Eleições
Demétrio Magnoli: Existem três teses sobre legitimidade da eleição sem Lula
O veto legal à candidatura de Lula distingue a eleição de todas as anteriores
O veto legal à candidatura de Lula singulariza a eleição em curso, distinguindo-a de todas as anteriores, desde a redemocratização. Daí, emerge um debate sobre legitimidade, que se espraia ao longo de três teses. A primeira diz que a eleição é legal e legítima; a segunda, que é ilegítima; a terceira, e mais interessante, faz a legitimidade da eleição depender de seus resultados.
A visão convencional, adotada pela maioria dos partidos, não enxerga nenhum problema de legitimidade.
A Lei da Ficha Limpa, fonte do veto à candidatura de Lula, nasceu de um projeto de iniciativa popular e, depois de amplamente aprovada no Congresso, foi sancionada sem vetos pelo próprio Lula. É instrumento legal de validade geral, que cancelou as mais diversas candidaturas desde 2014, não uma ferramenta destinada a cassar os direitos de Lula ou do PT.
A eleição é legítima. O debate sobre o tema é que não é, derivando de um desejo de colocar Lula acima da lei ou de uma pervertida estratégia de campanha.
O segundo ponto de vista, adotado por correntes de extrema esquerda abrigadas no interior do PSOL ou em surpreendente aliança com o PT (caso do PCO), pode ser qualificado, com alguma ironia, de revolucionário. O veto a Lula é o prosseguimento do “golpe parlamentar” do impeachment e tem a finalidade de ladrilhar o caminho das “reformas neoliberais”. O Judiciário participa do “golpe”, conduzindo a perseguição legal ao ex-presidente. Os mensageiros desta tese repetem, letra por letra, a narrativa desenvolvida pelo PT desde 2016, mas com finalidades muito diferentes.
A extrema esquerda habituou-se a encher seu potinho de sonhos com as sobras do lauto banquete lulista. Em 2002, apoiou a candidatura presidencial do PT na esperança de que a “classe trabalhadora” experimentasse o governo de Lula — um “reformista” ou um “traidor”, a depender da versão — e, libertando-se de suas ilusões, ouvisse o chamado da Revolução (assim, com maiúscula). Hoje, ainda à beira da mesa, espera que a denúncia do veto a Lula finalmente desperte as massas de sua irritante letargia, propiciando o “assalto ao Céu”.
A terceira é a tese lulopetista. Na sua nunca explicitada inteireza, ela diz que a eleição terá sido legítima se Haddad vencer, mas terá sido ilegítima se Haddad perder. O alarido do protesto contra a “ilegitimidade” da eleição sem Lula, tão audível na etapa atual, cessará quando Haddad assumir o bastão, para só retornar na hipótese da derrota. A suspensão do juízo sobre a legitimidade até a proclamação dos resultados viola as regras elementares da lógica, mas atende a um imperativo partidário estratégico: na vitória, Haddad será o incontestável presidente do Brasil; na derrota, o eleito não será mais que um títere da “elite golpista”.
A história funciona mais ou menos assim. Em caso de vitória, o povo terá “corrigido” o desvio iniciado com o impeachment, derrotando o “golpe” e salvando a democracia. Já em caso de derrota, o desejo do povo de recolocar Lula no Planalto terá sido frustrado pela artimanha golpista do veto à candidatura. Restará, então, a via da resistência, convocada por meio da denúncia da ilegitimidade do presidente eleito.
A tese convencional é legalista ao extremo: identifica a democracia às normas legais, negando-se a encarar o problema político da limitação da soberania dos eleitores posto pela Ficha Lima. A tese revolucionária é finalista: identifica a democracia (“burguesa”, evidentemente) como o inimigo histórico e interpreta o veto a Lula como faísca providencial capaz de acender a grande fogueira da purificação. A tese lulopetista é, além de oportunista, autoritária: identifica a democracia ao sucesso eleitoral do Partido (assim, com maiúscula), exprimindo uma rejeição visceral ao princípio do pluralismo.
*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.
João Domingos: A paz necessária
A maioria do eleitorado aguarda por ideias que possam representar um mundo melhor
Que o atentado a Jair Bolsonaro (PSL) terá consequências na campanha presidencial e na eleição do próximo presidente, disso não restam dúvidas. Tanto é que todos os candidatos suspenderam suas atividades um dia depois de o deputado federal tomar a facada, em Juiz de Fora, ser internado e socorrido na mesma cidade, e transferido para o Hospital Albert Einstein, em São Paulo, na sexta-feira, quando se comemorou a Independência do País. Mas o que se pergunta, hoje, é: quais consequências, quem perderá votos com o episódio e quem ganhará?
Algumas hipóteses devem ser consideradas. A primeira, é que passada a comoção do ataque que vitimou Bolsonaro, os candidatos aumentem os apelos contrários à violência e à radicalização do processo político, com maior humanização da campanha. Podem, assim, fazer uma tentativa de neutralizar uma das principais bandeiras de Bolsonaro, que é a defesa do porte de armas de fogo. Bandeira essa que tem capturado o voto de uma parcela considerável da população.
É possível também que o atentado fortaleça ainda mais a ideia de uma polarização entre Bolsonaro e o PT. “Bolsonaro poderia se apresentar como o único nome que pode botar ordem no País; o candidato petista, que é o único capaz de retomar a busca do Estado do Bem Estar Social”, diz o analista político Antonio Augusto de Queiroz, diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), que acompanhou a Constituinte, todas as eleições da redemocratização para cá e vive o dia a dia do Congresso e dos partidos políticos.
Deve-se então dizer que o segundo turno será entre Bolsonaro e o candidato do PT? Pode ser. Mas outras hipóteses também se abrem. Candidatos mais ao centro, como Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede), ou mesmo de centro-esquerda, a exemplo de Ciro Gomes (PDT), poderiam tirar proveito da disputa entre os dois polos.
Argumentariam que a radicalização, além de não levar a lugar nenhum, a não ser a tragédias como a do atentado, pode inviabilizar o futuro do País. Isso poderia fazer com que o eleitor que ainda não se transformou no eleitor fundamentalista, para o qual só existe um candidato e sua proposta, comece a se afastar dos extremos, à procura de alguém mais moderado.
É possível ainda que o voto útil, quando o eleitor procura se identificar com aquele que pode derrotar o candidato que, na opinião dele, se posiciona numa situação oposta ao que pensa, venha a aparecer já no primeiro turno, e não no segundo, como tradicionalmente tem ocorrido, diz Queiroz. Sairá na frente aquele candidato que conseguir passar para a população a ideia de que é um conciliador, que evita os extremos, que procurará fazer um governo voltado para todos e não apenas para uns.
No caso dessa última hipótese, se ela vier a vingar, tanto Bolsonaro quanto o candidato do PT tenderiam a perder terreno e poderiam se ver ameaçados por Ciro, Marina ou Alckmin, que se mostraram competitivos. Nesse caso, uma propaganda na TV que transmita a ideia de rejeição aos opostos será fundamental. Quem conseguir passar essa mensagem poderá ver os resultados um pouco à frente.
Nesta altura, o eleitor já sabe um pouco a respeito de quem é quem na disputa presidencial. A não ser uma camada pequena, que talvez ache que é preciso eliminar fisicamente o adversário, a maioria esmagadora certamente esperará por ideias que possam representar um mundo melhor, com desenvolvimento econômico, emprego, educação, saúde e transporte de qualidade e segurança que permita ir para as ruas com tranquilidade.
O Estado de S. Paulo: Atentado é reflexo de cenário em ebulição, dizem analistas
Pesquisadores ouvidos pelo ‘Estado’ afirmam que ataque deve alterar estratégias da campanha eleitoral na reta final das eleições 2018
Adriana Ferraz, de O Estado de S.Paulo
O ataque sofrido pelo presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) na quinta-feira, 6, em Juiz de Fora (MG) é capaz de mudar os rumos da disputa eleitoral nas eleições 2018, já marcada pela imprevisibilidade, segundo especialistas ouvidos pelo Estado. Para eles, o episódio certamente deverá surtir impacto nas campanhas.
Conforme José Álvaro Moisés, cientista político da USP, o deputado deverá passar a ocupar, por motivos distintos, o mesmo posto de vítima do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado e preso pela Lava Jato. “Esse fato lamentável pode transformá-lo na segunda vítima dessa campanha, confundindo ainda mais o eleitorado e resultando em um impacto no resultado da eleição. As chances dele podem aumentar”, afirmou o cientista político.
Moisés ressaltou que o grau de tensão observado no cenário político nacional se intensificou nos últimos meses e já gerou outros episódios de violência. Ele citou o assassinato da vereadora do Rio Marielle Franco (PSOL), há quase seis meses, e os tiros que atingiram um ônibus da caravana de Lula pelo Paraná, em março. “A reintrodução da violência na política não favorece a democracia, não permite que o clima seja de reorganização do País. Pelo contrário, gera mais confusão na população.”
Para Marco Antonio Teixeira, professor de ciência política da FGV-SP, o ataque deve fazer com que as campanhas reavaliem suas estratégias. “Isso deve ser veementemente repudiado. A hora é de serenidade e de se esperar os devidos esclarecimentos. Todos nós devemos refletir sobre esse lamentável episódio, e os candidatos devem cessar as agressões entre eles”, afirmou o analista.
Desde o início da campanha na TV e no rádio, Bolsonaro entrou na mira dos adversários, que passaram a destacar episódios polêmicos envolvendo o deputado federal – ele lidera as pesquisas de intenção de voto com 22%, de acordo com a mais recente pesquisa Ibope/Estado/TV Globo.
O presidenciável tucano, Geraldo Alckmin, por exemplo, tem utilizado metade de seu tempo de propaganda para sugerir que o deputado agride mulheres, com imagens dele destratando uma deputada e uma jornalista, e que ele quer resolver os problemas do País na bala.
Henrique Meirelles, candidato pelo MDB nas eleições 2018, também tem provocado Bolsonaro nas inserções a que tem direito de veicular no rádio e na TV. Mas, diferentemente da estratégia tucana, o emedebista tem atacado não o discurso do deputado, mas seu suposto desconhecimento sobre temas de economia. Com a agressão sofrida ontem por Bolsonaro durante ato de campanha em Juiz de Fora, a expectativa é que tanto Alckmin quanto Meirelles possam repensar suas ações.
Professor do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas Universidade Presbiteriana Mackenzie, Rodrigo Prando acredita que a repercussão do ataque deva modificar não apenas as estratégias de campanha dos adversários, mas especialmente o discurso do próprio Bolsonaro.
“Bolsonaro buscará capitalizar esse ataque e firmar sua imagem de vítima. Não há como negar o que ocorreu. Mas só saberemos realmente o quanto ele ganhou em intenções de votos e o nível de sua rejeição quando novas rodadas de pesquisa eleitoral forem divulgadas. Arrisco, contudo, em afirmar que haverá impacto positivo em sua imagem, e seus adversários que partiram para o ataque terão que rever a decisão, especialmente Alckmin”, disse. “O cenário eleitoral, que já estava em alta temperatura, entra em ebulição.”
El País: Bolsonaro ameaça oponentes e ataca legitimidade da disputa eleitoral pelo Planalto
Em carreata, candidato do PSL faz símbolo de cadeia, quando é vaiado por opositores
Por Afonso Benites, do El País
Para os apoiadores, Jair Bolsonaro sorri e acena ou faz símbolos de coração ou de armas com as duas mãos. Para os diversos opositores que o xingam por um caminho de dez quilômetros, o ultradireitista apresenta gestos de prisão, no qual faz uma espécie de cela usando os dedos indicadores e médios das duas mãos. Assim o candidato do PSL à presidência se alterna por pouco mais de duas horas em uma carreata que reuniu 1.000 carros e motocicletas que passou pelas cidades satélites de Ceilândia e Taguatinga, no Distrito Federal, nesta quarta-feira.
Após o ato público de campanha, o primeiro em Brasília, o deputado federal e militar reformado afirmou de maneira veemente que qualquer que seja o resultado das eleições, o pleito estará sob suspeição. Em seu entendimento, sem o voto impresso não é possível fazer a auditoria da apuração. Ele desconfia que as urnas eletrônicas possam ser fraudadas. A análise vale, inclusive, para o caso em de ele vencer o pleito. “Qualquer um que ganhar vai estar sob suspeita essas eleições. Com toda certeza”.
Apesar desse discurso do candidato, o Tribunal Superior Eleitoral já destacou que há dezenas de maneiras de auditar o processo eleitoral. Em palestra a jornalistas no último dia 3, o secretário de tecnologia da informação do tribunal, Giuseppe Janino, afirmou que, em 22 anos de utilização, nunca se detectou nenhuma fraude no sistema de votação ou apuração dos resultados. E explicou que há mais de 30 barreiras digitais que impedem o acesso aos sistemas da Justiça Eleitoral. Destacou ainda que já foram realizados quatro testes públicos de segurança com equipes de hackers vinculados à universidades e Polícia Federal nos quais ninguém conseguiu transpor todas essas barreiras.
Além das auditorias frequentes, é possível checar nos boletins de urnas que são impressos por cada urna eletrônica ao final da votação se os votos ali contabilizados foram de fato registrados pelo TSE. Esse boletim é um pequeno papel que é impresso e afixado em frente as zonas eleitorais. Nele há um QR Code, que pode ser fotografada e comparada com a apuração da Corte. Ainda assim, Bolsonaro insiste em sua tese antisistema e diz que poderia ganhar a eleição em primeiro turno, caso o voto fosse impresso. O candidato ou o seu partido, contudo, jamais enviaram representantes para acompanhar os testes do TSE. “Ninguém está sentando na cadeira antes da hora. Em qualquer lugar do Brasil tem uma aceitação enorme [à minha candidatura]. Se o voto for impresso, mas o Supremo suspendeu isso, e tivermos como comprovar a lisura das eleições, a gente ganha no primeiro turno”, disse.
Em junho passado, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional uma lei, de autoria de Bolsonaro, que obrigava a impressão dos votos. Os magistrados entenderam que a versão impressa viola a garantia constitucional do segredo do voto, já que seria possível identificar o eleitor. “Pode falar à vontade. Eu não acredito nessa forma de apurar votos”, disse Bolsonaro. A estratégia do ultradireitista de solapar a confiança no sistema eleitoral e martelar em fraude foi usada por Donald Trump nos EUA. Lá, Trump, sob críticas dos analistas, repetiu que as eleições poderiam ser manipuladas sem mostrar qualquer prova ou evidência.
Ataques e provocações
Se ensaiou alguma moderação nos debates da TV, nos últimos dias, o candidato deixou claro que vai apostar no ultraje e na provocação para ao menos manter sua base de apoiadores — na mais recente pesquisa do Ibope, divulgada nesta quarta, ele aparece liderando com 22%, já considerando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fora da disputa. Ora tenta intimidar jornalistas que o questionam, ora outras candidaturas. Na noite de terça-feira, atacou um repórter que é homossexual que o indagou por que Bolsonaro havia postado um vídeo em sua página no Twitter no qual um menino dizia que na escola ensinaram que garotos usavam saia, brincos e pintavam a unha. “Você pintou unha quando criança?”, rebateu o candidato ao jornalista. O jornalista disse que não e lhe disse não poderia ser tratado dessa maneira hostil. O deputado respondeu de forma rude: “Eu não posso o quê, rapaz!? Você pergunta o que quer e eu respondo o que eu quero”.
No sábado passado, em viagem ao Acre, Bolsonaro disse que iria “fuzilar a petralhada do Acre”, em referência aos políticos do PT que governam o Estado há duas décadas. Disse o candidato: “Vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre. Vamos botar esses picaretas para correr do Acre. Já que gostam tanto da Venezuela, essa turma tem que ir para lá. Só que lá não tem nem mortadela. Vão ter que comer capim mesmo”. Nesta quarta-feira, a Procuradoria-Geral da República solicitou que ele explicasse o quis dizer. O órgão analisa a possibilidade de abrir um processo pelos delitos de incitação ao crime e ameaça.
Na carreata desta quarta-feira, Bolsonaro continuou criticando os petistas, mas usou um tom menos duro. “Vamos varrer a cúpula desses partidos [PT e PSDB] para a lata de lixo da história. Vamos dar um pé no traseiro do comunismo”. Quando indagado pela reportagem o que ele achava dos ataques que estava recebendo, principalmente da campanha de Geraldo Alckmin (PSDB), que tenta pregar nele a pecha de misógino, o candidato disse que isso faz parte da política. “[A crítica] é política, palavras, é jogo de palavras, é o sentimento. Eu entrei em campo, não por uma obsessão. Entrei por uma missão de Deus e por uma missão patriótica de mudar o rumo do Brasil”.
Desde o dia 31, quando se iniciou a campanha de rádio e TV, a coligação de Alckmin leva ao ar peças publicitárias nas quais reproduzem discussões que Bolsonaro teve com a deputada Maria do Rosário (PT-RS), a quem chama de vagabunda, e a uma jornalista, que também é xingada. Enquanto isso, seu séquito de convertidos parece permanecer inalterado. Eis o que uma de suas eleitoras, a fonoaudióloga Carmen Minuzi, disse ao EL PAÍS, após acompanhar a carreata do candidato sob o sol de 32º C: “Entendo que as pessoas fazem de tudo para querer desestabilizar o Bolsonaro, mas ele é uma pessoa firme de caráter e, o que ele é, ele mostra pra gente. Não usa máscaras. Com certeza ele respeita as mulheres”. Enquanto ela concede a entrevista, uma menina que aparentava ter menos de dez anos de idade, gritava no colo do pai: “Eu sou criança e escolhi o Bolsonaro. Não quero essa porcaria da imprensa”.
Fábio Alves: Tudo parado
Analistas não parecem ainda ter contabilizado integralmente o enorme impacto que a incerteza em relação ao desfecho das eleições está exercendo sobre empresários e consumidores
A sensação que se tem da economia brasileira é de que está tudo parado: a atividade econômica vem perdendo fôlego visivelmente ao longo deste ano, mas o mais preocupante é que as projeções dos analistas do mercado financeiro para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) deste ano, embora tenham passado por sucessivas revisões para baixo, ainda parecem um tanto otimistas.
E por que isso? Uma das razões é que os analistas das instituições financeiras não parecem ainda ter contabilizado integralmente o enorme impacto que a elevada incerteza em relação ao desfecho das eleições presidenciais está exercendo sobre empresários e consumidores, afetando o investimento e o consumo.
Essa incerteza eleitoral já seria danosa por si só, mas seu impacto vem sendo exacerbado pelo ambiente externo bastante adverso aos países emergentes, haja vista a desvalorização forte de moedas da Argentina, Turquia e África do Sul, forçando os bancos centrais desses países a elevar as taxas de juros. Na Argentina, por exemplo, o BC elevou os juros básicos para 60%, agravando a preocupação de recessão na economia argentina. Quanto do efeito dessa turbulência está incluído nas projeções do PIB brasileiro?
Na mais recente pesquisa Focus, do BC, as estimativas apontam para um crescimento de 1,44% do PIB em 2018. Na primeira pesquisa divulgada em janeiro deste ano, essa projeção era de um crescimento de 3,96% em 2018.
Na semana passada, o IBGE divulgou o PIB do segundo trimestre deste ano, que cresceu apenas 0,2% em relação ao primeiro trimestre, refletindo, entre outros fatores, os efeitos na economia da greve dos caminhoneiros em maio. Esse resultado foi até levemente melhor do que os analistas projetavam, que era de uma expansão de 0,1%, porém o que preocupou foi o fato de que o IBGE revisou significativamente para baixo o PIB do primeiro trimestre deste ano. O crescimento da economia nos três primeiros meses de 2018 foi revisado de +0,4% para apenas +0,1%, na leitura final.
Nos últimos meses, a incerteza eleitoral vem se tornando mais aguda, turvando o horizonte de empresários, consumidores e investidores. O candidato favorito do mercado financeiro e de boa parte do empresariado, o tucano Geraldo Alckmin, não consegue decolar nas pesquisas de intenção de voto.
Na liderança dessas pesquisas ainda está o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está inelegível pela Lei da Ficha Limpa e cujo registro de candidatura foi rejeitado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na sexta-feira.
Mais ainda: os candidatos posicionados nas pesquisas com chances de ir ao segundo turno não são considerados pelos investidores como reformistas por convicção, ou seja, que espontaneamente levariam adiante a aprovação de reformas estruturais necessárias para pôr as finanças públicas em ordem, como a da Previdência.
Jair Bolsonaro (PSL), líder das pesquisas no cenário sem o ex-presidente Lula, se diz comprometido com as reformas, mas há desconfiança de grande parte do mercado em relação à capacidade dele de implementá-las, dada a sua frágil articulação política e base de apoio.
Para os investidores, Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede) não abraçariam as reformas estruturais necessárias. E isso vale também para Fernando Haddad, caso ele venha substituir Lula como candidato do PT.
Essa forte incerteza entre os agentes econômicos permanece mesmo com a corrida já se encontrando na primeira semana de propaganda eleitoral na TV. Ninguém consegue prever, na fotografia de hoje, quem passará para o segundo turno.
E isso acontece porque, nesta eleição, a história eleitoral não está sendo um bom parâmetro para guiar os investidores quanto ao desfecho do pleito presidencial, pois o candidato com maior tempo de TV e número de coligações partidárias permitindo uma capilaridade suficiente para atingir eleitores em todos os Estados – Geraldo Alckmin –, desta vez, ainda está distante de chegar ao segundo turno. E os investidores desconfiam que até o chamado voto útil possa não funcionar nesta eleição.
Assim, sem bússola para prever o desfecho eleitoral, quem se atreve a investir ou a comprometer a renda num prazo mais longo? O risco não é só para o PIB deste ano, mas também para o de 2019, cuja projeção do mercado é de 2,50%. Mas esse crescimento esperado no que vem só acontecerá se o vencedor da eleição for um candidato comprometido com as reformas.
Bernardo Mello Franco: A tragédia dos ministros
É difícil explicar a um estrangeiro a sucessão de erros que levou ao incêndio do Museu Nacional. É mais difícil ainda explicar como as autoridades que não agiram para impedir o desastre ainda continuam em seus cargos.
Na madrugada de segunda, o ministro da Cultura tuitou que “a tragédia poderia ter sido evitada”. Se poderia, por que não foi? A resposta de Sérgio Sá Leitão foi vazia como um prédio incendiado. Ele escreveu que o Instituto Brasileiro de Museus, subordinado à sua pasta, “realizou diversas ações”.
O ministro também disse ter participado de uma “articulação para viabilizar um patrocínio” do BNDES ao museu. Faltou informar que o banco não liberou nenhum centavo até a data da tragédia. Agora que o acervo foi destruído, o que fazer com o dinheiro?
Ontem, em entrevista à BBC, Leitão investiu na politização da tragédia. Em vez de assumir responsabilidades, culpou “governos anteriores que quebraram o Brasil”. O ministro surfou no mesmo oportunismo dos políticos de oposição que usaram a tragédia para pedir votos. Com uma agravante: enquanto os outros fizeram demagogia à distância, ele está no poder.
A UFRJ, que administrava o museu, não explica a incrível sucessão de incêndios em suas unidades. Desde 2011, pegaram fogo o Palácio Universitário, a Faculdade de Letras, o Centro de Ciências da Saúde, o alojamento estudantil e até o edifício da Reitoria.
Mesmo assim, não houve investimento mínimo para evitar novos prejuízos. Ontem a vice-diretora do Museu Nacional, Cristiane Serejo, admitiu que a instituição não tinha seguro nem brigada de incêndio.
Se não bastasse a negligência, ainda houve deboche das autoridades federais. O ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, ironizou a comoção mundial com a perda do museu. “Agora que aconteceu, tem muita viúva chorando”, disse, na segunda-feira. No mesmo dia, o Supremo abriu inquérito para investigá-lo por suspeita de corrupção e associação criminosa. Neste fim de governo Temer, nem as declarações nem o inquérito devem ser suficientes para derrubá-lo.
Ricardo Noblat: Lula bate o pé e insiste com a farsa
E se ele decidir não indicar ninguém para candidato?
Estelionato é “obter, para si ou para outro, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento”, segundo o Código Penal brasileiro. Pena: de um a cinco anos de reclusão.
Estelionato eleitoral é “um conceito da ciência política utilizada para descrever os casos de candidatos eleitos com uma plataforma ideológica que, após a eleição, adotam um programa de signo ideológico contrário”, segundo a Wikipédia. Pena: nenhuma.
Misture as duas definições, bata bem e não tenha dúvida: Lula é um estelionatário. Sua falsa candidatura a presidente da República foi o meio fraudulento encontrado por ele para se beneficiar e conferir vantagem ilícita a quem venha a substitui-lo.
Estelionato eleitoral só se configura depois que as urnas cantam seu resultado, que o eleito começa a governar e a fazer o contrário do que prometeu. A criatividade assaz louvada do brasileiro acaba de patentear o estelionato eleitoral que dispensa tudo isso.
A candidatura de Lula não existe, jamais existiu. Ele não poderia ser candidato, impedido por lei que carrega sua assinatura. Mas foi preciso que a mais alta corte da Justiça Eleitoral esfregasse tudo isso na cara dele e na nossa cara para que… Para quê o quê?
Para nada. Para que parte de nós continue acreditando, por devoção ou ignorância, que Lula será, sim, candidato – quem sabe, não é? Fernando Haddad voou ontem a Curitiba com a esperança de voltar de lá ungido pelo encarcerado ilustre.
Voltou dizendo que o candidato será Lula para sempre, ou até quando ele quiser, ou até que se esgote o prazo de 10 dias dado pela Justiça para que o PT indique outro candidato. Pobre do Haddad, que imagina estar cumprindo bem o seu papel de capacho.
E se Lula decidir no último minuto que o melhor para o PT (leia-se: o melhor para ele) seria não indicar ninguém, ficando de fora da eleição presidencial? Hipótese remota? Quem disse? Há gente no partido, não sei se muita ou pouca, que deseja isso.
As alianças nos Estados já foram feitas. Faltam apenas 34 dias para o primeiro turno. O cadáver de Lula seguiria sendo explorado por quem já o faz. O choro, o ranger de dentes, a denúncia de mais um golpe não perderiam seus efeitos dramáticos e eleitorais.
De resto, convenhamos, seria muito mais coerente. Por que disputar se o candidato líder de todas as pesquisas de intenção de votos foi vetado por uma justiça infame, a serviço dos golpistas, reles capitães do mato de poderosos interesses internacionais?
Lula nunca foi de dividir o palco com ninguém (não é verdade, José Dirceu? Não é verdade, Antônio Palocci ou Tarso Genro?). Deu um chega para lá em Ciro Gomes só para que ele não ganhasse os poucos segundos de televisão que o PSB tinha para lhe dar.
PT é o nome de fantasia do lulismo. Os que se reuniram em torno de Lula para fundar o partido ou já morreram de morte morrida ou perderam relevância. Alguns ainda vagam arrastando correntes que já não fazem mais barulho nem arrancam fagulhas do chão.
Não se duvide da ousadia de um sobrevivente, que é o que Lula é. Conta a história oficial que ele sobreviveu à seca do Nordeste, à miséria da periferia de São Paulo, à amputação de um dedo quando usava macacão e à perseguição militar como líder sindical.
Sobreviveu à desconfiança ao seu nome de tendências mais radicais da esquerda, a três derrotas como candidato a presidente, aos desafios de governar um país complicado, de eleger e reeleger sua sucessora e de enriquecer como jamais pensara. (Ufa! Basta!)
Só sucumbiu ao rigor do juiz Sérgio Moro. Desde então estrebucha na maca para fingir que ainda tem futuro como líder político. Futuro não tem. Diz a Lei da Ficha Limpa que o ficha suja fica inelegível por oito anos, além do tempo a que foi condenado.
No caso de Lula, ele pegou 12 anos de cadeia. Não importa que saia de lá antes do tempo previsto. Importa que estará com 93 anos de idade quando puder se candidatar de novo. Mesmo que viva tanto, é improvável que o Brasil de 2038 lhe dê ouvido.
Luiz Carlos Azedo: A história à deriva
“Em pleno processo eleitoral, a identificação das causas reais do incêndio do Museu de nada servirá para evitar o embate político que já se estabeleceu entre governo e oposição”
O Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, cujo acervo foi quase completamente destruído por um incêndio na noite de domingo, era o retrato da relação do Brasil com a sua cultura. Entrou na pauta das eleições da pior forma possível: como nova tragédia nacional, que comoveu o mundo da cultura e, principalmente, o povo do Rio de Janeiro. Por causa das linhas de trens e de metrô, era muito visitado por estudantes de todas as idades e pelas famílias de cariocas dos subúrbios da Central do Brasil e da Leopoldina, para os quais era uma janela para o mundo da História Natural e das civilizações antigas.
A existência do museu se deve, em primeiro lugar, à transferência da Corte portuguesa para o Rio de Janeiro, entre 1808 e 1821, com a vinda de Dom João VI e sua família para o Brasil, acompanhado de mais de 10 mil pessoas, entre serviçais, religiosos, militares e a nobreza, fugindo do exército de Napoleão Bonaparte, o imperador francês. O antropólogo e jornalista australiano Patrick Wilcken, no livro Império à deriva, descreve essa mudança de forma magistral, no contexto da política europeia da época. O choque cultural que ela provocou, porém, é narrado com riqueza de detalhes por Laurentino Gomes, no livro 1808.
Laurentino Gomes é autor de uma trilogia que inclui 1822 — Como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil – um país que tinha tudo para dar errado, sobre a Independência; e 1889 – Como um imperador cansado, um marechal vaidoso e um professor injustiçado contribuíram para o fim da Monarquia e a Proclamação da República do Brasil, que narra o colapso do regime imperial escravocrata. É dele, “depois de uma noite mal- dormida”, o comentário mais crítico sobre o incêndio na Quinta da Boa Vista:
“Abandonado, desleixado, com um acervo rico, porém esquizofrênico, pouco acolhedor para quem se animassem a visitá-lo, o Museu Nacional era um símbolo do que nos tornamos nos últimos anos: uma caricatura do que gostaríamos de ser e nunca fomos”, criticou. O prédio da Quinta da Boa Vista foi palco de grandes momentos da história do Brasil Imperial. Segundo Laurentino, tinha vocação para Museu Histórico, mas virou Museu de Ciências Naturais. “O acervo era confuso e pouco didático, entregue aos malcuidados de funcionários e curadores burocráticos, sem inspiração e entusiasmo”, critica.
Para o historiador, era um símbolo do toma lá dá cá na política brasileira: o prédio original foi um presente de um grande traficante de escravos a D. João no dia da chegada da Corte portuguesa ao Rio de Janeiro, em 1808. Elias Antônio Lopes era “um dos homens que mais se enriqueceria e ganharia títulos e honrarias nos 13 anos da Corte portuguesa no Brasil.” De fato, a coleção do museu começou como um projeto que se inspirava nas casas reais europeias. D. Pedro II era neto do rei português João VI e de Francisco II, último monarca do Sacro Império Romano-Germânico, sobrinho de Napoleão Bonaparte e primo dos imperadores Francisco José I da Áustria e Maximiliano do México.
Acervo
Uma parte do acervo se deve ao interesse de D. Pedro II pelas ciências e seu esforço de reconhecimento pela nobreza europeia. Na década de 1870, o imperador brasileiro fez duas grandes viagens à Europa, Oriente Médio, África e Estados Unidos, o que acabou influenciando as características do acervo que Laurentino chama de “esquizofrênico”. Há que se considerar que o colonialismo estava no auge e o saque ao patrimônio histórico das antigas civilizações orientais e mediterrâneas pelas potências da Europa estava em pleno curso. A outra parte é fruto da pesquisa arqueológica e antropológica dos pesquisadores abnegados do próprio museu, que completavam a coleção.
O museu comemorou em junho seu bicentenário. Recebia 150 mil visitantes por ano e era um importante centro de pesquisa e estudo, porque estava integrado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), desde 1946. Sua biblioteca possuía 537 mil livros, incluindo 1.560 obras raras, como um exemplar de História natural (Plínio, o Velho), de 1410. Um dos acervos mais atingidos é o do departamento de paleontologia, com mais de 26 mil fósseis, incluindo o esqueleto de um dinossauro descoberto em Minas Gerais e inúmeras espécies extintas, como preguiças gigantes e tigres-dentes-de-sabre. Sua coleção de antropologia biológica incluía o mais antigo fóssil humano descoberto no Brasil, conhecido como “Luzia”, que sobreviveu a 12 mil anos, mas não ao descaso oficial com a cultura.
No dia 6 de junho, a direção do Museu Nacional e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) assinaram um contrato que prevê investimento de R$ 21,7 milhões para o plano de revitalização do prédio histórico, seu acervo e espaços de exposição. Mas já era tarde, pois o mais trivial — a manutenção da rede elétrica e armazenamento adequado de produtos químicos — não foi feito. As investigações sobre o incêndio provavelmente apontarão uma multiplicidade de fatores de risco, do cupim nas madeiras à falta de equipe de combate a incêndio.
Em pleno processo eleitoral, a identificação das causas reais do incêndio de nada servirá para evitar o embate político que já se estabeleceu entre governo e oposição. A direção da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) é controlada por uma aliança de partidos de esquerda — PSOL, PCdoB e PCB —, enquanto os ministérios da Cultura e da Educação estão sob comando de aliados do presidente Michel Temer. Embora o PT tenha exercido o poder de 2002 a 2016, estudantes e dirigentes universitários culpam Temer pelo sucateamento do museu. Entretanto, a manutenção do museu deveria ter sido uma prioridade no orçamento da universidade, poderia remanejar verbas e fazer contratos emergenciais para isso, em vez de criar novas despesas. Depois do incêndio, isso nem se discute.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-historia-deriva/
Marcia de Holanda Montenegro: A repressão criminal em colapso
Os candidatos devem conhecer a atuação das organizações criminosas para corrigir os erros
O Brasil, que em passado recente se elevou no ranking das potências econômicas mundiais, paradoxalmente continuou sofrível na educação e na distribuição de renda. Hoje, em séria crise econômica, exibe número significativo de desempregados e paupérrimos que enchem as ruas com colchões e barracas; polícia desvalorizada, quando não sucateada; e alto índice de corrupção nos escalões dos Poderes - o que o tornou fecundo para o crescimento do crime organizado, que, subestimado por governantes, se concentrava no Rio de Janeiro. Em menos de 30 anos, facções criminosas instalaram-se nos quatro cantos do País, ganharam força e mostram destemor e conforto para impor poder umas às outras até em território de domínio formal do Estado, os presídios.
Os confrontos entre presos em 2017 trouxeram à tona o número de facções existentes. A morte de seus integrantes obrigou as autoridades, que pouco se importavam com a sociedade há muito vitimada, a voltarem a atenção para a falida segurança pública - tema abordado de forma simplista e superficial por candidatos à Presidência do País e ao governo do Estado onde impera a maior facção criminosa, o Primeiro Comando da Capital (PCC).
Ao longo dos anos, restou à população abastada proteger-se por meio de empresas de segurança, em condomínios fechados, casas com ofendículos e veículos blindados, que nem sequer suportam fuzis. A restante permanece ao deus-dará e parcela desvalida rendeu-se à proteção dos próprios criminosos, que dominam favelas e certos bairros de periferia. A violência intensa que chegou ao interior paulista e assusta moradores de sítios, chácaras e casas é recheada de crueldade, indicativo de que o entorpecente é o combustível e móvel para a execução de grande parte dos delitos cometidos com violência e grave ameaça.
No ano de 2010, neste espaço, resumi como um enxugar de gelo a política de combate ao tráfico ilícito de drogas. A situação piorou. Se, por um lado, a “limpeza” das ruas por prisões em flagrante transmite relativa sensação de segurança, por outro, o foco nessas prisões nem sequer balançou a criminalidade organizada, que enche as ruas com varejistas e alça voos pelo País e para o exterior.
Os criminosos organizados conhecem bem as lacunas e os equívocos do sistema de repressão ao crime, comprometido em pontos cruciais por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que afrouxaram leis penais - o que vem levando esses criminosos a atrair cada vez mais para o comércio varejista de drogas adolescentes e jovens “de primeira viagem”. O tráfico é crime convidativo, em especial para indivíduos com esses perfis, por levá-los à dependência química e pela rentabilidade que dele se aufere (100% de lucro nas vendas a varejo), condições que, num país com número elevado de desempregados, enredam seus autores e dificultam, quando não impedem a regeneração. Adolescente é mão de obra valiosa porque a internação pelo prazo máximo previsto em lei, de três anos na Fundação Casa, apelidada de “chocolate” por menor infrator, é exceção. Ao atingir 18 anos ainda estará sem mácula: primário e sem antecedentes criminais.
Sem planos eficientes de combate ao crime, crescem as prisões de traficantes de rua com menos de 20 gramas de drogas (alguns com três, cinco, nove gramas). São vários esses flagrantes, que, longe de diminuir o tráfico, abarrotam o Ministério Público, o Judiciário e, em consequência, os presídios - situação preocupante e que exige atenção, porque o alto número de flagrantes nas ruas não tem significado combate eficiente ao tráfico.
O número de recursos e habeas corpus que aportam no STF, divulgado pela mídia e reconhecido por ministros dessa Corte, reflete o volume crescente de feitos que tramitam nas instâncias inferiores - sem que a população, nas ruas e em casa, se sinta menos insegura.
Com as prisões de rua ultrapassando - muito e ainda - as escassas e excepcionais investigações, o elevado patrimônio das organizações criminosas é preservado. O produto de roubos milionários de grande repercussão midiática nem ao menos é recuperado e crimes com esse peso somam “um” nas estatísticas da polícia.
Os processos-crime comprovam: os primários e sem antecedentes presos - alvos prioritários da polícia - logo alcançam a liberdade (em audiências de custódia, por penas alternativas ou progressão de regime) e o curto tempo que passam no cárcere, sem peso para punir e educar, tem tornado esses jovens vulneráveis ao assédio para integrar facção criminosa. No outro extremo, chefes do crime organizado presos encontram ambiente propício para, de dentro do cárcere, com desenvoltura, arregimentar novos integrantes presos, ordenar mortes e dirigir a empresa criminosa. Detentos chegam a compartilhar um único aparelho celular e com facilidade trocam o chip. Em síntese, a prisão neste país não tem efetividade.
A imprescindível fatia da repressão a crimes graves - a prisão -, por outro lado, é insuficiente como única forma de combate ao crime organizado. Já passou da hora de as autoridades se conscientizarem de que o crime organizado só perderá força pelo combate eficiente à lavagem do produto ilícito auferido pelas empresas criminosas - o que só se consegue com investigações. O crime organizado não existiria sem a conivência, colaboração e participação de agentes públicos - realidade que também torna obrigatória as investigações. O combate ao crime organizado no Brasil, que há anos ultrapassa fronteiras, também está a exigir acordos de cooperação internacional.
Aqueles que almejam o relevante e árduo múnus de governar Estados e o País tomados pelo crime organizado devem conhecer bem a atuação das organizações criminosas para que os seguidos erros por décadas cometidos possam ser finalmente corrigidos.
* Marcia de Holanda Montenegro é procurador de Justiça do MP-SP.
Denis Lerrer Rosenfield: A esquerda em riste
Essa histérica cruzada contra a direita não passa de uma simples manobra diversionista
A histeria anti-Bolsonaro, conduzida pela esquerda e por setores da classe média politicamente correta, está chegando ao paroxismo. Aumenta na proporção em que o candidato avança nas pesquisas, sendo um sério pretendente a ocupar a cadeira de presidente da República. Quem apostava que a bolha iria estourar está alarmado com seu tamanho e resistência. Os nostálgicos da polarização PT x PSDB literalmente não sabem o que fazer. É toda uma maneira de pensar e agir que está sendo questionada.
A qualificação de extrema direita está sendo de grande comodidade para todos os que continuam presos a seus velhos esquemas de pensamento. É como se Jair Bolsonaro fosse uma espécie de personificação do mal, que deveria ser extinta graças às boas intenções dos que se apresentam como “democratas”, seja lá o que esse termo signifique para boa parte deles. Alguns, açodados, já pensam numa aliança entre PSDB e PT para conjurar esse perigo. Ou seja, entre os social-democratas e os que levaram o Brasil ao fundo do poço, num assalto aos cofres públicos. As pautas social-democrata e social estão sendo usurpadas por aqueles que se caracterizaram por atividades criminosas, com a anuência de tucanos de boa consciência.
Há uma manobra diversionista em curso. O problema do Brasil seria Bolsonaro, e não o PT, com seu legado de PIB negativo, inflação em alta, juros estratosféricos, desemprego exorbitante, apropriação “privada-partidária” de empresas estatais e corrupção generalizada. Seriam esses, então, os “democratas” que procuram evitar a volta da “extrema direita”! “Democratas”, aliás, que não cessam de defender o “socialismo do século 21” de Chávez e Maduro, que conduziu a Venezuela a uma crise sem precedentes, caracterizada por sua essência criminosa e liberticida. São eles que se colocam na posição de dar lições aos demais. Santa paciência com tanta impostura!
Acrescente-se que são eles mesmos que sempre atacaram e atacam o processo reformista conduzido pelo presidente Michel Temer, como se estivessem lutando contra a “herança maldita” do atual governo, quando este nada mais fez do que resgatar o País da verdadeira herança maldita petista. De um lado, seria o governo Temer e, de outro, a candidatura Bolsonaro, como se eles fossem no presente e numa espécie de futuro antecipado os culpados pela crise atual. Trata-se de evidente transferência de responsabilidades, com o intento de encobrir o que foram os governos petistas.
Bolsonaro tem sido criticado por desconhecer economia. Seja dito a seu favor que ele reconhece esse fato e antecipou sua escolha do futuro ministro da Fazenda, o respeitado economista liberal Paulo Guedes, em eventual governo dele. É honesto em reconhecer a sua limitação. Desonestos são os que dizem conhecer economia. Haddad/Lula e Ciro Gomes não cessam de defender as patranhas econômicas que levaram o País ao desastre. Pretendem simplesmente repetir uma experiência fracassada. Aliás, Dilma é economista!
O mais bem-sucedido programa econômico da História recente do País é o Plano Real. Foi concebido e implementado pelo ex-presidente Itamar Franco, que desconhecia economia. Escolheu um ministro da Fazenda, Fernando Henrique, que tampouco conhecia economia. Teve, porém, o bom senso de escolher uma equipe econômica competente. Quando se tornou presidente, teve de abandonar suas convicções de esquerda ao escolher um ministro da Fazenda liberal, Pedro Malan, e depois de várias hesitações na política monetária terminou por optar por um economista liberal da mais alta reputação, Armínio Fraga, para o Banco Central. O desconhecimento de economia produziu belos resultados econômicos!
A questão dos valores também tem entrado em pauta na disputa eleitoral. Novamente a qualificação de extrema direita imputada a Bolsonaro procura tomar o lugar de uma discussão séria. Assinale-se, preliminarmente, que o candidato é produto do politicamente correto, contra o qual ele e boa parte da sociedade brasileira se insurgem. Não teria ele se tornado o fenômeno que é, não tivesse a esquerda procurado impor goela baixo suas concepções.
Tome-se o caso do direito à legítima defesa. Os pregadores - sim, no sentido religioso - do Estatuto do Desarmamento é que são os autoritários. Em consulta popular a sociedade brasileira tomou posição a favor do direito de autodefesa via posse de armas. E o que foi feito depois? Implementou-se por medidas administrativas uma política que contrariou frontalmente a vontade popular. Quem é, então, autoritário?
A população brasileira está indefesa. Os defensores do desarmamento continuam triturando as estatísticas, pois seu fracasso é evidente. Pedem mais do mesmo, quando não há nenhum resultado. A situação só piora no que respeita à segurança dos cidadãos. E o Estado não é capaz de defender seus membros, sendo direito deles defender a própria vida, os seus e seu patrimônio. Bandidos não precisam de armas compradas em loja e não seguem o tal do “estatuto”! Aliás, são seus aliados!
O politicamente correto desconhece limites. Nega ao cidadão um direito básico. Imaginem um produtor rural ou uma pessoa qualquer na zona rural. O que faz ao ser assaltado? Telefona para a Polícia Militar? Qual seria a provável resposta? “O senhor, ou a senhora, mora muito longe, é perigoso nos irmos aí pela noite, além de levar muito tempo! Amanhã tomaremos providências, assim que tivermos uma equipe para deslocamento”. A pessoa e a sua família estariam completamente abandonadas. Claro que muitos que defendem o dito desarmamento vivem em condomínios urbanos, com câmeras de segurança, guardas e até utilizam carros blindados.
Há questões de valores e princípios que estão sendo desconsiderados nesta histérica cruzada contra a extrema direita. Trata-se, simplesmente, de uma manobra diversionista!
* Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS.
Folha de S. Paulo: Com Bolsonaro, disputa entre PSDB e PT será para ir ao segundo turno, diz FHC
Para tucano, atacar capitão é gol contra e Haddad e Alckmin terão dificuldades similares
Thais Bilenky, da Folha de S. Paulo
SÃO PAULO - Para o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, Jair Bolsonaro (PSL) antecipou a tradicional disputa entre PT e PSDB para o primeiro turno.
O tucano recebeu a Folha em sua fundação, em São Paulo, na quarta (29).
Neste sábado (1º), ele comentou o veto à candidatura de Lula. “A decisão do TSE [Tribunal Superior Eleitora] já era esperada. A Lei da Ficha Limpa está vigiando e é clara quanto aos requisitos para o registro de candidatos. Lei de iniciativa popular, aprovada pelo Congresso e sancionada pelo próprio presidente Lula.”
O sr. está surpreso com a resiliência de Bolsonaro?
Tenho uma visão mais analítica. O mundo todo está sofrendo modificação na percepção das pessoas e, em alguns setores, alguém que simbolize a ordem tem alguma chance. As pessoas estão com medo do futuro, horrorizadas com a corrupção, a economia está parada e tem muita violência.
Havia expectativa de que, com debates e entrevistas na TV, ele começaria a derreter.
Não sou de menosprezar a potencialidade das pessoas. Não quero que ele ganhe nem creio que vá. Por isso mesmo não se pode desprezar o que ele significa.
O sr. já disse que discorda da expectativa de que seja PT contra a direita, seja Alckmin, seja Bolsonaro, no segundo turno. Inclusive, o sr. aposta que pode vir a ser Bolsonaro e Alckmin.
Isso.
Qual deve ser a estratégia para o Alckmin para chegar ao segundo turno?
Eu não sou estrategista eleitoral, não sei. Pelos dados, onde a cultura estatal tem mais força, ricos e pobres votam pelo Estado. Quando tem menos força, a mesma coisa. Não é tão ricos contra pobres, que foi a tradução habitual do que acontecia entre PT e PSDB, azuis e vermelhos. O que está acontecendo? Está tudo fragmentado. Os partidos não são expressivos e os que são, vêm de setores que têm mudanças.
O PT tem simpatia crescente, chegou a 24%.
Mas onde cresceu? Não foi entre trabalhadores, foi geral. A ligação da classe com o partido deixou de contar. Tem mais força no Nordeste, porque o Lula representa uma espécie de Padim Ciço, que deu resultados para as pessoas. Os outros partidos nunca tiveram muita expressão.
O PSDB nesse sentido fracassou?
Bom, a pergunta é casca de banana [risos]. O PSDB mudou muito, o Brasil também, e sofreu os abalos. Bem ou mal, até agora, ele e o PT expressavam visões mais de Estado ou mais de sociedade, era essa a diferença. [Agora] tem mais gente expressando a mesma coisa, dos dois lados, mas mais do PSDB.
O PSDB tem 4% de simpatizantes.
A eleição não é PT contra PSDB, é fulano contra beltrano. Sempre foi assim. Ou você acha que o PSDB ganhou a eleição quando eu ganhei? Eu ganhei. Ou que o PT ganhou quando Lula ganhou? Lula ganhou.
Aliados advogam que Alckmin deve esconder o PSDB.
Não precisa nem deve, vai ser denunciado pelos outros. O PSDB não está no governo, este é o PMDB.
O PSDB está com o Aloysio Nunes no governo e esteve após o impeachment.
O povo não sabe, não se liga nisso. Uma coisa somos nós, intelectuais, jornalistas, que vivemos nesse meio. Para o povo, tem que mostrar como é o Geraldo. É uma fragilidade das instituições democráticas. O desempenho da personalidade, do líder, conta mais que os partidos.
A personalidade do Alckmin é criticada porque não move multidões. Ele deve trabalhar de que forma?
Eu movo multidões? O que diziam de mim? Um professor, fala melhor francês que português, o que é mentira! A população vai olhar duas coisas. Primeiro, o que levo com isso? Está sempre subjacente o que eu ganho. Segundo —falo por mim—, vai ter que acentuar as características que a pessoa tem. Que características tem Alckmin? É experiente, não está envolvido em corrupção.
Tem alguns processos judiciais em curso.
Mas você vai ver e não é nada. Como Haddad, não tem nada.
Há processos envolvendo aliados, o cunhado, Laurence Casagrande.
Não conheço, mas Geraldo põe a mão no fogo por ele. [Lula] está preso e deixou de ter voto? Por que Geraldo vai deixar de ter porque não sei quem está metido?
O sr. acha que a mensagem de Alckmin está certa?
Qual é a mensagem? Eu não sei ainda.
Por exemplo, o jingle diz que ele é cabeça e coração.
Em campanha, acho eu, você tem que ser do jeito que você é. Geraldo não pode ser uma pessoa extravagante, porque ele não é. Tem que mostrar que é bom ser como ele é para governar o Brasil. Estamos frente a uma situação em que tem muita falta de rumo. Bolsonaro diz que vem com tacape e põe ordem. Geraldo tem que dizer que não precisa de tacape para pôr ordem.
Como os dois poderiam ir juntos para o segundo turno?
Não sei até que ponto [a polarização entre] azul e vermelho vai sumir mesmo. Porque os dois têm estrutura, muitas prefeituras, enraizamento, história.
O MDB também.
E vai sumir? Não. O MDB sempre fez o que está fazendo agora. Não está jogando para presidente da República, está jogando para poder repetir...
De depois aderir ao governo eleito?
Sim. Se tiver força, vai ter que negociar com ele. Você acha que foi o Partido Republicano que elegeu Trump? Não.
Mas se não fosse o Partido Republicano ele não se elegeria.
É o que estou dizendo. É uma soma da estrutura com a capacidade de expressar um sentimento da população.
Alckmin e Bolsonaro disputam o mesmo eleitorado?
Mais ou menos. Uma parte do pessoal estatista vai votar no Bolsonaro também. Eu não sou uma pessoa assertiva que vai dar tal coisa, porque depende. O desempenho dos candidatos é importante, o jeitão deles é importante. A democracia é assim. Se quer garantias, na China é tudo mais garantido que aqui.
Que eleitorado Alckmin belisca para chegar ao segundo turno?
Como o PSDB foi crescendo? Bom, eu ganhei em toda parte, não conta. Era outro momento. Cresceu basicamente de São Paulo para o Sul. Centro-Oeste vai até o Acre. Chega no Rio, perde. Em Minas, às vezes ganha, às vezes perde, e no Nordeste inverte. Acho que a estratégia deve ser consolidar o que tem, e não arriscar onde não tem. A escolha da vice foi correta.
No Sul, Bolsonaro tem 30% e Alckmin, 6%.
Mas não começou a campanha ainda. Acho muito importante fazer pesquisas e tal, mas a dinâmica eleitoral é de confronto. O confronto está começando a se dar. Reitero, acho que o candidato do PSDB tem que concentrar onde sempre teve mais votos. Aí tem que brigar com quem? Bolsonaro.
Tem espaço para os dois?
Pode ter. A mesma dificuldade do PSDB, o PT tem também de entrar no Rio, no Nordeste, porque é paulista,.
Haddad passa para o segundo turno?
Vai ser difícil. A competição neste momento vai ser entre PT e PSDB. Aceitando que o sentimento bolsonarista vai se manter, para ir para o segundo turno, é PT e PSDB. Tradicionalmente, a disputa ia ser PT e PSDB no segundo turno. Agora, eu acho que será para ver quem vai para o segundo turno.
Se PSDB tem que ter o voto que já está com o Bolsonaro no Sul...
É dinâmico. Em política, as coisas não são. Vão sendo. Além disso, outro problema que se sobressai no campo mundial é que a sociedade contemporânea está mudando. As estruturas fixas, os partidos já não correspondem mais à coesão anterior, então é tudo mais flutuante. Por isso uma pessoa como Bolsonaro, que não tem estrutura, parece como se pudesse.
Como tirar voto dele?
[Dizer que] Bolsonaro apoia o regime militar. Já acabou! Reforça os deles. Como muda? Não é atacando. O povo, no fim, não gosta de ataques, sobretudo ataques pessoais. Atacar Bolsonaro é gol contra.
Então tem que mostrar...
O positivo. Eu posso. Você não.
A estratégia de Lula de postergar ao máximo a definição da candidatura petista foi boa para eles?
Não sei julgar. Lula sempre se caracterizou por não aceitar número dois. Com a Dilma fez assim e deu certo. Agora é mais difícil, a situação do Lula é mais delicada e já houve a experiência de eleger alguém que o Lula apoiou e esse alguém não é querido da população. Agora, reitero o que eu disse para o Haddad também. Depende de como vão se comportar, a mensagem. [O poder da rede social] de transformar em voto não foi testado. Há a sensação de ser crescente. Do ponto de vista sociológico, é interessante o que vai acontecer.
Alckmin passou a defender armar a população no campo.
Quem não muda?
Está certo ceder?
Não é do temperamento do Geraldo ceder, ele é uma pessoa que tem linha, tem vida, tem história. Tenho muito medo de quem não tem história, porque esse é imprevisível. Geraldo não é imprevisível. Isso pode até não ser bom do ponto de vista de fazer onda eleitoralmente. Mas ele não é imprevisível. Ele tem uma característica que não vejo ressaltada que ele não é intolerante, nunca foi. É religioso, mas não é intolerante. A democracia requer personalidades que tenham capacidade de aceitar a diversidade.
Ele acolhe sugestão?
Poucas vezes eu digo algo que queira que acolha. Falei sobre a Vice-Presidência e fui ouvido.
Em que medida o PSDB contribuiu para a extrema direita, assombreada por ele até ser desgastado na Lava Jato, ganhar vida própria?
Quem fez a polarização que deu no que deu foi o PT, pobres e ricos, eu contra você. O PSDB nunca teve esse tipo de comportamento ‘só eu sou bom’.
O PT acha que o PSDB tem essa postura.
Mas não tem. Na prática, o que fez Lula? Governou com quem?
Com os mesmos?
Claro. Estou criticando? Não, porque existem, estão lá, você tem que ter maioria no Congresso. Os métodos, aí é outra coisa.
Foram diferentes?
Uai, eu nunca tive mensalão, não é? Pode revirar.
O PSDB deve fazer aceno no segundo turno ao PT contra o Bolsonaro?
O PSDB tem que ir para o segundo turno. O Brasil precisa de ordem sem tacape.
PT seria desordem?
Não, seria outra coisa. O PT voltou a ficar no estado anterior dele, mais intransigente, mais hegemônico. Eu não gosto disso.
Ciro disse que Bolsonaro é um 'projetinho de hitlerzinho tropical'. Ele é mais contundente ao criticar o Bolsonaro.
Criticar o Bolsonaro é dar corpo a Bolsonaro. Dá força. Eleitoralmente não acho que seja bom. Ciro é um radical livre, pode falar o que quiser. Ele tem essa característica de ter sido sempre assim. Agora é isso que limita também a a possibilidade de ser presidente.
Luiz Carlos Azedo: Sai Lula, entra Haddad
“O julgamento frustrou as intenções petistas de utilizar todos os prazos possíveis para Lula permanecer como candidato. Mas isso não significa que a estratégia eleitoral do PT tenha fracassado”
Não se pode dizer ainda que a estratégia eleitoral do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para levar o PT de volta ao poder tenha fracassado, uma vez que a impugnação de sua candidatura pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estava escrita nas estrelas e na Lei da Ficha Limpa. Entretanto, estão dadas todas as condições para o PT transferir os votos cativos de Lula para o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, com a decisão daquela Corte de permitir que o ex-presidente da República, mesmo impugnado e preso, apareça como apoiador de seu substituto nos programas eleitorais de tevê, rádio e internet.
Lula não é um proscrito político num regime de exceção, como pretende fazer crer o PT e muita gente acredita, principalmente no exterior. Lula está preso porque foi condenado a 12 anos e um mês de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex de Guarujá, ou seja, por receber vantagens indevidas no cargo de presidente da República e ocultar seu patrimônio, o que não é incomum na política brasileira. É o mais ilustre condenado pela Operação Lava-Jato, que mandou para a cadeia outros ex-dignatários. Por essa razão, insistir na narrativa do “preso político” no horário eleitoral será uma afronta à democracia e à Justiça eleitoral.
“O Brasil é um Estado democrático de direito. Não estamos sob regime de exceção. Todas as instituições estão em funcionamento regular. O Poder Judiciário é independente. Os juízes de primeira e segunda instâncias são providos em seus cargos por critério exclusivamente técnico, sem vinculação política. A defesa pode perfeitamente alegar erro judiciário, mas não se mostra plausível o argumento de perseguição política”, disse o ministro Luís Barroso, relator do caso, no julgamento que entrou pela madrugada de ontem, em resposta aos argumentos da defesa em favor da candidatura de Lula.
Com o único voto divergente do ministro Édson Fachin (a favor de uma autorização provisória para que Lula concorresse, apesar de considerar o petista inelegível por conta da Lei da Ficha Limpa), a candidatura de Lula foi impugnada por seis a um na sessão extraordinária do TSE. Os ministros decidiram evitar que Lula aparecesse como candidato nos programas oficiais do PT de rádio, tevê e internet, iniciados ontem. De certa forma, o julgamento frustrou as intenções petistas de utilizar todos os prazos possíveis para Lula permanecer na mídia como candidato. Mas isso, como já dissemos, não significa que a estratégia eleitoral do PT tenha fracassado. Vejamos:
A última pesquisa semanal XP-Ipespe que monitora o cenário eleitoral e tem grande influência no mercado financeiro, no último dia 29 de agosto, demonstrou que a capacidade de transferência de votos entre os candidatos do PT é significativa. No cenário com Lula, o petista liderava a disputa com 33% de intenção de votos, seguido por Jair Bolsonaro (PSL), com 21%. Ciro Gomes (PDT) tinha 8%, Marina Silva (Rede) e Geraldo Alckmin PSDB) empatavam com 7%; João Amoedo (Novo), 4%, e Alvaro Dias (Podemos), 3%. Henrique Meirelles (MDB) e Guilherme Boulos (PSOL), 1%. Com Lula fora da disputa, Bolsonaro subia para 23%, Marina Silva para 13%, Ciro para 10%, Alckmin para 9% e Haddad aparecia com apenas 6%, à frente de Alvaro e Amoedo, empatados com 4%. Boulos e Meirelles não se mexiam; o Cabo Daciolo aparecia pela primeira vez, com 1%.
O substituto
Entretanto, quando o nome de Haddad é apontado com o indicado por Lula para substituí-lo, o quadro se altera completamente: Bolsonaro reflui para os 21% do primeiro cenário e Haddad aparece em segundo, com um índice cabalístico: 13% de intenções de votos. Ciro e Marina empatam com 10%, Alckmin com 8%, Alvaro e Amoedo com 4%, Meirelles, Boulos e Daciolo com 1%. Vê-se que a narrativa de “vitimização” de Lula neutralizou as denúncias de corrupção em seu governo e sua condenação por crime de colarinho branco. A capacidade de transferência de voto do petista, pela simples indicação de seu substituto, às vésperas do julgamento, estava em 32%. Espontaneamente, porém, 11% dos votos de Lula se deslocam para Ciro e aproximadamente 7%, para Marina Silva.
Mesmo preso em Curitiba, Lula se manteve na mídia e conseguiu ser o líder absoluto das pesquisas de intenção de voto, o que corroborou a narrativa de perseguição política. Com a decisão do TSE, essa presença será ampliada, pois Lula poderá aparecer de forma recorrente nos programas eleitorais como apoiador de Haddad. Entretanto, não poderá se passar por vítima de perseguição, porque isso certamente será contestado pelos adversários, que quererão tirar os programas do ar na Justiça Eleitoral.
Como aquele copo meio cheio, meio vazio, com 13% de intenções de votos, Haddad não terá um passaporte garantido para o segundo turno, mas estará mais próximo disso do que os demais concorrentes de Bolsonaro. Vamos ver se esse cenário se confirma na próxima semana. A campanha será brevíssima, mas há outras variáveis. A primeira delas é a mudança no ambiente eleitoral, que se deslocou das redes sociais para as ruas e as casas dos eleitores, por causa dos telejornais e da propaganda de tevê e rádio. Somente Bolsonaro e Ciro vinham mantendo uma agenda de rua quase diária, os demais candidatos estavam mais circunscritos aos ambientes fechados. Alckmin, Haddad e Meirelles têm mais tempo de televisão e rádio, mas só agora saberemos o peso real dessa vantagem estratégica nas eleições. Uma surpresa é Amoedo, que se destacou nas redes sociais, na qual predominavam Bolsonaro e Marina.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-sai-lula-entra-haddad/