Eleições

Celso Rocha de Barros: Os bolsonaristas querem dar um golpe

Resta perguntar como chegamos ao ponto de essa proposta liderar as pesquisas

Bom, é isso, amigo. Se você quiser eleger Bolsonaro, aproveite, porque deve ser seu último voto. Depois da última semana, não há mais dúvida de que o plano dos bolsonaristas é dar um golpe. Golpe mesmo, golpe raiz, não esses golpes Nutella de hoje em dia.

Sejamos honestos, nunca houve motivo para suspeitar que Jair Bolsonaro fosse um democrata.
Nunca vi uma entrevista em que Bolsonaro prometesse reconhecer o resultado da eleição em caso de derrota. O que vi várias vezes foi discurso picareta sobre urnas eletrônicas.
Bolsonaro defendeu a ampliação do número de membros do Supremo Tribunal Federal, o que é a página 2 do manual do ditador. Chávez fez, a ditadura militar fez, todo ditador faz. Afinal, a Constituição é o que o Supremo disser que é: se você encher o Supremo de puxa-sacos, a Constituição passa a ser o que você quiser. Daí em diante, você é ditador.

Bolsonaro escolheu como companheiro de chapa Hamilton Mourão. Em entrevista recente à GloboNews, Mourão defendeu que o presidente da República (qualquer presidente? Um eventual presidente Boulos?) tem o direito de dar um "autogolpe" se perceber que há uma situação de anarquia.

Na verdade, ninguém tem mais condições de criar anarquia do que o próprio presidente da República. Por esse motivo, nenhum país sensato deixa que o presidente vire ditador se achar que há anarquia demais.

O mesmo Mourão agora defendeu que se faça uma nova Constituição sem essa frescura de envolver gente eleita pela população.

A Constituição seria feita por uma comissão de notáveis; "notável" é como ditador chama os próprios puxa-sacos.

Segundo o plano de Mourão, essa Constituição depois teria que ser aprovada por referendo. Nada contra referendos, mas, se você segue o noticiário sobre a Venezuela, já viu para onde isso vai. Quando fizerem o referendo, a oposição já vai ter sido atacada e enfraquecida, e a população vai votar com medo. É a página 3 do manual do ditador.

Enfim, é isso. Se você for a favor disso tudo, vote no Bolsonaro. Se não for, vote em outra pessoa.

Resta perguntar: como chegamos no ponto em que a proposta de matar a democracia lidera as pesquisas com cerca de um quarto das intenções de voto?

Nos últimos anos, a opinião pública brasileira ganhou muito poder. A Lava Jato mostrou à população que a corrupção era generalizada. As redes sociais tornaram possível expressar essa indignação com ferocidade.

O lado bom disso tudo é evidente. Políticos têm mesmo que viver meio assustados com a população.

O lado ruim é que não tem sido fácil governar o país, porque o momento exige que se faça muita coisa que é impopular.

O plano dos bolsonaristas é pegar a sua raiva contra tudo que está aí e apontá-la contra a democracia. Sem democracia, governar volta a ser fácil, porque o governo nunca mais vai ter que se importar com você ou sua rede social.

Esse truque está na página 1 do manual do ditador. E quando você não puder mais reclamar, não puder mais fazer impeachment, não puder mais xingar no Facebook ou fazer passeata, aí entra em cena Paulo Guedes com seu programa de ajuste muito mais radical do que o de qualquer outro candidato. E aí, pode ter certeza, você não vai ter dinheiro para comprar arma nenhuma, mesmo se as lojas já puderem vendê-las.

 

*Celso Rocha de Barros é servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).


Luiz Carlos Azedo: O grande déjà vu

 “As mudanças no mundo colocaram em xeque a democracia representativa e os programas socialdemocrata e liberal, o que alimenta projetos autoritário e/ou populista de volta ao passado”

A três semanas das eleições, começam a se definir as alternativas reais de poder à esquerda e à direita na disputa pela Presidência da República, num processo de polarização e radicalização política que parece irreversível. A única possibilidade de barrá-lo seria o reagrupamento dos eleitores de centro em torno de uma candidatura mais robusta, o que parece cada vez mais difícil, em razão do esgarçamento político provocado pela disputa acirrada entre os candidatos que disputam essa fatia do eleitorado.

Na pesquisa Datafolha divulgada na sexta-feira, estava delineado este cenário: mesmo fora da campanha, hospitalizado, Jair Bolsonaro (PSL) atingiu 26% das intenções de voto, uma variação positiva de dois pontos, fruto da inércia de sua atuação nas redes sociais e, obviamente, do atentado à faca do qual foi vítima; o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT), no vácuo do prestígio eleitoral do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está preso, cresceu mais três pontos, confirmando o êxito da audaciosa estratégia petista, chegando ao mesmo patamar de Ciro Gomes (PDT), ambos com 13% dos votos.

Além de Ciro Gomes, tentam chegar ao segundo turno Geraldo Alckmin (PSDB), que oscilou de 10% para 9%; e Marina, que caiu de 11% para 8%, ou seja, a metade das intenções de voto que tinha em agosto (16%). João Amoêdo (Novo), Henrique Meirelles (MDB) e Álvaro Dias (Podemos), todos com 3%, completam a fragmentação do eleitorado de centro. Esses candidatos somam 23% dos votos, ou seja, o suficiente para levar um nome de centro ao segundo turno. Se adicionarmos os 13% de Ciro, teríamos uma fatia de 36% dos eleitores que rejeitam Bolsonaro e Haddad, ou seja, um candidato a um passo da vitória, como aliás mostram as simulações, até com folga. O esgarçamento das relações políticas entre esses candidatos, porém, dificulta a convergência de seus eleitores em direção ao centro no primeiro turno; é mais fácil os eleitores se dividirem em dois blocos e embarcarem na nefasta radicalização esquerda versus direita, no segundo turno.

Bolsonaro e Haddad protagonizam um grande déjà vu (eu já vi), expressão francesa que descreve a reação psicológica da transmissão de ideias de que já se esteve em algum lugar ou viu alguma pessoa. Isso não significa necessariamente que se tenha vivido a experiência. Segundo a neurociência, o cérebro possui a memória imediata, responsável, por exemplo, pela capacidade de repetir imediatamente um número de telefone e logo esquecê-lo; a memória de curto prazo, que dura algumas horas ou dias, mas pode ser consolidada; e a memória de longo prazo, que dura meses ou até anos, como a aprendizagem de uma língua. O déjà vu ocorre quando há uma falha cerebral: os fatos que estão acontecendo são armazenados diretamente na memória de longo ou médio prazo, sem passar pela memória imediata, o que nos dá a sensação de já haverem ocorrido.

Memória regressiva
Na eleição, politicamente, essa sensação é alimentada pela narrativa dos candidatos Bolsonaro e Haddad. O primeiro resgata a memória do regime militar, que somente os eleitores com mais de 50 anos efetivamente vivenciaram. Declarações recentes do vice de Bolsonaro, general Hamilton Mourão, agravam essa sensação, porque ele defende um “autogolpe”, caso Bolsonaro assuma a Presidência e parece ter a fórmula pronta para isso: uma Constituição feita por notáveis, ou seja, outorgada, como as de 1824, de D. Pedro I; e a de 1937, do Estado Novo, da ditadura de Getúlio Vargas. Não vamos nem relembrar os atos institucionais do regime militar.

As declarações de Haddad também fomentam essa sensação, pois ele pretende fazer a roda da história andar para trás e recomeçar tudo outra vez, a partir do governo Lula, o que é no mínimo uma grande desonestidade intelectual. Promete altas taxas de crescimento e de geração de emprego, ao mesmo tempo em que pretende revogar o teto de gastos, a reforma trabalhista e não mexer na Previdência. Para isso, propõe varrer para debaixo do tapete os escândalos do “mensalão” e da Petrobras. E culpa o PSDB pelo fracasso do governo Dilma Rousseff, como se a disparada dos preços, o desemprego de 11 milhões de trabalhadores e a recessão de 4% de queda do Produto Interno Bruto não fossem responsabilidade de quem exercia o poder.

Da mesma forma, porém, as forças políticas de centro não podem responsabilizar Bolsonaro e Haddad pela situação em que se encontram, em particular o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, que até agora não demonstrou capacidade de representar a grande massa de eleitores que não desejam a radicalização política. Os escândalos desnudados pela Operação Lava-Jato atingiram também o PSDB, que se tornou uma legenda tóxica como o PT, mas sem a militância e um líder carismático como Lula. Além disso, há que se considerar o fato de que as mudanças em curso no mundo colocaram em xeque os fundamentos da democracia representativa e os programas socialdemocrata e liberal. Essa fragilidade programática, de certa forma, dificulta a ampla aliança de forças de centro e alimenta a sensação de volta ao passado, o déjà vu nacional-desenvolvimentista, autoritário e populista, proposto por Bolsonaro e Haddad.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-grande-deja-vu/


André Singer: Líderes em transição

Caberá a Haddad conduzir, por tempo indefinido, os rumos da nau lulista 

As consequências do ataque a faca sofrido por Jair Bolsonaro em Juiz de Fora (MG), às vésperas do Dia da Pátria, e a oficialização de Fernando Haddad na condição de postulante presidencial do PT, uma semana mais tarde, colocaram novos personagens no primeiro plano da política nacional.

A rápida utilização do atentado pelos bolsonaristas, com um vídeo dramático gravado no leito de UTI mineira pouco depois de o candidato ser submetido a extensa cirurgia, prenunciava uma onda eleitoral a favor da vítima. Transferido para o Hospital Albert Einstein, em São Paulo, cogitava-se até sua vitória em um turno só.

O Datafolha publicado nesta sexta (14), contudo, mostra um crescimento de 22% para 26%, insuficiente para vencer de imediato. O levantamento traz, por outro lado, a constatação de que 75% dos que preferem o candidato da extrema direita estão totalmente decididos a votar nele. Aparentemente, o sufrágio no antipetista cristalizou num patamar capaz de levá-lo à segunda rodada.

Ocorre que na última quarta (12) o capitão reformado teve que ser submetido a uma segunda operação em caráter de emergência. Apesar do sucesso da nova intervenção, no momento em que estas linhas são escritas o quadro descrito por médicos aponta ser improvável a liderança direitista retomar a campanha antes do decisivo 7 de outubro.

Os holofotes, então, voltaram-se, de imediato, para o seu vice, Hamilton Mourão. Enquanto Bolsonaro estiver afastado, o general da reserva passa a ter inédito protagonismo. Possuidor de ideias e estilo próprio, o ex-comandante militar do Sul fica na berlinda.

Do outro lado da cerca, Lula, depois de levar a espera ao limite, oficializou na última terça, 11 de setembro, data cheia de simbolismos, a candidatura de Fernando Haddad à Presidência da República.

Embora obscurecida pela tragédia que se abatera sobre o adversário, a cerimônia de transmissão de responsabilidades, realizada diante da Polícia Federal em Curitiba, onde o ex-presidente se encontra preso, permitiu entrever o peso depositado sobre os ombros do ex-prefeito paulistano.

Detido há cinco meses, Lula conseguiu manter vivo o fenômeno do lulismo: cerca de 40% do eleitorado, fortemente concentrado entre os mais pobres, gostaria de recolocá-lo no Palácio do Planalto.

Agora caberá a Haddad, que chegou rapidamente a 13% das preferências, conduzir, por tempo indefinido, os rumos da nau lulista. As decisões que vai tomar enquanto estiver no topo do edifício construído por Lula serão muito importantes para o Brasil.

O enredo da crise, com essa troca de atores no centro do palco, pode tomar giros bastante imprevisíveis.

*André Singer é professor de ciência política da USP, ex-secretário de Imprensa da Presidência (2003-2007). É autor de “O Lulismo em Crise”.


Paulo Celso Pereira: A direita raivosa contra um PT ressentido

A provável polarização entre Bolsonaro e Haddad a partir da próxima semana só deixará um caminho para Ciro Gomes (PDT) e Geraldo Alckmin (PSDB): a busca radical do voto útil

A tão falada polarização da eleição de 2014 poderá em breve ser vista como uma divergência de botequim se confirmado o cenário projetado pela pesquisa Datafolha divulgada ontem. Se mantido o crescimento vertiginoso de Fernando Haddad (PT), de um ponto percentual por dia, a tendência é que já na próxima semana ele figure isolado na segunda posição, se aproximando velozmente do patamar de Jair Bolsonaro (PSL). Assim, cresce significativamente a chance de a etapa final da disputa reunir o líder da direita raivosa e o representante de um PT profundamente ressentido.

Bolsonaro conseguiu manter sua trajetória ascendente, no limite da margem de erro, mesmo trancafiado no leito de um hospital. A melhor informação da pesquisa para ele, no entanto, é o fato de figurar numericamente à frente de Haddad no segundo turno —um empate técnico de 41% a 40%. Isso o ajuda a combater o discurso de que sua liderança é um passaporte garantido para a volta do PT.

A provável polarização entre Bolsonaro e Haddad a partir da próxima semana só deixará um caminho para Ciro Gomes (PDT) e Geraldo Alckmin (PSDB): a busca radical do voto útil. Ciro manteve os mesmos 13% da pesquisa divulgada na segunda-feira, mas vê seu campo de crescimento pela esquerda se reduzir, uma vez que Haddad avança rapidamente sobre o eleitorado lulista. O caminho que sobra, portanto, é o de se apresentar como o único de seu campo capaz garantir a derrota de Bolsonaro no segundo turno.

Alckmin, por outro lado, frustrou a expectativa criada com seu enorme tempo de TV e flutuou negativamente um ponto, dentro da margem de erro. O tucano não consegue conquistar votos nem na fortaleza bolsonarista —onde 75% dos eleitores dizem que não mudarão mais de posição —nem entre os eleitores dos outros candidatos de seu campo político. Ainda assim, não lhe resta alternativa a não ser apresentar-se como o único de seu viés ideológico com condições claras de derrotar o PT.

Se a pesquisa é péssima para Alckmin, é trágica para Marina Silva. A ex-senadora, que nas duas últimas eleições terminou em honroso terceiro lugar, já figura numericamente na quinta posição e, mesmo levando em conta a margem de erro, se descolou de Haddad e Ciro.

São muitos os sinais de esfacelamento de sua candidatura: Marina caiu três pontos em apenas quatro dias; sua rejeição, que só era menor que a de Bolsonaro, flutuou positivamente um ponto; e sua situação piorou em todos os cenários de segundo turno, sendo numericamente ultrapassada por Alckmin e vendo sua vantagem para Bolsonaro cair para quatro pontos.


Luiz Paulo Vellozo Lucas: O mercado, a política e a cidade

O colapso do projeto de poder lulopetista levou o Brasil para uma crise que se arrasta e se aprofunda em muitas dimensões desde a reeleição de Dilma Roussef em 2014. A necessidade de reformas estruturais no estado brasileiro é reconhecida por todas as forças democráticas que trabalham na politica contra o populismo. Todos sabemos que o abismo fiscal é apenas a ponta visível do iceberg.

Um brutal déficit de confiança institucional foi gradativamente tomando conta dos três poderes e das três esferas federativas. A violência do cotidiano urbano escalou e tornou-se pavor para as pessoas de todas as classes sociais, testemunhando a derrota do sistema de segurança publica. As corporações e grupos de interesse que colonizaram o estado brasileiro vivem em permanente disputa por espaços de poder e renda capturada da sociedade. A luta pelo poder foi ficando selvagem e sem princípios ao mesmo tempo em que as fragilidades éticas e contradições do sistema político e jurídico assim como seus principais personagens foram expostas sem pudor `a sociedade perplexa e indignada.

Reconstruir a confiança no voto e nos mandatos eletivos é uma tarefa complexa e sofisticada, comparável `a reconstrução da moeda depois da hiperinflação. Não se trata de aprofundar a faxina moral de expurgo dos corruptos da política afim de purifica-la. A Operação Lava a Jato faz bem ao Brasil e deve ser apoiada mas, definitivamente, não será através dela que vamos nos salvar da crise. Acreditar na faxina moral e na cruzada contra a corrupção como caminho principal é uma perigosa ilusão que nos tira esperança no futuro e desqualifica o esforço politico no rumo das reformas e por conseguinte no resgate da confiança perdida na democracia.

Precisamos buscar inspiração na ultima grande obra de edificação institucional empreendida pela democracia brasileira que foi o Plano Real. A construção de uma moeda confiável e de um sistema de preços livres e estáveis onde a subida ou queda de preços acontecem sempre em função de variações na oferta e na demanda, pareceu ser, por dez anos desde o fim do regime militar, uma tarefa impossível. Aprendemos errando que não seria com controle de preços, com a Polícia Federal caçando boi no pasto, prendendo gerentes de supermercado e criminalizando a atividade empresarial que o Brasil sairia da hiperinflação. Foi aprendendo a confiar no funcionamento dos mercados e aperfeiçoando continuamente sua regulação que saímos da hiperinflação, construímos uma moeda estável e chegamos ao ponto de possuirmos hoje uma economia monetária moderna, integrada a economia mundial sem ameaça de crise de balanço de pagamentos. Tudo isso foi conquistado com um “hardware” econômico precário em termos de infraestrutura e grandes ineficiências sistêmicas que ainda persistem e que compõem o chamado “custo Brasil”.

Sabemos hoje que a hiperinflação não era causada por comportamentos antiéticos tais como lucros abusivos, ganância ou especulação. O padrão moral das pessoas envolvidas nas atividades de produção e comercialização de bens e serviços tampouco era o culpado pela escalada inflacionaria e pelo descontrole da economia. O Brasil soube evitar o caminho populista de culpar supostos sabotadores, especuladores ou outros vilões, reais ou fictícios, das crises de abastecimento e descontrole inflacionário para empreender a exitosa construção de mercados saudáveis a partir do Plano Real.

O voto está para a política assim como a moeda está para a economia de mercado. Ambos são os “tijolos” do sistema. Reconstruir a credibilidade do voto e a confiança nos mandatos eletivos dependem de uma reforma estrutural do sistema político e partidário em nosso país. Penso que deveríamos adotar uma estratégia gradualista, “de baixo para cima”, a partir das cidades, começando pelas eleições municipais de 2020.

O novo sistema político deveria se basear num tripé: Voto distrital para vereador, candidaturas avulsas e financiamento eleitoral privado de pessoas físicas com limites controlados. Vereadores distritais nas cidades mudarão a logica da governança nas prefeituras enobrecendo o papel das Câmaras Municipais e dando capilaridade ao poder publico local. Candidaturas avulsas, registradas a partir de petições assinadas por um percentual mínimo de 1% dos eleitores do distrito atrairão lideranças genuínas da sociedade para a vida publica promovendo uma renovação da política pela base diluindo a força das máquinas partidárias e enfraquecendo o patrimonialismo. Financiamento privado da campanha, exclusivamente por pessoas físicas, reforça o voluntariado e a dimensão comunitária da politica local. A regulamentação eleitoral e o controle pela Justiça deveriam se concentrar na prevenção e na repressão ao empreguismo e `as relações de clientela com os governos locais.

A regulamentação das regiões metropolitanas e das estruturas de governança compartilhada multimunicipais são fundamentais no sentido de conferir protagonismo e resolutividade ao poder local. Se o governo e o Congresso eleito em 2018 forem capazes de reestruturar a politica e as estruturas de governo subnacionais com logica territorial , a reconquista da confiança será imediata e o reformismo se fortalecerá.

A agenda das reformas é extensa. A reforma politica deve prosseguir com o distrital misto nos estados e em nível nacional. Se houver força politica para reformar e fortalecer o poder local, já para as eleições de 2020, as repercussões no processo reformista mais geral serão extraordinárias.
Temos que começar pela cidade. Imediatamente !

* Luiz Paulo Vellozo Lucas é engenheiro de Produção e professor universitário. Ex-Prefeito de Vitória-ES. Candidato a Deputado Federal pelo PPS-ES.


João Domingos: O duelo

Petistas calculam que Haddad receberá até 80% dos votos que iriam para Lula

Há um bom tempo, antes mesmo de Lula ser preso, o PT chegou à conclusão de que o adversário mais vulnerável no segundo turno seria o deputado Jair Bolsonaro (PSL). Portanto, todas as ações do partido deveriam ser feitas de forma a desconstruir candidatos como Ciro Gomes (PDT), Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede), até que sobrassem apenas o PT e o candidato do PSL.

Só para se ter uma ideia de como os petistas trabalharam para que esse cenário ocorresse, reproduz-se a orientação de um estrategista da campanha do PT à militância do partido, feita há cerca de dois meses: “O ex-capitão Jair Bolsonaro é o candidato mais execrável, mas não o nosso inimigo principal. Há uma operação em curso para criar uma onda de ‘unidade nacional’ contra o neofascista, tentando viabilizar a recuperação de uma candidatura da centro-direita, do partido golpista. Nosso inimigo principal chama-se Geraldo Alckmin. O neofascista Jair Bolsonaro é o candidato que preferimos enfrentar em eventual segundo turno, até porque deixa as elites do Brasil sem máscara nem maquiagem.”

Àquela altura, havia na direção do PT a certeza de que Geraldo Alckmin conseguiria unir os partidos de centro em torno de sua candidatura, o que poderia torná-lo muito competitivo, a ponto de ultrapassar Bolsonaro. E um segundo turno entre o candidato petista e o tucano levaria, inevitavelmente, à vitória de Alckmin, que receberia os votos dos eleitores do capitão reformado e dos eleitores de centro que rejeitam o PT. Então, o melhor caminho seria derrubar Alckmin ainda no primeiro turno. Depois, esperar a chegada do capitão reformado.

Do lado de Jair Bolsonaro, a estratégia traçada foi a mesma. Não interessava a ele enfrentar Alckmin, Ciro ou Marina, porque quem sobrasse poderia receber os votos dos eleitores do PT no segundo turno. Nessas condições desfavoráveis, o favorito de Bolsonaro passou a ser o PT. Com a torcida para que os eleitores de Geraldo Alckmin, Henrique Meirelles (MDB), João Amoêdo (Novo) e Alvaro Dias (Podemos), que rejeitam o PT, votassem nele.

É possível que o confronto Bolsonaro x Fernando Haddad venha a ocorrer, embora não se possa assegurar que ocorrerá, porque nessa confusa eleição é impossível fazer qualquer tipo de previsão. Trata-se apenas de uma possibilidade. Ciro Gomes, Alckmin e Marina mostram-se competitivos e têm condições de crescer. Os petistas, no entanto, acreditam que terão chances até de ultrapassar Bolsonaro agora que Haddad iniciou a campanha. Pesquisas internas do PT apontam para a possibilidade de o candidato receber até 80% dos votos que iriam para Lula.

Nesse clima de confiança, eles acham que vão contar até com a ajuda do PSDB que, por questões ideológicas, não estaria disposto a ver Bolsonaro chegar ao poder. É preciso observar, porém, que mesmo que a cúpula do PSDB faça um acordo institucional com o PT, não há nenhuma garantia de que o eleitor tucano vá votar em Haddad. A rejeição entre tucanos e petistas é muito grande. E a antipatia mútua só tem se agravado. A divisão que se verificou na campanha de 2014 continua a mesma, senão pior. Também não há garantia de que o voto do eleitor do PSDB venha a ser direcionado para Bolsonaro.

No Brasil alguns partidos, como o PT e o PSL, podem até ter algum viés ideológico. Mas o grosso do eleitor não tem. À exceção de um porcentual pequeno, o eleitor vota em que lhe transmite a mensagem mais compreensível, que se aproxima de suas necessidades, ou, por exclusão, naquele que pode ser o oposto do que detesta e rejeita. Esse é o drama tanto de Haddad quanto de Bolsonaro, caso venham a duelar no segundo turno.


El País: Contra Bolsonaro ou PT, o voto útil promete definir os rumos para o segundo turno

Apesar do grande número de presidenciáveis, intensa polarização tende a dirigir escolha do eleitor. Segundo diretor do Datafolha, brasileiros têm acompanhado pesquisas com mais intensidade

 

eleições 2018 voto útil
Pesquisa Datafolha sobre a decisão de voto no primeiro turno. Divulgação Datafolha

O eleitor brasileiro tem 13 candidatos a presidente para escolher nas eleições deste ano, mas a dinâmica eleitoral tende a reduzir muito as opções na reta final do primeiro turno. Os polos representados na campanha pelo deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ) e pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, agora substituído por Fernando Haddad (PT), prometem dirigir as escolhas de parte da população para um voto útil, no qual o eleitor deixa de escolher seu candidato favorito para tentar evitar o que identifica como o pior resultado possível.

A escolha pelo candidato considerado menos pior deve começar a se configurar nas próximas pesquisas de intenção de voto, aposta o diretor do Datafolha, Mauro Paulino. "Como houve esse embolamento na disputa pela segunda colocação, acho muito possível que essa prática do voto útil aumente, seja maior do que em eleições anteriores e que os eleitores já comecem a pensar nisso bem antes do que de costume, antes da última semana [de eleição]", diz Paulino. O "embolamento" a que ele se refere é o empate técnico entre Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede), Alckmin e Haddad, identificado pelas últimas pesquisas de intenção de voto.

Na expectativa de se descolar desse grupo, Alckmin afirmou na última quarta-feira, durante uma agenda de campanha em Betim (MG), que “Ciro foi ministro do Lula, sempre apoiou o PT, até a Dilma", e seguiu: "O Meirelles se vangloria de ter sido ministro e presidente do Banco Central do PT, a Marina Silva foi 24 anos filiada ao PT e agora o Haddad... é inacreditável você lançar uma candidatura na porta da penitenciária”. Alckmin divide eleitorado com Henrique Meirelles (MDB), Alvaro Dias (Podemos) e João Amoêdo (Novo), todos com cerca de 3% de intenção de voto nas pesquisas.

A expectativa é de que o voto útil poderia atrair alguns desses eleitores para o tucano. Apenas 35% dos eleitores de Meirelles se dizem totalmente decididos a votar nele, segundo o Datafolha, enquanto 43% dos votantes de Dias estão definidos. No caso de Amoêdo, a convicção é de 53%. Para rebater a estratégia, o partido Novo, em particular, tem feito campanha contra o voto útil e críticas aos tucanos. “A prisão do ex-governador do Paraná Beto Richa, atual candidato ao Senado pelo PSDB, e o mandado de busca e apreensão na casa do governador do Mato Grosso do Sul, também do PSDB, vai deixando claro como PT e PSDB são da mesma política, da velha política", diz Amoêdo em vídeo divulgado por sua campanha no qual pede renovação.

Os eleitores de Amôedo — e de Alvaro Dias — também têm sido alvo da militância pró-Bolsonaro. Os apoiadores do capitão reformado do Exército gostariam de terminar a disputa no primeiro turno, um cenário que neste momento parece muito improvável, e tentam convencer nas redes sociais os eleitores desses adversários a direcionarem seus votos para o militar reformado. "Bolsonaro pode estar a um Amoedo ou a um Álvaro Dias de vencer no 1° turno", afirmou o filho dele, Flávio Bolsonaro, em seu Twitter. Pela última pesquisa Ibope, entretanto, o deputado do PSL teria 35% dos votos válidos.

Alckmin, por sua vez, segue mirando contra Bolsonaro, com quem compete pelos votos anti-PT. "Vejo que o Bolsonaro é um passaporte para voltar o PT. Isso é fato. É só olhar o segundo turno (...) Você vota em um e elege o outro. Então vamos trabalhar muito para chegar no segundo turno”, disse durante a passagem por Minas Gerais. O melhor cenário para o tucano seria chegar à reta final de campanha com intenções de voto o bastante para ser considerado viável, o que poderia lhe render votos antes direcionados a outros candidatos de direita. Por isso, o destaque dado pelo tucano ao segundo turno parece sua grande aposta para engrenar uma campanha que evolui num ritmo devagar demais para o candidato com mais tempo de exposição na televisão.

Segundo o diretor do Datafolha, diante dos números apontados pelas pesquisas, o eleitor já começa a pensar em seu plano B. "A pesquisa é a ferramenta ideal para perceber esse voto calculado. Elas têm ganhado mais repercussão e credibilidade a cada eleição. Os próprios eleitores estão prestando mais atenção", comenta. A CEO do Ibope Inteligência, Márcia Cavallari, destaca, contudo, que "não temos ainda nenhuma estimativa sobre qual é a proporção de eleitores que pretendem votar de uma forma mais estratégica". "Desde 1994, as eleições presidenciais sempre foram disputadas entre PT e PSDB, então não temos histórico de voto útil nas últimas seis eleições presidenciais. Temos observado que o eleitor decide o seu voto, cada vez mais tarde, nos últimos dias que antecedem as eleições, vamos acompanhar esse processo decisório e avaliar se há alguma movimentação no sentido do voto útil", diz.

Esquerda

Pela esquerda do espectro político, Haddad tenta se colocar no segundo turno, se contrapondo a Ciro Gomes, ex-ministro de Lula que fez sua vida política no Nordeste, o que já o coloca em vantagem na região, que é o segundo maior colégio eleitoral do país.

A vantagem de Haddad é conseguir assegurar uma parte do estoque de votos de Lula que lhe parece reservada — o ex-prefeito de São Paulo, que hoje aparece com algo em torno de 8% nas pesquisas, teria espaço para crescer a pelo menos 15%, afirmam analistas. Já a vantagem de Ciro, segundo Paulino, é que ele tem demonstrado mais indignação, algo que chama a atenção do eleitor no momento. Os eleitores de esquerda também podem se reunir, nas últimas semanas do primeiro turno, em torno da candidatura que estiver somando mais votos, com a expectativa de conseguir colocar um candidato de seu campo ideológico para enfrentar Bolsonaro em um segundo turno. Por isso, Ciro busca se consolidar como candidato da esquerda não-radical, para atrair, além dos votos progressistas desiludidos com o PT, os votos mais ao centro, desiludidos com o PSDB, mas que jamais votariam em um candidato mais radical, como o militar reformado.

Apesar das expectativas em relação ao voto estratégico, o especialista em marketing eleitoral Victor Trujillo alerta para o risco de "superestimar o discernimento do eleitor em relação a esses campos políticos de centro, esquerda, direita". Segundo ele, ainda é cedo para falar em voto útil. "O eleitor vai mudar de opinião até o dia das eleições, mesmo aqueles que dizem que não vão mudar de opinião", diz o professor da ESPM. Trujillo também chama atenção para o voto pragmático do eleitorado. Em especial o das mulheres mais pobres, que dependem mais dos serviços públicos e votam naqueles candidatos que mais conseguem convencê-las de que a situação melhorará.


Bolívar Lamounier: A reforma que foi sem nunca ter sido

Se for reanimada, temos de partir de disfunções patentes e imediatas no sistema político

Em 1985, antes mesmo de concluída a transição do regime militar para o civil, a reforma política já ganhava corpo no debate público. Depois tivemos a Constituinte, o plebiscito sobre sistema de governo e alguns esforços isolados, mas o saldo, convenhamos, é modesto.

Ninguém ignora que reformas políticas são sempre dificílimas. Trata-se de pedir aos próprios deputados e senadores que alterem o sistema pelo qual se elegem e que conhecem bem. Todos têm como avaliar se determinada alteração vai beneficiá-los ou prejudicá-los e é em função desse cálculo que tomam posição. Nenhum deles se deixa seduzir pelos encantos do haraquiri. Mas devemos também reconhecer que ao longo destas três décadas o encaminhamento da questão e as propostas específicas geralmente deixaram a desejar.

Doravante, se formos reanimar o corpo moribundo da reforma, precisamos ter o bom senso de partir de disfunções patentes e imediatas no sistema político. Caso contrário, limitemo-nos a proclamar, como é praxe, que o edifício democrático tem como base a soberania popular, mas nosso povo, que pena, não tem condições de exercer a soberania que teoricamente lhe imputamos. E fechemos o discurso afirmando, como diria o saudoso Dias Gomes, que a reforma foi sem nunca ter sido.

As disfunções “patentes e imediatas” a que fiz referência estão aí, bem à vista de todos. Sem um ordenamento minimamente racional da campanha, não é razoável esperar que o corpo eleitoral vote com um grau razoável de racionalidade. E já aqui nos deparemos com três graves problemas. Primeiro, um quadro partidário reduzido praticamente à irrelevância, estraçalhado pela crise econômica, pela insegurança decorrente da criminalidade e pelos sucessivos escândalos de corrupção. Segundo, Jair Bolsonaro, o candidato que desponta como provável vencedor, que aqui tomo como exemplo, é muito mais um reflexo da insegurança reinante do que o agente político que a colocou no topo das prioridades. A força eleitoral que parece ter decorre muito mais de ter catalisado o medo que permeia a sociedade do que das modestas propostas que tem oferecido para combater o crime.

Um aspecto ainda mais importante do fenômeno Bolsonaro é o completo descasamento entre o tempo político efetivo e o horizonte de tempo que uma pessoa realista haverá de avaliar como necessário para o controle da violência. O tempo político efetivo é o quatriênio presidencial. No plano da campanha, o que importa é saber quem presidirá o País no quatriênio 2019-2022. Ora, ninguém em sã consciência imaginará que o nosso nível altíssimo (e crescente) de violência possa ser reduzido nesse horizonte de tempo. O mesmo pode ser dito da corrupção sistêmica, não obstante o começo mais efetivo do combate que se lhe vem dando. Ou seja, a disputa pautada pelo bolsonarismo está assentada sobre a fantasia de um avanço decisivo no combate à criminalidade violenta, expectativa descabida em se tratando de um mandato presidencial e num país ainda encalhado nas condições econômicas legadas pelo governo da sra. Dilma Rousseff.

O que, sim, cabe, e é imperativo, todos sabemos. É restaurar a confiança dos agentes econômicos no governo e no País e, com paciência e realismo, começar a repor a economia nos trilhos. É certo que Bolsonaro conta com a ajuda de um economista respeitado, o sr. Paulo Guedes, mas acreditar que biografias tão rigorosamente antitéticas irão harmonizar-se no dia a dia do governo é um ato de fé.

Subjacente às incongruências acima delineadas há uma disfunção grave: o famigerado horário eleitoral gratuito. Originária da longínqua eleição legislativa de 1974, essa aberração é a quadratura do círculo: uma tentativa de enquadrar os candentes problemas que afligem o País numa moldura política circense. É um fator importante na redução dos partidos a agremiações meramente cartoriais e para a desmoralização da política de modo geral.

Se a reforma política voltar à pauta, eu me atreveria a oferecer duas soluções simples. Primeiro, separar a eleição executiva (presidente e governadores) da legislativa (senadores e deputados federais e estaduais), ficando estas para um ou dois meses depois, como na França. Enxugando, assim, a eleição executiva, seria simples estabelecer um procedimento sério para o debate entre os candidatos, realizando-se um debate por dia, com a duração de, digamos, duas horas. O Tribunal Superior Eleitoral procederia ao sorteio do primeiro candidato, aquele que daria início à discussão, escolhendo o adversário de sua preferência; estes dois ficariam excluídos dos sorteios sucessivos, para que todos ficassem contemplados. Durante uma semana, num auditório apropriado, teríamos, então, o enfrentamento de dois e apenas dois candidatos, com o tempo necessário à adequada elucidação das semelhanças e diferenças entre suas propostas. O processo se repetiria na semana seguinte, com os candidatos a governador, dentro do mesmo formato.

Racionalizados os confrontos da campanha, e com base em estudos técnicos apropriados, a legislatura poderia debruçar-se sobre o magno problema do sistema de governo: vamos manter o aberrante “presidencialismo de coalizão” ou vamos discutir a sério a opção parlamentarista? As outras questões que têm sido debatidas – a do sistema eleitoral (a escolha entre o proporcional atual, o distrital puro ou o distrital misto), mas também meios para evitar a proliferação desordenada de partidos, o financiamento das campanhas, etc. – deveriam ser analisadas após as duas cruciais decisões a que me referi: a reorganização da campanha eleitoral e a opção entre os dois sistemas de governo.

*Bolivar Lamounier é sócio-diretor da Augurium Consultoria, é membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências e diretor do Ciclo de Estudos de Política, Economia e História


O Estado de S. Paulo: Polarização de extremos será rejeitada pelo eleitor, diz sociólogo

O professor José de Souza Martins acha que candidatos indicam que “o mesmo de sempre prevalecerá”, mas o eleitor rejeitará polarização entre extremistas

José Nêumanne, de O Estado de S. Paulo

“A enorme competência teatral de Lula acobertou a incompetência política do partido para se sobrepor a interesses que contrariavam sua ideologia e seus compromissos com as bases populares”, disse o sociólogo José de Souza Martins, protagonista da série Nêumanne Entrevista da semana. Para ele, “o PT se empenhou em dividir o Brasil até o ponto extremo de dividir famílias, destruir amizades, inviabilizar harmonias, até mesmo distanciar pais e filhos. No Brasil do PT, hoje, só existe lugar para quem subscreve tanto a ideologia quanto os atos do PT e do petismo”. Por outro lado, o ex-docente da USP que lecionou em Cambridge, Universidade da Flórida e Lisboa, constatou que “não houve um gesto do governo Temer que de fato se orientasse para a prática da justiça social, a começar do enquadramento, no mesmo rigor que vitimou quem trabalha, dos privilegiados dos três Poderes”. E previu que, com a rejeição aos extremistas nas urnas, haverá “uma reproposição do centro-esquerda como eixo do processo político brasileiro”.

José de Souza Martins é doutor em Sociologia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, de que foi docente e professor titular. Foi professor visitante da Universidade da Flórida (EUA) e da Universidade de Lisboa. Em 1992 foi eleito professor da Cátedra Simón Bolívar da Universidade de Cambridge (Inglaterra) para o ano acadêmico de 1993-1994 e fellow do Trinity Hall. Membro da Junta de Curadores do Fundo Voluntário da ONU contra as Formas Contemporâneas de Escravidão (Genebra, 1996-2007). Coordenador pro bono da Comissão Especial da Secretaria de Direitos Humanos do Ministério da Justiça, em 2002, que elaborou o Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo. Membro da Academia Paulista de Letras. Entre outros livros, é autor de A Política do Brasil Lúmpen e Místico (Contexto) e de Do PT das Lutas Sociais ao PT do Poder (Contexto). É colaborador semanal do suplemento Eu & Fim de Semana, do jornal Valor Econômico.

Nêumanne entrevista José de Souza Martins

Nêumanne – No começo do século 21, durante o primeiro governo Lula, o Brasil vivia um tempo de bonança e paz, com pleno emprego, políticas sociais a todo vapor, reservas internacionais bombando e inflação sob controle. Tudo parecia ir às mil maravilhas. Mas, no fundo do cenário, o ovo da serpente – um escândalo de corrupção inédito na História, mais tarde revelado nos casos mensalão e petrolão – ameaçava essa calmaria. Até que ponto a rapina generalizada foi responsável pela crise ética, financeira, econômica, política e social que reverteu tudo do melhor para o pior dos mundos?

José de Souza Martins – O “melhor dos mundos” estava sendo minado pela crise econômica internacional. Não obstante, o governo Lula beneficiou-se do legado do governo de FHC. Não concretizou grandes avanços sociais nem protagonizou reformas sociais e políticas inovadoras. Conseguiu manter sob tênue controle as adversidades econômicas da população mais pobre. A superficialidade de suas medidas revelou-se no súbito declínio das condições de vida dos que teriam sido, e não foram, elevados à condição de uma nova classe média. Além disso, a corrupção que se seguiu mostrou que esse governo só conseguiu sobreviver consorciando-se com o que havia de pior na política brasileira, na da troca de favores. O governo Lula, no entanto, conseguiu evitar que chegassem à superfície os graves problemas sociais que se precipitaram no governo Dilma e no governo Temer.

N – Em 2013, a insatisfação da grande maioria da população levou o povo às ruas num movimento de revolta popular que, pelo menos à época, parecia ser inédito na História do Brasil. No entanto, nada de que o povo se queixou nas ruas foi modificado em profundidade e, no fim, o poste escolhido por Lula e pelo PMDB de Temer, Dilma Rousseff, ganhou a eleição mais fraudada da História e que ainda receberia o aval da Justiça Eleitoral. Por que aconteceu isso tudo dessa forma, em sua opinião, professor?

J – Vejo a situação daquele momento de um modo diferente. A grande maioria da população não foi à rua. Aquela parte que foi à rua o foi dividida e polarizada. A única diferença em relação a momentos anteriores da história do petismo foi a de que cresceu significativamente o número de brasileiros dispostos a manifestar descontentamento com o governo e com o petismo. A população começou a distinguir o petismo de um lado e Lula de outro.

Embora Temer tivesse sido eleito na mesma chapa de Dilma, ao chegar ao poder não foi fiel ao programa subscrito pelos dois em nome do acordo político do PT com o PMDB. Promoveu uma ruptura do acordo. A população que foi à rua contra Dilma e o PT não o foi para se manifestar a favor de Temer e muito menos de uma ruptura com o PT por meio de Temer. Neste ano, os dados indicam uma rejeição quase absoluta de Temer, ao mesmo tempo que indicam uma opção eleitoral tão acentuada por Lula que não há como não entender que as manifestações de 2013 foram contra o governo Dilma, contra o fato de ele ter abandonado itens referenciais das lutas subscritos por seu partido.

As manifestações de rua foram muito mais para contestar a incompetência política de Dilma, que, por sua vez, fez acordos políticos que os apoiadores do partido nunca aceitariam, como o apoio ao agronegócio, a interrupção da reforma agrária e o abandono da política indigenista. O crescimento do desemprego e o agravamento dos problemas sociais solaparam bases importantes do apoio ao petismo.

N – O impeachment de Fernando Collor de Mello não abalou a democracia, apesar de ter deposto logo o primeiro presidente eleito pelo voto direto desde 1960. A seu ver, o mesmo processo de descontinuidade que interrompeu o segundo mandato de Dilma Rousseff na metade – depois daquele círculo virtuoso que foi o tema da primeira pergunta que lhe fiz – deu início a este mar de tormentas em que o País parece naufragar agora?

J – A crise que vem até nós começou mais cedo, com o mensalão. O PT e o governo Lula foram engolidos pela política de coalizão, perderam as referências de partido da ética, a grande bandeira do petismo e do próprio Lula, e entraram no regime da troca de favores e da opção do poder pelo poder. Lula até mesmo temeu não ser reeleito em 2006. E só o foi devido ao apoio dos grupos de Igreja e à lealdade das bases no Brasil remoto e na periferia. As descobertas do mensalão e da Lava Jato mostraram conexões do PT com o que havia de pior na política brasileira, as oligarquias e a troca de favores. As mesmas práticas que levaram ao impedimento de Collor já indicavam os fatores persistentes do que se poderia chamar de crise da Nova República, como a batizou Tancredo Neves. Ela culmina com o impedimento de Dilma. Com Lula e Dilma o PT mostrou que não tinha condições de se insurgir, em nome de uma opção propriamente social, contra os vícios do sistema político brasileiro. A enorme competência teatral de Lula acobertou a incompetência política do partido para se sobrepor a interesses que contrariavam sua ideologia e seus compromissos com as bases populares. Por outro lado, há a distância enorme de uma geração inteira entre a eleição de Lula, em 2002, e os movimentos de rua de 2013. O abismo de gerações vitimou o PT, que não conseguiu manter erguida a bandeira da justiça social, acima das desigualdades crescentes.

N – Depois do impeachment de Dilma Rousseff, eclodiu a situação crítica que levou à amargura do desemprego, afligindo 13 milhões de lares brasileiros, e, acima de tudo, da desilusão, que, segundo o IBGE, agora tortura 24 milhões de nossos trabalhadores. Até que ponto, a seu ver, esse fel envenena as relações sociais entre patrícios, criando a luta fratricida que se tornaram a política, as relações sociais e até familiares, nas batalhas retóricas das redes sociais e das tribunas públicas?

J – O desemprego já vinha crescendo. As opções de política econômica do PT, surpreendentemente, não conseguiram se orientar por valores social-democráticos, nosso máximo de opção política socialmente transformadora, associando desenvolvimento econômico e desenvolvimento social. Ao mesmo tempo, o PT e Lula, em particular, empenharam-se em encontrar no PSDB um bode expiatório na fakenews do que chamaram de herança maldita. O PT se apresentou como vítima da crise que, na verdade, ele próprio protagonizara. Com isso recusou-se a, ou não se revelou capaz de, abrir uma frente de salvação nacional, uma coalizão verdadeira, que levasse a um pacto capaz de assegurar a unidade nacional. O PT se empenhou em dividir o Brasil até o ponto extremo de dividir famílias, destruir amizades, inviabilizar harmonias, até mesmo distanciar pais e filhos. No Brasil do PT, hoje, só existe lugar para quem subscreve tanto a ideologia quanto os atos do PT e do petismo.

N – Vivemos hoje sob a égide do vice eleito na chapa de Dilma, Michel Temer, que se tornaria, depois do impeachment da titular, o mais impopular presidente de nossa História. Suas tentativas de equilibrar as contas públicas goraram no debate parlamentar e a falta de perspectivas da quase totalidade da população desassistida do Brasil dificulta a busca de saídas viáveis tanto na economia quanto na política. No que falharam, a seu ver, os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário na criação desse nó górdio?

J – Falharam completamente quando decidiram impor uma reforma econômica e trabalhista que pune a vítima, aquele que trabalha e carrega nas costas a economia do País. Não houve um gesto do governo Temer que de fato se orientasse para a prática da justiça social, a começar do enquadramento, no mesmo rigor que vitimou quem trabalha, dos privilegiados dos três Poderes.

N – A chamada Ação Penal 470 no Supremo Tribunal Federal transmitiu à população a sensação de que, enfim, os “donos do poder”, definidos por Raymundo Faoro, estavam sendo punidos. A Operação Lava Jato trouxe a lume a ação da polícia, dos procuradores e dos juízes federais de primeira instância, que, ao apenar empreiteiros, entre os quais o maior de todos, Marcelo Odebrecht, e figurões da política, entre eles o mais popular, Lula, pôs fim à trágica constatação de que só pretos, pobres e prostitutas conheciam a realidade de nosso inferno prisional. Confirmado na segunda instância, esse combate à corrupção na política e na administração pública parece minguar na cúpula do Judiciário e pelo poder dos dirigentes partidários em geral. O senhor acha que ainda é possível que o resultado da eleição pelo menos mine essa sabotagem dos poderosos e privilegiados ou teremos de esperar a próxima eleição ou a próxima geração?

J – O número de vítimas da ordem econômica iníqua e mal administrada é extenso, não tem cor nem condição social. Os movimentos de rua de 2013 foram movimentos da classe média, a mais ameaçada pelo petismo e mais indignada com os problemas sociais que se espalharam por todo o País, independentemente de classes sociais. O fato de que não tenha sido feita uma verdadeira reforma política deixou o povo brasileiro sem canais de mediação representativos para expressar nestas eleições não só descontentamento, mas, sobretudo, vontade de mudança política em direção a outra orientação doutrinária, diversa das que têm prevalecido. O quadro das candidaturas ao Legislativo e aos governos de Estado indicam que o mesmo de sempre prevalecerá. E que o novo governo não terá nem meios nem vontade de propor uma grande e radical reforma de nossa representação política defeituosa, injusta e conservadora.

N – Na condição de intelectual e, sobretudo, como acadêmico respeitado, como o senhor reagiu à notícia de que toda a memória histórica e cultural e todo o conhecimento científico amealhados em 200 anos de existência do Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, arderam? A quem o senhor atribui maior responsabilidade por aquela catástrofe anunciada?

J – Visitei o Museu Nacional pela primeira vez em 1955, quando me iniciava como pesquisador autodidata. Ví, com emoção, as coleções etnográficas e o meteorito do Bendengó, que só conhecia de fotografias em livros. E lá voltei muitos anos depois, já professor da USP, para fazer um seminário sobre meu livro O Cativeiro da Terra. A mesma emoção que tivera quando visitei pela primeira vez, em 1947, ainda criança, o Museu do Ipiranga, uma visita que me pôs diante das possibilidades da vida intelectual.

O que aconteceu no Rio apenas confirma o que nos meios intelectuais há muito se desconfiava, o risco de desastres nos edifícios que abrigam instituições culturais, por imprópria ou nenhuma manutenção. O Estado brasileiro nunca teve grande respeito por essas instituições e os governantes nunca entenderam corretamente a função cultural e social dos museus. Nem a importância da memória social de que são abrigo em sua função de referência de nossa concepção de pátria e de nossa identidade como povo e nação. No geral, nossos políticos têm mais apreço pelas caríssimas quinquilharias de seus privilégios do que pelos signos de referência da representação política que nos usurparam. A responsabilidade é do governo, mas é também de todos nós. Se excluíssemos das nossas opções eleitorais aqueles que não são animados pela consciência de pátria e pelo respeito à memória da pátria, diminuiríamos riscos como esses.

N – O que de positivo, na sua opinião, se poderá extrair de eleições gerais cujos principais expoentes são Lula, condenado, preso e, por isso, inelegível, e Bolsonaro, ocupante de um leito de unidade de terapia intensiva, vitimado por um ataque desferido pela intolerância com trágicas consequências para o Estado de Direito?

J – No meu modo de ver, nem Lula prisioneiro, em cumprimento de sentença por crime comum, nem Bolsonaro, ferido injustamente e hospitalizado, são referências apropriadas para avaliação das eleições presidenciais deste ano. Não é a condição de cada um que define o cenário da eleição. A prisão de Lula não lhe tolheu a influência eleitoral. A hospitalização de Bolsonaro não encolheu a eficácia de sua candidatura. Lula influenciará os resultados da eleição por meio das contradições e dos legados de sua biografia política. Muita gente votará pensando em Lula ou porque o quer influente, ou porque rejeita sua influência. Bolsonaro, de biografia bem mais pobre que a de Lula, carrega muito mais contradições do que o ex-presidente da República. Nem por isso representa o fracasso do momento político. Sua liderança nas pesquisas de opções eleitorais é muito indicativa de que os brasileiros estão à procura de um candidato diferente em relação a nomes consagrados. Há certo cansaço político que se reflete nas escolhas desse nome.

De positivo, nestas eleições, parece-me que será a recusa da polarização dos extremos ideológicos e políticos. Nesse sentido, uma reproposição do centro-esquerda como eixo do processo político brasileiro.

N – O que o senhor espera das investigações policiais e judiciais dos três atentados históricos deste ano: a execução de Marielle Franco e Anderson Gomes no Estácio, o tiro contra o ônibus da caravana de Lula numa estrada do Paraná e a facada desferida no candidato do PSL à Presidência da República, Jair Bolsonaro, em Juiz de Fora? Será que polícia, Ministério Público e Justiça realmente desvendarão a verdade sem máscaras nem fantasias e, assim, produzirão o efeito benéfico necessário no clima político nacional?

J – Em princípio, deve-se esperar que a justiça será feita. Não posso julgar a Justiça, em casos como esses, se o rito judicial ainda não se consumou.

N – Até que ponto chegamos agora, a seu ver, ao fundo do poço e, ao mesmo tempo, ao local exato da inflexão, que seja capaz de interromper o círculo vicioso e permitir a reconstrução da estrada institucional que nos leve de volta ao clima de bonança e aparente fartura de 15 anos atrás?

J – Não sei se já chegamos ao fundo do poço. Sem dúvida, o momento é crítico. A crise certamente ainda terá desdobramentos no próximo governo. O maior indício nesse sentido é o de que nenhum dos candidatos com mais probabilidade de chegar ao poder, nem os respectivos partidos, tem um projeto político para o Brasil nem tem programas de superação de nossas contradições e nossos impasses. Estão dominados por teses de reiteração do que já é conhecido e até mesmo de retorno a momentos da história política brasileira que tiveram avanços, mas também contradições e recuos.


Bruno Boghossian: Vice de Bolsonaro, general Mourão sugere atropelar regras do jogo

Ao propor Constituição sem Constituinte, militar despreza princípio democrático

Parece que o general Hamilton Mourão não é muito fã da democracia. Dias depois de afirmar que as Forças Armadas deveriam intervir no país em casos extremos, o candidato a vice de Jair Bolsonaro agora sugere atropelar as regras do jogo para mudar a Constituição.

“Fazemos um conselho de notáveis e, depois, submetemos a plebiscito. Uma Constituição não precisa ser feita por eleitos pelo povo”, disse o militar da reserva, nesta quinta (13).

A carreira militar proporcionou a Mourão uma formação política, mas ele prefere ignorar alguns princípios básicos. Ele fala como se governantes iluminados pudessem desprezar o poder constituinte para rasgar e refazer as principais normas do país.

Nem Hugo Chávez pegou tantos atalhos. Em 2009, ele submeteu uma reforma da Constituição à Assembleia Nacional, controlada por seus aliados. Depois, fez um referendo para validar as mudanças. Acabou com limites de mandato e abriu caminho para a reeleição irrestrita. Seu grupo está no poder há quase 20 anos.

A ideia de Mourão é mais atrevida porque elimina o crivo de outros poderes. Os políticos estão em baixa, mas ao menos são escolhidos por uma sociedade plural. Os tais “notáveis” de Mourão seriam nomeados por um governo e, portanto, trabalhariam sob encomenda.

O plebiscito citado pelo general não dá mais legitimidade ao projeto. Só reveste de demagogia a vontade de queimar etapas. O PT também tenta encurtar caminhos ao propor que presidentes possam convocar consultas populares. Hoje, só o Congresso tem essa competência.

Mourão diz que a sugestão é sua, não de Bolsonaro. O vice assumiu protagonismo na campanha desde o atentado sofrido pelo titular —incomodando até a família do candidato.

O general já afirmou que o AI-5, que cassou centenas de políticos, “nem foi tão usado” e que um presidente pode convocar as Forças Armadas e dar um “autogolpe” em situação de “anarquia”. Se Bolsonaro for eleito, Mourão dormirá com a corneta sob o travesseiro no Palácio do Jaburu?


El País: Com Bolsonaro ainda mais limitado, bate-cabeça se aprofunda em sua campanha

Sem poder se comunicar de forma adequada no hospital, candidato pode ter sua força questionada. Nos bastidores, organizadores se atrapalham sobre os rumos a seguir

Por Beatriz Jucá e Gil Alessi, do El País

A cirurgia de emergência do candidato Jair Bolsonaro (PSL) na noite desta quarta-feira (12), após a detecção de uma aderência obstruindo o intestino delgado, impõe novos desafios para sua campanha ao Palácio do Planalto. A estratégia de gravar vídeos diários para as redes sociais, prevista para começar esta semana, foi adiada em função do grave estado de saúde do presidenciável, que voltou para a Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Albert Einstein, onde se recupera “sem intercorrências” e com visitas restritas a familiares para reduzir o risco de infecção. Sem prognóstico de alta do candidato nem mesmo da UTI, alguns correligionários já admitem que ele não retomará a campanha ou participará de debates até o primeiro turno, no dia 7 de outubro, o que abre espaço para que políticos de seu círculo íntimo comecem a se movimentar —e entrar em atrito.

O presidente do PSL paulista, Major Olímpio, tratou de colocar panos quentes no assunto, e negou que haja mal-estar entre o vice e os líderes do PSL após o pedido feito ao TSE. “Nós não demos muita importância a esse tipo de coisa. A intenção foi 100% positiva, pra quem conhece o general Mourão”, afirmou nesta quinta-feira ao visitar Bolsonaro no hospital Albert Einstein. Segundo Olímpio, é positivo ter o candidato a vice nos debates para falar das propostas do militar reformado e defendê-lo de possíveis "ataques" dos demais presidenciáveis. “Agora isso não depende de nós. Depende do TSE”.

Segundo Olímpio, o PSL está tentando unir as agendas dos líderes partidários com a dos filhos de Bolsonaro e do general Mourão para tentar passar uma imagem de coesão dentro da chapa, que lidera as intenções de voto até o momento. Nos próximos dias estão marcados atos de campanha em Assis, Marília, Ourinhos, Santa Cruz do Rio Pardo, Bauru e Itupeva, no interior do Estado de São Paulo. “Quanto mais eu puder ter o general Mourão em São Paulo, mais isso fortalece o Jair Bolsonaro”, afirma, fazendo a ressalva de que o general “tem um perfil diferente, não é homem de estar nas massas”. Para Olímpio, os 33 milhões de eleitores paulistas podem ajudar a definir a eleição "no primeiro turno". Para o partido isso seria importante, tendo em vista que até o momento nas simulações de segundo turno da mais recente pesquisa, o Datafolha, o máximo que o capitão obtém é um empate com o petista Fernando Haddad (PT).

Apesar do esforço de Olímpio para amarrar um agenda conjunta, o general parece ter outros planos. "Já estou no Paraná desde terça-feira, e nos próximo dias irei até o Rio de Janeiro e Manaus", afirmou Mourão em conversa por telefone com o EL PAÍS. "O Brasil é enorme, temos que nos mover", disse. O candidato a vice negou que tenha agido de forma desleal com o partido de Bolsonaro ao propor sua participação nos debates: "Eu apenas estou fazendo minha parte como segundo na campanha. Não posso substituí-lo, ele é insubstituível. Apenas o que posso fazer é aumentar a minha circulação pelo país para difundir nossas ideias".

Outra peça importante no xadrez da campanha bolsonarista é o candidato ao Senado Flávio Bolsonaro (PSL), filho do presidenciável, um dos coordenadores da ponta fluminense da campanha. Ele também nega qualquer mal-estar entre seu partido e Mourão. "O general é um cara 100% fechado com a gente, confiamos plenamente nele, e ele mostra que está disposto a ajudar onde for necessário", afirma. No entanto, Flávio diz que a participação do vice ou de qualquer um dos filhos do capitão em eventos ou agendas da chapa depende da decisão do candidato à presidência. "A participação dele depende da anuência do Jair, é dele a decisão final. Se ele entender que o Mourão tem que ir [aos debates], ele é super qualificado, não será uma peça decorativa", explica. "Somos todos soldados do capitão, a palavra final é sempre dele". Seja como for, Bolsonaro foi aconselhado pela equipe do Einstein a falar o menos possível para evitar qualquer complicação extra na recuperação. "Quando ele estiver em condições de tomar decisões, irá tomá-las", disse Flávio.

Do leito do hospital, o próprio Bolsonaro usou o Twitter para tentar conter os rumores de bate-cabeça. "Muita coisa vem sendo falada na tentativa de nos dividir e consequentemente nos enfraquecer. Não caiam nessa! Desde o início sabíamos que a caminhada não seria fácil, por isso formamos um time sólido e preparado para a missão de mudar o Brasil! Não há divisão!", escreveu.

"Forte como um cavalo"

Hospitalizado há sete dias, desde que levou uma facada no abdômen durante ato em Juiz de Fora (MG), Bolsonaro não deve voltar tão cedo para a campanha. E as perspectivas de retorno são ainda piores desde esta quarta-feira. O professor de cirurgia intestinal do Hospital das Clínicas, Carlos Sobrado, explica que uma complicação tida pelo capitão da reserva é comum neste tipo de trauma, mas é grave. “Nessas condições, o pós-operatório é complicado. O candidato tem mais de 60 anos, já passou por duas cirurgias em pouco tempo e está há uma semana sem se alimentar. Com certeza vai passar outra semana em jejum para depois retomar a dieta de forma muito gradativa”, analisa. Segundo ele, se o presidenciável evoluir positivamente, deverá receber alta em dez ou doze dias. “Acredito que no dia 7 [de outubro, quando acontece o primeiro turno] ele já estará em casa, mas não vai voltar a fazer campanha. Talvez para um segundo turno, se ele passar, ele tenha condições de participar de alguma atividade, mas com muito cuidado e restrição”, afirma.

Muita coisa vem sendo falada na tentativa de nos dividir e consequentemente nos enfraquecer. Não caiam nessa! Desde o início sabíamos que a caminhada não seria fácil, por isso formamos um time sólido e preparado para a missão de mudar o Brasil! Não há divisão!

O contraste entre o capitão da reserva que construiu sua carreira política alicerçada em um discurso conservador —e viril— e o candidato acamado com saúde fragilizada desempenha um duplo papel na campanha. "O drama pessoal humaniza o Bolsonaro, sempre há lugar no imaginário coletivo para os heróis feridos, que enfrentam situações adversas", explica o cientista político Antônio Lavareda, da Universidade Federal do Pernambuco. "Mas suponha que isso se estenda até o segundo turno, que ele continue fora da campanha caso avance para a reta final do pleito: aí é impossível prever o efeito que a ausência e fragilidade da saúde de Bolsonaro terão na cabeça das pessoas", diz. Para o professor, até o momento o fato de que o candidato não poderá ir a debates e sabatinas é positivo para ele, que não terá que se expor. "Mas enquanto ele fica no hospital outros personagens de seu círculo próximo ganham protagonismo, e eventualmente entram em conflito. Isso tudo deixa a opinião publica desconcertada, sem saber exatamente qual o estado de saúde do capitão", afirma, lembrando também o "trauma coletivo" que foi a morte do então presidente Tancredo Neves em 1985, que foi eleito, mas morreu antes de ser empossado, dando lugar a seu vice, José Sarney.

Flávio Bolsonaro afirma mesmo que o pai esteja em situação delicada no momento, sua imagem não será prejudicada. "Se ele não fosse forte já estava morto. É incrível como ele se recupera muito rápido de todas as cirurgias, operação após operação", diz. O vereador Carlos Bolsonaro, irmão mais novo de Flávio, também endossa o discurso familiar de que o capitão é "forte como um cavalo". No Twitter ele escreveu que apesar da "noite delicada (...) o velho é forte como um cavalo, não é à toa que seu apelido de Exército é 'cavalão!". Resta saber quanto vigor pode ter Bolsonaro para liderar uma corrida eleitoral da cama do hospital.


Luiz Carlos Azedo: O estelionato eleitoral

“Quem vencer as eleições estará contingenciado pela dura realidade fiscal. Se não levá-la em conta, jogará o país numa nova recessão”

Enquanto avança a disputa entre os candidatos a presidente da República, o fosso entre as expectativas criadas junto aos eleitores e as possibilidades efetivas de atendê-las se aprofunda. Surgem soluções mágicas para o desemprego, o endividamento das famílias, a violência e a ineficiência dos serviços públicos na educação e na saúde, mas muito pouco se fala sobre os cinco anos de deficit fiscal e o ajuste a ser feito, necessariamente, por quem ganhar a eleição, inclusive a reforma da Previdência que aumente a idade mínima e unifique as aposentadorias de servidores públicos e demais trabalhadores. Ou seja, vem aí mais um estelionato eleitoral.

O reflexo imediato das incertezas quanto à crise de financiamento do Estado brasileiro é a alta do dólar, que alcançou o maior valor da história do real: ontem, fechou negociado a R$ 4,19. A corrida pela moeda norte-americana é influenciada pelo cenário internacional desfavorável aos países emergentes. A guerra comercial e a alta dos juros protagonizada pelos Estados Unidos fazem a festa para os especuladores. E as promessas mirabolantes dos candidatos para seduzir os eleitores não ajudam a acalmar o mercado. Quem vencer as eleições estará contingenciado pela dura realidade fiscal. Se não levá-la em conta, jogará o país numa espiral de inflação alta e nova recessão. A maior prova disso é a lenta recuperação da atividade econômica no governo Temer, que está associada diretamente ao deficit fiscal. O atual governo conseguiu controlar a inflação e sair da recessão, mas não obteve taxas de crescimento capazes de resolver o problema do desemprego. O deficit fiscal de R$ 159 bilhões previsto para este ano barra o crescimento.

Vejamos, por exemplo, as promessas de campanha do candidato do PT, Fernando Haddad, que anuncia um cenário de bonança. O petista promete retomar o fio da história a partir do governo Lula, que registrou crescimento de 7,5% em 2010. Isso somente foi possível porque a economia estava anabolizada pela superoferta de crédito, pelas isenções fiscais e pelos subsídios das tarifas de energia e combustível. A tentativa de manter essa rota foi chamada de “nova matriz econômica” e levou o país ao colapso no governo Dilma Rousseff. Além disso, as condições favoráveis àquele regime de pleno emprego deixaram de existir: a forte expansão da economia mundial foi interrompida com a crise do mercado financeiro de 2008, o superavit fiscal herdado do governo de Fernando Henrique Cardoso foi canibalizado, e o bônus demográfico, que aumentou a renda média das famílias com a redução do número de dependentes, foi abduzido pela crise da seguridade social.

Haddad anunciou, ontem, a proposta de zerar as dívidas dos consumidores, macaqueando a proposta do candidato do PDT, Ciro Gomes, que prometeu limpar o nome de todos os endividados no SPC. Promete a retomada da “nova matriz econômica” do programa do PT. Ao mesmo tempo, sinaliza para o mercado que pretende convidar para o Ministério da Fazenda o economista Marcos Lisboa, um dos críticos da política de Dilma Rousseff, que fez parte da equipe do ministro Antonio Palocci no começo do governo Lula. Haddad faz campanha como se fosse sósia do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, nos bastidores, manda recado para o mercado financeiro de que pretende adotar a tática do violino: segurar o governo com a esquerda para tocar a política econômica com a direita.

Teto de gastos
Presidente do Insper, Ph.D. em economia pela Universidade da Pensilvânia, Marcos Lisboa foi professor da Universidade de Stanford e diretor-executivo e vice-presidente do Itaú-Unibanco de 2006 a 2013. Fez duras críticas ao governo Dilma em 2015: “A causa imediata da grave crise é o desequilíbrio fiscal e a tendência de aumento da dívida pública, que significa risco para a sustentabilidade das contas públicas nos próximos anos. As razões desse desequilíbrio não se resumem apenas às escolhas de política econômica dos últimos anos, ainda que essas escolhas o tenham agravado. O gasto público no Brasil apresenta uma tendência de crescimento maior do que o da renda nacional, decorrente de diversas regras legais e da transição demográfica. A população idosa cresce 4% ao ano, enquanto a população em idade ativa cresce apenas 1% ao ano, implicando a necessidade de aumento contínuo da carga tributária para preservar os benefícios previdenciários previstos”.

Para Marcos Lisboa, reverter a trajetória de crescimento do gasto passa pela reforma da Previdência, com adoção de observadas nos países desenvolvidos e a eliminação dos regimes especiais. O economista defende regras de vinculação dos gastos públicos ao aumento da renda nacional e ao aumento da produtividade, o que requer uma extensa agenda de reforma das políticas públicas adotadas no governo Lula e a manutenção da lei do teto de gastos. É difícil acreditar que venha a ser ministro da Fazenda de um eventual governo petista, a não ser que Haddad faça mesmo uma ruptura com as políticas que vem defendendo na campanha eleitoral.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-estelionato-eleitoral/