preço do dólar e elevar o índice da Bolsa, ao contrário do que ocorria quando as notícias eram boas para a campanha de Dilma Rousseff (PT). Nenhuma das duas corridas eleitorais lembra, contudo, os abalos causados no mercado nacional pela campanha de 2002, vencida por Lula. Naquele ano, o Ibovespa acumulou 17% de perda — neste ano, até julho, o índice acumula valorização de 3,69%. “Não teve volatilidade em 2002, foram só perdas. Tinha crise externa, tinha inflação elevada, [taxa] Selic alta, as contas externas eram um problema grande", lembra Júnior.

A situação, de fato, é outra hoje. Apesar da crime econômica, o Brasil vive uma conjuntura econômica bem mais confortável, e isso permite avaliar melhor o impacto da corrida eleitoral na valorização do dólar. "Nos últimos dias, apesar de Argentina e Turquia estarem sofrendo com suas moedas, a gente observou que o dólar recuou contra as principais moedas do mundo, mas não aqui. Isso é problema adicional, porque ele deve continuar se fortalecendo lá fora. Se continuar subindo, diminui muito o espaço para recuar no Brasil", diz Júnior, para quem, diante dos resultados das últimas pesquisas, a ex-ministra Marina Silva (Rede) já começa a ser vista como uma boa opção pelo mercado. Segundo o economista, o valor da moeda norte-americana ainda não chegou ao pico e pode ultrapassar os 4,20 reais.

André Perfeito, economista chefe da Spinelli, enxerga o dólar a 4,15 reais nos próximos dias e lembra que o valor de 4 reais já teria sido ultrapassado há mais tempo se não fossem as intervenções do Banco Central. “É engraçado que o mercado diga que a incerteza está aumentando, porque ela está diminuindo. O candidato preferido do mercado, que tem levado para a frente a bandeira das reformas, não melhora. A população já mostrou que não tem interesse em reformas", diz Perfeito, que aposta em um segundo turno entre o deputado Jair Bolsonaro (PSL) e o candidato do PT, que deve ser o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad após o esperado bloqueio da candidatura do ex-presidente Lula.

Em um cenário como esse, o que aconteceria com o dólar? "Se Bolsonaro ganhar, é possível que o real até se aprecie, por conta do discurso liberal de Paulo Guedes [o prometido ministro da Fazenda de um Governo Bolsonaro]. Mas quando começar a articulação, vai ficar evidente que ele não vai conseguir fazer as reformas na velocidade esperada. Se Haddad ganhar, o dólar pode subir ou cair, a depender do discurso", prevê André Perfeito.

Apesar das dúvidas quanto ao desfecho da eleição deste ano, há também quem aposte que as reformas sairão mesmo no pior cenário imaginado. "Há boas razões para acreditar que as reformas necessárias para que o país acelere o crescimento serão levadas para votação no Congresso ainda no primeiro ano de governo de quem quer que seja o eleito em outubro", escreveu Frederico Sampaio, diretor de renda fixa da Franklin Templeton, em relatório recente.


O Estado de S. Paulo: Ibope expõe fraquezas de presidenciáveis nas eleições 2018

Pesquisa mostra perfis de eleitores com os quais os candidatos não conseguem dialogar; probabilidade do quadro se manter é alta

Por Daniel Bramatti, Alessandra Monnerat e Caio Sartori, de O Estado de S. Paulo

Jair Bolsonaro (PSL) enfrenta forte resistência no eleitorado feminino. Marina Silva (Rede) patina entre os homens. Ciro Gomes (PDT) não convence os evangélicos. Geraldo Alckmin (PSDB) não atrai os mais jovens. Fernando Haddad (PT), provável substituto de Luiz Inácio Lula da Silva, tem desempenho pífio no interior.

Além de mostrar quem lidera a corrida eleitoral, a pesquisa Ibope/Estado/TV Globo expôs os segmentos do eleitorado em que os candidatos têm desempenho mais fraco que a média.
É provável que esse quadro se mantenha, em um primeiro momento: as equipes de campanha dos principais concorrentes não planejam fazer agora esforços para conquistar eleitores mais resistentes. Pelo contrário, a estratégia é reforçar os laços com eleitores de perfil mais afeito ao discurso de cada um.

Apenas um terço do eleitorado de Bolsonaro, do PSL, é formado por mulheres – sendo que as eleitoras são 53% do eleitorado nacional. O deputado, que costuma obter alto engajamento de seguidores nas redes sociais, também enfrenta resistências no eleitorado mais velho e menos conectado à internet.

Eliane Souza, que vive em Teresina, no Piauí, é contundente ao explicar os motivos que a levam não cogitar o candidato do PSL nas eleições. “Ele entra em polêmicas sobre racismo, mulheres, homofobia... Não acho que ele tenha condições de governar o nosso País”, afirmou.

Moradora da periferia de Salvador, a aposentada Maria José dos Santos, 76, não possui celular nem para fazer ligações, não usa aplicativos como WhatsApp, ou se conecta em redes sociais. “Não sei quem é esse cara, nunca ouvi falar”, disse ela, ao ser questionada sobre a candidatura de Bolsonaro, que concentra simpatizantes no segmento mais escolarizado e de maior renda.

No outro extremo, é escasso o apoio entre os mais pobres e que estudaram até a quarta série.

“Quem quiser que vote nele, eu não”, disse a aposentada Maria José, surpresa ao saber que lidera as sondagens eleitorais quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não é incluído entre os candidatos.

Se dois terços do eleitorado de Bolsonaro é masculino, com o contingente que apoia Marina ocorre o contrário. Segundo o Ibope, somente 37% dos eleitores da candidata da Rede são homens. Ela também tem desempenho abaixo da média nacional entre os eleitores mais velhos, brancos, de renda alta e do interior.

“Ah, não dá, Marina tem um sério problema de confiabilidade governamental”, disse Rinaldo Gomes da Silva, de Pitangueiras, cidade na região de Ribeirão Preto, em São Paulo. Do Paraná vem mais um “não” para Marina. “Ela não me inspira confiança. Tem que ter pulso firme, tem que ter a última palavra e nos discursos ela não demonstra isso”, diz Paulo Juliano Choma, da cidade de Mallet.

Mulher, branca, evangélica e moradora da região Centro-Oeste, a radialista Yara Galvão, moradora de Aparecida de Goiânia (GO), é representante de vários segmentos nos quais Ciro Gomes tem desempenho ruim. Para ela, o “histórico político” do representante do PDT “desabona o candidato”.

Lucas Morais, de 26 anos, morador de Fortaleza, considera o tucano Geraldo Alckmin um candidato dos “empresários sulistas”, o que afasta qualquer possibilidade de votar nele. Morais encarna, ao mesmo tempo, dois segmentos que Alckmin tem desempenho inferior à média: nordestinos e jovens.

Na divisão das intenções de voto por gênero e por religião, porém, a distribuição dos simpatizantes de Alckmin espelha exatamente a composição do eleitorado do País.

O petista Fernando Haddad ainda nem se apresenta como possível candidato, apesar de o PT apostar nele como “plano B” para quando Lula for declarado inelegível por problemas legais – o ex-presidente foi condenado em segunda instância e está preso desde o dia 7 de abril.

Pouco conhecido no País, Haddad é ainda mais ignorado fora das capitais. “É um cara que não se destaca”, disse Gilmar Baioto, 51 anos, comerciante de Porto Belo (SC). “Não conheço o trabalho dele”, disse, em discurso parecido ao de Rosângela Souza, da mesma cidade.

Fragmentadas, campanhas preferem preservar ‘convertidos’
Para o cientista político Glauco Peres, da USP, a fragmentação das candidaturas faz com que as campanhas deem prioridade a preservar o eleitorado mais convertido, evitando avançar com tanta avidez nas parcelas da população em que são mais desconhecidos ou rejeitados. “É muito custoso avançar (em outras parcelas) e ter o risco de perder o seu eleitorado. Tem sido uma estratégia conservadora nas duas lógicas: de não avançar e de não perder o seu”, diz. Segundo ele, Bolsonaro é quem aplica esse artifício com mais clareza.
De acordo com Peres, que vê a possibilidade de um candidato ir ao segundo turno com votação entre 15% e 20%, o tempo curto de campanha também reforça essa lógica. “Se tivesse mais tempo, seria muito arriscado ficar parado. O ideal seria ir angariando mais votos aos poucos, pelas bordas.”

A diminuição de recursos financeiros, com a proibição da doação empresarial, é outro fator responsável por evitar deslocamentos que podem se mostrar inúteis. Bolsonaro, por exemplo, é de um partido nanico, que não tem uma máquina consolidada nos Estados e municípios Brasil afora. “Ele vai lá (a cidades em que não tem muitos votos) fazer o quê? Não dá para ir a furadas. É uma eleição de muito cuidado”, aponta Peres.

Por outro lado, quem está em situação delicada é Alckmin. Para chegar ao segundo turno, o candidato que mais tem tempo de TV no horário eleitoral gratuito se vê obrigado a tirar votos de Bolsonaro, que tem sido uma pedra no sapato do tucano até em São Paulo, Estado que governou por quatro mandatos e é o principal reduto político da legenda. “Alckmin precisa ser muito mais incisivo contra o Bolsonaro. Está perdendo voto para ele e precisa reverter isso muito rápido”, diz Peres.

No entanto, a estratégia de pregar para convertidos tem seus riscos. Ao avançar para o segundo turno, o candidato precisa moderar o discurso a fim de atrair os eleitores “mais difíceis”, aponta o cientista político Cláudio Couto, da FGV-SP. “Existem momentos para cada coisa: o foco prioritário nesse momento do primeiro turno pode ser os eleitores ‘garantidos’”, observa Couto, lembrando que a opção de Alckmin pela gaúcha Ana Amélia como vice foi certeira ao focar no Sul, onde tem grandes chances de angariar votos durante a campanha.

Couto vê uma necessidade grande de Bolsonaro investir no eleitorado feminino, considerada pelo professor uma questão indispensável. “O desprestígio do Alckmin no Nordeste não é comparável ao desprestígio do Bolsonaro com as mulheres, que é muito ligado às posições históricas que ele já tomou, de discurso”, diz. “O candidato não pode priorizar o eleitorado mais difícil, mas também não pode abandonar esse eleitorado. O ponto é saber dosar isso, modular o discurso.”

COLABORARAM ALINE TORRES, GABRIELA RAMOS, JUAREZ OLIVEIRA, KATNA BARAN, MARÍLIA NOLETO, RENE MOREIRA E YURI SILVA


Folha de S. Paulo: Risco à democracia no Brasil é real e angustiante, afirma brasilianista

Historiador americano diz que surgiu no país corrente que não valoriza conquistas

Daniel Buarque, da Folha de S. Paulo

LONDRES - A democracia brasileira vive um momento paradoxal às vésperas de uma das eleições presidenciais mais cheias de incertezas, segundo o historiador americano Bryan McCann, professor da Universidade Georgetown.

Ao mesmo tempo em que há espaço para celebrar as conquistas de três décadas desde o fim da ditadura, o país também vive a angústia de ver o crescimento de um movimento que ameaça o pluralismo democrático do país, afirma McCann.

"Surgiu um setor da população brasileira que não respeita essa democracia plural, que não valoriza as conquistas dos últimos 30 anos e pensa apenas na crise mais recente", disse.

Para o professor, a candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) é fruto desse pensamento, pois trata-se de "alguém que concorre em uma eleição democrática, mas com saudade da ditadura", disse.

A eleição presidencial está sendo chamada de a mais imprevisível da história recente no país. Concorda ou acha que as coisas estão começando a se desenhar de forma mais clara?
Sim, concordo. Não só imprevisível, como acho angustiante. E devemos fazer uma reflexão sobre os últimos 30 anos. Sim, é verdade que ao longo dos últimos três anos o Brasil está em crise, mas ao longo de três décadas o Brasil alcançou avanços enormes por causa da consolidação e da construção de uma democracia plural. A eleição é um momento angustiante para a democracia brasileira.

Em que sentido?
Uma democracia plural tem que ter representação de várias tendências no governo, mas o momento atual é angustiante porque surgiu um setor da população brasileira que não respeita essa democracia plural, que não valoriza as conquistas dos últimos 30 anos e pensa apenas na crise mais recente. A candidatura de Jair Bolsonaro é fruto desse pensamento.

Isso é ruim para a democracia?
Ele é um risco para a democracia brasileira. Como não sou cidadão brasileiro, não tenho um candidato para apoiar na eleição, mas eu votaria em qualquer um contra Bolsonaro. Ele não respeita essa democracia e fala abertamente que respeita mais o tipo de regime que o Brasil tinha durante a ditadura.

A revista The Economist diz que Bolsonaro é um perigo para a democracia. Qual a percepção internacional a respeito da candidatura dele?
Mais recentemente ele tem recebido uma maior atenção, sendo comparado a Donald Trump e ao [presidente das Filipinas] Rodrigo Duterte, alguém que tem possibilidade de fazer muito estrago. A cobertura jornalística nos EUA tem sido muito crítica a Bolsonaro, mostrando ele como alguém que concorre em uma eleição democrática, mas com saudade da ditadura.

Considerando o quadro atual de coligações entre partidos, em que Bolsonaro vai receber pouca verba e vai ter pouco tempo de TV, acha que ele tem chances reais de vencer a eleição?
Acho que sim. Depois da vitória do 'brexit' e da eleição de Trump, o que temos visto nos últimos anos é um mundo político em que um movimento populista que simplesmente quer acabar com a situação atual e quebrar a casa pode vencer, sim.

O ex-presidente Lula está preso e foi anunciado oficialmente como candidato a presidente. Como isso se encaixa na história política dele no Brasil?
Lula tem uma importância histórica imensa para o Brasil. A questão principal agora é tentar entender como essa importância dele vai ter influência na eleição. Acho que a candidatura dele vai ser barrada, mas acredito que ele tenha grande poder de transferência de votos. E mesmo se o candidato dele não conseguir passar ao segundo turno, Lula ainda terá capacidade de transferir votos no segundo turno, para o candidato que tiver mais proximidade.

O momento atual tem paralelo na história do país?
Para os historiadores, lembra a eleição de 1945, quando Getúlio Vargas teve poder de transferência de votos que acabou com o resultado da eleição do Dutra. Foi Getúlio que levou à eleição de Dutra. Lula vai ter este tipo de poder em 2018, e falta saber para quem vão acabar indo esses votos.

Há quem compare o momento atual à eleição de 1989. O que acha?
Há semelhanças com 1989, sim. Na época, [Leonel] Brizola e Lula acabaram dividindo o voto da esquerda. Hoje em dia é até mais difícil, pois não tem um candidato claro da esquerda.

A manobra do PT que isolou Ciro Gomes [PDT] pode ser vista como uma lição para evitar a divisão de 89?
A esquerda brasileira aparentemente não aprendeu a lição. Não vemos agora uma união de forças contra o Bolsonaro, por exemplo. Vemos Ciro e Lula disputarem, e mesmo dentro do PT tem tendências disputando espaço.

Como tem sido vista fora do Brasil a candidatura de Lula, que está preso?
Isso gera um pouco de dúvidas e incertezas. Não existe uma percepção geral de que Lula foi injustiçado, entretanto. Mesmo entre as pessoas bem informadas sobre política global. O que há é uma incerteza sobre o que está acontecendo, como ele pode ser candidato, e uma ideia de que no fim ele não vai poder concorrer, então o partido dele vai ter que apoiar outro nome.


O Estado de S. Paulo: ‘Votar por ódio leva a riscos muito grandes’, diz Boris Fausto

Historiador diz que descrença nos partidos abre as portas para candidaturas que podem ameaçar a democracia

Gilberto Amendola e Aguinaldo Novo, de O Estado de S. Paulo

O historiador e cientista político Boris Fausto, de 87 anos, vê com preocupação o atual quadro eleitoral. Em entrevista ao Estado, ele diz que a candidatura à Presidência do deputado Jair Bolsonaro (PSL) representa a ascensão de uma extrema-direita que “aceita regras fora do jogo democrático”. E nenhuma outra força política, ao centro ou à esquerda, tem hoje força para se contrapor a esse avanço, dado o descrédito dos partidos tradicionais.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Qual o retrato do País às vésperas de uma eleição presidencial?
Estamos à beira do abismo, em uma situação muito complicada. Há uma crise institucional muito grave. Há uma incerteza com o resultado da eleição. E existem candidatos que são, ao menos um candidato notadamente, muito preocupantes.

O sr. se refere ao deputado Jair Bolsonaro?
(Rindo) Você é quem falou...

O que faz dele alguém tão bem colocado nas pesquisas?
Ele vem de uma coisa inegável, que não chegamos a perceber, que foi o avanço da extrema-direita. O Bolsonaro vem nessa onda. Ele é nitidamente um candidato que hoje entrou no jogo, mas que também aceita regras fora do jogo democrático.

Como se deu o fortalecimento dessa extrema-direita?
O que levou a isso foi a corrosão do jogo democrático. Corrupção, descrença nos candidatos e nos partidos, seja à esquerda ou à direita. Isso proporcionou o avanço da extrema-direita e o crescimento da ideia de um regime forte. Essa ideia vem sempre associada aos militares, porque, na cabeça de alguns, se alguém tiver de implantar um regime forte são eles, os militares. Tem também muita gente jovem que apoia o Bolsonaro e não conheceu a ditadura. E mais grave: gente que conheceu a ditadura e diz que é isso mesmo. É um eleitorado que diz que cansou dos políticos de centro, dos bem comportadinhos, dessa esquerda que é muito demagógica. Quando você vota por ódio ou por raiva, os riscos são muito altos. Se estoura tudo, o caos é instalado e as consequências tendem a ser autoritárias. Ainda assim, mesmo que chegue ao segundo turno, parece difícil que o Bolsonaro ganhe a eleição. Na França, as pessoas se assustaram quando Marine Le Pen (candidata da extrema-direita ao governo francês) chegou ao segundo turno (em 2017) e se juntaram nas candidaturas enquadradas dentro da normalidade.

Uma união entre partidos para enfrentar Bolsonaro num segundo turno será automática?
PT e PSDB não vão se dar as mãos. Vão, no máximo, fazer uma aliança pragmática.

Derrotado, Bolsonaro será um fenômeno efêmero?
Diria que Bolsonaro é uma má personificação, é muito caricatural. Isso pode agradar a um setor, mas, para articular um movimento, esse homem é muito tosco. Uma corrente de extrema-direita vai persistir, mas outro alguém vai encarnar essa corrente, alguém que não ensine uma criança de 5 anos a atirar.

Existe algum partido que se contraponha à extrema-direita?
Não e esse é o drama do País. Nem ao centro e nem à esquerda. Agora, tem uma figura que ganhou pontos, foi a Marina Silva, que inteligentemente peitou o Bolsonaro. Coisa que o (Geraldo) Alckmin não faz. Ele fica fazendo suas considerações aritméticas e um joguinho que, ao meu ver, não funciona mais.

A Marina tem força para se impor e com chances eleitorais?
Com chances eleitorais, sim. Se ela vai para o segundo turno, ganha de qualquer um. Mas daí começariam problemas de toda ordem. A força de articulação dela é muito baixa. Vejo pouca capacidade dela no jogo institucional.

Considera haver riscos para a democracia no País?
O risco de intervenção militar, acho menor do que em 1964. Mas o risco de uma descida aos infernos por uma via autoritária que seja, até certo ponto, formalmente democrática tem chance de ocorrer como nunca.

Como explicar a força do ex-presidente Lula mesmo preso?
Ele combina o martírio com a habilidade política. Ele não está se valendo do sofrimento da cadeia. Ele é forte e está vivo, é um quase semideus, e ainda consegue dar um trança-pé do naipe que ele deu no Ciro Gomes. Fundamentalmente, eu não acho que o PT seja um partido democrático. Existe uma corrente autoritária forte no interior do PT. O PT está integrado no jogo democrático porque lhe convém muito bem. Na medida em que a figura salvadora do Lula permanece, algum tipo de homogeneidade interna sobrevive no PT. Enquanto isso, o PSDB se arrebenta, com as acusações de corrupção e a desfiguração de seus quadros. Além disso, toda política do PSDB desde a primeira vitória do Lula foi errada. Em vez de combater na oposição, e apostar no futuro, passou por posições oportunistas.

Como vê a ideia dos outsiders?
Tenho dúvidas em relação aos outsiders. Eles aparecem com uma marca antipolítica. Se você se aproveita da crise da política, do sistema, isso é um indício negativo.

A eleição vai pacificar o País?
Vai continuar dividido e polarizado. Vamos dizer que o Bolsonaro seja eleito. Como se estabiliza isso com as características desse homem? Quem vai governar, o Posto Ipiranga? É crise mesmo. O Alckmin é o que tem mais condições de levar a política para frente, mas é muito a velha política. Não é nada muito animador.


Portal do PPS: Redes e mídias serão fundamentais na campanha para atrair eleitores, afirma especialista

Bruno Hoffmann diz que candidato precisa de estratégia nas redes sociais

As redes e as mídias sociais estão cada vez mais presentes no dia a dia dos brasileiros. A ferramenta terá um papel primordial nas eleições deste ano e será valiosa para que os candidatos possam atingir o máximo possível do eleitorado e expor as suas ideias e propostas. Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) publicados no início do ano, o País tem aproximadamente 116 milhões de pessoas conectadas na internet, o que corresponde 64,7% da população brasileira.

Com o objetivo de contribuir com os candidatos do partido na utilização das redes sociais, o Portal do PPS entrevistou o presidente do CAMP (Clube Associativo de Profissionais do Marketing Político), Bruno Hoffmann, que é um dos principais especialistas em marketing político e redes no País. A entidade que ele representa é considerada a primeira iniciativa bem-sucedida de reunir profissionais que atuam em campanhas eleitorais e com comunicação política.

“Com alguns candidatos que tem tempo de TV maior que outros, certos candidatos terão, por necessidade, de se apoiar quase que completamente na internet”. diz Hoffmann. Na entrevista a seguir, o especialista também dá dicas da melhor forma para evitar e combater a fake news neste pleito e fala como os candidatos podem usar as redes sociais para alcançar o voto dos eleitores nas eleições de outubro.

Portal do PPS – Qual será a importância das redes sociais nestas eleições?
Bruno Hoffmann – As redes sociais estão crescendo a todo momento. Parece que todo ano é o ano das redes sociais. Elas aumentam [de importância] a cada ano. Cada vez mais pessoas tem acesso. A importância neste momento é que é mais uma ferramenta utilizada no processo eleitoral. Uma ferramenta geral de comunicação muito importante neste sentido. Claro que como qualquer outro canal depende muito da imagem do candidato. Por mais talentosa que a equipe de comunicação digital seja, a imagem do candidato é importante. Fica mais fácil você se comunicar nestes meios da maneira como as regras foram estipuladas [pela Justiça Eleitoral], com estruturas de campanha extremamente enxutas. Com alguns candidatos que tem tempo de TV maior que outros, certos candidatos terão, por necessidade, de se apoiar quase que completamente na internet.
Não tem como deixar de exemplificar com o caso do [Jair] Bolsonaro. Ele terá sete segundos e usará a TV justamente para chamar as pessoas para a internet e para os canais que ele possa se comunicar de forma mais detalhada. Bolsonaro é um cara que já tem uma base importante [nas redes sociais]. Tem feito esse trabalho de comunicação com redes sociais e continuará sendo muito forte nas redes. Claro que num cenário em que ele não terá [tempo] TV vai passar a receber muitos ataques de outros candidatos. Não necessariamente ataques, mas comparações e histórias que o público ainda não saiba. Isso pode diminuir o apoio que ele tem. Mas dentro da sua pergunta, as redes sociais, principalmente o Whatsapp, que é um mensageiro eletrônico – o que não deixa de ser uma rede social -, serão mais fáceis de compartilhar e terão um alcance fortíssimo. Com certeza as redes [sociais] serão mais importantes do que no passado.

As rede sociais serão mais importantes que os veículos de comunicação tradicionais?
No geral depende do candidato, mas nesta eleição podemos dizer que sim, principalmente por conta do Whatsapp. Também pelo fato de os candidatos poderem fazer impulsionamento nas redes sociais. Qualquer pessoa que estiver acessando as redes será impactada por campanhas eleitorais que estarão tentando fazer essa segmentação para as pessoas, especialmente os eleitores mais jovens [na faixa etária dos 16 anos]. Apesar da sociedade demonstrar descredito com a politica, ela está interessada em votar e quer participar do processo. Pouquíssimos dessa geração de jovens veem TV. São muito ligados nas redes sociais e nos conteúdos que são gerados a partir delas, por exemplo.
Tivemos o debate da Band e houve um número pequeno de pessoas que assistiram, mas na verdade é um número considerável [se levarmos em conta os 147,3 milhões de eleitores]. Agora a repercussão no dia seguinte [ao debate] nas redes sociais é o que mais importa. Se a campanha tem uma estrutura, ela faz vídeos dos melhores momentos. Essa capacidade de você buscar essa geração de conteúdos é que o vai garantir uma visualização enorme e vai ter aquele sentimento: ‘que ótimo, meu candidato ganhou o debate porque deu essa resposta fantástica’. As pessoas não vão parar para ver até quase uma hora da manhã um debate porque a maioria dos trabalhadores não tem capacidade de dar essa audiência. Com certeza as redes sociais serão fortíssimas netse sentido. Claro que a TV, agora no final do mês [com o início do horário eleitoral na TV e rádio], também terá um impacto fortíssimo com a vinculação das inserções [da propaganda eleitoral]. A audiência aumenta bastante, mas não tenha duvida que as redes sociais serão mais importantes nas eleições deste ano.

Qual a preocupação com a fakenews? Ela pode influenciar na decisão de escolha?
De certa forma a fake news foi um termo criado recentemente, mas sabemos muito bem que a boataria sempre existiu na comunicação como um todo e na política também. Acho importantíssimo a valorização e a importância que o TSE [Tribunal Superior Eleitoral] está dando para esse tema. O fato de você ter um eleitorado que pode ter uma informação falsa, e com base nisso influenciar o seu voto, enfraquece a democracia. O CAMP [Clube Associativo de Profissionais do Marketing Político] fez um termo de acordo de cooperação com o TSE para combater as fake news. A noticia falsa por si só nós comprometemos não criar. É importante colocar para a população que não é apenas no processo eleitoral que isso a notícia falsa ocorre. Não, todo dia tem alguém que acredita que amanhã terão dois sóis ou duas luas. Alguma historinha que foi montada, que as pessoas acreditam e acabam repassando. Vai muito da questão da educação.
Entidades ligadas à liberdade de expressão tem provocado esse debate, com ajuda do próprio Ministério da Educação, inclusive tentando trazer para a escola como as pessoas podem estar mais preparadas para checarem e aprenderem a lidar com as noticias. Claro que as fake news terão um poder maior sobre a população mais carente que não tem tido a oportunidade de ser instruída para checar determinadas fontes e noticias. Por mais que se tente evitar, certamente teremos empresas trabalhando com fake news e, possivelmente, mais pessoas serão presas neste processo. Um processo eleitoral é extenso e com muitos candidatos. No final da campanha, quando se imagina que é preciso ganhar cinco pontos contra o adversário, acaba se tomando ações mais irresponsáveis e e aí que o erro acontece. Acredito que muitos candidatos e equipes terão problemas sérios com isso.

Qual o melhor caminho para evitar e combater a fake news nas redes sociais?
Do ponto de vista do candidato temos visto que alguns já utilizam algumas estratégias que explicam os boatos que circulam. Do ponto de vista institucional isso é importante. As campanhas que tem monitoramento e essa inteligência podem determinar quando uma notícia está ganhando espaço e pode usar a estratégia para combatê-la. Não só no site, mas em debates ou até mesmo abordar isso no tempo de TV e radio quando se determinar que a tal noticia ganhou escala muito grande. É importante que o candidato tenha esse monitoramento de inteligência para desconstruir mentiras que possam ocorrer.
As pessoas precisam estar mais instruídas em duvidarem de títulos alarmantes, se as datas são recentes e quando são republicações de notícias antigas. Muitos sites possuem um endereço parecido com sites reais e fazem as pessoas pensarem que estão num veiculo de renome. É preciso usar o Google nestas horas e questionar se aquilo realmente aconteceu. Existem sites específicos que combatem os boatos. Fora isso, nós veremos durante a campanha os grande portais alertando para noticias falsas. Então, o melhor caminho é que as pessoas chequem a veracidade das informações.

Que dica você dá para os candidatos no uso das redes sociais?
Aquele que possui orçamento não terá como fugir do impulsionamento. Também é importante que isso seja feito de forma fundamentada. Um candidato pode delimitar não só o estado, mas dados como faixa etária, etc. Buscar uma linha estratégica mais aproximada do seu eleitor de forma segmentada. É tentar fazer isso dentro de sua estrutura de campanha, com a ajuda de voluntários, uma estrutura de pirâmide e de mensagens na qual ele consiga atingir um número bastante alto de pessoas. Divulgar um lugar onde as pessoas possam se registrar e receber notícias e informações. E, claro, a questão do conteúdo que é fundamental. Tudo depende do conteúdo. Não adianta ter uma Ferrari se a pessoa não sabem pilotar. Quando pensar no conteúdo é preciso pensar no que fez e falar do que fez. As pessoas não votam por gratidão, mas pelo que o candidato está contribuindo, focando bastante nas propostas. Mostrar o que mais vai poder fazer e se preocupar com um conteúdo de qualidade. A imagem é tudo e é necessário investir num fotografo profissional e buscar, no conteúdo, aquilo que é importante para as pessoas. Tentar traduzir os dados em coisas efetivas. Coisas que as pessoas possam entender e traduzir melhor.


Marco Aurélio Nogueira: Tempo de choques e atritos

Urge uma candidatura democrática capaz de promover uma união que abra as portas do futuro

Basta passar os olhos pelos debates e entrevistas eleitorais para constatar: os candidatos são o que são. Nenhum deles exibe poderio político extraordinário, nem particular força de persuasão. Cada um tem seu gueto, seu estilo, suas convicções, seu séquito. Mas nenhum ainda conseguiu sair de si, ultrapassar os muros de proteção, chegar aonde o povo está. Uns acreditam que conseguirão isso com a televisão, outros com as redes. Ninguém sabe quão potentes serão esses meios.

O tempo é de choques e atritos. Não há por que fugir dele à espera de um candidato ideal ou de uma candidatura que reúna os “melhores”. Isso não acontecerá, e talvez seja até bom que não aconteça. Democracia é pluralidade, divergência, confronto de opiniões, manifestação de preferências. É uma oportunidade para a sociedade olhar-se no espelho, mostrar sua cara, conhecer suas falhas, imperfeições e possibilidades. Numa época de partidos e verdades em crise, pregar a ordem unida é caminhar às cegas, sem poder de convencimento.

Os candidatos lutam pela própria afirmação, atropelam-se uns aos outros. É da lógica eleitoral. O sangue que deles escorre pode adubar candidaturas indesejáveis ou beneficiar quem menos se espera. São efeitos colaterais não previstos, riscos, preço da democracia.

A sabedoria está em minimizar os efeitos, evitar que os choques se traduzam em agressão e ruptura. Mentiras escabrosas e campanhas negativas de desconstrução são tóxicas, envenenam a democracia. Não se trata somente de cordialidade, mas de bater sem deixar marcas e sem poupar o adversário principal, facilitando-lhe a vida.

O campo da democracia no Brasil vive hoje um dilema: é possível trabalhar para que se tenha uma mudança que mexa nas estruturas, nos sistemas em geral, nas instituições, nos hábitos políticos, que produza mais vida civilizada? De que modo: mediante ataques frontais e explosões de indignação, ou por negociações longas, transações difíceis, de modo incremental? Alianças à direita ou com a “velha política” impedem a mudança necessária ou precisam ser toleradas? O que fazer com o “Centrão” e com as bancadas setoriais, que burlam os partidos e chantageiam o Executivo?

Mudar tornou-se um imperativo. Virá mais cedo ou mais tarde, já está vindo sem que percebamos bem, cegos que estamos por disputas e polarizações paralisantes. Não devemos exagerar no argumento. O Brasil não é um doente terminal, não vai acabar nem descarrilar depois das eleições, seja quem for o próximo presidente. Não há por que ficar parado perante um inimigo da democracia, nem temer os populistas de plantão. Não haverá salvadores da pátria e todos terão de cooperar entre si, fazer alianças, negociar, assimilar a velha política, pedir ajuda ao mercado e à população. Errarão e acertarão, uns mais, outros menos. Perigos e ameaças virão mais de uns do que de outros. Mas a roda continuará a girar.

A exigência de cooperação tem uma implicação positiva: faz todos terem de reduzir o topete, moderar as fantasias, aprender a respeitar os limites, arregimentar as forças que garantam algum sucesso. Impõe a articulação e a mediação.

Os candidatos, porém, precisam colaborar. Não se podem comportar prometendo mundos e fundos, criando falsas expectativas e esperanças vãs, falando mais para ferir os adversários do que para esclarecer a população. Sua função é apresentar planos, metas, ideias, revelar o fundo do poço e os meios para dele sair, não varrer para baixo do tapete a sujeira acumulada, fingindo que nada têm que ver com ela. Não podem transferir para as oligarquias ou para os “golpistas” responsabilidades que precisam ser contabilizadas coletivamente.

Repetir slogans e chavões, incorporar o espírito de terceiros para iludir o povo, jurar ataques frontais aos bancos, à propriedade privada e à política tradicional podem impressionar os incautos, mas não ajudam a que o País encontre uma rota.

São políticos antipolíticos. Recusam a política realmente existente como se ela fosse o único entrave e pudesse ser eliminada por decreto. Políticos que não falam de alianças e negociações, a não ser para demonizá-las ou justificá-las envergonhadamente. Que não se dedicam a falar do “como”, das concessões inevitáveis, dos sacrifícios que precisarão pedir ao povo. Derramam-se em elogios ao “novo” sem se darem ao trabalho de qualificá-lo. Suas propostas são genéricas, não descem a detalhes essenciais, não convencem. São fogos de artifício, lançados para desviar a atenção, disfarçar um buraco negro que não se deseja enxergar.

Jogam para a plateia. Obedecem a roteiros traçados por assessores e marqueteiros, capricham na performance, com gestos calculados para alcançar o máximo de efeito e atrapalhar os adversários. Também é parte do jogo, não dá para pedir que não ajam assim. São ritos eleitorais.

Mas as circunstâncias estão a clamar por algo mais, roteiros melhores, propostas claras e detalhadas. Não para que se conquistem votos, mas para ajudar a sociedade a se autocompreender, a se mobilizar, a se preparar para sacrifícios e dificuldades. Está certo, é somente uma eleição a mais, o mundo não acabará no dia seguinte, o País tem reservas para queimar. Mas, e para além das generalidades sobre o gigante adormecido? Quem irá desarmar a bomba da polarização?

Candidatos presidenciais estão se oferecendo para gerenciar a roda da História, interferir na nossa vida, direcionar uma sociedade às voltas com seus piores demônios. Não deveriam jamais prometer o que deles não depende ou falar como se não houvesse amanhã.

É hora de pavimentar o caminho. O tempo ruge. O País não acabará, mas será trágico se no final de outubro não houver uma candidatura democrática com força política e sensibilidade para promover uma união que reduza riscos e abra as portas do futuro.


El País: Sem marqueteiro oficial e fora dos debates, PT aposta em campanha de ‘corpo ausente’

Partido terá que lidar com a ausência de Lula nos palanques e a falta de novas imagens para os programas de TV. Gleisi diz que PT tomará medidas jurídicas para ter ex-presidente ou Haddad nos debates

O PT terá pela frente uma de suas disputas eleitorais mais difíceis desde que Lula concorreu pela primeira vez à presidência, em 1989. A campanha deste ano será feita com o ex-sindicalista e principal cabo-eleitoral da legenda de corpo ausente. Preso em Curitiba, ele não deverá ter acesso aos palanques e câmeras de TV. Neste cenário inédito, o partido terá que contornar uma série de problemas, como a exclusão dos debates na TV e a difícil tarefa de colar nos dois vices da chapa, o oficial, Fernando Haddad (PT), e a reserva, Manuela D'Ávila (PC do B), o rótulo de candidatos de Lula.

Nesta última quinta-feira, o desafio se tornou claro. A insistência em manter Lula como o candidato fez com que o partido com o presidenciável líder das pesquisas ficasse de fora do primeiro debate, na TV Bandeirantes. O ex-presidente não foi autorizado a deixar a cadeia pela Justiça. E, para tentar compensar, Haddad e Manuela D'Ávila promoveram uma conversa paralela na internet, que nem de longe atingiu a popularidade do encontro televisivo. No dia seguinte, na porta da carceragem de Curitiba, a presidenta da legenda, Gleisi Hoffmann, afirmava em entrevista coletiva, após "uma longa conversa com Lula", que o partido tomará todas as medidas jurídicas necessárias para que ele participe dos próximos debates. E que, se não conseguir, haverá um esforço para que Haddad vá em seu lugar. O próximo encontro entre presidenciáveis já acontece na próxima sexta-feira, na Rede TV.

Esta será apenas uma das dificuldades que o partido terá nos próximos meses. Nem mesmo a propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV, que começa em 31 de agosto, trará novas imagens do ex-presidente. Desde que foi preso, em abril deste ano, a Justiça negou vários pedidos do PT para que equipes do partido –e até mesmo seu fotógrafo pessoal– pudessem captar vídeos de Lula. Assim, apenas imagens e áudios de arquivo do ex-presidente poderão ser utilizados. “Tem muito material que o Lula gravou antes de ser preso, já pensando nesse cenário de golpe”, disse uma fonte da legenda ao EL PAÍS. A ideia dos programas será colocar eminências petistas para apresentar Haddad, com o reforço de vídeos antigos do ex-presidente elogiando seu pupilo, que é quem deve tomar a cabeça da chapa caso a Justiça Eleitoral declare a inelegibilidade de Lula, condenado em segunda instância e, por isso, passível de ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa. O material é vasto: o ex-presidente foi o principal fiador e cabo eleitoral da campanha que levou Haddad à Prefeitura de São Paulo em 2012.

A tônica dos programas, conforme confirmado por petistas próximos à campanha, também será insistir na tese do golpe político-jurídico que levou o ex-presidente à prisão e o impediu de disputar a presidência em igualdade de condições. “O horário político será um instrumento de defesa da candidatura do Lula. E caso ela seja barrada [pelo Tribunal Superior Eleitoral], será uma denúncia disso. Assim vamos transformando acontecimentos jurídicos em elementos de campanha”, afirmou uma fonte do PT.

Pela primeira vez em décadas, o partido também chega à campanha sem um marqueteiro todo-poderoso, geralmente responsável não só pelos programas de rádio e TV, mas também por algumas decisões estratégicas da campanha. O histórico dos antigos marqueteiros do partido não é dos melhores. João Santana, que trabalhou na segunda campanha de Lula e na de Dilma Rousseff, foi condenado pela Lava Jato este ano e firmou acordo de colaboração premiada que prejudica o partido. Antes de Santana, o nome da propaganda petista era Duda Mendonça, um dos responsáveis por levar pela primeira vez na história o PT ao Planalto. Ele se viu envolvido no escândalo do Mensalão —do qual terminou absolvido em 2012—, apenas para voltar aos holofotes com a Lava Jato em 2016, o que o levou a também assinar acordo de delação premiada.

Desta vez, diz o partido, caberá a uma equipe formada principalmente por militantes e quadros internos se encarregar da propaganda da chapa de Lula. “É um trabalho coletivo mais adequado ao cenário das campanhas atuais”, explica o PT, em nota. O partido afirma ainda que a decisão de adotar este novo modelo não foi tomada “por questão de custos”, e sim para “superar o modelo antigo do marqueteiro”. Questionada, a campanha não respondeu sobre os problemas deste "modelo antigo".

Dois ex-marqueteiros do partido se se viram envolvidos em escândalos de corrupção e se tornaram delatores

Pessoas ligadas à campanha petista afirmaram que o modelo da campanha controlada por um grande marqueteiro “estava ligado a uma grande preponderância dos programas de TV”, e que no cenário atual aposta-se em um aumento da importância relativa de outros meios de comunicação. Um exemplo disso foi o debate paralelo feito na última quinta-feira. Segundo o PT, o ao vivo realizado no Facebook teve “mais de um milhão de visualizações”. As menções ao nome de Lula, no entanto, foram inferiores às feitas aos outros candidatos que participaram do evento na Band.

Além disso, fontes petistas afirmam que “as campanhas hoje são mais baratas”, e que “praticamente não existem mais aqueles profissionais com perfil exclusivo de marketing político”. Apesar de ter trazido para dentro da estrutura do partido o papel de propaganda e marketing, petistas afirmam que o publicitário Sidônio Palmeira, responsável pelas campanhas vitoriosas dos petistas Jaques Wagner e Rui Costa na Bahia em 2006, 2010 e 2014, será uma espécie de “consultor informal” do partido. Ele nega, mas confirma que foi sondado: “Eu não sou nada [na campanha] (...) me procuraram pra fazer a campanha, eu estava fazendo a do Rui Costa, e me consultaram em algumas coisas, mas não estou no dia a dia, não estou em condições de falar sobre isso”, afirmou Sidônio à reportagem. O publicitário, no entanto, frisou que será importante que o PT resgate os feitos econômicos “da época do Lula, para contrapor à situação atual”.

A campanha petista será coordenada pelo economista Sérgio Gabrielli, ex-presidente da Petrobras no período de 2005 a 2012. Sua passagem pela estatal foi marcada pelo crescimento da empresa, turbinado principalmente pela descoberta das reservas do Pré-Sal e pelo alto preço do barril de petróleo no mercado internacional. Anos depois de deixar o comando da Petrobras, no entanto, ele se viu arrastado para o furacão da Operação Lava Jato que varreu as gestões petistas. Gabrielli chegou a ter seus bens congelados pela Justiça e foi condenado em 2017 pelo Tribunal de Contas da União a ressarcir a estatal em mais de 100 milhões de reais. Segundo as investigações, ele teria tido um papel ativo na aquisição da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, que segundo o TCU causou prejuízos de mais de 790 milhões de dólares à petroleira.

Transferência de votos pode ser trunfo petista
Em um cenário no qual existem boas chances de Lula ser barrado das urnas, o partido aposta no fenômeno conhecido como transferência de votos para fazer com que os pouco mais de 30% de eleitores que o apoiam até o momento votem em seu vice, Haddad. De acordo com as últimas pesquisas, o ex-prefeito de São Paulo tem entre 6 e 8% das intenções de voto em um cenário sem o ex-presidente. No entanto, segundo levantamento do Instituto Datafolha, 30% dos eleitores afirmaram que votariam “com certeza” em um candidato indicado por Lula, enquanto 51% “não votariam jamais” e 17% votariam “talvez”.

A capacidade de transmissão de votos em uma situação como a de Lula, preso, “é algo difícil de mensurar, e o fenômeno é pouco conhecido neste contexto”, diz o cientista político Leonardo Avritzer, da Universidade Federal de Minas Gerais. De qualquer forma, o professor ressalta que o ex-presidente “conseguiu manter intenção de votos alta durante um grande período de tempo e em uma situação muito adversa, que foi a prisão”, o que é um sinal de que ele manteve seu “capital político”. “Existem variáveis como a empatia que o eleitor terá com o nome indicado pelo ex-presidente. Isso tudo depende do trabalho feito nas propagandas do partido para colar Haddad em Lula”, conclui.

Haddad disse que será “a voz de Lula” na corrida eleitoral, mas é difícil saber o quanto suas palavras ecoarão como sendo as do ex-presidente. Enquanto Lula for mantido como cabeça de chapa, o partido navegará praticamente às cegas com relação à popularidade de seu possível substituto. Isso porque enquanto não for barrado pela Justiça o nome do ex-presidente continuará aparecendo nas pesquisas, o que obrigará o PT a fazer seus próprios levantamentos para saber o desempenho do vice.


Marco Aurélio Nogueira: Cálculos e apostas

Cálculos eleitorais são apostas, cada uma com sua dignidade, seus limites e suas possibilidades

Realizado o debate entre os presidenciáveis ontem à noite, inevitável que se tente descobrir quem ganhou e perdeu, qual estratégia se mostrou mais eficiente, quem soube calcular melhor a participação no debate.

Cálculo político é algo complicado. Tem muitas traduções. Sobretudo em processos eleitorais.

Você pode calcular que falando isso ou aquilo, uma verdade ou uma mentira tanto faz, ganhará ou perderá votos. Pode calcular que não falando nada, tergiversando e pedindo tempo para pensar, nada perderá e eventualmente ganhará. Pode calcular que quanto mais consistentes forem tuas propostas mais audiência obterá. Pode apostar tudo na demagogia e no populismo como estratégias para chegar ao coração do povo. Pode apelar a Deus ou ao Diabo para se mostrar mais religioso, ou menos.

Pode calcular que batendo na mesa e mostrando fluência e ousadia verbal conquistará o entusiasmo das multidões desejosas de alguém indignado pela esquerda ou pela direita, ou de um cabra arretado, na Presidência. Poderá falar cobras e lagartos, ameaçar os poderosos e os fracos, aliar-se à direita para sustentar um discurso de esquerda que você diz corresponder à tua formação e a teus compromissos, fazer juras de amor a teus adversários para tentar neutralizá-los. Poderá incensar seus padrinhos políticos e certos ícones que, em tese, ajudam a levantar as multidões, pouco se envergonhando de se subalternizar a eles. Nessa trilha, deixará de levar em conta que até mesmo os que se julgam mais bem preparados podem subornar a si próprios sem terem disso a menor consciência.

Pode calcular que mostrando serenidade, realismo e talento administrativo irá comendo pela borda e chegará lá, convicto de que alianças e diálogo geram boa governança. Poderá fazer com que vibrem as cordas da razão técnica, da experiência, da união política e da democracia, dizendo que conseguirá domar os demônios que te acompanham, sem considerar que o inferno político é vasto e nem sempre é domável. Sua praia será a sensatez e a serenidade, recursos com que pensa ser possível re-unir o que a vida política desuniu. Seguirá a estrada da moderação e da exibição de propostas exequíveis, difíceis de serem questionadas. No meio do caminho, poderá correr o risco de ficar tão encantado com as próprias convicções que se esquecerá de assimilar os reclamos das multidões e com elas interagir.

Pode imaginar que posando de mártir e vítima dos poderosos conquistará o coração dos subalternos e será a eminência parda do processo, pouco importando se isso prejudicará os que acreditam em você e te seguem com convicção religiosa. Você poderá criar um séquito de fanáticos, pernas sem cabeça, paixão sem racionalidade, um movimento místico regressista, que cega e aliena, mesmo que repita à exaustão sua perspectiva emancipacionista e prometa, caso vença, que fará o povo ser feliz de novo, abrindo as portas do paraíso como nunca antes se tentou fazer nesse país. Na sua cabeça a ideia pode ser outras, mas sua atitude acaba por manter os cidadãos em condição de infantilidade, pedindo proteção, afago, carinho, como se um pai faz com um filho. Poderá encontrar um sucedâneo que guarde teu lugar e fale em teu nome, sem levar em conta que muitas vezes essas operações causam constrangimentos e bloqueiam importantes tentativas de renovação. Não perceberá que, se a operação der certo, a chance de você cair no esquecimento será altíssima.

Pode calcular que pregando um modo diferente de fazer as coisas e se cercando de gente íntegra e que pensa como você cavará um lugar na dianteira, crente de que mais cedo ou mais tarde a verdade triunfará. Você dirá que somente com independência e renovação será possível unir o País, repudiando alianças e coligações ampliadas por serem perigosas e refratárias ao progresso indispensável. Terá enormes dificuldades para governar e derrotar as estruturas que empurram o país para trás, mas permanecerá na estrada como uma espécie de consciência crítica da nação, sem sacrificar seus ideais no altar das grosserias políticas e das jogatinas do marketing.

E pode calcular que confessando suas limitações e mostrando sua verdadeira face bruta, truculenta, abrirá um canal de comunicação com as massas, intoxicando o imaginário popular com a promessa de que a ordem, a disciplina e a autoridade trarão o futuro que todos esperam e Nosso Senhor abençoa. Poderá formar uma brigada com gente que segue teu estilo e admira tua veia autoritária, controversa e indiferente a maiores rigores, mas, ao chegar ao porto e tentar descarregar, perceberá que o barco esteve sempre vazio, pois você não se preocupou em carregá-lo com bens e mantimentos de qualidade. Os marujos que te acompanharam na travessia ficarão assim a ver navios.

Cálculos políticos ou eleitorais são apostas, cada uma tem sua dignidade, seus limites e suas possibilidades. Duro mesmo é ver que muitas vezes tais apostas não são vocalizadas por personagens à altura dos tempos, ou ao menos próximos deles.