Eleições

Marco Aurélio Nogueira: Debate mostrou que há um futuro mais à frente

Candidatos afastaram a violência e valorizaram o diálogo, a racionalidade e a generosidade, elementos básicos de uma sociedade democrática

Apesar das ausências de Jair Bolsonaro e do PT, o debate não foi morno: diferenças apareceram e os candidatos puderam esclarecer alguns de seus pontos programáticos. O clima moderado e a serenidade fizeram a diferença. Ganharam os eleitores.

Todos mantiveram seus perfis de atuação, sem novidade. O bom ambiente, porém, incentivou-os a deixar de lado ataques fúteis e jogadas de efeito. Tentaram melhorar a comunicação com o eleitor, simplificando a linguagem e a apresentação de números, por exemplo. Alckmin saiu-se bem nesse quesito, assim como Ciro Gomes e Alvaro Dias. Mas nenhum deles chegou ao nível da agitação simplória e demagógica de Guilherme Boulos, que perdeu mais uma oportunidade para se mostrar como uma opção convincente de esquerda.

Geraldo Alckmin manteve-se mais uma vez excessivamente aprisionado a São Paulo, enquanto Ciro se soltou do Ceará. O ex-governador paulista permaneceu frio e objetivo, com um discurso centrado na racionalidade administrativa. Ciro, por sua vez, conteve sua verve inflamada, dosou as palavras e mostrou maior disposição para cooperar e dialogar com os demais.

Juntamente com Marina, destacou-se. Ambos apresentaram propostas exequíveis e transmitiram firmeza na defesa de suas posições. Marina deve ter ganhado pontos ao defender a Lava Jato, a prisão em segunda instância, a Justiça como reparação e a gestão pública como recurso estratégico.

Ainda que os candidatos tenham se esforçado para carimbar suas propostas, o debate fluiu com muitos pontos de convergência, mostrando que existe uma ampla zona de convergência e entendimento no campo democrático reformista. Agora é ver se isso passa para o plano prático e consegue ser assumido pelos próprios candidatos, de modo a eliminar o que há de personalismo e intransigência entre eles.

O debate mostrou que o fim do mundo não está chegando, que há um futuro possível mais à frente, pedindo para ser politicamente decifrado e projetado. Ideias compartilhadas podem dar ensejo a uma ideia mais articulada de país. Todos afastaram a violência e valorizaram o diálogo, a racionalidade e a generosidade, elementos básicos de uma sociedade democrática. Valeu a pena.


Demétrio Magnoli: Haddad, a história aberta

Uma leitura circunstanciada das sondagens eleitorais indica que Fernando Haddad, o Lula de reposição, é o favorito para subir a rampa do Planalto em janeiro de 2019. Bolsonaro dificilmente perderá uma vaga no segundo turno, pois as chances de Alckmin repousam apenas na esperança de que a propaganda eletrônica produza um milagre. Há tempo suficiente para os eleitores lulistas receberem a notícia da reposição —e quase 70% deles dizem-se prontos a seguir a ordem de Lula. No turno final, a rejeição a Bolsonaro elege qualquer adversário. A chance real de vitória situa Haddad numa encruzilhada histórica: ele deve optar entre inércia e ousadia.

A via inercial é a reiteração da narrativa negacionista adotada pelo lulopetismo desde 2016. O núcleo dessa narrativa encontra-se na qualificação do impeachment como “golpe parlamentar”, que tem repercussões para trás e para frente. Numa ponta, o PT recusa-se a fazer a crítica da política econômica dilmista. Na outra, consequentemente, rejeita o princípio do equilíbrio fiscal.

Marcio Pochmann, coordenador do programa econômico de Lula/Haddad, argumenta que o erro do governo Dilma não foi a política de explosão de gastos, mas sua reversão, em 2015, pela entrega do Ministério da Fazenda a Joaquim Levy. A tese insana foi assumida pelo próprio Haddad, que a expôs em entrevista a “O Estado de S.Paulo”: “Houve uma decisão de política econômica equivocada, com um ministro da Fazenda que expressava a ruptura do que tinha sido feito em 13 anos”. A acrobacia revisionista suporta o programa da restauração do dilmismo: abolição do teto de gastos, rejeição da reforma previdenciária, cancelamento da reforma trabalhista.

Criada para aquecer a militância na hora da derrota, a narrativa serve para a finalidade de angariar votos — mas não para governar. Na moldura da nova “crise dos emergentes” deflagrada na Turquia e na Argentina, nossa trajetória fiscal será punida implacavelmente pelas forças de mercado. Um Haddad triunfante à base do discurso populista reproduziria o estelionato eleitoral de Dilma, mas seu giro ortodoxo teria que ser operado em meio a um cenário econômico externo hostil. É uma receita para o desastre.

A depressão econômica foi contratada, desde 2010, pela deriva populista de Lula e Dilma. O recuo ortodoxo dilmista de 2015 foi um remédio tardio aplicado a um doente em coma. Lula, ele mesmo, admitiu os erros colossais de política econômica (atribuindo-os, todos, à sua sucessora), ao defender o nome de Meirelles para a Fazenda, logo após a reeleição de Dilma. O revisionismo histórico lulopetista inspira-se nas antigas enciclopédias soviéticas, que apagavam fatos e fotos inconvenientes. Pochmann, um doutrinário incorrigível, acredita nele. Já Haddad não crê em bruxas, como indicam suas declarações semiprivadas a interlocutores do meio empresarial e do mercado financeiro. Nesse contraste, mora uma possibilidade.

O PT desceu à trincheira do populismo para escapar a um encontro com o futuro. A “era lulista” chega ao fim, como resultado da catástrofe dilmista, do impeachment e da condenação de Lula. O revisionismo negacionista é uma tentativa agônica de conservar um mundo de certezas partidárias que se dissolve. A prolongação artificial do lulismo num hipotético governo Haddad atiraria o país numa espiral caótica similar à que capturou o Estado do Rio de Janeiro. O vórtice consumiria, junto, o PT.

A saída existe, mas depende da integridade política e da independência intelectual de Haddad. O candidato inventado no laboratório lulista tem a oportunidade de corrigir a narrativa ainda durante a campanha eleitoral, falando em público aquilo que fala entre quatro paredes. O reconhecimento franco de um certo número de realidades ancoraria as expectativas do mercado, estabeleceria as fundações de um amplo acordo anti-Bolsonaro no segundo turno e eliminaria o espectro do estelionato eleitoral. Paralelamente, reconciliaria o PT com o futuro, inaugurando o pós-lulismo. Haddad pode ousar, refundando a esquerda brasileira, ou optar inercialmente pelo destino de Dilma.


El País: Com impugnações e denúncias, Justiça disputa protagonismo na eleição

Após TSE barrar candidatura de Lula, Geraldo Alckmin e Fernando Haddad viram alvo de processos. Reformas mal calculadas e ativismo judicial alimentam destaque assumido por juízes e promotores

Por Rodolfo Borges, do El País

A Operação Lava Jato dá as cartas na política nacional desde 2014. E não será nas eleições deste ano que a Justiça brasileira recuará para contemplar o jogo político. O Ministério Público estadual de São Paulo (MP-SP) apresentou na semana que passou uma ação por improbidade administrativa contra o ex-governador e candidato à presidência da República Geraldo Alckmin (PSDB). Dois dias antes, o ex-prefeito Fernando Haddad (PT), que deve assumir a candidatura do PT ao Palácio do Planalto após o Tribunal Superior eleitoral (TSE) barrar a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva, foi denunciado pelo mesmo MP-SP por corrupção. Essas são apenas algumas das candidaturas que sofrem influência por decisões de juízes e promotores durante um processo eleitoral cheio de incertezas legais — as dúvidas levaram até ao adiamento e cancelamento de pesquisas dos dois maiores institutos do país.

"A percepção dos juízes e procuradores é de que a política brasileira está em situação de putrefação e de que cabe a eles a missão de salvação. A judicialização vem aumentando nos últimos 33 anos, desde 1985. O que aconteceu neste último período, mais intenso em matéria de escândalos, levou a esse momento em que se denuncia dois candidatos com estardalhaço no meio da eleição", analisa  Carlos Ari Sundfeld, professor da FGV Direito São Paulo.

Se causa enorme impacto no noticiário, a agenda da Justiça tem reflexos discrepantes na preferência eleitoral. Muitos analistas atribuem à exposição da corrupção, especialmente pela Lava Jato nos últimos anos, um sentimento de rejeição à classe política em geral e a busca por outsiders e isso afeta o quadro geral da corrida. Por outro lado, as condenações, se podem tirar um nome das urnas por causa da Lei da Ficha Limpa, não são testamento de decadência política nas pesquisas. O caso mais evidente é a liderança na corrida ao Planalto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado por corrupção e lavagem de dinheiro e impedido de concorrer de fato ao cargo. Salvo Lula e o ex-governador Anthony Garotinho (PRP), que corre o risco de sair da corrida para reassumir o Governo do Rio de Janeiro após ser condenado em segunda instância pelo crime de formação de quadrilha, outros acusados e até réus em casos de corrupção e na Lava Jato não tem maiores constrangimentos em candidaturas. O senador Renan Calheiros, por exemplo, responde no Supremo Tribunal Federal a 14 inquéritos ligados a investigações da Lava Jato e Zelotes. Ele também é réu em uma ação penal em que é acusado de verbas de sua cota parlamentar. Renan afirma, no entanto, que é inocente e tentará, neste ano, a reeleição ao Senado.

Os casos de Alckmin e Haddad, por exemplo, não têm potencial tão drástico, mas são munição para arranhar a imagem dos candidatos nesta eleição, assim como o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a acusação de racismo contra o deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ), interrompido pelo ministro Alexandre de Moraes e que deve ser retomado nesta terça. Outro que passou por constrangimento por questões judiciais é o ex-prefeito de São Paulo João Doria (PSDB), que teve os direitos políticos suspensos no fim de agosto pela 11ª Vara da Fazenda Pública da Justiça, em São Paulo. A decisão não impede Doria de disputar o Governo de São Paulo, já que ele pode recorrer à segunda instância, mas o obrigou a se explicar. “Sem dúvida, temos uma eleição especial, com esse protagonismo judicial. Mas isso transcende o fenômeno eleitoral. O protagonismo judicial é muito grande em todas as áreas, principalmente na política”, diz o advogado Ricardo Penteado, responsável pela coordenação jurídica das campanhas de Alckmin e do governador de São Paulo, Márcio França (PTB), à reeleição. Segundo Penteado, que atua em pleitos desde 1989, o país tem “concedido uma licença muito grande ao Judiciário para que proveja desejos nacionais que deveriam ser atendidos pelos processos políticos”.

Crítico da Lei da Ficha Limpa, que ele considera "uma interdição da vontade do eleitor", o advogado diz que o Brasil vem emendando a lei eleitoral de forma incoerente. A última mudança foi o encurtamento do período de campanha, que não levou em consideração o prazo para o julgamento das candidaturas. Antes, o pedido de registro era feito em julho. Neste ano, os candidatos tiveram até 15 de agosto para se inscrever, uma dia antes do início da campanha. "Só isso já causa uma judicialização, mas ainda se soma a uma cultura do Judiciário de implementar projetos políticos", critica Penteado.

Denúncias

Na semana passada, após a convocação de uma entrevista coletiva pelo promotor Ricardo Manuel Castro, a campanha de Alckmin divulgou uma nota para criticar a "reprovável manifestação que o promotor pretendia fazer, a um mês das eleições, no anúncio da abertura da ação ‘contando com a presença do maior número de colegas". O MP-SP dizia no convite para a entrevista — posteriormente cancelada sem explicação — que seria "a primeira e última vez que o promotor vai se manifestar sobre o caso, que está sob sigilo". Na ação, Castro acusa Alckmin de ter recebido 7,8 milhões de reais da Odebrecht por meio de caixa 2 para campanhas. A campanha tucana reagiu: "Para além do barulho almejado pelo promotor, não há fato novo, apenas uma conclusão equivocada e um comportamento inusual. O promotor, inexplicavelmente, sugere algo que não existe e que jamais alguém tenha sequer cogitado, nem mesmo os ditos delatores".

A nota de Alckmin diz ainda que "causa preocupação que o promotor responsável pela peça, conforme noticiado pela imprensa, tenha buscado engajar colegas da instituição em uma espécie de desagravo público". O tom é parecido com o da assessoria de imprensa de Fernando Haddad (PT) em relação à denúncia de corrupção feita pelo promotor Marcelo Mendroni na segunda-feira. "Surpreende que, no período eleitoral, uma narrativa do empresário Ricardo Pessoa, da UTC, sem qualquer prova, fundamente três ações propostas pelo Ministério Público de São Paulo, contra o ex-prefeito e candidato a vice-presidente da República, Fernando Haddad", diz a nota. O promotor acusa Haddad de receber 2,6 milhões de reais em propina da empreiteira UTC — o dinheiro seria usado para pagar dívidas da campanha de 2012 à prefeitura de São Paulo e, segundo a denúncia, foi pago pelo doleiro Alberto Youssef por meio de contratos firmados com três gráficas.

Outro que é acompanhando de perto pela Justiça durante a campanha é o ex-governador do Paraná Beto Richa (PSDB). Nesta quarta-feira, a força-tarefa da Lava Jato denunciou seu ex-chefe de gabinete Deonilson Roldo, entre outras 10 pessoas, por desvios na exploração e duplicação de uma rodovia. O juiz Sergio Moro já aceitou a denúncia. O Ministério Público Eleitoral no Paraná pediu a cassação da candidatura de Richa ao Senado, além de outras 41 candidaturas. No caso do ex-governador, o problema é uma condenação por improbidade administrativa no Tribunal de Justiça do Paraná por conta de verba usada irregularmente durante viagem a Paris em 2015. No tumultuado clima eleitoral, circulam ainda rumores sobre novidades em relação à delação do ex-ministro Antonio Palocci, homologada pelo TRF-4 em junho.

Reformas

Para o deputado federal Wadih Damous (PT-RJ), uma das vozes mais contundentes entre os petistas na defesa de Lula, os poderes Executivo e Legislativo se desmoralizaram, o que permitiu o crescimento do Judiciário, "que aparece para a população como isento e imparcial e acaba por usurpar funções da política na base da chantagem e da intimidação". Candidato à reeleição, Damous diz que a aprovação da Lei da Ficha Limpa — que tem o poder de bloquear uma candidatura antes do último recurso no STF — mostrou o despreparo do Congresso Nacional. Ele defende a imposição de uma "contenção ao abuso do poder Judiciário e do Ministério Público" por meio da aprovação de uma lei de abuso de autoridade e da readequação do papel do sistema de Justiça, que teria adquirido uma autonomia exacerbada.

É por isso que Sundfeld, da FGV, prevê "enorme tensão" na matéria para o próximo Governo, independentemente de quem vença o pleito para o Planalto. A postura do Judiciário e do Ministério Público nos últimos anos fez que os políticos e o mundo da gestão pública e empresarial formassem um consenso de que estamos no limite de um processo de ruptura com o mundo jurídico brasileiro”. Para Sundfeld, o próximo Governo não escapa de propor algo mais equilibrado do que a proposta de lei de abuso de autoridade, que "era mais um desaforo do que um processo de reforma". "O tema estará entre as pautas centrais do próximo Governo", aposta.


Editorial: O PPS e a coerência democrática

O PPS (Partido Popular Socialista) não é um partido fisiológico. É decente e programático, sempre colocou os interesses nacionais acima dos interesses partidários. Como se pode ler abaixo, sua trajetória é inconfundível.

1- Governo Itamar franco
O PPS participou do governo Itamar Franco. Foi uma administração ética e democrática, de diálogo com a sociedade civil sem instrumentalizações.

O presidente do PPS, Roberto Freire, foi o líder do governo Itamar na Câmara de Deputados e atuou para aprovar o Plano Real, derrubando a inflação e promovendo a retomada do crescimento.
Itamar patrocinou importantes iniciativas na área social, como a regulamentação da Lei Orgânica da Assistência Social e implantou os Conselhos Municipais de Saúde do SUS.

No seu governo foi criado o Conselho Nacional de Segurança Alimentar, com decidido apoio à Campanha de Combate à Fome, promovida por entidades da sociedade civil, entre elas a CNBB e a ONG Ação da Cidadania, esta liderada pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho.

Itamar sofreu a incompreensão de setores da esquerda que o detrataram com palavras de baixo calão (1).

Às vésperas da eleição de 1994, o PPS entregou o cargo de líder do governo na Câmara em carta na qual elogiava a postura progressista do presidente, mas discordava dos encaminhamentos de sua sucessão.

A posição leal e coerente do partido levou a que, anos mais tarde, Itamar se filiasse ao PPS e coroasse a sua vida pública como senador por Minas Gerais, eleito em 2010 em votação consagradora.

2 – Governo Fernando Henrique Cardoso
Por discordar da política econômica, o PPS não participou do governo Fernando Henrique, apesar de ver no presidente uma personalidade progressista e considerar o PSDB um aliado do campo democrático e reformista, cujos líderes, como o senador Mário Covas, foram os principais artífices da Constituição de 1988.

A nova Carta estabeleceu as bases institucionais do Estado democrático de Bem-Estar Social no Brasil. Equivocadamente, setores de esquerda a consideraram “reacionária” e votaram contra ela.

Mesmo na oposição, o PPS estabeleceu diálogo com o presidente e deu apoio às iniciativas como as provas de avaliação do ensino, a criação do Fundo de Apoio ao Ensino Fundamental, o programa de remédios genéricos, o Bolsa-Escola, a Lei de Responsabilidade Fiscal e várias reformas do Estado, necessárias à modernização do país.

O PPS deu apoio a Raul Jungmann, então licenciado do partido para assumir em caráter pessoal o Ministério da Reforma Agrária e responsável por promover o maior programa de assentamentos de famílias sem-terra da história.

3 – Governo Luiz Inácio Lula da Silva
Nas eleições de 1998 e 2002, o PPS apresentou candidato próprio e no segundo turno apoiou a candidatura de Lula.

Participou do início da administração petista, porém deixou o governo em 2004 ao se sentir excluído e discordar da política econômica de cortes sem que fossem apresentadas propostas para um crescimento sustentado.

O PPS foi abordado pelo governo para filiar parlamentares cooptados da oposição. O partido refutou o papel de legenda de aluguel. Mais tarde, em 2005, com o PPS já fora da base governista, revelou-se a participação desses deputados no escândalo do mensalão.

Na oposição aos governos Lula e Dilma, o PPS sofreu pressão e tentativas de cooptação, porém os seus líderes não estão entre aqueles que se locupletaram com os desvios de dinheiro público de estatais como a Petrobras. Pelo contrário, o PPS desde sempre deu apoio às investigações da Lava Jato.

4 – Governo Michel Temer
O PPS votou pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff e se sentiu comprometido com a solução constitucional de posse do vice-presidente Michel Temer, eleito na coligação do PT com o PMDB.

Todavia, após denúncias envolvendo o presidente da República, em maio de 2017, o presidente do PPS, Roberto Freire, deixou o Ministério da Cultura.

A bancada de deputados do partido na Câmara votou pela aceitação do pedido de investigação de Michel Temer feito pela Procuradoria Geral da República.

Desde então fora do governo, o PPS mantém posição de independência. Votou nas medidas necessárias para sanear a Petrobras, alcançar o equilíbrio das contas públicas, recuperar o investimento, tirar o Brasil da crise e criar postos de trabalho para os 14 milhões de brasileiros desempregados pela recessão de 2014-2016, provocada pelos governos petistas.

5 – Eleições de 2018
Nas presentes eleições, o PPS debateu lançar o nome de Cristovam Buarque à Presidência da República. O próprio senador retirou a candidatura em prol de uma ampla convergência que garanta a presença das forças democráticas no segundo turno.

Assim, sem barganhas, o partido decidiu apoiar Geraldo Alckmin, não só porque ele reúne as melhores condições de bater as forças retrógradas e do atraso no segundo turno. Alckmin, um político do centro democrático reformista, tem as habilidades necessárias para montar um governo apoiado em um amplo pacto político e social capaz de abrir um novo ciclo de prosperidade para os brasileiros.

O PPS está decidido a eleger um democrata para a Presidência da República. Também está firmemente empenhado em eleger uma bancada de deputados e senadores do PPS comprometida com soluções democráticas e progressistas de superação da atual crise ética, política, econômica e social do Brasil.

Assessoria do Partido Popular Socialista


Míriam Leitão: As polêmicas dos vices

Não haverá um vice anódino: candidatos sabem o que querem e alguns admitem que almejam mais do que só substituir o presidente

O general Hamilton Mourão justifica as mortes de adversários políticos ocorridas dentro dos quartéis na ditadura, a senadora Kátia Abreu mantém sua posição contra a divulgação da lista suja do trabalho escravo e a relação de conflito com ambientalistas, a senadora Ana Amélia defende o PL dos agrotóxicos que foi condenado por instituições científicas. O ex-deputado Eduardo Jorge quer a redução do rebanho bovino e o ex-prefeito Fernando Haddad sustenta a política dos campeões nacionais.

Durante a semana, participei, junto com colegas, das entrevistas da Globonews com os candidatos a vice nas cinco principais campanhas e ficou claro que, de uma forma ou de outra, eles são polêmicos. Há duplas mais homogêneas, em que os dois têm os mesmos pensamentos. É o caso de Bolsonaro-Mourão e Marina-Jorge. Há bastante divergência entre Kátia e Ciro. O candidato do PDT se apresenta como de esquerda, e a sua vice é pessoa que se identifica com a direita. No caso de Alckmin e Ana Amélia há harmonia, mas ela o leva a defender a posição atual mais polêmica do agronegócio, que é o PL que amplia o uso de agrotóxicos no país. O candidato em situação mais inusitada é Fernando Haddad, que se prepara para assumir a cabeça de chapa, se vencer as brigas intestinas do PT, mas que no legado petista tem que tentar separar o que defender e o que reconhecer como erro. Uma coisa é certa, não haverá vices anódinos. Eles são, para o bem ou para o mal, pessoas que sabem o que querem e alguns admitem claramente que almejam mais poder do que o de substituir o presidente. Foi o que disse o general Mourão. Ana Amélia quer ser ministra da defesa.

Com voz serena, e depois de pregar a união nacional, o general Mourão disse coisas duríssimas. Não reconhece o erro de ter chamado os índios de indolentes e os negros de malandros. Ele tenta usar “teses sociológicas” e diz que temos que saber quem somos. Mourão admitiu que errou ao defender o golpe numa de suas entrevistas, mas a partir daí ele passou a reafirmar seu pensamento. Disse que as Forças Armadas têm a responsabilidade de intervir quando um dos poderes não está funcionando. Lembrado de que a Constituição só prevê a intervenção das Forças Armadas se os poderes constituídos convocarem, ele defendeu o direito de o comandante interpretar a letra da Constituição. Heraldo Pereira lembrou que quem interpreta é o Supremo Tribunal Federal. Ele insistiu na responsabilidade das Forças Armadas e, diante de uma pergunta de Merval Pereira, admitiu o autogolpe, caso em que um presidente convoca as Forças Armadas. Na pergunta que eu fiz sobre Carlos Alberto Brilhante Ustra, que comandou o Doi-Codi no período em que 47 presos foram mortos, Mourão sustentou que ele é seu herói, e concluiu: “heróis matam.”

Eduardo Jorge tem várias identidades com Marina, como a defesa do ambientalismo, mas seu sonho é radical. Ele quer que em algum momento no futuro não haja a exploração de rebanhos bovinos. Seu forte é política de saúde. Ele é um dos autores do SUS, das políticas dos genéricos, mas nessa área há uma dissonância com Marina porque, como médico, ele defende o aborto, para evitar mortes de mulheres que hoje o fazem em condições precárias.

Kátia Abreu é tão aguerrida na defesa de suas ideias quanto Ciro, mas sua agenda é de direita. Defendeu que não se divulgue a lista dos que foram flagrados praticando trabalho escravo. Numa resposta a mim, ela garantiu que nunca desmatou e na verdade há um processo contra ela por desmatamento ilegal de 777 hectares na fazenda Ouro Verde, no Tocantins, como mostrou o Fato ou Fake. A data da infração foi 21 de junho de 2004.

Ana Amélia defendeu o projeto de lei que já recebeu notas públicas de condenação de entidades como SBPC, Fiocruz, Instituto Nacional do Câncer. E diz que o faz em nome da ciência. Só que a ciência está condenando o projeto. Mas ela o defende por ser a bandeira atual do agronegócio.

Haddad é um vice que pode não ser. Ele tenta ignorar a ruína econômica em que acabou o governo petista, por isso escolhe o que quer ressaltar e culpa a oposição pela recessão. Acabou defendendo a política de campeões nacionais como o caminho certo. Ficou claro que isso será repetido numa eventual volta do PT. Haddad avisou que o PT não vai escrever uma nova “carta ao mercado”. A carta de 2002 foi aos brasileiros.


Pedro S. Malan: Sete semanas

Talvez nunca tenha sido tão importante o voto informado e consciente dos que não acreditam em messianismos salvacionistas, em voluntarismos extremados, tampouco em puros exercícios de “autoridade” como solução para problemas da complexidade dos nossos

“Este é um trabalho muito pouco analítico, mas com ambição exagerada. Pretende convencer intuitivamente o poder incumbente que será eleito em 2010 de que: a) o Estado brasileiro é o mais pesado entre os que têm PIB per capita semelhante; b) essa é uma das causas importantes do nosso baixo crescimento; e c) sem ‘bala de prata’ ou choques duvidosos, existem muitas trilhas viáveis para reduzir o problema e recolocar o Brasil no caminho do desenvolvimento acelerado. Isso dependerá de muita perseverança, de razoável paciência e de alguma inteligência.”

Essa é a abertura de A agenda fiscal, texto do ilustre ex-ministro Delfim Netto publicado em Brasil Pós-crise: Agenda para a Próxima Década, organizado por Fabio Giambiagi e Octavio de Barros (Campus 2009). O trabalho encontrou ouvidos moucos de parte do poder incumbente eleito em outubro de 2010 e - o marqueteiro João Santana fazendo o diabo a quatro - reeleito em outubro de 2014. Afinal, desde 2005 o mote do grupo em questão era o famoso “gasto é vida”.

Novamente às vésperas de eleições, o artigo de Delfim continua atual e relevante. Avançamos na compreensão da magnitude dos desafios, forçados pelas circunstâncias, especialmente após o fracasso da política econômica do governo Dilma, essa que já havia sido figura-chave do governo Lula, definida por este após cinco anos e meio de convivência estreita como “a melhor gerente deste país”. Eleita, Dilma teve mais cinco anos para pôr suas ideias em prática. Deu no que deu.

Delfim Netto é hoje mais sintético, mas não menos mordaz. “Talvez possamos ter sucesso se o eleito tiver condições de eliminar a ‘causa causans’ que nos assalta há três décadas: a despesa primária do governo cresce em torno de 5% ao ano, enquanto o PIB cresce a 2,4%. Todo o resto é chantili!” (Folha de S.Paulo 29/8).
Em exatas quatro semanas mais emergirão das urnas dois candidatos a se tornar o “poder incumbente”. Talvez nunca tenha sido tão importante o voto informado e consciente dos que não acreditam em messianismos salvacionistas, em voluntarismos extremados, tampouco em puros exercícios de “autoridade” como solução para problemas da complexidade dos nossos.

Nunca na nossa História recente o Brasil precisou tanto de um candidato reformista, de centro, aberto ao diálogo, honesto, experiente e que não tenha ou venda ilusões. Ao contrário, que conheça bem a situação das contas públicas do País, o drama secular da educação, a tragédia da corrupção e da violência urbana. Que tenha refletido, cercando-se de pessoas experientes, tecnicamente competentes e que sejam capazes de vislumbrar o País no mundo, e não fechado em seu labirinto. Os eleitores decidirão, espero que tendo presente a diferença entre disputar uma eleição e efetivamente governar, com o Congresso que sairá das urnas, um país complexo como o nosso.

O desafio das reformas que o novo governo enfrentará reside em quatro grandes áreas, que por sua vez se desdobram em três tempos: o restante deste crucial ano de 2018, o próximo quadriênio e o longo período pós-2022, aí incluído o resultado das eleições desse ano, que definirão, juntamente com os avanços que o próximo governo possa alcançar, e os retrocessos que consiga evitar, o resto da década e boa parte dos anos 2030.

As quatro áreas são a macroeconômica, a área “não macro”, a das reformas propriamente ditas (em particular a da Previdência, a tributária e a da reorganização do Estado) e a área-chave para a definição do nosso futuro como sociedade civilizada, que é a área social, a qual inclui as legítimas demandas pela redução de desigualdades na distribuição de renda e, especificamente, de oportunidades, por meio de reformas em nosso sistema educacional.

A área da política macroeconômica encerra a discussão de seus três regimes fundamentais: monetário, cambial e fiscal. Os dois primeiros estão definidos há quase 20 anos e vêm servindo bem ao País. Seria importante que os candidatos pudessem reafirmar a importância de sua consolidação, que por sua vez depende do equacionamento de nosso grave problema fiscal, como fica cada vez mais claro para a opinião pública menos desinformada. O equacionamento de nossos problemas fiscais não é um fim em si mesmo, mas condição necessária para alcançar objetivos mais importantes para a população.

A área “não macroeconômica” não é menos relevante. Ela diz respeito ao sistema de incentivos e desincentivos a decisões de investidores, poupadores e consumidores dados pelo sistema de preços relativos tal como afetados por decisões sobre preços administrados, desonerações fiscais e subsídios. Como vimos, o excesso de ativismo do governo pode levar a distorções na alocação de recursos e ao aumento de incertezas jurídicas, que afetam decisões de investimento. O contexto regulatório e a defesa da competição são cruciais, a reforma do Estado passa pela avaliação permanente da qualidade do gasto público e pela análise sistemática de custo/benefício da miríade de programas governamentais.

O próximo governo deverá ser “reformista” caso pretenda efetivamente governar o País e, principalmente, recolocá-lo no rumo do desenvolvimento econômico, político e social. O espaço para acertar é reduzido, e enorme aquele para erros - velhos e novos. O passado se foi e não pode mais ser alterado. O presente está constantemente a se transformar em passado.

Mas sempre haverá um futuro a ser construído - se sobre ele uma sociedade for capaz de formar certas ideias compartilhadas, algumas que sejam. Para tal é melhor que tenhamos uma boa ideia de onde estamos e de como chegamos à situação atual e seus desafios. Não será fácil - nunca o foi e nunca será. Mas o Brasil e os brasileiros não temos alternativa senão acreditar no poder da persistência, do diálogo, da não violência - e de alguma racionalidade em meio às paixões, os interesses e os conflitos da vida real.

* Pedro S. Malan é economista, foi ministro da Fazenda no Governo FHC


Luiz Carlos Azedo: Nosso herói usou o bisturi

“Não se pode subestimar é a gravidade do que aconteceu. O episódio poderá influenciar o resultado das eleições. Bolsonaro já posa sentado, simulando uma arma nas mãos, seu gesto de campanha”

O que não falta nas redes sociais são teorias conspiratórias sobre o atentado a faca contra o candidato do PSL, Jair Bolsonaro, que foi gravemente ferido e está internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Albert Einstein, para onde foi transferido depois de ser operado na Santa Casa da Misericórdia de Juiz de Fora. A Polícia Federal levou o autor da tentativa de homicídio, Adelio Bispo de Oliveira, de 40 anos, de Juiz de Fora para um presídio federal em Campo Grande (MS). O agressor foi indiciado por “atentado pessoal por inconformismo político”, com base na lei de Segurança Nacional, o que alimenta especulações. Ele alegou que deu a facada em Bolsonaro “a mando de Deus” e disse que agiu sozinho, sem ajuda de partido político ou empresa. Policiais federais consideraram o depoimento do suspeito como declarações de uma pessoa conturbada. Sua defesa alega insanidade mental.

Essa é a versão oficial. Nas redes sociais, a turma do Bolsonaro acusa o PT de ser mandante da agressão; militantes petistas divulgam que o atentado foi uma conspiração militar para levar o general Hamilton Mourão à presidência de República. Teorias conspiratórias costumam construir versões que partem do pressuposto de que o mandante do crime seria o grande beneficiado pela sua consumação. A partir daí, um arrazoado supostamente comprovatório serve para construir uma narrativa verossímil. No limite, a esquerda pode imputar à CIA o planejamento de tudo; a direita, a agentes cubanos. Num ambiente eleitoral empesteado pelo ódio político e o radicalismo ideológico, não faltam os que acreditam em ideias malucas. Além disso, o passado político da América Latina condena.

Por isso mesmo, é bom que a Polícia Federal investigue todos os passos de Adelio Bispo, suas conexões telefônicas e financeiras, bem como das duas outras pessoas que supostamente estariam com ele durante o atentado. E que esclareça também como um sujeito pobre de marré, marré conseguiu financiar suas viagens e a assistência jurídica de quatro advogados — é comum a nomeação de vários integrantes de um único escritório numa só procuração, isso não quer dizer que todos vão atuar no caso, e mesmo a defesa gratuita. O que não se pode subestimar é a gravidade do que aconteceu. O episódio mudou os rumos da campanha eleitoral e poderá influenciar o resultado das eleições. Menos mal, porque Bolsonaro sobreviveu e já posa sentado, simulando uma arma nas mãos, gesto característico de sua candidatura. Seu assassinato na campanha eleitoral, qualquer que fosse a motivação, poderia ter desdobramentos gravíssimos. Há exemplos na nossa história.

Catalisadores
O assassinato de João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque foi uma das causas da Revolução de 1930, que depôs o presidente Washington Luís. Governador da Paraíba, morreu no Recife, em 26 de julho de 1930, aos 52 anos, com um tiro na cabeça. Naquele ano, fora candidato a vice-presidente na chapa de Getúlio Vargas, mas ambos perderam para a chapa governista, encabeçada por Júlio Prestes. Como dizia Gilberto Freyre, no Nordeste “havia os Cavalcanti e os cavalgados”; se fosse Albuquerque, mandava mais ainda. João Pessoa era porta-voz da elite nordestina. Foi morto por um desafeto político, o advogado e jornalista João Dantas, na Confeitaria Glória, no Recife, num encontro quase casual. Ao contrário da versão difundida à época, a motivação do crime foi passional: a casa de Dantas havia sido invadida pela polícia, a mando de João Pessoa, que abjetamente vazou para os jornais cartas íntimas trocadas com a jovem professora Anaíde Beiriz, belíssima, personagem do filme Paraíba masculina, mulher-macho sim senhor, de Tizuka Yamazaki. Dantas foi chacinado na prisão; Beatriz foi marginalizada e se matou, aos 25 anos.

Há outros exemplos de atentados que catalisaram grandes eventos políticos, como o da Rua Toneleiros, contra Carlos Lacerda, no qual foi morto o major Rubens Vaz, cujos desdobramentos resultaram no suicídio de Getúlio, em 1954. Felizmente, Adélio Bispo não logrou seu objetivo. No episódio, o grande herói usou um bisturi: o cirurgião vascular Paulo Gonçalves de Oliveira Júnior largou ao meio o almoço com a família e foi para Santa Casa socorrer Bolsonaro. Localizou o local da hemorragia e evitou a morte do ex-capitão. De acordo com a tabela do SUS, receberá R$ 367,06 pela operação; a Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora será reembolsada em R$ 1.090,80, nos revelou a revista Piauí. Heróis salvam vidas!

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-nosso-heroi-usou-o-bisturi/


O Estado de S. Paulo: ‘Legitimidade de novo governo pode até ser questionada’, diz general Villas Bôas

Villas Bôas afirma que atentado a Bolsonaro ‘materializa’ temor de que intolerância afete governabilidade

Por Tânia Monteiro, de O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, disse que o atentado ao deputado Jair Bolsonaro, candidato pelo PSL ao Planalto, “é a materialização das preocupações que a gente estava antevendo de todo esse acirramento dessas divergências, que saíram do nível político e já passaram para nível comportamental das pessoas”.

Em entrevista ao Estado, o general afirmou que esse gesto de intolerância mostra que “nós estamos agora construindo dificuldade para que o novo governo tenha uma estabilidade, para a sua governabilidade e podendo até mesmo ter sua legitimidade questionada”. A seguir, os principais pontos da entrevista:

O sr. já estava preocupado com o acirramento dos ânimos. O atentado a Bolsonaro aumentou essa preocupação?
O atentado é a materialização das preocupações que a gente estava antevendo de todo esse acirramento dessas divergências, que saíram do nível político e já passaram para nível comportamental das pessoas. A intolerância está muito grande. E esse atentado, infelizmente, veio a confirmar essa intolerância generalizada e a nossa falta de capacidade de colocar acima dessas questões políticas, ideológicas e pessoais o interesse do País.

Qual o efeito do atentado para o momento eleitoral?
O atentado confirma que estamos construindo dificuldade para que o novo governo tenha uma estabilidade, para a sua governabilidade, e podendo até mesmo ter sua legitimidade questionada. Por exemplo, com relação a Bolsonaro, ele não sendo eleito, ele pode dizer que prejudicaram a campanha dele. E, ele sendo eleito, provavelmente será dito que ele foi beneficiado pelo atentado, porque gerou comoção. Daí, altera o ritmo normal das coisas e isso é preocupante.

Temia que um atentado pudesse acontecer?
Por conta da exacerbação da violência, já tínhamos a preocupação de que algo pudesse acontecer. Não tínhamos indícios concretos, mas tínhamos preocupação e vínhamos alertando, como fiz na minha ordem do Dia do Soldado, quando falei da necessidade de pacificação do País.

O sr. teme que possa acontecer mais alguma coisa?
Eu liguei para todos os comandantes após o desfile (de Sete de Setembro) para saber como transcorreram as festividades, e em nenhum lugar me foi reportada nenhuma manifestação. Não sei se a população levou um choque com o que aconteceu. Espero que isso prevaleça e que a sociedade tenha levado um susto, do que pode acontecer diante dos caminhos que estávamos trilhando. Espero que as coisas se harmonizem a partir de agora. E a declaração dos candidatos foram nesse sentido, embora nas redes sociais ainda existam mensagem de intolerância, que é um indicador ruim.

Como o Exército acompanha a tentativa de registro da candidatura do ex-presidente Lula?
A gente vem pautando nossa atuação e discurso em cima da legalidade, legitimidade e estabilidade. Entendemos que a estabilidade é fundamental para o funcionamento das instituições. Até porque, o inverso, a instabilidade, implica diretamente nossa atuação, como na greve dos caminhoneiros. Preocupa que este acirramento das divisões acabe minando tanto a governabilidade quanto a legitimidade do próximo governo. Nos preocupa também que as decisões relativas a este tema sejam definidas e decididas rapidamente, de uma maneira definitiva, para que todo o processo transcorra com naturalidade.

Um dos argumentos da defesa de Lula é um parecer do Comitê de Direitos humanos da ONU. Como avalia?
É uma tentativa de invasão da soberania nacional. Depende de nós permitir que ela se confirme ou não. Isso é algo que nos preocupa, porque pode comprometer nossa estabilidade, as condições de governabilidade e de legitimidade do próximo governo.

Na possibilidade de Lula se tornar elegível e ganhar, qual seria a posição das Forças?
Quem chancela isso é o povo brasileiro. Nós somos instituição de Estado que serve ao povo. Não se trata de prestar continência para A ou B. Mas, sim, de cumprir as prerrogativas estabelecidas a quem é eleito presidente. Não há hipótese de o Exército provocar uma quebra de ordem institucional. Não se trata de fulanizar. O pior cenário é termos alguém sub judice, afrontando tanto a Constituição quanto a Lei da Ficha Limpa, tirando a legitimidade, dificultando a estabilidade e a governabilidade do futuro governo e dividindo ainda mais a sociedade brasileira. A Lei da Ficha Limpa se aplica a todos.

Até quando essa questão tem de ser decidida?
Que seja decidida com oportunidade para que o processo eleitoral transcorra normalmente e naturalmente.

O sr. acha que, se um dos extremos ganhar as eleições, radicais oposicionistas poderiam provocar desordem no País?
Absolutamente, não. O País atingiu uma maturidade. Eventualmente, podem ocorrer ações isoladas, de pequena monta, sem adquirir este caráter de uma grande instabilidade para o País.

Bolsonaro aparece como candidato dos militares. Ele é o candidato das Forças Armadas?
Não é candidato das Forças. As Forças Armadas são instituições de Estado, de caráter apolítico e apartidário. Obviamente, ele tem apelo no público militar, porque ele procura se identificar com as questões que são caras às Forças, além de ter senso de oportunidade aguçada.

Um eventual governo Bolsonaro poderia ser considerado um governo militar?
Absolutamente, não. Não é um governo militar. A postura e a conduta das Forças Armadas serão exatamente as mesmas em um governo de esquerda ou de direita, sem fulanizar.

O sr. recebeu vários candidatos. O que pediu ou ouviu?
A intenção foi tão somente apresentar temas que digam respeito à Defesa.


El País: “Ataque ajudará Bolsonaro a chegar perto de seu teto eleitoral, em torno de 26%”, diz Andrei Roman

Análise de  Andrei Roman, diretor-executivo do Atlas Político, prevê Marina ou Haddad contra deputado no segundo turno. "Marina poderia ter um discurso mais claro sobre o legado petista"

Por Flávia Marreiro, do El País

O giro dramático da campanha com o ataque a faca a Jair Bolsonaro deve empurrar o candidato ultradireitista do PSL rumo a seu teto eleitoral, em torno de 26%. A análise é do cientista político Andrei Roman, diretor-executivo da consultoria Atlas Político. No outro lado do espectro político, Roman vê um potencial de crescimento para Marina Silva e para Fernando Haddad — nos dois casos com essa tendência se acelerando perto da reta final da campanha. Sobre o tucano Geraldo Alckmin, é mais cético: "Não adianta você ter todo tempo do mundo se a sua estratégia de comunicação está errada ou se ela simplesmente não consegue superar as maiores vulnerabilidades da persona do candidato."

Pergunta. A esta altura já foi dito e repetido que o atentado a Bolsonaro muda a história da campanha e obriga os candidatos a repensar estratégias. Mas dá para dizer isso em cifras nas pesquisas? Quanto ele pode crescer?

Resposta. A nossa leitura é que vai ajudar Bolsonaro a chegar perto do melhor cenário possível projetado para ele e prejudica praticamente todos os outros candidatos. Ele vai conseguir alguma transferência de votos de quase todos. Quanto ele pode crescer? Nossa visão é que pode chegar em torno de 26%, esse é o teto. Dizemos isso com base num relatório que fizemos há 15 dias, no qual analisamos o potencial de crescimento dos candidatos e de onde poderiam vir esses votos. Na análise que fizemos, há potencial de transferência para Bolsonaro de todos os candidatos, com exceção de Boulos. A parcela de eleitores que ele poderia ganhar vai de 8% do eleitorado do Ciro Gomes até 18% do eleitorado do João Amoêdo. Claro, é possível que novos dados mostrem uma alteração neste quadro, mas por enquanto essa análise é baseada nos dados que temos acumulado até agora.

P. A expectativa é que os adversários deem uma trégua nos anúncios com críticas a Bolsonaro, mas é difícil que a estratégia seja abandonada completamente até o final. Você acredita que os adversários, especialmente Alckmin, ainda podem desconstruir na TV o deputado ou ele tem uma base coesa o suficiente que o segura num patamar de possível segundo turno?

R. Os adversários estão conseguindo desconstruir o Bolsonaro para certos segmentos do eleitorado e não para outros. Tanto é que, ao mesmo tempo que a rejeição dele está crescendo, ele também continua crescendo em termos de intenção de voto. A polarização em torno do nome dele favorece as chances de Bolsonaro chegar ao segundo turno, mas prejudica as chances de vitória dele nesse eventual segundo turno. Claro, com esse atentado, as chances dele num eventual segundo turno melhoraram, mas mesmo assim a maior chance de ganhar será do adversário que ele for enfrentar.

P. Muitos analistas apostavam na desidratação do Bolsonaro por causa da TV. Quanto ele poderia murchar, se não tivesse havido o atentado?

R. Ao meu ver, Bolsonaro tem um piso firme de em torno de 15% do eleitorado, o que é muito próximo do que ele precisa neste momento para chegar no segundo turno. No Atlas Tracking tem uma pergunta especialmente útil para medir o piso eleitoral do Bolsonaro: “Você é a favor de um golpe militar em vez da organização de eleições presidenciais?” Em média, 15% do eleitorado brasileiro responde "sim" para essa pergunta.

P. O Atlas Político tem feito pesquisas diárias, com recrutamento de entrevistados pela Internet. Na fotografia de agora, que é precária, ainda dá para cravar um cenário mais provável de segundo turno?

R. Se você for olhar somente pela média das últimas pesquisas, sejam elas do Atlas ou de outros institutos, Jair Bolsonaro e Marina Silva teriam as melhores chances neste momento. Mas, obviamente, isso não levaria em consideração a principal variável dessa campanha olhando para a frente: a tentativa do PT de transferir os votos de Lula para Fernando Haddad. Haddad é ainda muito pouco conhecido pelo eleitorado lulista. Na medida em que esses eleitores entendem que Lula não será candidato e que o candidato apoiado por ele é o Haddad, é possível que Haddad chegue a ultrapassar a Marina. Então os cenários mais prováveis seriam esses: Marina x Bolsonaro e Haddad x Bolsonaro, com uma chance maior para este segundo.

P. Uma grande incógnita é o poder de transferência de voto de Lula para Haddad e em que velocidade isso pode acontecer. Não é justo o estrato mais pobre, onde Haddad mais precisa crescer, que mais demora a se inteirar?

R. Sim, certamente esse será um desafio grande para a campanha petista. Será muito difícil ver Haddad no mesmo patamar de votação de Dilma na campanha de 2010. Naquela vez, Lula estava engajado ativamente em conseguir essa transferência e a escolha da Dilma foi anunciada um ano antes da eleição. Mas Haddad não precisa chegar no mesmo patamar de Dilma para chegar no segundo turno. Dada a fragmentação do cenário de candidatos, só 15% do eleitorado ele talvez já consiga passar para o segundo turno. Pelo que vejo em nossos dados, a chance disso acontecer é bem alta. Agora, em relação à questão da velocidade e do timing, isso deve acontecer bem tarde: acredito que Haddad começará a crescer devagar no começo da campanha e acelerar bem perto do final, quando a massa crítica do eleitorado lulista finalmente conseguir digeri-lo como candidato de Lula.

P. Marina não está melhor posicionada para recebe os votos órfãos de Lula, especialmente entre as mulheres pobres?

R. Marina está muito bem posicionada em termos de sua imagem pública, pela história de vida dela, pela aproximação no passado com Lula e pelo contraste entre o estilo discursivo dela em comparação ao dos outros candidatos. Marina consegue se contrapor aos demais candidatos com sua autenticidade e modéstia. Mas Marina tem também certas vulnerabilidades em relação a esse eleitorado. Marina não se posicionou contra a prisão de Lula e as imagens dela apoiando o Aécio Neves no segundo turno de 2014 devem ser exploradas intensamente pelo PT. Marina poderia ter um discurso mais claro em relação ao legado petista, em relação ao que foi bom e ao que foi ruim. Ela poderia defender o legado do Lula sem necessariamente aderir à bandeira "Lula Livre". Em vez disso, ela vem optando por um discurso mais discreto, que não toca frontalmente essas questões. Pode ter sido um erro estratégico ou um acerto. Por enquanto, ainda é cedo para fazer essa análise.

P. A pergunta mais repetida das eleições é: a TV ainda será determinante? Alckmin terá tempo para subir o que precisa para ir ao segundo turno?

R. Alckmin tem muito mais tempo do que precisa, mas a questão é como você preenche esse tempo. Não adianta você ter todo tempo do mundo se a sua estratégia de comunicação está errada ou se ela simplesmente não consegue superar as maiores vulnerabilidades da persona do candidato. A estratégia de comunicação faz parte de uma estratégia maior de posicionamento político. Se a sua estratégia de comunicação é contraditória em relação à estratégia de posicionamento, obviamente os resultados não serão bons. A leitura atual da campanha de Alckmin é que erraram somente na comunicação e que, consertando isso, irão conseguir fazer ele subir. Eu acredito que esse diagnóstico está errado. O problema de Alckmin, ao meu ver, está mais ligado às vertentes chave da estratégia política de posicionamento do que com a comunicação.

P. E onde Alckmin erra?

R. O eleitorado do Bolsonaro é muito convicto e não vai mudar para Alckmin. E quem não gosta mesmo do Bolsonaro é a esquerda, que também não gosta do Alckmin. Então, batendo no Bolsonaro, Alckmin não consegue nem o eleitor do Bolsonaro (que dificilmente vai desistir dele), nem o eleitor da esquerda, que não passará a gostar do Alckmin por conta disso. A estratégia certa do Alckmin, na minha opinião, era mostrar que ele continua sendo a oposição autêntica ao PT, que de fato Bolsonaro adotou no passado posições paternalistas na economia, que Bolsonaro é muito mais próximo do PT do que parece. Alckmin deveria fazer um discurso focado no eleitorado de centro-direita que é anti-lulista e não tem uma posição muito firme em relação ao Bolsonaro ainda.

P. Duas novidades da eleição são, por um lado, a força da ultradireita de Bolsonaro, mas também a aparição de um fenômeno de direita liberal na economia e nos costumes, como o João Amoêdo (NOVO). Você prevê que Amoêdo ainda tem espaço para crescer?

R. Amoêdo adotou uma estratégia muito focada em mídias sociais, investindo pesadamente em propagandas pagas principalmente no Facebook. A estratégia parece estar dando certo, principalmente entre homens jovens em regiões urbanas do Sul e Sudeste. Ele está chegando em 4% de intenção de voto, que pode não parecer tão impressionante assim, mas serve para atrapalhar bastante Alckmin. Boa parte do eleitorado do Amoêdo é um eleitorado realmente libertário. Além de uma grande maioria dos eleitores dele apoiarem, por exemplo, as privatizações e a reforma da Previdência, é um eleitorado muito progressista em questões como liberalização da maconha e legalização do casamento gay. No entanto, esse nicho é bastante pequeno como percentual da população brasileira. Por isso a gente vê Amoêdo adotando posições bem mais conservadoras do que a média atual do eleitorado dele, provavelmente no intuito de conquistar eleitores de Bolsonaro. O espaço de crescimento dele seria então bem diferente do espaço que ele conseguiu conquistar até agora.

P. Temos uma profusão de pesquisas, de metodologias diferentes. Você é crítico dos trackings telefônicos puros. Por quê?

R. Os tracking telefônicos não têm feito, em geral, um bom trabalho na hora de entender quais são os grupos supra e subrepresentados em relação ao perfil da população geral. Quando você tem uma taxa de resposta abaixo de 10% (como na maioria das pesquisas telefônicas), a chance de essa taxa baixa de resposta introduzir um viés na amostra é extremamente grande. Os 10% que respondem a pesquisa certamente têm algumas características diferentes dos 90% que não respondem. Para começar, é muito natural esperar que eles sejam mais politicamente engajados. Se você vota Bolsonaro, a chance de você querer perder 30 minutos do seu dia respondendo uma pesquisa eleitoral para afirmar essa preferência é muito maior do que se você não se interessa por política ou não faz a menor ideia sobre em quem votar. Isso acaba supraestimando sistematicamente alguns candidatos cujo voto espontâneo é alto e explica a discordância entre as pesquisas telefônicas e as pesquisas face a face. O Atlas tenta entender esse tipo de fenômeno e usa procedimentos especiais de ajuste amostral para eliminar os vários tipos de viés.


Roberto Freire: Desestabilizadores

Segue, do lado do lulopetismo, a desobediência civil às determinações da Justiça Eleitoral.

Continua a cantilena da candidatura de Lula, um perseguido das elites e de todo o sistema porque um dia teria tornado o Brasil um país das maravilhas.

Havia escola, saúde, trabalho, comida e sonhos para todos, que eram felizes, como nunca.

Demônios apearam Dilma do poder e tentam impedir o profeta dos bons tempos de outrora de continuar a sua obra divina.

Vão mais adiante. Todas as mazelas da crise, atual e pregressa, foram causadas pelo satanás-mor, Michel Temer, tão medonho que, em meros dois anos, fez areia dos castelos de ouro das eras de Lula e Dilma.

O boneco de ventríloquo, Haddad, dá eco as essas estultices, nos programas de TV e do rádio. Aproveita para atacar os tribunais dos ricos e dos malvados, o TSE, o STJ e o Supremo.

Segue o processo de canonização do sr. Luís Inácio. Há até um séquito de fanáticos acampados perto da carceragem da PF, em Curitiba, cuja missão diária é dar “bom dia” e “boa noite”, em uníssono e tom elevado, ao líder supremo, para que ele não se sinta solitário.

Os inúmeros recursos protelatórios à Justiça estão no limiar do esgotamento.

Os ministros Fachin e Celso de Mello acabam de sepultar os dois últimos recursos da defesa de Lula, no Supremo, que pediam, no âmago, a revogação da lei da ficha-limpa, com uma canetada.

Ainda resta um último recurso, ao próprio TSE, para que esse Tribunal não dê curso à decisão que ele próprio tomou na madrugada do último sábado.

Nas fileiras lulopetistas não há ninguém com algum nível de formação e informação que acredite que o TSE, por decisão liminar da Ministra Rosa Weber, venha a dar cabimento a uma demanda que, no mérito, já foi rejeitada pelo próprio Tribunal, por 6 x 1, inclusive com o voto da própria Ministra-Presidente.

A Lula restará um dilema: acatar ou não a decisão do TSE, que determinou sua impugnação e a substituição, até o dia 11, terça-feira, da candidatura presidencial.

Se acatar, a chicana jurídica cessará, mas não a agressão à inteligência dos brasileiros e brasileiras. Os lulopetistas terão de, em quatro semanas, ganhar seu eleitorado potencial para o “fato” de que Haddad não é Haddad e, sim, nada mais, nada menos, do que o próprio Lula, prisioneiro da Justiça “dos poderosos”, em Curitiba, um perseguido pelos céus, terras, mares e oceanos.

Se não acatar, além das diversas comissões da ONU, ainda restam ao lulopetismo o Vaticano e outras instâncias e personalidades religiosas e talvez alguns artistas e intelectuais dispostos a assinar manifestos que defendam qualquer causa de qualquer rebelde de ex-colônias.

O lulopetismo tem se revelado como um projeto que passa ao largo da continuidade do processo democrático, republicano e necessariamente pluralista, tão arduamente consagrado na Constituição Cidadã de 1988 e em todas as conquistas subsequentes, que nos legaram o maior período de vigência plena das liberdades democráticas em nossa história.

A ultradireita e o lulopetismo estão de mãos dadas, objetivamente, um alimenta-se do outro, na desestabilização da democracia e nas tentativas e narrativas que buscam deslegitimar o processo eleitoral, dentro e fora do país, cada um a seu modo.

Derrotá-los é possível, necessário e desejável. Depende de nós.


El País: A 30 dias da eleição, ataque a Bolsonaro força freio de arrumação na campanha

Atentado contra o deputado em Juiz de Fora redefine os parâmetros da disputa eleitoral. Institutos divulgam na segunda pesquisas que devem começar a medir o efeito do ocorrido

O Brasil contempla nesta sexta-feira, após o atentado a faca contra o deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ), a paralisação de uma campanha presidencial pela segunda vez consecutiva. A exemplo do que ocorreu por conta da morte do ex-governador Eduardo Campos no pleito de 2014, os pleiteantes ao Palácio do Planalto interromperam suas atividades em respeito ao líder das pesquisas de intenção de voto, que deve seguir impossibilitado de tocar sua própria campanha por ao menos sete dias, o período mínimo de internação previsto. Enquanto isso, todos tentam entender os impactos do incidente para a dinâmica eleitoral. Pelo menos momentaneamente, Bolsonaro deixa de ser o alvo preferencial das críticas e passa a ocupar um espaço midiático muito maior do que aquele que lhe estava destinado – oito segundos de propaganda eleitoral, contra cinco minutos e meio de Geraldo Alckmin, por exemplo —, com potencial até para superar o protagonismo que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), apesar de preso, tentava sustentar.

Todos os cálculos e previsões precisam ser refeitos a partir deste imponderável. Em 2014, por exemplo, o acidente de avião que vitimou Eduardo Campos no dia 13 de agosto daquele ano, então terceiro colocado nas pesquisas de intenção de voto, catapultou, num primeiro momento, Marina Silva, sua vice de chapa do PSB, para o segundo lugar na disputa quando ela assumiu a cabeça da chapa. A comoção com a tragédia a ajudou a ultrapassar o senador Aécio Neves (PSDB-MG). Faltavam então 52 dias para o primeiro turno da eleição. Tudo parecia líquido e certo no caminho de Marina ao Planalto. Mas o candidato tucano garantiu sua ida ao segundo turno na reta final da disputa, com ajuda da propaganda negativa da campanha de Dilma Rousseff contra Marina.

O efeito do ataque contra Bolsonaro para a corrida eleitoral ainda é incerto, mas seu nome ganhou a expressão máxima neste momento. Se a campanha do deputado do PSL tinha no pouco tempo de propaganda de televisão um de seus maiores limites, a atenção dirigida a ele em função do atentado tem o potencial de eliminar essa fraqueza. Além disso, Bolsonaro dificilmente deve conseguir participar dos próximos debates, já que os médicos preveem cerca de dois meses para sua recuperação total. Assim, ele não irá se expor a embates como aquele com a ex-ministra Marina Silva (Rede) no debate da RedeTV!, que escancarou a fragilidade do candidato entre o público feminino. Na campanha de Marina, inclusive, a avaliação é que o atentado contra o Bolsonaro jogou a disputa "num terreno imprevisível".

A candidata da Rede vinha apostando, desde o debate da RedeTV!, em antagonizar com Bolsonaro e criticá-lo por suas opiniões em relação aos direitos das mulheres. O momento em que ela e o candidato do PSL se enfrentaram diretamente no debate era, inclusive, considerado o ponto alto da campanha da Rede até aqui. Isso terá de mudar. "Atacar o Bolsonaro não faz sentido, porque desta vez ele é a vítima", disse um integrante da campanha de Marina ao EL PAÍS. Uma ideia é usar o episódio do esfaqueamento para reforçar a oposição da candidata às políticas que facilitem o armamento da população — uma das bandeiras do capitão reformado do Exército. Algo na linha de que a tragédia poderia ter sido muito maior se tanto o agressor quanto seus apoiadores na passeata tivessem amplo acesso a armas de fogo. Mas o tema ainda gera discussões no comitê de campanha. Se optarem por esse discurso, há uma preocupação de que as mensagens sejam construídas com cuidado. "Sem jamais culpar o Bolsonaro pelo ataque", diz um aliado de Marina. A candidata anunciou uma "caminhada pela paz" para este sábado em São Paulo.

Enquanto líder das pesquisas, Bolsonaro também vinha sendo alvo de ataques contundentes da campanha do ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), que disputa o mesmo eleitorado — mais rico e instruído — com o deputado federal. Os assessores da campanha tucana já fizeram circular a informação de que a intensa ofensiva contra o adversário está suspensa. O cientista político Alberto Carlos Almeida destacou, em seu perfil no Twitter, o dano para a campanha de Alckmin, já que é de esperar um efeito de mídia favorável para Bolsonaro após o ataque da quinta-feira. Para ele, o tucano não poderá atacar o deputado federal por pelo menos uma semana. Vice na chapa de Alckmin, a senadora Ana Amélia (PP-RS) publicou um vídeo para dizer "não queremos violência para ninguém".

Para o cientista político Paulo Kramer, as estratégias de desconstrução de Bolsonaro foram desarmadas e "a facada tirará do armário votos que estavam envergonhados". Ou seja, Bolsonaro pode ampliar a vantagem nas pesquisas. Algo que deve começar a ser medido pelas próximas pesquisas de intenção de voto, que vinham mostrando sua candidatura como a mais popular depois da do ex-presidente Lula, já barrada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mas também a mais rejeitada. Institutos como Ibope e Datafolha farão novos levantamentos ao longo da próxima segunda-feira e as divulgam na noite do mesmo dia.

Ânimos acirrados

As análises mais óbvias e simplistas levam a crer que o atentado teria garantido Bolsonaro no segundo turno, já que ele lidera as pesquisas e, blindado pelo ocorrido, não estaria exposto às tentativas de desconstrução de seus adversários. Mas a dinâmica ainda está por se desenvolver, e depende entre outras coisas, da evolução do quadro clínico do deputado federal e de sua capacidade de mobilizar a atenção política pelos próximos dias — o esperado anúncio de Fernando Haddad como substituto de Lula na chapa do PT, aguardado para o início da semana, já teve seu impacto amortecido no noticiário. Até agora, Bolsonaro era o candidato com as mais expressivas imagens de campanha, praticamente o único a reunir um número considerável de apoiadores pelas ruas do país. Isso não deve mais acontecer, mas, mesmo debilitado, o candidato do PSL gravou vídeos e postou mensagens que circulam com ainda mais intensidade pelas redes sociais por meio das mãos de seus apoiadores.

As estratégias de sua própria campanha e a forma de lidar com o ocorrido podem atrair ou afastar votos de Bolsonaro. Seu vice, General Mourão (PRTB), chegou a acusar o PT de ser o responsável pelo ataque, para em seguida advertir que “se querem violência, os profissionais da violência somos nós”. Nesta sexta-feira, contudo, o tom do vice já veio mais baixo. "As primeiras declarações são sempre na base da emoção, e aí as pessoas dizem coisas que não deveriam dizer. Há um velho ditado que diz: 'as palavras, quando saem da boca, não voltam mais'. Portanto, vamos manter a calma. O caso está nas mãos da Polícia Federal", disse. Nas redes sociais, contudo, os ânimos seguem acirrados dos dois lados. Enquanto os opositores de Bolsonaro tentam diminuir a relevância do atentado e criticam o comportamento do deputado em outros incidentes, como o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), seus apoiadores jogam lenha na fogueira com acusações para todos os lados e espalham informações sem confirmação. O pastor Silas Malafaia, por exemplo, disse que o autor do atentado assessora a campanha da ex-presidenta Dilma Rousseff ao Senado. A campanha de Dilma prometeu processá-lo por injúria, calúnia e difamação.

A segurança dos candidatos

Um impacto prático certo para a campanha será a ampliação da segurança de todos os candidatos à presidência da República "que assim o desejarem", segundo informou a Polícia Federal (PF). Atualmente, apenas cinco dos 13 candidatos se valem dessa escolta diária: Bolsonaro, Alckmin, o senador Álvaro Dias (Podemos-PR), o ex-governador Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva. Conforme a PF, esse reforço na segurança segue um protocolo definido para casos em que um dos concorrentes sofre alguma intercorrência, como o atentado da quinta-feira contra Bolsonaro em Juiz de Fora (MG). Não há informações sobre o número de agentes que passarão a trabalhar nas campanhas. Atualmente, cada um recebe 21 seguranças, número que pode aumentar conforme o evento de que participem.


O Estado de S. Paulo: 'Democracia brasileira está em risco permanente', afirma Roberto Romano

Para Roberto Romano, ataque a Bolsonaro mostra que instituições e sociedade civil não estão funcionando normalmente

Por Paulo Beraldo, de O Estado de S. Paulo

O ataque a faca contra o presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) em Juiz de Fora (MG) durante ato de campanha, é um reflexo do atual quadro da democracia brasileira, em que as instituições e a sociedade civil não têm funcionado normalmente. Esta é a avaliação do filósofo Roberto Romano, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “(O incidente) É um resultado da democracia brasileira, que vive em risco permanente. Ela não está consolidada”, afirmou.

Em entrevista ao Estado um dia após o incidente, o pesquisador alerta para a necessidade de os candidatos, os partidos e as autoridades públicas, sobretudo do Judiciário, “assumirem as responsabilidades de suas funções”. “Se não tivermos uma reação saudável e rápida, evidentemente teremos mais fatos graves até as eleições”, disse. “Estamos longe de perceber a gravidade da crise política e social brasileira.”

Abaixo, leia os principais trechos da entrevista.

O que significa esse episódio?
Isso é um resultado da democracia brasileira, que vive em risco permanentemente. Ela não está consolidada. As instituições de Estado e da sociedade civil não estão agindo normalmente. Com isso, temos a perda radical da autoridade pública. E democracia sem autoridade pública não funciona. Quando não há autoridade, a violência física e a violência verbal se imiscuem em todos os assuntos da sociedade e do poder público. E então temos resultados como esse (o ataque). Se não tivermos uma ação rápida para resolver esses problemas, evidentemente vamos caminhar para um fim trágico. Quando o próprio Jair Bolsonaro, no Acre, usou uma frase no sentido de “metralhar seus adversários”, a Procuradoria-Geral da República não tomou providências. Esse é um ponto. Ela (Raquel Dodge) achou que era um assunto menor e isso mostra o quanto estamos longe de perceber a gravidade da crise social e política brasileira.

Nos últimos meses, tivemos outros ataques a políticos. São episódios isolados?
Não é isolado, esse é o ponto. Temos um regime civil que, na Constituição, promete ser democrático e, ao mesmo tempo, um Estado de direito. Para essa promessa ser cumprida, é necessário que os três poderes cooperem. No caso brasileiro, há um Executivo desacreditado, já que o presidente tem a avaliação do eleitor mais baixa possível. Tem um Parlamento em que o eleitor também não acredita, com desprestígio absoluto, e a Justiça começa a mostrar sinais de partidarismo, de política e de divisão, inclusive no Supremo Tribunal Federal. Tem vários tribunais abrigados sob a sigla do STF. É isso que eu chamo de a perda da soberania.

Como é esse conceito de perda da soberania?
O conceito de soberania permite o uso da autoridade pública, exige a coordenação e a harmonia dos três poderes com o compromisso diante do cidadão. Quando os poderes se autonomizam em relação à sociedade e à economia, e começam a definir um padrão que não é o legal, mas o político, temos quase o princípio da anarquia. No Brasil, a falta de ordem começa nos mais altos escalões do Estado. E é evidente que, com isso, não tem como garantir na base da sociedade o bom convívio.

Que ações seriam necessárias para alterar esse cenário?
O primeiro passo é que os partidos políticos assumam a sua função de partidos e não de máquinas eleitoreiras que apenas visam a demagogia e a conquista de cargos. O segundo ponto é que as autoridades públicas no Executivo, Legislativo e, principalmente, no Judiciário tenham consciência da gravidade e não ajam como se nada estivesse acontecendo. As instituições brasileiras não estão funcionando normalmente. Dizer que estão é negar a realidade, negar os fatos como assassinatos de políticos e tentativas de assassinato.

Com esse novo componente, o que se pode esperar para as eleições 2018?
O imprevisível sempre. Essa tem sido, infelizmente, a história do Brasil desde o governo de Getúlio Vargas. No momento em que se pensa que a situação do País vai caminhar para a normalização, para o respeito da autoridade e da ordem pública, tem um fato terrível como esse acontecendo. É preciso ter mais prudência, que não significa ter medo, mas sim agir no momento certo e não deixar que os fatos se precipitem. O que estamos assistindo são autoridades públicas que assistem à violência que grassa na sociedade como um todo e agem como se nada estivesse mudando. Os fatos deverão ser enfrentados até outubro.