Eleições
Luiz Werneck Vianna: Transições
O Brasil não pode ser uma cabeça de ponte na ‘nuestra América’ para o fascismo...
Marcas de formação nos indivíduos e nas nações, como nos ensinaram a psicanálise de Freud e a teoria social de Tocqueville no genial A Democracia na América, nos acompanham desde o nascimento e, se podem ser modificadas pela ação consciente dos homens ou por circunstâncias imprevistas em suas trajetórias, não são passíveis de erradicação e ficam conosco, para o bem ou para o mal, impressas como tatuagens irremovíveis.
Os estudos de História comparada, presentes nos grandes clássicos do pensamento social, de Montesquieu a Barrington Moore, passando por Tocqueville, Marx, Weber – que dedicou sua monumental obra a eles –, elenco que inclui Gramsci em suas explorações sobre quais tipos de sociedades ocidentais estariam mais propensas às revoluções – a Inglaterra, por exemplo, não estaria –, são fartos em demonstrar o papel das origens na formação dos Estados e das sociedades. Assim, compreender a Alemanha importaria em analisar o papel das elites junkers, agrárias, conservadoras e de formação militarizada, em seu protagonismo na hora decisiva da unificação e criação do seu Estado, e, no caso americano, do fato de sua sociedade ter sido obra de emigrados de adesão religiosa ao protestantismo, cujos ideais de República e de sociedade queriam implantar em terra nova.
A literatura sobre o tema é pródiga e avança sobre outros tantos casos, como os da Itália, do Japão e da Índia, não deixando de fora os casos da Ibero-América. A relevância do tema não é apenas acadêmica, já que ela diz respeito à identificação do terreno em que estamos pisando. A crônica política destes tempos de sucessão presidencial insiste no tom do desencanto e das ilusões perdidas, especialmente dos setores que se autointitulam a esquerda do nosso espectro político, em razão da sua frustração com o desenlace da crise política que abalou o País após o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Com efeito, durante seu curso – tudo indica, encerrado – viveu-se aqui como que uma terra em transe, com manifestações de rua e passeatas de empalidecer as francesas, aparentando prometer, como essa esquerda desejava, a hora de ruptura catastrófica com nossas instituições.
Foi um tempo em que se coqueteava com o tema das revoluções, cuja porta de entrada seria a derrubada do governo constitucional de Michel Temer, com a imediata convocação de eleições gerais, provavelmente com poderes constituintes e demais assuntos de igual calibre. A sucessão presidencial, confirmando o papel taumatúrgico das eleições nas crises políticas brasileiras, no entanto, nos devolveu ao Brasil real, dissolvendo no ar as fabulações revolucionaristas. Mais uma vez passamos a conviver com o eterno retorno dos processos de transição, com o qual veio à luz nosso Estado-nação – não conhecemos, como se sabe, ao contrário da América hispânica, revoluções nacional-libertadoras. Mesmo registro político, aliás, com que interrompemos o regime do autoritarismo militar que nos dominou por duas décadas.
É ele, agora, apesar da pantomima ensaiada em torno da candidatura Lula ao tentar ameaçar nossa democracia com a cantilena contra o nosso sistema de Justiça, que se impõe atrás desse teatro de sombras em que se ocultam alguns protagonistas. Pois aquilo que se encoberta é o fato de já estarmos numa transição do longo ciclo da modernização autoritária de Vargas a Dilma para um novo tipo de relações entre o Estado e a sociedade, centrada na participação social e no aprofundamento da democracia, tanto por processos que revolvem os fundamentos materiais de nossas estruturas, em especial no mundo do trabalho e da produção, quanto pelas mudanças ideais que se manifestam em nossa capacidade de reflexão sobre nós mesmos.
Os debates presidenciais aclaram o ponto, mesmo que vindos de narrativas toscas e rústicas, contrapondo candidatos que se situam no campo favorável a essa transição aos contrários a ela, na pretensão de darem continuidade ao processo de modernização autoritária, jogando para baixo do tapete o fato de que ela foi levada à exaustão no governo Dilma. A força do tema se faz presente até mesmo em candidaturas avessas a ele, ora em Bolsonaro, que faz profissão de fé no liberalismo econômico em oposição ao capitalismo de Estado, ora de modo latente em Ciro Gomes, embora se apresente como herdeiro da experiência do lulismo.
Narrativas são apenas narrativas. Na vida real, fora os candidatos que parecem habitar em hospícios – pegando carona em divertida crônica de Fernando Gabeira – ou viver nas primeiras décadas do século 20 no seu culto a experimentos falidos, os demais, principalmente os de ofício na política, não ignoram que tanto o movimento das coisas quanto o dos homens e das mulheres apontam de modo inexorável para o fim da era Vargas, esticada até o limite pelo seu pastiche do lulismo. O patriarcalismo – uma das pedras de sustentação do autoritarismo em nossa sociedade, exemplar no São Bernardo de Graciliano Ramos – está com seus dias contados e aqui e alhures o gênio de Keynes não serve mais para guiar nossos passos na economia de hoje, como no íntimo um acadêmico como o candidato Fernando Haddad não pode desconhecer.
Paixões e interesses à parte, estaremos no tempo que se abre adiante no terreno áspero e difícil das transições em que não é mais noite e o dia ainda não chegou, cabendo à política bem compreendida acelerar sua festiva aparição. Contudo não poderemos fechar os olhos aos perigos que nos rondam, pondo em xeque a singular cultura que aqui criamos, nós brancos, índios e negros, tudo erraticamente misturado, sem identidade definida, porque somos, como sustentava o gênio de Euclides da Cunha, uma construção voltada para futuro em busca da realização de ideais civilizatórios. O Brasil não pode ser uma cabeça de ponte na nuestra América para o fascismo em qualquer dos disfarces com que se apresente.
Roberto Freire: O TSE cumpre com o seu papel ao indeferir a candidatura de Lula
O presidente do PPS, Roberto Freire (SP), afirmou que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) cumpriu com o seu papel ao decidir, “de acordo com a Constituição e a Lei da Ficha Limpa”, barrar por 6 votos a 1 o registro da candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República. O dirigente criticou as manobras adotadas pelo petista e seus advogados e disse que o indeferimento só não ocorreu antes por conta de chicanas.
“O TSE decidiu de acordo com a Constituição e a Lei da Ficha Limpa. O criminoso Lula não será candidato. Era algo o que mais ou menos dia iria acontecer. Só não ocorreu antes por conta da chicana promovida pela defesa de Lula e toda uma campanha liderada pelo prisioneiro na tentativa de desmoralizar as instituições democráticas e republicanas do País”, disse.
“Voto patético”
Freire lamentou o voto do ministro Edson Fachin pelo deferimento da candidatura de Lula baseado em um parecer de dois membros de Comitê de Direitos Humanos da ONU. Para ele, o magistrado agiu de “forma patética”.
“O TSE cumpriu com o seu papel. Lamento apenas esse voto do ministro, de forma patética, que se submeteu a um mero parecer de dois membros de um Comitê composto por 16 outros e que não tinha nenhum valor vinculante a coisa nenhuma, nem mesmo a decisão do próprio comitê da ONU. É patético”, criticou.
Início da campanha
Roberto Freire disse ainda que a decisão do TSE resolve o imbróglio criado pela tática lulopetista e permite o início efetivo da campanha à Presidência da República.
“Seja o que foi feito pelo PT não prejudica o que se pode dizer do rigor com que o TSE julgou o pedido de impugnação [da candidatura] de Lula. Agora que o PT cuide e se liberte de Curitiba e indique o seu candidato para que se inicie efetivamente a campanha no País”, disse.
El País: O estoque oculto de votos de Fernando Haddad
É possível imaginar que a reserva de votos no petista esteja acima do que as pesquisas apontam. Ele terá, entretanto, alguns desafios, como o fato de o PT não contar com a mesma estrutura de campanha e apoio de outras eleições
Por Oswaldo do E. Amaral, do El País
O Ibope divulgou, no dia 20, sua primeira pesquisa nacional de intenção de voto para a Presidência após o registro das candidaturas junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Confirmando outras sondagens realizadas no mesmo período, o instituto apontou que o candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lidera a corrida com 37%, seguido de Jair Bolsonaro (PSL), com 18%, e Marina Silva, com 6%. Geraldo Alckmin (PSDB) e Ciro Gomes (PDT) apareceram com 5% cada. Dada a margem de erro da pesquisa, de dois pontos percentuais, os três últimos encontram-se tecnicamente empatados.
O Ibope também testou outro cenário, no qual Fernando Haddad (PT) substitui Lula na urna eletrônica. Nesse caso, Jair Bolsonaro lidera com 20% das intenções de voto, seguido por Marina Silva, com 12%, e Ciro Gomes, com 9%. Dada a grande possibilidade de impugnação da candidatura de Lula, nesse texto tentamos avaliar as possibilidades de crescimento de uma eventual candidatura de Fernando Haddad.
Mais análises das eleições 2018
Quando apresentados os candidatos no cenário sem Lula, Fernando Haddad obtém 4% das intenções de voto, com pouca variação nos segmentos sociodemográficos. Já quando a pergunta indica que Haddad seria o candidato apoiado por Lula, 13% dos entrevistados responderam que votariam nele “com certeza”, enquanto 60% disseram que não votariam “de jeito nenhum”. Observando os dados por segmentos sociodemográficos, o apoio a Haddad, quando vinculado a Lula, fica mais parecido com o perfil do apoio dado ao ex-presidente. Na região Nordeste, 22% dos respondentes afirmaram que votariam nele “com certeza”, contra apenas 9% na região Sul. Entre os que possuem renda familiar de até um salário mínimo, 17% declararam que votariam nele seguramente e entre os que estudaram até a quarta série do ensino fundamental, 18%.
É interessante notar também que, na pesquisa Ibope, o Partido dos Trabalhadores (PT) foi mencionado por 29% dos eleitores brasileiros como a agremiação favorita, em pergunta estimulada. Em segundo lugar, aparece o Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB), com 5%. Na pesquisa realizada pelo Datafolha em junho, o PT aparecia com 19% e o PSDB, com 3%. No entanto, a pesquisa Datafolha realizou a pergunta de forma espontânea. Nos dados divulgados pelo Ibope, a preferência pelo PT se dá de maneira mais forte entre os habitantes da região Nordeste (46%), entre pretos e pardos (34%), pessoas que frequentaram até a quarta série (34%) e indivíduos cuja renda familiar é inferior a um salário mínimo (36%).
Segundo dados obtidos por duas rodadas do Estudo Eleitoral Brasileiro (Eseb), em 2010 e em 2014, cerca de 80% dos que afirmaram gostar do PT acabaram votando em Dilma Rousseff, candidata apoiada por Lula, em ambos os pleitos.
Dessa forma, é possível imaginar que o estoque de votos de Fernando Haddad esteja acima do que as pesquisas apontam até o presente. Se partirmos dos dados do Datafolha, estaria em torno de 16%. Se tomarmos a sondagem do Ibope, em algo como 23%.
A variação verificada nos segmentos sociodemográficos entre aqueles que afirmaram que votariam em Haddad “com certeza” também indica que há espaço para o crescimento entre os setores em que o ex-presidente Lula é bem apoiado.
No entanto, embora os dados indiquem a possibilidade de crescimento de uma eventual candidatura de Fernando Haddad, alguns elementos precisam ser destacados. Primeiro, o candidato não compete sozinho. Ou seja, os outros competidores tentarão evitar que esse potencial se concretize. Segundo, o PT não conta com a mesma estrutura de campanha e apoio de outras eleições. Terceiro, com os dados de que dispomos no momento, não é possível ter certeza se o padrão de lealdade dos petistas se mantém no mesmo nível dos verificados nos últimos pleitos.
Oswaldo E. do Amaral é professor da Unicamp e diretor do Centro de Estudos Opinião Pública (Cesop) da mesma instituição. Esse texto foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições de 2018, que conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras e busca contribuir com o debate público por meio de análises e divulgação de dados. Para mais informações, ver: www.observatoriodaseleicoes.org
O Estado de S. Paulo: Depois de 'sessão secreta' de 30 min, TSE libera horário eleitoral do PT com Haddad
Defesa de Lula deve entrar com recursos no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ) nos próximos dias
Rafael Moraes Moura e Teo Cury, de O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA - Em uma reviravolta no julgamento da campanha do PT à Presidência da República, os ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiram - a portas fechadas - na madrugada deste sábado (1) autorizar a veiculação do programa presidencial do PT no horário eleitoral, desde que não haja a aparição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como candidato.
Segundo advogados eleitorais do PT, a decisão do TSE não impede a aparição de Lula como apoiador de Haddad, e sim a sua exibição na condição de cabeça de chapa. A legislação prevê que apoiadores de candidatos poderão dispor de até 25% do tempo de cada programa.
Por 6 a 1, o TSE decidiu rejeitar o registro de candidatura de Lula. Inicialmente, cinco ministros da Corte Eleitoral - entre eles o relator do caso, ministro Luís Roberto Barroso- haviam defendido a proibição da exibição do horário eleitoral do PT até a substituição de Lula na cabeça de chapa.
Por volta de 1h da manhã, quando a discussão do caso Lula já se estendia por oito horas, a defesa de Lula apresentou uma questão de ordem para manter o direito de o partido veicular o seu programa presidencial na TV e no rádio, sob o argumento de que o tempo no horário eleitoral é da coligação e não do candidato.
Além disso, argumentaram que o registro do candidato a vice-presidente Fernando Haddad (PT) foi aceito por unanimidade pelo TSE.
A presidente do TSE, ministra Rosa Weber, anunciou então nesse momento que já não seria possível mudar as inserções programadas para a manhã deste sábado no rádio, mas sim o programa eleitoral da tarde na televisão. Ao consultar os demais ministros, Rosa optou por uma discussão “reservada” - não transmitida pela televisão - para tratar do pedido final da defesa do PT.
O voto original de Barroso, acompanhado pela maioria dos ministros, previa o veto à prática de atos de campanha, “em especial a veiculação de propaganda eleitoral relativa à campanha eleitoral presidencial no rádio e na televisão, até que se proceda à substituição” na cabeça da chapa.
A nova redação aprovada pelo plenário trocou “campanha eleitoral presidencial” por “vedada a prática de atos de campanha presidencial pelo candidato cujo registro vem de ser indeferido”, ou seja, o veto agora atinge apenas Lula na condição de candidato.
Após o final da sessão, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, disse que ficou satisfeita com o resultado.
Indagado pelo Broadcast Político se não teria sido melhor tratar do assunto com transparência, durante a própria sessão, perante o olhar da opinião pública, Luís Roberto Barroso não quis dar declarações.
A defesa de Lula pretende entrar com recursos no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ) nos próximos dias.
Folha de S. Paulo: TSE barra candidatura de Lula e PT tem dez dias para indicar substituto
Corte havia vetado participação do PT do horário de TV até troca de candidato, mas recuou
Por Letícia Casado e Reynaldo Turollo Jr., da Folha de S. Paulo
Em sessão extraordinária de mais de 11 horas, 6 dos 7 ministros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) votaram por barrar a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com base na Lei da Ficha Limpa, deixando-o fora da eleição.
A corte decidiu que o PT tem dez dias corridos para substituir Lula. Inicialmente, foi deliberado que, enquanto não houvesse a troca do candidato, o partido não poderia fazer campanha nem utilizar seu tempo no rádio e na TV. O ex-prefeito paulistano Fernando Haddad (PT), registrado como vice, deverá assumir a cabeça da chapa.
Por volta da 1h15 deste sábado (1°), ao final da sessão, os ministros fizeram uma inusitada reunião de 30 minutos a portas fechadas e abrandaram a decisão sobre a propaganda, atendendo a um pleito da defesa. Ficou definido que o PT pode usar seu tempo no horário eleitoral, contanto que Lula não apareça como candidato.
Pela lei, apoiadores de determinado candidato podem ocupar até 25% do tempo do horário eleitoral, entendimento que deverá ser empregado para as aparições de Lula em apoio a Haddad.
Nos termos do voto do relator, Luís Roberto Barroso, que foi acompanhado pela maioria, a decisão do plenário do TSE é a palavra final sobre a candidatura e passa a valer imediatamente, mesmo que a defesa recorra ao próprio tribunal e depois ao STF (Supremo Tribunal Federal).
O registro de candidatura do petista foi alvo de 16 contestações de adversários e da Procuradoria-Geral Eleitoral. Lula está preso em Curitiba desde 7 de abril, depois de ter sido condenado em segunda instância na Lava Jato por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex de Guarujá (SP). Ele nega os crimes e diz ser perseguido politicamente.
Votaram por negar o registro de candidatura o relator do processo, Barroso, e os colegas Jorge Mussi, Og Fernandes, Admar Gonzaga, Tarcísio Vieira e Rosa Weber, presidente do TSE.
A ministra Rosa, porém, divergiu quanto à possibilidade de Lula continuar em campanha. Ela afirmou que um candidato sub judice pode concorrer até decisão final do Supremo, mas foi vencida nesse ponto.
Já Edson Fachin, apesar de reconhecer a inelegibilidade do petista, foi o único a votar por liberar a candidatura por causa de uma decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU obtida pela defesa.
O processo de registro de candidatura do petista entrou na pauta da sessão desta sexta (31) de última hora, em meio a uma discussão sobre prazos. A defesa solicitou, logo de início, o adiamento do julgamento, argumentando que houve açodamento e faltou tempo para que as partes que contestaram o registro rebatessem os argumentos de Lula, que foram entregues ao TSE na noite da quinta (30).
Esse pedido foi negado por 4 votos a 3. Fachin, Og Fernandes e Rosa queriam abrir o novo prazo, mas foram vencidos.
A procuradora-geral, Raquel Dodge, e o relator do processo, Barroso, afirmaram que era preciso resolver a situação de Lula antes do horário eleitoral na TV e no rádio, que começa neste sábado (1°) para os candidatos à Presidência.
O argumento central da defesa, de que há uma liminar do Comitê de Direitos Humanos na ONU que determina que Lula possa concorrer até que a Justiça brasileira julgue todos os recursos de sua condenação criminal, foi o mais enfrentado pelos ministros em seus votos.
“A Justiça Eleitoral não está obrigada a se submeter ao Comitê dos Direitos Humanos da ONU”, entendeu Barroso. Segundo ele, o órgão internacional é administrativo, sem competência jurisdicional, e suas decisões não vinculam (obrigam) a Justiça brasileira. Além disso, argumentou, “a decisão foi proferida por apenas 2 dos 18 membros do comitê”.
“Dois peritos internacionais modificariam todo o processo eleitoral brasileiro”, observou Og Fernandes sobre esse mesmo aspecto da liminar do comitê da ONU.
O ministro Mussi destacou o caráter administrativo do órgão internacional ao votar contra o petista. “Ressalto: o comitê [da ONU] não possui competência jurisdicional, é órgão meramente administrativo”, disse.
Boa parte do voto de Mussi foi para assentar o entendimento, condizente com o de Barroso, de que a palavra final sobre uma candidatura é do plenário do TSE, o que torna imediato o cumprimento do que foi decidido. Isso esvazia o efeito prático de eventuais recursos.
Fachin, diferentemente dos colegas, fez uma longa análise sobre a abrangência da medida cautelar do comitê da ONU e entendeu que o Estado brasileiro tinha o dever de acatá-la.
“Diante da consequência da medida provisória do Comitê de Direitos Humanos, [Lula] obtém o direito de paralisar a eficácia da decisão que nega o registro de candidatura. Assento, como fez o relator [Luís Roberto Barroso], a inelegibilidade, e entendo que essa inelegibilidade traz o indeferimento da candidatura”, disse Fachin.
“Contudo, em face da medida provisória obtida no Comitê de Direito Humanos, se impõe, em caráter provisório, reconhecer o direito, mesmo estando preso, de [Lula] se candidatar às eleições presidenciais de 2018”, afirmou. Tal entendimento, porém, não prevaleceu.
Barroso fez de seu voto uma defesa da Lei da Ficha Limpa, posição já adotada em outras ocasiões.
“A Lei da Ficha Limpa não foi um golpe ou uma decisão de gabinetes. Foi, em verdade, fruto de uma grande mobilização popular em torno do aumento da moralidade e da probidade na política. Foi o início de um processo profundo e emocionante na sociedade brasileira de demanda por integridade, idealismo, patriotismo”, afirmou.
“Mais de um milhão e meio de assinaturas foram colhidas para apresentar o projeto de iniciativa popular. A lei foi aprovada na Câmara e no Senado com expressiva votação e sancionada com loas pelo presidente da República [o próprio Lula]. A lei desfruta de um elevado grau de legitimidade democrática”, disse.
O advogado Luiz Fernando Casagrande Pereira, que defendeu Lula no TSE, afirmou que havia precedentes para que o petista pudesse disputar. “O que o presidente Lula quer não é nada a mais do que o que deram para 1.500 [candidatos] de 2010 [quando a Ficha Limpa entrou em vigor] para cá. Mas também não pode ser nada a menos”, disse.
Segundo ele, nas eleições municipais de 2016, 145 candidatos concorreram sub judice, e parte conseguiu se eleger e assumir o cargo posteriormente com o sucesso de seus recursos na Justiça. Ainda segundo Casagrande, há um precedente de candidato à Presidência que apareceu na urna em 2006, mesmo com registro indeferido pelo TSE: Rui Costa Pimenta, do PCO.
Os ministros, porém, afirmaram que a jurisprudência da corte mudou, e que hoje entende-se que, com a palavra final do plenário do TSE, não há como concorrer sub judice.
João Domingos: O fim do teatro do PT
Há de se lamentar a lentidão do TSE em fazer aquilo que deveria ter feito antes
Com a impugnação da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva e a consequente suspensão da propaganda eleitoral do PT, o partido não terá outra saída a não ser substituir o quanto antes o ex-presidente pelo ex-prefeito Fernando Haddad, há tempos o “plano B” para a disputa. Cada dia de ausência do candidato petista na propaganda do rádio e da TV acarretará um prejuízo enorme para as pretensões eleitorais do PT de tornar Haddad conhecido.
Mesmo com a impugnação da candidatura de Lula, não se pode dizer que o PT foi derrotado. Do ponto de vista da estratégia política para manter o nome do ex-presidente e do partido nos meios de comunicação, nas redes sociais e como motivação para a militância, a legenda foi vitoriosa. Há dois anos o partido estava em ruínas. Perdera o poder, com o impeachment de Dilma Rousseff, vira alguns de seus dirigentes presos pela Operação Lava Jato, sob suspeita de envolvimento em corrupção na Petrobrás e em outras estatais, e ficara sem metade de suas prefeituras. Um desastre completo. Recuperar-se em 24 meses, conseguir ter um candidato à frente em todas as pesquisas, mesmo preso, como aconteceu com Lula, e gozar da perspectiva de fazer a substituição do candidato com possibilidade de manter-se competitivo, é uma vitória política.
Quanto a Lula, deve-se admitir que ele soube transformar sua prisão, uma prisão por corrupção e lavagem de dinheiro, num instrumento político. Sua cela na Polícia Federal, em Curitiba, foi transformada no QG político do PT. A presidente do partido, senadora Gleisi Hoffmann, e Fernando Haddad foram nomeados seus advogados, embora não tenham participado da defesa jurídica dele. Com isso, puderam manter contato com o ex-presidente todos os dias. Durante todo o período da pré-campanha, do registro das candidaturas e do início da campanha, Lula esteve à frente de tudo. Os outros candidatos se tornaram meros coadjuvantes de um teatro político, em que tudo foi instrumentalizado pelo PT.
De tudo isso, há de se lamentar a lentidão do TSE em fazer aquilo que deveria ter feito antes, porque a demora criou uma insegurança jurídica sem tamanho quanto às eleições. Insegurança que obrigou os institutos de pesquisa a optarem por três tipos de perguntas quando se referiam ao candidato petista, uma com Lula, outra com Haddad e outra com Lula dizendo que Haddad seria o seu candidato.
Enquanto o TSE esperava a hora de tomar sua decisão, e a insegurança jurídica só aumentava, o PT se esbaldava. Chegou ao luxo de criar uma chapa triplex, com Lula à frente da chapa, Haddad de vice e a deputada gaúcha Manuela d’Ávila (PCdoB) de vice do vice. Um caso único na história recente das eleições brasileiras.
O que pôde fazer o PT fez. Agora, terá de parar com o teatro que todos sabiam que resultaria na impugnação da candidatura de Lula, pois enquadrado na Lei da Ficha Limpa. Com o fim da candidatura do ex-presidente, o PT terá de parar de se esconder atrás do nome de Lula. Terá de mostrar Fernando Haddad, entrar na disputa para valer, o que não tinha feito até agora. Lula crescia na preferência do eleitor de forma automática, embora preso.
A partir de agora inicia-se uma nova fase do jogo político. Fernando Haddad terá de gastar sola de sapato, como se diz. E se apresentar como o candidato do ex-presidente. Não receberá 100% dos votos que poderiam ser destinados a Lula. Se conseguir um porcentual entre 60% e 70%, poderá se dar por satisfeito. Mas não deve se esquecer de que há outros candidatos de olho na vaga para o segundo turno. Sem Lula, Haddad é apenas mais um, embora competitivo.
Murillo de Aragão: As indefinições do quadro eleitoral
Em meio à densa névoa que cerca o futuro imediato, setembro trará os esclarecimentos
Chegamos ao final de agosto de um ano eleitoral com uma situação absolutamente inusitada em relação aos pleitos anteriores. Temos um candidato à Presidência da República que é presidiário e lidera as pesquisas de intenção de voto, mas não pode concorrer. Em segundo lugar, temos um candidato de um partido minúsculo, com pouca estrutura partidária. Temos, ainda, um candidato que possui uma superestrutura de campanha, mas não decola junto ao eleitorado. Trata-se de situação complexa e incomum.
O que torna as eleições deste ano tão diferentes das demais? Tenho algumas explicações. A Operação Lava Jato, que começou em 2014, no início da campanha de Dilma Rousseff (PT) à reeleição, e atingiu seu ápice com as sucessivas prisões de políticos. As investigações e os julgamentos causaram, pelo menos, três efeitos: o aumento do desprezo pela política e pelos políticos por parte da população, a mudança de algumas regras nas campanhas eleitorais e o enfraquecimento do governo da União.
Tais efeitos da Lava Jato são críticos. O desmonte da política, com a ajuda de um noticiário inclemente sobre a política e os políticos, levou a um imenso desencanto do cidadão e, em consequência, à busca pela renovação. Em termos de regras, teremos eleições mais curtas, bancadas com dinheiro público e com teto de gastos por candidatura.
O enfraquecimento do governo propiciou a fragmentação do centro político em três candidaturas. E a fragilidade do governo incentivou a fragmentação das oposições, divididas hoje em quatro candidatos de tons variados de esquerda. Ainda no que toca à fragmentação, o cenário lembra a campanha à Presidência de Fernando Collor, em 1989, quando o centro tinha nada mais, nada menos que sete candidatos presidenciais. Com o governo Sarney (1985-1990) muito enfraquecido, a capacidade de a máquina pública funcionar a favor de algum deles era remota.
A campanha de hoje lembra a eleição de Fernando Collor (1990-1992) ainda pelo fato de que Jair Bolsonaro (PSL) se respalda numa narrativa antiestablishment político, tal qual o ex-presidente em sua época. Tanto Collor quanto Bolsonaro atuaram fora do centro nervoso da política nacional para fazer campanhas fortes. Partidos tradicionais apresentaram uma campanha fraca em 1989, apesar das vantagens estruturais. A História se repetirá?
O passado traz outras lições. O referendo do desarmamento, de 2005, é uma situação que deve ser reexaminada. Naquela época, a aprovação da sofisticada campanha pelo desarmamento, recheada de atores globais e com o apoio quase unânime da imprensa, era considerada favas contadas. Até porque a campanha da defesa do “não” ao desarmamento foi conduzida de modo tosco e politicamente incorreto.
Nas vésperas do referendo, os institutos de pesquisa, como Ibope e Datafolha, davam a vitória do “sim” com folga. Erraram de forma surpreendente: mais de 63% dos votos foram contra o desarmamento. Os que apoiavam o “sim” ficaram com pouco mais de 36%. O politicamente correto foi derrotado.
A eleição deste ano desafia o senso comum por conta de diversos eventos que se sucedem desde 2005, ano do referendo sobre o desarmamento e também do mensalão. Passamos pela Lei da Ficha Limpa, por protestos de rua, pela nova Lei Anticorrupção, pela Lava Jato e pelo impeachment de Dilma Rousseff. Eventos de grandeza excepcional.
Para desvendar o enigma quatro questões fundamentais devem ser respondidas. A primeira é saber qual seria o tamanho da transferência de votos de Lula (PT) para o seu substituto, Fernando Haddad. Nos tempos gloriosos do mais popular presidente do mundo, Lula conseguiu passar 50% do seu prestígio para Dilma. Será que, estando preso, conseguirá repetir a façanha? Provavelmente com menor intensidade.
A segunda questão: será que uma campanha centrada nas redes sociais, como a de Jair Bolsonaro, pode suplantar o peso e a influência do horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão? Até agora Bolsonaro surfou nas redes virtuais sem adversário à altura. Mas conseguirá ele enfrentar as estruturas tradicionais e a má vontade da imprensa e dos paladinos do politicamente correto? Em apenso a essa indagação, faço a terceira: a abundância de recursos do PT e do PSDB vis-à-vis a escassez de recursos de Bolsonaro fará diferença?
A quarta questão reside no âmbito das narrativas. Entre os principais candidatos a presidente, apenas Bolsonaro e Haddad oferecem uma narrativa emocionante e com apelo. Os demais transitam entre o morno e o frio – a exceção é Ciro Gomes (PDT), cujos habituais rompantes mais assustam do que impressionam. As narrativas de Bolsonaro e de Haddad, impulsionadas pelo drama de Lula, serão suficientes para uma vaga no segundo turno? E Marina Silva, com a sua antinarrativa?
Se olharmos o passado, os que lideravam em agosto em outras campanhas passaram para o segundo turno. Por essa regra, Bolsonaro estaria no segundo turno. A situação de Haddad é mais complexa. Para avançar ele teria de obter, pelo menos, 50% das intenções de voto depositadas em Lula. É um desafio significativo.
Porém estamos vendo um eleitorado que joga com cartas altas e bem próximas do peito. Muitos não desejam abrir o coração e o verbo antes de setembro. Algo parecido com o referendo do desarmamento.
Ao final deste mês agosto o jogo ainda está indefinido. Parece que o eleitor se diverte com o nervosismo que suas indefinições causam no mundo da política. Em meio à densa névoa que cerca o futuro imediato, setembro vai trazer os esclarecimentos.
*Murillo de Aragão é advogado e consultor, mestre em ciência política e doutor em sociologia pela UNB (Brasília), é professor adjunto da Columbia University (Nova York)
Alberto Aggio: Do antipetismo à antipolítica e suas diversas facetas
Nas manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff, em 2015/16, havia de tudo. Dentre os diversos grupos que se manifestavam, havia um bastante ruidoso, com certo tom beligerante, agressivo, que advogava abertamente a intervenção militar, junto com alguns outros. Era o "Revoltados on-line". De lá para cá, o que os animava se desdobrou para além do impeachment: eles passaram a se apresentar como a redenção da sociedade "contra a política que está aí", entendida como integralmente manchada pela corrupção. Esse rechaço à política propugnava por uma ação “antipolítica”, identificando "todos os políticos" como corruptos. Para eles, esse era afetivamente o “mal do Brasil”. Aquilo que era latente na sociedade acabou sendo então promovido à uma estratégia política que se afirmava, sinteticamente, como uma visão da sociedade contra o Estado (políticos). No fundo, uma revolta da sociedade contra a política.
Esses grupos atuaram nas redes sociais como a oposição a tudo, semeando o ódio a tudo e a todos. Sua ação permanente extrapolou a oposição ao PT. Eles nasceram do antipetismo mas foram além disso. O resultado está aí na candidatura Bolsonaro. É ele quem mais expressa essa beligerância, identificando o ódio à política e à esquerda em geral, como se o petismo fosse a única esquerda existente. Política, esquerda, petismo, comunismo e até a socialdemocracia foram e são identificados como os males do Brasil que precisam ser extirpados.
Vindos daquele mesmo processo do impeachment, outros movimentos de 2015/16 também passaram a ocupar um lugar na política. Não é o caso aqui de discutir todos eles. Quero mencionar apenas o "Vem pra Rua", um movimento antipetista mas que, de outras maneiras se postou também como antipolítico por meio da ideia de que sem mudar já e radicalmente o sistema político, não iria haver alternativa para o país. E mudar já e radicalmente significava deslocar a “velha classe política” e colocar em seu lugar “o novo”. Ao lançarem-se à disputa eleitoral, será o Partido Novo quem melhor irá expressar essa disposição. O resultado é, até o momento, menos exitoso em termos eleitorais, se compararmos com o "Revoltados On-line". É uma adesão à antipolítica por outros termos e meios, mas curiosamente há coincidências entre ambos.
De fato, a antipolítica dos nossos tempos apresenta várias facetas. Uma delas é ter nas propostas neoliberais um grande aliado. Assim, em Bolsonaro e em Amoêdo, por exemplo, aparece a mais recente combinação desses dois campos: querem acabar com a escola pública e gratuita até o ensino médio, determinação presente na Constituição de 1988. Falam em ensino a distância e em "vouchers" a serem distribuídos aos pais para que estes escolham a escola que bem entenderem para colocarem seus filhos.
Além de ser uma proposta dificílima de ser aprovada no Congresso, é também um engodo: visa atrair o apoio da classe média com a fábula de que havendo menos serviços públicos prestados pelo Estado, menos imposto se pagará. Pior do que isso, como o mercado educacional não é elástico, seria jogar os filhos das classes populares fora da escola ou piorar mais ainda as condições das escolas públicas. No Chile pinochetista, que adotou modelo semelhante, houve mediações importantes depois da saída do ditador, que os candidatos não mencionam, por não saberem (o que é provável) ou por sonegarem essa informação. Vale dizer também que esse modelo está sendo revisto pelos últimos governos chilenos, sejam eles de centro-esquerda ou centro-direita.
No que se refere ao Brasil, convém atentar para o fato de que a política democrática da Constituição de 1988 é o referente não apenas do nosso Estado de Direito como também daquilo que ainda nos resta de Estado Social. Na visão dessas duas candidaturas da direita brasileira (distintas entre si, pois uma é abertamente antidemocrática e a outra mantêm-se nos marcos da democracia) não há mais (ou não deve haver) a relação entre Estado e Sociedade e sim entre Estado e indivíduos (contribuintes). O fundamento de ambos é estritamente neoliberal, destacando-se mais em Amoêdo do que em Bolsonaro.
Não é o caso aqui de nos empreendermos numa controvérsia estéril sobre direita e esquerda. E nem imaginarmos que no chamado campo democrático não existam diferenciações importantes. O Manifesto por um Polo Democrático e Reformista está seguramente bastante distante dessas propostas. Além do que, nessas eleições, a socialdemocracia tem candidato e defende outras iniciativas para a melhoria da educação e da vida social. Assim, é preciso estar atento para não cair no canto de sereia da antipolítica misturada com o neoliberalismo.
O nosso momento eleitoral é francamente favorável à antipolítica. O rechaço aos políticos e aos partidos está estabelecido em corações e mentes, com razões para isso ou não. Em algumas proposições o rechaço à política se confunde com rechaço à democracia, seja ela vista por qualquer viés que se queira.
A antipolítica leva a muitos caminhos, com maior ou menor êxito, e hoje, a "fortuna" parece lhe sorrir. Mas a história é pródiga em anotar que nada é tão simples assim. Girolamo Savonarola, na Firenze dos Medici, parecia um moralista invencível ao chegar ao poder, mas durou pouco, isolou-se e terminou na fogueira. Mussolini e Hitler quiseram reinventar tudo a partir da sua potência vital e primária, e sabemos no que deu. Mesmo derrotados, Maquiavel e Gramsci podem nos auxiliar com suas anotações críticas na hora presente. É preciso olhar para além dos discursos grandiloquentes e conseguir construir perspectivas realistas, isolando tanto as nostalgias do passado quanto aqueles que parecem ver uma única solução para a profunda crise que vivemos.
Ricardo Noblat: A voz do dono e o dono da voz
O melhor para o PT é o pior para Haddad
É pule de dez que o ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), negará o pedido de registro da candidatura de Lula a presidente. E que a maioria ou os demais ministros da Corte o acompanharão.
Só não estava certo, pelo menos até esta madrugada, se Barroso anunciará sua decisão ainda hoje, se a tomará monocraticamente ou se a submeterá ao plenário do tribunal. Poderá fazer qualquer uma dessas coisas – ou nenhuma.
O último dia de agosto – ou parte dele – transcorrerá sob a incerteza da participação direta ou não de Lula no primeiro programa de propaganda eleitoral dos candidatos a presidente a ir ao ar, amanhã, em rede nacional de rádio e de televisão.
O pedido de registro da candidatura de Lula foi contestado por 16 pedidos de partidos, entidades e pessoas para que o TSE barre a candidatura por ser ilegal. Lula foi condenado pela Justiça a 12 anos e um mês de cadeia, e está preso em Curitiba.
A resposta da defesa de Lula às contestações só foi protocolada no tribunal às 23 horas de ontem. Com 180 páginas, começou a ser lida por Barroso. Se a decisão do ministro ficar para a próxima semana, melhor para o PT, pior para Fernando Haddad.
Para o PT, quer dizer: para seus candidatos a deputado, senador e governador. Quanto mais durar a farsa da candidatura de Lula, mais eles poderão se beneficiar da popularidade do ex-presidente. Lula é uma vaca leiteira a ser ordenhada até o seu último voto.
Mas a demora causará prejuízo a Haddad, o candidato que substituirá Lula tão logo a farsa saia de cartaz. Uma coisa seria ele aparecer amanhã como candidato a presidente no programa do PT. Outra, aparecer como falso candidato a vice.
Haddad precisa de tempo para se apresentar e ser apresentado. Pela lei, 75% do tempo de propaganda eleitoral destinado a um presidenciável deverá ser ocupado por ele. O resto poderá ser ocupado por seus eventuais apoiadores.
De todo modo, Haddad está aí para o que der e vier, disposto a enrouquecer de tanto repetir que ele é Lula e que Lula é ele. Não é não. Está escrito: ele será a voz do dono. E Lula, o dono da voz.
Marina mata no peito e chuta
O desafio de comportar-se como uma mulher forte
Marina Silva, a candidata da REDE a presidente da República pela terceira vez, deu um show na entrevista ao Jornal Nacional ontem à noite. Exorcizou a imagem de mulher frágil.
Não fugiu às perguntas. Com a mão espalmada, soube impor limite às falas dos jornalistas William Bonner e Renata Vasconcelos. Esteva todo o tempo no controle.
Ao cabo de 27 minutos de interrogatório, e de mais um para que dissesse o que deseja para o Brasil, saiu do ar como entrou – sem ter sido atingida por uma única denúncia de mal feito.
Mas não só. Também sem ter sido pega em contradições, nem hesitado nas respostas que ofereceu. Sempre haverá críticas ao seu novo penteado, mas é impossível agradar a todo mundo.
Cobrada insistentemente por não conduzir seu partido com mão de ferro, a certa altura ensinou sem perder a brandura: “Liderar não é ser dono de partido, Bonner, é ser capaz de dialogar”.
Falou para os diversos tipos de eleitores, mas especialmente para as mulheres que em sua maioria rejeitam a candidatura do deputado Jair Bolsonaro (PSL). Por fim, prometeu:
– Vou fazer um governo de transição. Durante quatro anos, eu vou governar este país para que a gente possa combater a corrupção, fazê-lo crescer e ser um país justo para todas as pessoas.
Todos os candidatos dizem coisas parecidas? Bem, mas eles não disputam prêmio de fantasia na categoria de originalidade.
Bernardo Mello Franco: Bolsonaro deve ser principal alvo do palanque eletrônico
Não vai dar mais para fugir deles. Daqui a três dias, os candidatos vão invadir as ondas do rádio e a tela da TV. A propaganda obrigatória começa na sexta-feira. É o momento em que a maioria dos brasileiros se dá conta de que a eleição está próxima.
Na estreia, virá aquela onda de bom-mocismo. Todos vão se apresentar como bons pais, bons filhos e políticos exemplares. Depois começa o tiroteio. O principal alvo deve ser Jair Bolsonaro, que lidera as pesquisas nos cenários sem o ex-presidente Lula.
O tucano Geraldo Alckmin deve liderar a artilharia. Com 5min32s por bloco, ele terá tempo de sobra para torpedear o capitão. Não lhe resta outra escolha. Se não recuperar seus eleitores que hoje flertam com a ultradireita, o PSDB ficará fora do segundo turno.
O tucano já foi aconselhado a enfrentar Bolsonaro nos primeiros debates, mas amarelou. Agora o marketing tentará fazer o serviço por ele. O plano é usar um terço do tempo para “desconstruir” o candidato do PSL, que terá apenas 8 segundos por bloco.
A tática do bombardeio funcionou em 2014, quando a propaganda do PT centrou fogo em Marina Silva. Ela chegou a ser favorita e acabou fora do segundo turno. Agora há uma diferença: Bolsonaro parece menos disposto a apanhar sem revidar.
O PT já preparou seis programas com Lula candidato. A ideia é manter o discurso até que o TSE bata o martelo, o que só deve acontecer a partir do dia 4. No entanto, o partido ainda pode sofrer mais um revés.
Segundo um ministro da Corte, a tendência é que o PT seja impedido, desde sexta, de apresentar o ex-presidente como cabeça de chapa. Isso não deve desagradar o entorno de Fernando Haddad, que anda ansioso para poder vendê-lo como o verdadeiro candidato.
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Romero Jucá, o senador do “grande acordo nacional”, acaba de abandonar o presidente Temer. Com a reeleição em risco, ele usou a crise dos refugiados como pretexto para renunciar à liderança do governo. Neste ritmo, só vai sobrar o Michelzinho.
Ruy Altenfelder: A bandeira da ética
As campanhas eleitorais estão nas ruas. A bandeira da ética volta a ganhar espaço nos programas dos candidatos, nas entrevistas e nos debates políticos. A ética passa a ser usada como arma contra os adversários. Embora a profusão de citações condene significativos vocábulos ao desgaste, a ética constitui um caso à parte, pois se torna cada vez mais referência importante na decisão do voto, passando a ser também baliza de comportamento no mundo corporativo, tanto na condução dos negócios quanto na atuação profissional e na relação com os consumidores.
A ética foi a poderosa bandeira que mobilizou a reação da sociedade à escalada da corrupção no setor público. São exemplares, como resultado da pressão social, dois avanços: a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010), que busca alijar das eleições candidatos corruptos, e a Lei Anticorrupção (Lei n.º 12.846), que pune empresas e seus dirigentes envolvidos em atos de corrupção.
Tais avanços sinalizam para o reconhecimento da ética como um dos pilares da construção da modernidade, com desenvolvimento sustentável e população beneficiada ao máximo pelo bom uso dos recursos públicos, com planejamento eficiente e gestão correta dos projetos e das políticas públicas.
Apesar dos retrocessos - decorrentes da multiplicidade de recursos propiciados por normas processuais obsoletas que persistem no País -, a nova postura cria condições para o fortalecimento de políticos e servidores públicos dispostos a privilegiar o interesse coletivo em detrimento do interesse pessoal ou da conquista do poder a qualquer preço.
A ética está ligada à cidadania e esta, por sua vez, decorre da boa educação, entendida em seu sentido mais amplo e nobre. O processo de formação cidadã pode - e deve - ter início na família, continuar na escola, invadir a trajetória profissional e prosseguir ao longo da vida.
A semente da cidadania brota da vinculação dos ensinamentos teóricos à pratica, em especial nas fases da vida em que as mentes estão mais abertas à aquisição de valores e princípios, isto é, na infância e na adolescência.
Para depurar largos segmentos da sociedade da inversão de valores ou do desencanto com corretas posturas sociais e individuais é preciso que quem respeita os códigos da ética continue e mesmo intensifique a pressão pelas mudanças de comportamento. A esses se pede que saiam da zona de conforto da omissão ou do simples protesto. Deles - candidatos ou eleitores - se espera uma ação mais assertiva já nas eleições de outubro, uns com a correta decisão de votos e outros com o compromisso de uma atuação pública de fato dedicada ao bem comum.
Vale sempre recordar a postura do Supremo Tribunal Federal (STF) no final de 2012, na Ação Penal 470 (o famoso mensalão), com a condenação da maioria dos denunciados, o que trouxe um alento aos milhões de cidadãos responsáveis que aspiram a viver num país sob o império da lei, e não num reino da impunidade.
Ficou evidenciada a necessidade da reforma modernizante do arcabouço jurídico da Nação. Para isso não basta uma limpeza das estruturas e dos dispositivos obsoletos que retardam os julgamentos, sem prejuízo do amplo direito de defesa. Será necessário também empreender ações que atenuem o ímpeto legiferante, que resulta em muitos projetos que, aprovados, ampliam a já confusa teia de leis, bom número das quais condenado ao lamentável fosso das “leis que não pegam” e, portanto, jamais serão cumpridas. Seja por serem inviáveis, seja por não encontrarem o respaldo da sociedade.
A análise detida e equilibrada da Ação Penal 470 serviu para mandar para a lata do lixo conceitos que, de tão aéticos, contribuem para denegrir a imagem do Brasil no cenário internacional e enfraquecer valores da cidadania, sem os quais não há desenvolvimento sustentável nem construção da paz e igualdade social.
Em artigo anterior publicado na página propus a seguinte reflexão: pode existir desenvolvimento econômico, social e político de uma nação sem obediência aos princípios éticos? Em outras palavras, é possível o desenvolvimento a qualquer custo? Apesar da disseminação da crença em contrário, a História mostra que a resposta é negativa, pois o desenvolvimento é impossível sem que dele participem cidadãos honestos, probos e comprometidos com os princípios éticos e morais, gerando um benefício em efeito cascata, que constitui, se não o único, ao menos o mais promissor caminho para corrigir as graves injustiças e atenuar as perigosas tensões entre as nações que marcam este início de século.
Espero, como milhões de brasileiros, que o histórico desfecho da Ação Penal 470 produza um benéfico efeito cascata contra a corrupção e contribua para sustentar a nova engenharia social, preconizada pelo desembargador Newton de Lucca, ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª. Região (TRF-3), em seu livro Da Ética Geral à Ética Empresarial.
A desideologizada atuação do STF no caso do mensalão resultou num momentoso resgate da confiança da sociedade no Poder Judiciário, outro fundamento do Estado do Direito, e de aperfeiçoamento da democracia. E se espera seja mantida nos julgamentos em curso com profunda repercussão na sustentação do Estado Democrático de Direito.
Eros Grau, ex-ministro do STF e professor aposentado da Faculdade de Direito da USP, em trabalho publicado na Revista do Advogado (Aasp) abordando o comportamento da chamada classe política, afirmou que a política com p minúsculo está aquém da ética; somente a Política com P maiúscula nela se compõe. E conclui: “O voto é a ferramenta do aperfeiçoamento da classe política e de que dispomos nas democracias. Refina tanto as virtudes de quem é votado quanto as virtudes dos eleitores”.
*Ruy Altenfelder é advogado, presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas e do Conselho Superior de Estudos Avançados (Consea/Fiesp)
El País: “Bolsonaro representa a classe média, agredida e abandonada pela esquerda”, diz Paulo Guedes
Economista e principal assessor do candidato ultraconservador defende que "a expansão dos gastos públicos nos últimos 30 anos corrompeu a democracia e estagnou economia"
O economista Paulo Roberto Nunes Guedes (Rio de Janeiro, 1949) é o principal conselheiro do candidato Jair Bolsonaro (PSL), que já admitiu em diversas ocasiões não entender de economia e recorrer sempre que precisa a seu "Posto Ipiranga" — uma referência a um comercial da TV no qual o posto é a resolução para tudo. Trata-se de uma parceria que até pouco tempo atrás parecia improvável, já que Bolsonaro, nostálgico da ditadura militar, sempre adotou posições estatizantes e intervencionistas na economia. Já Guedes é PhD pela Universidade de Chicago, berço dos Chicago Boys, economistas que na segunda metade do século XX influenciaram as reformas liberais de países como Chile, EUA e Reino Unido. Ele concedeu na última terça-feira uma entrevista ao EL PAÍS no escritório da Bozano Investimentos, da qual é sócio, localizado no nobre bairro do Leblon, na zona sul do Rio.
Vestindo um paletó xadrez que lhe confere ainda mais um ar de (neo)liberal inglês de meados dos anos 80, Guedes chega falante na sala de reunião onde ocorreria a conversa. Começa protestando sobre um artigo de opinião publicado pelo EL PAÍS em julho deste ano repercutindo uma entrevista que havia dado ao jornal Valor Econômico. Nela, ao ser questionado sobre a possibilidade de se afastar de Bolsonaro caso este representasse uma ameaça para a democracia, disse não acreditar que ele fosse capaz de dar esse passo. “Posso estar errado”, concluía. “Eu estava justamente dizendo que existe quase 0% de chance de ele ser um risco, mas o texto do EL PAÍS dizia que eu admitia a possibilidade de que ele fosse uma ameaça a democracia”, esclarece.
Professor universitário e um dos fundadores do IBMEC, do think tank Instituto Millenium e do Banco Pactual, o economista se apresenta em diversas ocasiões como um visionário incompreendido pelos seus pares. Por exemplo, diz que quando o Brasil aplicava “planos bolivarianos” nos anos 80 para conter a inflação, ele já defendia uma solução que passasse por uma meta fiscal, meta de inflação e câmbio flutuante —o chamado tripé macroeconômico aplicado a partir do segundo Governo FHC. Também mostra seu lado apostador quando conta que, até meados do ano passado, auxiliava o apresentador Luciano Huck em suas ambições políticas. “Ele foi uma descoberta. Eu falei para ele: 'Um tsunami vai invadir sua vida. Você vai ser arrastado para a política'. Foi uma previsão, eu deduzi. Não estava procurando alguém, apenas o ajudei. Ele era um outsider, jovem, sem história política, e me parecia um candidato imbatível, mas ele acabou desistindo”. Só então, a partir do final do ano, depois que escreveu um artigo no jornal O Globo prevendo um embate entre Bolsonaro e “o mais legítimo herdeiro das correntes políticas de esquerda no Brasil, Ciro Gomes”, foi apresentado ao deputado. Vendeu-lhe então planos, ideias e objetivos econômicos —tudo o que sua candidatura até então não possuía— como quem oferece casa, comida e roupa lavada.
O provável ministro da Fazenda de Bolsonaro lembra: “Escrevi que essa eleição me lembrava muito a de 1989, quando o establishment perdeu a decência. Quando uma classe política deixa a inflação ir para 5.000%, ela não faz um sucessor. Naquela época surgiram à esquerda e à direita duas opções: Lula, um operário de um partido pequeno, e Collor, um jovem outsider também de um partido pequeno”, explica. “Acho que hoje o establishment também perdeu a decência, não por causa da hiperinflação, mas por causa da corrupção que pegou todo o espectro político brasileiro”. Para ele, Bolsonaro representa “uma classe média esquecida e abandonada, agredida em seus princípios e valores, e que quer ordem”. Suas respostas sobre o fenômeno Bolsonaro tornam-se longas divagações filosóficas e históricas, da Revolução Francesa até nossos últimos 30 anos de democracia. Diante das tentativas deste jornalista de voltar ao tema da pergunta, repete várias vezes: “Calma, nós vamos chegar lá”.
Pergunta. Bolsonaro está há 27 anos no Congresso, a maior parte desse tempo pelo Partido Progressista (PP), um dos mais atingidos pela Lava Jato. Sua família entrou na política e reportagens mostram que enriqueceu nesse período. Ele não é mais um membro do establishment?
Resposta. Você ficar todo esse tempo no Congresso sem um escândalo de apropriação de recursos... Não sei se ele pode ser chamado de um membro do establishment ou de um sobrevivente num mar de lama. Cristovam Buarque é um social-democrata de esquerda que não está envolvido em nenhum escândalo também, merece respeito. Não é porque é de direita ou de esquerda. Tem pessoas muito sérias lá em cima e que são igualmente respeitáveis.
"Uma democracia exige alternância de poder. E no Brasil essa alternância não ocorre há 30 anos. PT e PSDB sempre foram parecidos"
P. Como a social-democracia se esgotou se nem chegamos ainda a ter saneamento básico, saúde e educação universais e de qualidade?
R. Não é o fim dela. Mas uma democracia exige alternância de poder. E no Brasil essa alternância não ocorre há 30 anos. PT e PSDB sempre foram parecidos, e eu escrevo isso há 30 anos. Na política brasileira, depois de 20 anos de um regime militar associado politicamente à direita, houve uma reação a isso que foi de esquerda. Ela foi absoluta, hegemônica, e é natural e compreensível que assim tenha sido. O que você pode perguntar é por que foram tão incompetentes e depois de 30 anos não chegaram a resolver o problema da educação, saúde... O Brasil tem uma dívida de quatro trilhões de reais e paga 400 bilhões por ano em juros. Isso corresponde ao Plano Marshall do pós-guerra. O Brasil reconstrói uma Europa por ano só em juros, sem amortização da dívida. Essa foi a areia movediça que engoliu as melhores intenções. E de onde vem isso tudo? Não é a social-democracia por si, é a incapacidade de resposta aos desafios que surgiram. É fútil, tola, a discussão sobre se o Estado é grande no Brasil. Se você olhar do ponto de vista de necessidade do financiamento do setor público, é enorme e disfuncional. Ele consome 45% do PIB, somando impostos mais o déficit. Mas ele gasta mais com ele mesmo e com o passado inepto dele, ou seja, os juros da dívida, os privilégios previdenciários do setor público e com a máquina pública. Gasta 6% do PIB em educação e 5% em saúde, mais que alguns países desenvolvidos, e não é o suficiente. E não conseguimos cumprir uma função básica do Estado que vem antes, que é a preservação de vidas e propriedades. Então o Brasil está dando um grito desesperado.
P. Como chegamos a esse quadro?
R. No regime militar você centralizou o poder e os recursos e desidratou a classe política. Isso é dirigismo econômico. E o projeto qual foi? Desenvolver a infraestrutura brasileira. Foi um modelo de desenvolvimento baseado em um planejamento central que sempre funciona por certo tempo, mas depois se esgota. É o mesmo desafio que está esperando a China. Esse dirigismo já causou vários episódios históricos de descarrilamento, de crise política e econômica. Eu lembro da Revolução Francesa, da crise da social-democracia alemã, do fim da União Soviética... Em um modelo dirigista, esquerda e direita estão muito próximos. Não quero saber quem é um ou outro, para um liberal são totalitaristas, a tragédia é a mesma. As modernas democracias liberais saíram dessa zona totalitária: temos democratas e republicanos nos EUA, conservadores e trabalhistas no Reino Unido, democratas-cristãos e sociais-democratas na Alemanha, Bachelet e Piñera no Chile. Os dois lados aceitam o mercado e aceitam a função do Governo de atenuar as desigualdades.
P. Acredita que o Brasil está mais próximo desse modelo ou do modelo totalitarista anterior, respaldado por Bolsonaro em diversas ocasiões?
R. O Brasil, ainda que só um lado tenha prevalecido nos últimos 30 anos, é uma democracia emergente virtuosa, uma sociedade aberta, de Karl Popper, em construção. A gente já está muito longe do totalitarismo. E a Lava Jato está nos remetendo para esse campo da liberal-democracia. Saímos do regime militar com uma eleição indireta. Tivemos então uma eleição direta, e aí fizemos o impeachment de Collor. Não foi por causa da roubalheira, mas acabou sendo uma declaração de independência do poder Legislativo. Na hora que ficou independente, o Executivo comprou o Legislativo. E agora houve o despertar, a declaração de independência, do Judiciário. Primeiro com Joaquim Barbosa no Mensalão, e agora com o Sérgio Moro. O Brasil está muito mais forte como democracia, está tendo um processo de aperfeiçoamento institucional. Não sei se o presidente vai ser Ciro, Bolsonaro ou Alckmin... Não estou preocupado. Confio no processo democrático brasileiro. Nosso grande desafio agora é transformar o Estado dirigista moldado pelo regime militar num Estado social que tanto a social-democracia como a liberal-democracia aprovariam. Mas no Brasil, a expansão ininterrupta dos gastos públicos nos últimos 30 anos corrompeu a nossa democracia e estagnou nossa economia. O país está preso. É uma armadilha de baixo crescimento e corrupção sistêmica. Nós já sabemos que foi culpa do dirigismo econômico. “Ah, mas as pessoas não foram corretas, não foram utópicas”. Bom, esse foi o discurso do Fernando Henrique, do Lula... Acabou isso. Não dá agora para o PSOL chegar e falar que faltou ética. Não foi por falta de ética.
P. Mas esse é precisamente o argumento do Bolsonaro.
R. Mas a força dele não foi essa. Não foi por isso que ele subiu. A mídia não está entendendo que há um pedido pela função básica do Governo, que é garantir ordem. Bolsonaro está representando uma classe média esquecida e abandonada, agredida em seus princípios e valores, e que quer ordem. A esquerda se perdeu no andar de cima com a corrupção, com todos setores da economia cartelizados, e um assistencialismo lá embaixo para as classes mais pobres. E abandonou os valores e princípios de uma classe média emergente, B e C. Não é razoável viver num lugar onde tudo está relativizado. Você tem coragem de colocar um relógio e andar na praia? Isso significa que você não tem direito a uma propriedade, a um bom relógio. E agora vamos para a coisa pública: está certo tirar um bilhão da Petrobras? As pessoas também estão dizendo que não querem essa roubalheira. Enquanto isso, a social-democracia está preocupada com outras coisas, como a legalização da maconha. Fernando Henrique tem falado mais sobre isso do que sobre segurança.
P. Ainda assim, as pesquisas indicam que Lula é está muito à frente nas pesquisas, com 37% dos votos, segundo o IBOPE. Muitos especialistas acreditam que teremos mais um duelo entre PT e PSDB no segundo turno.
R. Isso daí não me impressiona e não são os números em que eu acredito. Não é o que estou vendo. Isso para mim é a bolha. Rio, São Paulo e Brasília, onde a elite conversa e se acerta, troca de candidato, prende e solta. Mas tem o Brasil profundo. A minha convicção é que Lula tem 25%, ele não passa disso. E o Bolsonaro tem outros 25%. É o que eu acredito. O resto para mim é fumaça. Se dizem que o Lula tem 30%, eu digo que quero ver. Só acredito nisso se a votação for com urna que não seja eletrônica.
P. Acredita que a urna eletrônica é fraudada?
R. Digo que com a urna eletrônica quero ver os 37%. Com o voto impresso Lula não passa de 25%. Essa é minha opinião. É um direito meu [achar isso]. É uma convicção minha.
P. Você mencionou a questão da regulamentação das drogas, que é também um tema sobre segurança. Seus defensores argumentam que justamente a atual política de confronto nos levou ao quadro de insegurança pública. E para o liberalismo, para a defesa das liberdades individuais, esse debate também deveria ser importante, não?
R. Sim, mas a preservação da vida é mais importante do que a legalização da maconha. São 60.000 pessoas por ano morrendo, não dá. Qual é a melhor forma de lidar com isso? Um liberal pode dizer que é legalizar tudo. Um conservador pode dizer “de jeito nenhum”, que isso pode destruir as famílias. Existe uma disputa de princípios e valores, e aparentemente os conservadores estão levando vantagem.
P. Bolsonaro fala em garantir segurança jurídica para a polícia, algo interpretado como uma licença para matar. Mas foram justamente os liberais clássicos que colocaram limites no uso da força do Estado, de modo a não atropelar liberdades e garantias individuais.
R. Sim, mas se o sujeito estiver com um fuzil na mão, fica difícil dizer que aquele cara é só um suspeito. Não é suspeito. E não é proibido usar arma? Aliás, houve um plebiscito no Brasil e a população votou por ter armas. E aí Bolsonaro chega e fala "acho que todo mundo quer ter arma". E sabe por que estão votando nele? Porque votaram para ter arma e não estão deixando ter arma.
P. Mas o brasileiro pode adquirir armas, ainda que existam regras bastantes rígidas. Não pode andar armado, mas pode ter em casa para se defender.
R. As pessoas votaram para ter arma. Aí regulam, não pode isso, não pode aquilo... Mas a maioria da população está dizendo que quer, como você vai dizer que não?
P. Como você se posiciona pessoalmente no debate sobre costumes?
R. Intelectualmente, um liberal é bastante liberal. Se você é íntegro intelectualmente, você delega ao Governo muito poucos poderes. Agora, existem conservadores que acham que a esquerda faz isso ideologicamente, para desestabilizar os valores deles e minar a família, as crenças religiosas...
P. Acredita que no Brasil há conservadores que se dizem liberais e não são?
R. Dentro do centro estão conservadores oportunistas e conservadores realmente conservadores. Os oportunistas querem preservar os privilégios, e os de verdade acreditam nos princípios, querem uma estabilidade política, etc. A esquerda comprou os conservadores oportunistas. É o MDB do Sarney. O que Bolsonaro está propondo é uma a aliança política de centro-direita em torno de um programa liberal na economia e conservador de costume. Ele quer alguém com princípio, sem o toma-lá-dá-cá. Quer pessoas que estejam indignadas com a educação com viés socialista e com a ruptura dos costumes. Porque uma coisa é o homossexual respeitar o heterossexual e vice-versa. O que não pode é um debochar do outro, do tipo "ah, esse cara está casando com uma menininha, é um conservador, um burguês". Tem que ter respeito. E outra coisa é a propaganda. Você não deve na escola tentar converter alguém para um estilo de vida. A escola não pode discriminar ou reprimir o homossexual, mas também não pode tentar levar a qualquer tipo de comportamento. Cada um deve ser livre e respeitado, sem ser persuadido a ir em uma direção ou outra.
P. Você acredita que isso, de fato, ocorra?
R. Não é que eu acredito, eu vejo. Eu sei que há. Eu sou liberal, mas não sou cego. Posso até estar a favor de determinando tema, mas não a ponto de ver o que estou vendo, como um sujeito entregar o manual do Marighella dentro de uma universidade ou botar um menino de 5 ou 6 anos para cantar a internacional socialista. Isso é lavagem cerebral. Eu ria disso, achava engraçado, pitoresco. Mas estando fora da bolha, você começa a receber esse tipo de material. Tem coisas que não são razoáveis. Mas não quero mais falar disso, meu assunto é economia.
"Se quisermos educação e saúde, temos que acabar com privilégios"
Guedes se mostra mais sucinto ao falar sobre os temas econômicos. É cauteloso e não detalha nenhum dos planos. Seu projeto ainda está em construção. Defende, por exemplo, um sistema previdenciário de capitalização individual —isto é, que cada pessoa ganhe de aposentadoria aquilo que economizou— ao invés do atual, de repartição. No entanto, reconhece sua dificuldade em implantá-lo e não diz como faria essa transição, considerada bastante custosa por economistas, uma vez que o Governo deixaria de arrecadar e não teria como pagar as pensões dos atuais aposentados. Também encampa o discurso do candidato contra políticas públicas para proteger minorias e corrigir injustiças históricas, como as cotas para negros nas universidades públicas. Defende que o critério para conceder ajudas deve ser sempre o econômico e social, mas não racial ou por gênero. Ao mesmo tempo, diz acreditar "na sociedade aberta que não discrimina, aceita a diferença de opinião e acha que a humanidade avança exatamente por causa da diversidade".
Também fala em lições aprendidas. "Não adianta negar as capacidades das economia de mercados e atacar os economistas que sabem economia do ponto de vista ideológico. Isso é obscurantismo. Já paguei a minha vida toda por essa discriminação, por estar num país onde todo mundo era de esquerda”, explica. E reivindica a legitimidade da candidatura de Bolsonaro. “Dilma foi uma guerrilheira, então ela pode ser presidente, e o Bolsonaro, por ter sido capitão, não pode? Isso é a negação da democracia”.
P. O mundo liberal vem demonstrando bastante desconfiança com Bolsonaro, dentro e fora do Brasil. O Estado de S. Paulo e a The Economist lançaram editoriais duríssimos questionando sua capacidade para ser presidente. Diplomatas estrangeiros disseram recentemente ao EL PAÍS que ele pode espantar investimentos e se isolar. Por que o mundo liberal anda tão desconfiado?
R. Qual é o presidente que entendia de economia? O Sarney fez as maiores atrocidades, fez planos bolivarianos. O FHC é um sociólogo que não tinha a menor noção do que era o Plano Real. Lula entendia alguma coisa de economia? Ou só assinou uma carta aos brasileiros e seguiu a política anterior? Dilma, que era economista, fez uma tragédia. Qual é a novidade de Bolsonaro não conhecer economia?
P. Mas por que o mundo liberal, do qual você faz parte, questiona tanto ele?
R. Acredito na dinâmica de uma sociedade aberta. Não acho que Bolsonaro é um salvador da pátria e nem que vou resolver tudo para ele. É uma aliança política de centro-direita depois de 30 anos de social-democracia. Portanto, acredito que é uma deselegância, um descrédito que estão lançando contra a democracia brasileira, que eu tenho vivido e que sou testemunha de que tem funcionado. Eu só posso lamentar. Lamento que um processo virtuoso no Brasil esteja sendo questionado.
P. Mas economia depende de confiança, como repetem vocês economistas. E está havendo uma desconfiança dentro e fora do país.
R. Com a informação que eu tenho, com o que eu tenho observado... Eu vi uma ameaça à democracia chamada Lula ser inteiramente absorvida e ter feito um primeiro Governo bom e o segundo razoável. Então todo o receio que existia contra o que seria um radical de esquerda não aconteceu.
P. Mas quando Bolsonaro propõe aumentar o número de ministros do STF, isso não gera uma insegurança jurídica que afeta também a economia?
R. Ele já revisou sua opinião, para você ver o que é uma sociedade aberta. Ele foi alertado pela Janaína Paschoal, que disse "você vai ser mal interpretado, vão achar que você está querendo interferir no parecer do Supremo". Ele mudou de ideia no dia seguinte. Eu o convenci a respeito de Banco Central independente, que ele era contra. Nós conversamos e em 24 horas ele falou "sou a favor de Banco Central independente".
P. O que te leva acreditar que Bolsonaro se tornou um liberal? Foi ele quem disse que FHC deveria ser fuzilado, na época da privatização da Vale.
R. Eu nunca disse que ele é liberal. Mas da mesma forma que Fernando Henrique era um sociólogo de esquerda e 20 anos depois ficou mais liberal, da mesma forma que os economistas social-democratas eram contra política monetária e privatizações... Da mesma forma que esse povo aprendeu, por que eu vou supor que o Bolsonaro não aprende? Por que ele não pode ser presidente? A Dilma foi uma guerrilheira, então ela pode ser presidente, e o Bolsonaro, por ter sido capitão, não pode? Isso é a negação da democracia.
P. É você quem vai ensiná-lo?
R. Não, é a sociedade quem está ensinando. Nós todos estamos aprendendo. Ele tinha votado primeiro contra a privatização das distribuidoras da Eletrobras, mas seu último voto foi a favor. Ele tinha votado contra o cadastro positivo, mas ele me deu uma explicação muito boa: não havia garantia de sigilo. No dia em que deram essa garantia, ele apoiou. Outro dia ele disse que se não resolverem a crise da gasolina, iria privatizar inclusive a Petrobras. Mas está claro para mim que o mais importante para ele são os princípios e valores. É inadmissível para ele uma elite política que rouba.
P. Bolsonaro vai enfrentar esse mesmo Congresso, que tende a não se renovar. Também terá que comprá-lo para não cair, da mesma forma que os governos anteriores?
R. A classe política vai se reinventar agora. Ela chegou à exaustão do modelo antigo. Os mesmos personagens vão trabalhar diferente. Essa eleição já está sendo temática. Ninguém está perguntado de que partido você é, mas sim qual é a sua posição sobre segurança, aborto, educação... Vai acabar o tomá-lá-dá-cá. O apoio agora será temático, baseado na reidratação da classe política.
P. Um ponto que chama atenção no programa de Bolsonaro é que se fala em aumentar o Bolsa Família e chegar a uma renda mínima. Como seria isso?
R. Isso é uma coisa complexa. O pai desse conceito de renda básica é o [economista] Milton Friedman. O Bolsa Família é uma versão disso. Evidente que isso está no nosso mapa. Essa renda mínima foi desenhada de modo a deixar o mercado funcionar, com salários livres e sem esse negócio de Justiça trabalhista... Caso alguma categoria profissional, por qualquer motivo, não tem aquele salário, aquela renda básica que a gente considera justa então recebe uma ajuda. Com instrumentos como o chamado imposto de renda negativo.
P. Qual modelo de Previdência você defende?
R. Nós preferimos o modelo de capitalização, mas reconhecemos a dificuldade [de implantá-lo]. Com uma renda básica, um mínimo estaria garantido. Mas essa é uma conversa longa. Nosso sistema de Previdência é uma bomba relógio: tem o problema da idade mínima; é uma fábrica de privilégios que promove desigualdade de renda; destrói os recursos, porque o jovem paga e o velho consome, e não bota o país para crescer; como não leva para o futuro, tem uma péssima alocação de capital e não democratiza a riqueza; a forma de financiamento é brutal, selvagem, porque os encargos trabalhistas destroem dois empregos para cada um que cria... É um desastre, é um avião que está caindo. Querer manter esse sistema aí é um massacre.
P. Bolsonaro foi militar, ele vai combater os privilégios dessa classe?
R. Olha, é evidente que ele vem sendo representante deste segmento por muito tempo, então ele tem uma visão que vem dele. Mas ao mesmo tempo ele tem um desafio novo, que é o da presidência da República. Dito isso, há funções clássicas de Governo. Garçom do Senado não é. E militar é. E ele não faz greve, etc. Existe alguma diferença. Mas outro dia, até mesmo o general Mourão [vice na chapa de Bolsonaro] disse em uma palestra que precisamos combater privilégios.
P. O que acha do teto de gastos? Vai propor sua revogação?
R. O teto de gastos faz total sentido. É a última barreira do total colapso das finanças públicas. Foi por não decifrar essa limitação de gastos que a classe política foi devorada. É triste ver a redemocratização devorando seus próprios filhos, botando Lula e todo mundo na cadeia. Eu sou a favor do império da lei, mas é trágico. Se quiserem tirar o teto, tirem. Mas em cinco ou dez anos vai todo mundo preso de novo. Essa é a minha tese. O excesso de gastos públicos corrompeu a democracia e estagnou a economia.
P. Como garantir então os investimentos necessários em saúde e educação?
R. A ideia é manter o teto, mas tentar diminuir os gastos de baixa qualidade, que são os juros da dívida, os privilégios do sistema previdenciário e descentralizar os recursos para Estados e municípios, para que possam justamente investir nessas áreas sociais que são legítimas. Precisa também de uma gestão melhor. O que gastamos em saúde e educação é comparável ao que se gasta em países desenvolvidos, então evidentemente há um problema de gestão. Por exemplo, o foco de educação tem que ser ensino básico. O período mais importante da criança vai de zero aos 3 anos. É creche. Mas o Governo brasileiro faz o contrario, gasta 60% em ensino superior. E o segredo de uma educação bem sucedida é professor e gestão, além de uma variável nova, que é a inclusão digital.
Isso tudo significa que se quisermos fazer educação e saúde, a gente tem que acabar com os privilégios. Se a gente quiser fazer saneamento e segurança, temos que privatizar algumas empresas. O Estado máquina tem que começar a virar o Estado vontade, do povo. Não adianta ficar com uma estrutura enorme, centralizada. Nosso programa é isso: mais Brasil, menos Brasília. Descentralizar poderes e recursos e atribuições. A sociedade saudável, liberal-democrata, ela é construída de baixo pra cima. O dinheiro fica lá embaixo. A União vem para poderes muito limitados e muito bem definidos, como o Exército. Mas o Brasil já nasceu capitania hereditária.
"Se quisermos educação e saúde, a gente tem que acabar com os privilégios. Se quisermos saneamento e segurança, temos que privatizar algumas empresas. Nosso programa é mais Brasil, menos Brasília"
P. Defende a cobrança de mensalidade na graduação para universidade pública?
R. Para quem tem recursos, certamente. O raciocínio do liberal é dar acesso aos que não podem. Se o cara tem recursos, ele tem que pagar. Não interessa se é pública ou privada. Quem não tem recursos precisa ter acesso as duas. Na pública ele não paga; na privada ele ganha um voucher.
P. Hoje vemos grupos de mulheres, movimentos LGBTI e negro pedindo políticas públicas voltadas para esses grupos que lhes garantam igualdade de oportunidade, pregada pelo liberalismo. O que você acha disso?
R. Você não pode discriminar alguém por ser negro. Mas isso de que o branco não pode entrar porque ele tem mérito, mas não tem vaga por causa da cota... Então você está descriminado o branco, dizendo que ele não pode entrar. Do ponto de vista liberal, a linha divisória é o acesso econômico. Se o sujeito vai entrar para a universidade pública, não quero saber se ele é preto, branco, gay, homem ou mulher. Quero saber do mérito. Ah, 'mas ele é preto e não tem dinheiro'. Então dá o dinheiro para ele. O negro objetivamente está prejudicado por causa da escravidão? Está. Está sem acesso a escola. Mas a condição social é o critério, não é a cor. "Ah, mas ele não consegue passar na prova para entrar por mérito". Então faltou um voucher numa etapa anterior, pra ele escolher uma boa escola e conseguir um bom treinamento para entrar na universidade. Se ele foi prejudicado porque a mãe não dava leite quando ele tinha dois anos, então temos que dar voucher para que as crianças estejam na creche bem alimentadas. Se não você cai na armadilha da discriminação. Do mesmo jeito que você não quer discriminar o negro e o homossexual, você não pode descriminar o branco e o heterossexual. Acredito na sociedade aberta que não discrimina, aceita a diferença de opinião, acha que a humanidade avança exatamente por causa da diversidade.
P. Como pretende fazer para baixar os juros?
R. Primeiro você tem que zerar o déficit fiscal. Essa história de combater a inflação durante 20 anos com os gastos públicos crescendo é o que produziu essa trajetória de juros muito altos. E isso produziu o endividamento de bola de neve. Então você primeiro tem que desmontar o déficit fiscal. E também reduzir o grau de concentração bancária. Uma coisa é você agir sobre o fluxo, reduzindo o déficit para derrubar os juros. Outra coisa é agir sobre o estoque da dívida. Então temos que acelerar a privatização para reduzir esse estoque. E tem um terceiro fator: a desestatização do mercado de crédito. Tem dinheiro barato para os amigos do rei, para a Odebrecht e JBS, mas caro para a população.
P. Concorda com o termo "bolsa banqueiro", empregado pelos demais candidatos?
R. Tenho uma outra expressão. O Brasil é o paraíso dos rentistas e o inferno dos empreendedores. Temos que inverter isso aí. O Brasil precisa ir em direção a uma economia de mercado. Tem que acabar com a disfuncionalidade do governo. Ele é uma gigantesca agencia de privilégios para grandes empresas no BNDES, privilégios pra funcionários na Previdência...
P. Você tem ido a Brasília conversar sobre um eventual Governo Bolsonaro?
R. Estou conversando com os ministros da área econômica. Essas conversas iniciais servem para lançar essa visão de que não existe um salvador da pátria ou um economista que vai resolver tudo. Estou vendendo o peixe da aliança de centro-direita em torno de um programa liberal democrata na economia. É que os Chicago Boys fizeram lá no Chile. Conversei com ministro do Planejamento, da Fazenda, presidentes do Banco Central e do BNDES... Estou mapeando o território, examinando os números e simulando.