Eleições
Nelson de Sá: 'Eleitor-chave', mulheres ampliam mobilização digital contra Bolsonaro
'Crio dois filhos sozinha. Fui criada por minha mãe e avó. Não somos criminosas. #elenao', posta Sheherazade
Acima, post da atriz Letícia Colin, de "Segundo Sol", com imagem da artista plástica Mana Queiroz Bernardes
No rastro da página de Facebook Mulheres Unidas contra Bolsonaro, celebridades como Sasha, filha de Xuxa, e um sem-número de atrizes de televisão, entre elas Bruna Marquezine, Claudia Raia, Deborah Secco, Maria Ribeiro e Fernanda Paes Leme, vêm se pronunciando desde domingo com a hashtag #elenao por plataformas de mídia social.
Como noticiado por F5 e outros, Sasha, no Insta Stories, que compartilha imagens que somem em 24 horas, divulgou um Guia Anti-Bolsonaro.
E a apresentadora Raquel Sheherazade, do SBT, conservadora como o candidato, reagiu à declaração do vice, general Hamilton Mourão, de que famílias pobres “sem pai e avô, mas com mãe e avó”, são “fábricas de desajustados” que fornecem mão de obra ao narcotráfico. Dela, por Twitter:
“Sou mulher. Crio dois filhos sozinha. Fui criada por minha mãe e minha avó. Não. Não somos criminosas. Somos HEROÍNAS! #elenao.”
No Washington Post, longa análise, destacando as declarações do próprio Bolsonaro e a resistência do voto feminino a ele nas pesquisas, encerrou dizendo que “as mulheres estão prestes a ser o eleitor-chave” no Brasil.
CONTRADIÇÕES E MITOS
Em perfil de página inteira, o Financial Times escreve desde Eldorado, cidade paulista onde Bolsonaro cresceu, que “Contradições expõem líder da eleição no Brasil”. Entre as “muitas contradições”, destaca que “Mr. Bolsonaro agora reivindica ser um liberal econômico apesar de ter dito que FHC devia enfrentar pelotão de fuzilamento por privatizar estatais”.
O jornal também questiona “mitos” militares que o próprio Bolsonaro espalhou, a começar da história de que, aos 15, participou do combate à guerrilha na região.
‘SORBET DE CHAYOTTE’
Um dia antes do novo Ibope, como relatou o serviço brasileiro da Rádio França Internacional, Alckmin, “sem jogar a tolha e se esforçando para manter discurso otimista, afirmou a correspondentes que Bolsonaro é ‘o passaporte para o retorno do PT’ e tentou colocar os adversários do mesmo lado”.
O jornal Le Monde noticiou a entrevista sob o título “No Brasil, o ‘candidato do establishment’ ultrapassado pela extrema direita” e iniciou o texto lembrando o apelido “sorbet de chayotte”, picolé de chuchu.
SAINDO DA SOMBRA
Também antes da pesquisa, a Rádio França original produziu um longo perfil de Fernando Haddad, “o candidato de Lula, um intelectual que sai da sombra” do líder. Destacou, de professor do Instituto de Estudos Políticos de Paris, Science Po, que ele foi “um dos esteios dos governos do PT”.
E o inglês Guardian o entrevistou sob enunciado que envelheceu em poucas horas: “Haddad quer ser o novo Lula – mas alguém sabe quem ele é?”.
‘CRESCEU 11 PONTOS’
Com o gráfico acima, o apresentador William Bonner, que entrevistou o candidato na sexta, abrindo o Jornal Nacional de terça dizendo:
"Fernando Haddad, do PT, cresceu 11 pontos percentuais desde a última pesquisa, na semana passada."
Nelson de Sá é jornalista, foi editor da Ilustrada.
Luiz Carlos Azedo: A fraude e o golpe
“Com as urnas eletrônicas, ninguém até hoje comprovou fraudes em resultados eleitorais cujos votos são apurados no mesmo dia da votação, em todo o território nacional”
Se tem uma coisa pela qual o candidato do PSL, Jair Bolsonaro, deveria agradecer é a existência de urnas eletrônicas. Essa é a maior garantia de que poderá vir a assumir a Presidência da República se essa for a vontade da maioria dos eleitores. Graças a elas, a eleição nos mapas de apuração das seções eleitorais controladas por oligarquias políticas, que era mais comum do que se imagina, inclusive durante o regime militar, acabou definitivamente. E o Brasil se tornou a democracia de massas com o sistema eleitoral mais eficiente que se conhece no mundo. Critica-se o Congresso, os partidos, o voto proporcional, o abuso do poder econômico, a manipulação midiática, os cambaus. Mas ninguém até hoje comprovou fraudes em resultados eleitorais cujos votos são apurados no mesmo dia da votação, em todo o território nacional, principalmente para o Executivo.
No domingo, o candidato do PSL à Presidência da República, Jair Bolsonaro, em transmissão ao vivo pelo Facebook, disse que as eleições 2018 podem resultar em uma “fraude” por causa da ausência do voto impresso. Questionou o Supremo Tribunal Federal (STF), que em junho deste ano, por oito a dois, derrubou a adoção do voto impresso nas próximas eleições, que havia sido aprovado na minirreforma eleitoral de 2015, pelo Congresso Nacional. Ontem, a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Rosa Weber, defendeu a confiabilidade das urnas eletrônicas: “Temos 22 anos de utilização de urnas eletrônicas. Não há nenhum caso de fraude comprovado. As pessoas são livres para expressar a própria opinião, mas quando essa opinião é desconectada da realidade, nós temos que buscar os dados da realidade. Para mim, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, as urnas são absolutamente confiáveis.”
Rosa Weber lembrou que, em 2014, foi feita uma auditoria requerida pelo PSDB, que não identificou nenhuma irregularidade. “Nós abrimos para possibilidade de auditagem de maneira geral (…) Nas últimas eleições presidenciais houve uma desconfiança, o partido que no caso não saiu vencedor, expressou, requereu e o TSE abriu todos os dados e depois de um ano se constatou que de fato não havia nada”, garante. O questionamento feito pelos tucanos serviu para demonstrar duas coisas: primeiro, que não houve fraude na reeleição da ex-presidente Dilma Rousseff; segundo, que as urnas eletrônicas são auditáveis, ou seja, é possível conferir se o resultado divulgado corresponde à votação.
A coversa de Bolsonaro lembra a trajetória de levantes militares e tentativas de impedir a posse de presidentes eleitos que marcaram a história do Brasil no século passado. A maior virada de mesa foi na Revolução de 1930. A chamada política café com leite, pela qual mineiros e paulistas se revezavam no poder, foi rompida nas eleições de 1930 pelo presidente Washington Luiz, que indicou o governador de São Paulo, Júlio Prestes, como candidato à Presidência. Líderes do partido Republicano Mineiro se uniram ao Partido Republicano e ao Partido Libertador do Rio Grande do Sul, ao Partido Democrático de São Paulo e ao Partido Republicano da Paraíba para criarem a Aliança Liberal, que lançou a candidatura de Getúlio Vargas, o então governador gaúcho.
Radicalismo
Júlio Prestes venceu as eleições com quase 1 milhão de votos contra 737 mil de Getúlio. Entretanto, em 26 de julho, antes da posse do presidente eleito, o governador da Paraíba, João Pessoa, candidato a vice-presidente na chapa de Getúlio, foi assassinado no Recife. Embora o crime tenha sido passional e não político, ao contrário da narrativa difundida na época, esse foi o estopim para a Revolução de 1930. Getúlio ficou 15 anos no poder, graças ao “autogolpe” de 1937, quando implantou o Estado Novo e uma nova Constituição de inspiração fascista, conhecida como “Polaca”.
Atualmente, vivemos o maior período de estabilidade política da história republicana, apesar dos impeachments de Collor de Mello, em 1992, e de Dilma Rousseff, em 2016. Nesse aspecto, a narrativa do golpe que embala a campanha do PT é das mais nefastas, porque fragiliza as instituições democráticas e abre espaço, aí assim, para um golpe de Estado de verdade.
O que está acontecendo nas eleições brasileiras, no momento, é uma radicalização do processo político direita versus esquerda, protagonizada pelo candidato do PSL, Jair Bolsonaro, e pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que da cadeia conseguiu catapultar seu substituto, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, para o segundo lugar nas pesquisas de intenções de voto. Se não houver mudança de cenário nas próximas semanas, os dois disputarão o segundo turno no dia 28 de outubro. As declarações de Bolsonaro, ao aventar a possibilidade de fraude nas eleições, têm duas possibilidades: a primeira, é aprofundar a polarização política na esperança de decidir a eleição no primeiro turno, forçando uma espécie de “voto útil” antipetista, ou seja, uma típica jogada eleitoral; a segunda é mais grave, seria a construção de uma narrativa para impedir a posse do seu adversário, caso perca a eleição no eventual segundo turno, em razão do seu isolamento político, mesmo sendo o mais votado no primeiro.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-fraude-e-o-golpe/
Bruno Boghossian: Ataque de Bolsonaro a processo eleitoral é movimento irresponsável
Há duas maneiras de interpretar a declaração infundada de Jair Bolsonaro sobre a possibilidade de fraude na disputa presidencial: ou o candidato quer acirrar a mobilização do eleitorado contra seus rivais do PT, ou quer deixar uma porta aberta para contestar o resultado das urnas se for derrotado. Nos dois casos, a estratégia é irresponsável.
O líder das pesquisas decidiu estimular a corrosão da confiança dos eleitores na democracia. Ao dizer que petistas podem fraudar o processo de votação, sem evidências concretas para amparar essa suspeita, o deputado do PSL toma emprestada a linguagem de políticos personalistas e populistas.
Na primeira hipótese, Bolsonaro estaria usando uma ferramenta retórica para incitar o medo entre os eleitores. Identificado como adversário ferrenho do PT, buscaria aglutinar ainda mais o voto antipetista em torno de sua figura com o discurso do medo da vitória do partido.
A acusação desmotivada não pode ser encarada como mera tática de campanha. Sem provas, a desconfiança sobre a urna eletrônica e sobre o processo democrático pode ter efeitos duradouros sobre o eleitorado —mesmo que ele seja vitorioso.
No cenário mais grave, Bolsonaro estaria preparando o terreno para atacar a própria eleição. Se for derrotado, o candidato abrirá um terceiro turno na Justiça ou convocará seus apoiadores às ruas para protestar não apenas contra os eleitos, mas contra todas as instituições que deram sustentação à votação?
Candidato a vice, Hamilton Mourão tentou contemporizar. “Temos de relevar o que ele disse. O homem quase morreu há uma semana. O cara está fragilizado”, afirmou. Faltou dizer que ele mesmo já arrancou aplausos em palestras ao surfar na contestação às urnas eletrônicas.
Dizer que a democracia não funciona é a maneira mais eficaz de alimentar o clamor por soluções autoritárias. Questionar desde já a legitimidade da eleição é o tipo de ataque que busca apagar, com antecedência, as regras do jogo.
Bernardo Mello Franco: Ao contestar urnas, Bolsonaro questiona sistema que o elegeu
O discurso do capitão contra o voto eletrônico tropeça na lógica. Ao questionar a lisura da urna, ele põe em dúvida o sistema que lhe deu cinco mandatos
O capitão Jair Bolsonaro voltou a fazer campanha do leito do hospital. Num vídeo transmitido na internet, ele chorou e lançou suspeitas sobre a urna eletrônica. Em tom conspiratório, alegou que haveria um complô em curso para evitar sua eleição.
“A grande preocupação realmente não é perder no voto, é perder na fraude”, disse, sem apresentar qualquer indício de manipulação. Ele criticou os institutos de pesquisa, o PT, a Procuradoria-Geral da República e o Supremo Tribunal Federal, que já barrou duas tentativas de retorno ao voto impresso.
O discurso de Bolsonaro pode convencer seus seguidores mais fanáticos, mas tropeça na lógica. O Brasil adotou o voto eletrônico há 22 anos. Desde então, o deputado conquistou cinco mandatos consecutivos. Ao questionar a lisura da urna, ele põe em dúvida o sistema que sempre o elegeu.
O capitão também sugeriu uma conspiração entre o PT e o Tribunal Superior Eleitoral. Outra tese sem pé nem cabeça. A Corte acaba de frustrar o partido ao sepultar a candidatura do ex-presidente Lula. A decisão obrigou o petismo a substituir o líder das pesquisas por um aliado que aparecia em quinto lugar.
Esta não é a primeira vez que um presidenciável questiona a urna eletrônica. Dias depois da derrota em 2014, o senador Aécio Neves pediu ao TSE uma auditoria no sistema de votação. Um ano depois, o PSDB reconheceu que não havia indício de fraude. A ação do tucano era choro de perdedor.
Bolsonaro inovou ao questionar a urna antes da votação. O discurso sugere que ele já começou a buscar uma desculpa para justificar seu eventual fracasso no segundo turno. É uma atitude irresponsável, porque estimula uma revolta dos eleitores vencidos contra os vencedores.
A estabilidade da democracia depende do respeito aos resultados. Quem vence governa, quem perde vai para a oposição. Ao questionar o sistema, o capitão volta a se comportar como o dono da bola. O jogo só vale quando ele ganha.
Pablo Ortellado: Um passo atrás
Candidatura de Jair Bolsonaro produz declarações preocupantes
As últimas pesquisas têm indicado que Jair Bolsonaro deve mesmo estar no segundo turno. A consolidação de sua liderança acontece no momento em que a candidatura produz declarações preocupantes, que colocam outra vez em xeque os pilares da democracia.
Em vídeo recentemente divulgado, Bolsonaro reafirmou sua posição de que não reconhecerá a eventual vitória de um adversário. Um pouco antes, o general Mourão, vice em sua chapa, declarou que considera legítimas tanto a possibilidade de autogolpe quanto a de uma revisão da Constituição realizada por constituintes não eleitos.
A ameaça é tão grave que é preciso um compromisso dos principais atores em defesa das instituições democráticas. Para começar, precisam reconhecer a legitimidade do adversário.
A direita, de um lado, tem tratado Lula e Bolsonaro como expressões diferentes do mesmo fenômeno populista que não respeitaria as regras da democracia liberal —isso, a despeito dos governos petistas terem observado rigorosamente esses limites (má gestão econômica e corrupção são problemas de outra natureza).
Já a esquerda tem tratado Alckmin e Marina como se fossem golpistas e, portanto, diferindo apenas em grau da orientação antidemocrática de Bolsonaro —embora Alckmin, Marina e seus partidos jamais tenham atentado contra a legitimidade do sistema de direitos humanos ou colocado em xeque a representação democrática.
O PSDB começou um processo de autorrevisão que se expressou na entrevista de Tasso Jereissati ao O Estado de S. Paulo, na semana passada, na qual o presidente do PSDB avalia como equivocada a estratégia de contestar o resultado das eleições de 2014. A revisão não se estende ao apoio ao impeachment, mas parece um primeiro passo.
O PT, por sua vez, ainda não fez a autocrítica sobre os desvios na Petrobras, limitando-se a dizer que os outros partidos também se envolveram em desvios. Essa postura definitivamente não é autocrítica o suficiente e é o principal motivo que faz com que grandes contingentes de brasileiros odeiem o partido e prefiram votar em Bolsonaro.
Analistas da esquerda têm insistido na tese de que a democracia tem regras não escritas que precisam ser tão respeitadas quanto as escritas e que essa autolimitação foi rompida quando o instituto do impeachment foi utilizado de maneira abusiva para reverter o resultado eleitoral de 2014.
Esse princípio, porém, deveria valer também para a esquerda. Os candidatos deste campo têm que deixar claro, por exemplo, que pretendem respeitar as regras não escritas assumindo, por exemplo, o compromisso de não fazer uso abusivo do instituto do indulto para tirar Lula da cadeia.
*Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.
Fernão Lara Mesquita: Militar ou não militar
Militar também é cidadão? Sem dúvida. Mas à instituição à qual ele pertence é confiado o exercício do componente mais pesado do monopólio do uso da força que a Nação delega ao Estado
Militar também é cidadão?
Sem dúvida. Mas à instituição à qual ele pertence é confiado o exercício do componente mais pesado do monopólio do uso da força que a Nação delega ao Estado. E isso põe regras rígidas para os que encarnam essa instituição participarem da discussão política, especialmente da parte dela que diz respeito à conquista e ao exercício do governo. Como o poder, mais que tudo, corrompe, convém manter uma distância profilática entre o poder armado e o poder desarmado (assim como também, e pela mesma razão, entre o poder político e o poder econômico). Os dois (ou os três) concentrados nas mesmas mãos, diz a História que não registra exceções, produzem tentações fortes demais para a natureza humana resistir e esse é o caminho mais curto para o poder absoluto, aquele que corrompe absolutamente.
Um militar tem todo o direito, portanto, de desligar-se da instituição das Forças Armadas para tentar uma carreira política. Mas militares da ativa ou da reserva ainda ligados às Forças Armadas, se quiserem enveredar por esse caminho, têm de escolher entre o desligamento da instituição ou manter, acima de tudo, o respeito à hierarquia que lhe impõe silêncio no debate político-eleitoral.
O limite desse racional está na definição das atribuições constitucionais das Forças Armadas, a primeira das quais é defender a própria Constituição, cujos fundamentos básicos são a soberania do povo sobre o Estado e o princípio da alternância no poder, que definem a natureza democrática do regime.
As Forças Armadas brasileiras vêm respeitando irrepreensivelmente esse limite desde 1985. Agora essa fronteira começa a ficar menos nítida. Mas seria falsear a verdade apontar os últimos pronunciamentos que passaram da medida como manifestações espontâneas de pessoas ou instituições sedentas de poder.
A mais nefasta das especialidades da esquerda radical militante – aquela que põe as ideias à frente das “narrativas” e as faz independentes dos fatos na estruturação da sua “lógica” – é materializar os fantasmas que cria. Se há algum grau de atrito dentro dos limites da convivência e da tolerância entre classes, raças, gêneros, preferências ideológicas e o que mais possa diferenciar pessoas de pessoas, ela trabalha sempre no sentido de acirrá-lo até transformá-lo na “guerra” com que justifica o seu próprio radicalismo e, no extremo, a eliminação física do adversário transformado em “inimigo”.
As declarações de militares assinaladas em condição de impedimento não são propriamente ações, são mais exatamente reações. O partido ou o candidato que oficialmente aponta como exemplo regimes como o da Venezuela e outros que se estabelecem exclusivamente pela força, está assumindo uma posição de fato contra a democracia e a alternância de poder prescritas pela Constituição. Também não foram os militares, são a presidente do PT em pessoa e os dois candidatos que disputam a simpatia da esquerda – o “poste” finalmente erguido e Ciro Gomes – que têm afirmado textualmente que suas candidaturas são uma etapa do projeto de anular a condenação de Lula pela Justiça e pelas leis vigentes no Brasil (“à bala” se alguém resistir, na versão de Ciro). Tudo isso não apenas soa, como frequentemente se apresenta explicitamente como ameaça direta contra a democracia e o princípio da alternância no poder.
E o que dizer de um Supremo Tribunal Federal que, coroando uma sequência de manobras de uma insistência impossível de interpretar como fortuita, proíbe a produção de uma prova física do voto – como as de que dispõem todos os países democráticos do mundo – depois de ela ter sido aprovada uma vez pelos representantes eleitos do povo e reconfirmada, depois de vetada pela “presidenta” petista, com votação muito mais que suficiente para reverter um veto presidencial? Ou da sucessão de decisões votadas pelos representantes eleitos do povo e em seguida anuladas, seja por votações do plenário, seja por decisões monocráticas de ministros do STF que, de troco, legislam em causa própria atribuindo-se aumentos de salário indecentes num quadro de economia de guerra para o resto do País? Onde tudo isso deixa o princípio da soberania do povo?
A válvula de escape que resta quando as demais instituições rateiam é o chamado 4.º Poder da República. Mas também a imprensa tem falhado. Só que há uma realidade aqui fora que já foi a um extremo tal que não há mais como contemporizar. A estratégia de paralisar o governo Temer esfriou a memória nacional e diluiu os direitos autorais do desastre econômico do lulismo. Isso, mais a velha mistura de desinformação com miséria assistida, explica a posição de um terço do eleitorado. A penúria em que essa paralisia deixou a classe média meritocrática, os microempresários, os caminhoneiros, os prestadores de pequenos serviços, os aposentados do País real e até a fatia de baixo do funcionalismo mal pago (que inclui boa parte dos militares e dos policiais), explica o outro terço. De um jeito ou de outro, esse Brasil tem de se fazer ouvir. Cada fato omitido, cada pergunta que deixar de ser feita pelos atores contratados pelos sistemas democráticos para atuarem nessas ocasiões acaba por voltar na boca de alguém que deveria ficar do lado de fora do debate eleitoral. Daí ser a verdade – inteira – não apenas o melhor, mas o único remédio receitável para uma democracia que se quer representativa.
Mas por mais “justificados” pelos fatos que tais desabafos possam estar, é preciso resistir à tentação de fazê-los. O Brasil, à beira de um processo de entropia que uma vez instalado se torna irreversível, já viu esse filme. Andar à margem da democracia, não importa por qual margem, é para os antidemocratas. Por isso ao terço restante do eleitorado – aquele que insiste na democracia sem aspas, nem vírgulas, nem hiatos – resta, por enquanto, uma escolha de Sofia que toda e qualquer suspeição em torno do respeito ao principal só fará tornar ainda mais difícil.
*Fernão Lara Mesquita é jornalista. Escreve em www.vespeiro.com.br
Cora Ronái: A internet é nossa garantia de liberdade
É a ferramenta mais poderosa de que o cidadão dispõe contra o sistema
O ambiente das redes sociais anda tóxico. Mais especificamente, o ambiente do Facebook e do WhatsApp, onde transcorre o grosso do tiroteio político. Odeio a ideia de safe spaces, lugares seguros, mas, diante do ambiente polarizado dessas eleições, tenho cada vez mais vontade de me fechar em grupos que discutem livros, gatos e aquarismo, onde as pessoas (ainda) se tratam com civilidade e gentileza.
O último fim de semana foi particularmente agressivo, numa amostra do que deve vir por aí. A vítima da vez foi o grupo “Mulheres unidas contra Bolsonaro”, que contava com mais de 2 milhões de inscritas quando foi hackeado: a imagem de abertura foi trocada, o título foi mudado para “Mulheres com Bolsonaro” e algumas das suas administradoras sofreram ameaças.
Na noite de sábado, o próprio Facebook tirou a página do ar enquanto tentava estabelecer um mínimo de ordem. No domingo a página voltou, mas foi hackeada mais uma vez.
Quem não entende o que está em jogo faz pouco caso do incidente.
“Gente, vcs ficam com esse lance de grupo no face, se incomodando com essas bobagens enquanto Gilmar Mendes solta vários políticos??? Isso de grupo a gente decide na urna... Nossa, com certeza isso só faz esquecer um mal bem maior!!!!”, escreveu uma das pessoas que comentaram o assunto na minha página, refletindo um sentimento comum.
Um grupo de Facebook, afinal, é só um grupo de Facebook: um coletivo de ativistas de sofá, exercendo o seu jus sperneandi. Ou não?
Na verdade, não. Um grupo de Facebook é um coletivo virtual — mas é, acima de tudo, um grupo de pessoas de carne e osso reunidas em torno de uma ideia ou de um interesse comum. Se não estiverem infringindo a lei ou as normas de conduta da rede, espaços de reunião devem ser preservados; quem não concorda com o que se conversa ali tem todo o direito de se retirar e de fazer o seu próprio grupo.
“Mulheres unidas contra Bolsonaro” trouxe uma novidade em termos de grupo político: é suprapartidário e reúne eleitoras de diferentes candidatos, em torno apenas do que já sabem que não querem, de uma proposta de Brasil que preferem evitar.
É bastante impressionante que o grupo tenha reunido, até a noite de segunda-feira, mais de 2,5 milhões de mulheres — mas, ainda que fossem 25, ou 250, ele deveria ser respeitado da mesma maneira.
A internet é a ferramenta mais poderosa de que um cidadão dispõe contra o sistema — contra partidos políticos, contra a burocracia, contra a opressão do Estado. Graças à internet foi possível, por exemplo, fazer a lei da ficha limpa.
Ela é um baluarte da cidadania, a nossa garantia de liberdade. Derrubar essa ágora, essa praça pública, é atentar contra os cidadãos e contra a democracia.
Era de se esperar que todos os candidatos tivessem vindo a público denunciar o ataque — mas, que eu tenha visto, apenas Marina se manifestou. Era de se esperar, sobretudo, que a campanha de Bolsonaro tivesse repudiado a ação e se distanciado dela.
O que se viu, porém, foi o contrário: o deputado federal Eduardo Bolsonaro e o general Mourão atacaram o grupo com notícias falsas.
Assim provaram, os dois, que “Mulheres unidas contra Bolsonaro” tem sólidos motivos para existir.
Luiz Carlos Azedo: A violência das paixões
“A crise da democracia representativa e dos partidos políticos tradicionais não se restringe ao fracasso de suas elites políticas. É também uma crise dos valores liberais nas sociedades democráticas”
Com base na trilogia de Alexei Tolstoi, escritor do chamado “realismo socialista”, a série O Caminho dos Tormentos, da Netflix, narra a saga de duas irmãs aristocratas, um oficial do Exército russo e um engenheiro que se torna oficial do Exército Vermelho. Com locações e figurinos irretocáveis, a produção russa de 2017 mostra os horrores da guerra civil na Rússia (1917 a 1924), em meio ao ódio de classe, às paixões ideológicas e toda sorte de oportunismo e sectarismo políticos. Da derrocada da autocracia russa à consolidação dos bolcheviques no poder, houve um banho de sangue trágico, que esfacelou famílias e destruiu amizades.
Talvez essa história fosse diferente se uma carnificina ainda maior não tivesse ocorrido: a 1ª Guerra Mundial (1914-1918), na qual a Rússia se engajou ao lado da Sérvia, da França e da Inglaterra, a chamada Tríplice Entente, contra a Alemanha, Itália e Império Austro-Húngaro, que formavam a Tríplice Aliança. Houve uma estupidez política sem tamanho de toda a elite europeia, encerrada no que a historiadora Barbara Tuchman, em seu livro, chamou de “Torre do Orgulho”. O mundo vivia a euforia da chamada Belle Époque (Bela Época), um período de grande progresso econômico e tecnológico; ao mesmo tempo, a exaustão do colonialismo e fortes tensões políticas e sociais.
O revanchismo latente na França e na Alemanha por causa da região da Alsácia-Lorena, que os franceses haviam perdido para os alemães na Guerra Franco-Prussiana, precisou apenas de um estopim para degenerar em gigantesca carnificina: o assassinato de Francisco Ferdinando, príncipe do império austro-húngaro, enquanto fazia uma visita a Sarajevo, região da Bósnia-Herzegovina, por um jovem terrorista sérvio. Insatisfeito com as atitudes tomadas pelo governo contra o criminoso, o Império Austro-Húngaro declarou guerra à Sérvia em 28 de julho de 1914. Ao fim do conflito, o saldo de mortos chegou a 10 milhões. A Alemanha acabou derrotada e perdeu não somente a Alsácia-Lorena, como todas as suas colônias, no Tratado de Versalhes, e ainda teve que pagar pesadas indenizações de guerra.
Em 1914, a Alemanha era governada pelo poderoso Partido Social-Democrata Alemão, que aprovou os créditos de guerra, o que provocou um tremendo racha na chamada II Internacional, que reunia a esquerda europeia. O Partido Trabalhista britânico e o Partido Socialista francês, ambos marxistas, seguiram o mesmo caminho e aderiram à guerra. O Partido Socialista Operário Russo (bolchevique), sob a liderança do revolucionário russo Vladimir Lênin, um dos personagens secundários da série russa, porém, seguiu outro caminho: defender a paz, fazer uma insurreição com apoio dos soldados insatisfeitos e tomar o poder. Tudo o que ocorreu depois na política foi consequência da 1ª Guerra Mundial, a começar pela radicalização política que levou ao poder Mussolini, na Itália, e Hitler, na Alemanha, os dois grandes derrotados no conflito.
Ambos foram derrotados na Segunda Guerra Mundial, mas a divisão entre comunistas e social-democratas se manteve na Europa por causa da “guerra fria”. Com a dissolução da União Soviética e o colapso do chamado “socialismo real” no Leste Europeu, essa divisão perdeu completamente o significado histórico. O mesmo processo de globalização e revolução tecnológica que levou à derrota o comunismo europeu, levou de roldão o Estado de bem-estar social na Europa ocidental. A grande obra social-democrata do pós-guerra entrou em colapso. O Ocidente passou a viver a hegemonia do pensamento liberal.
A melhor saída
Vivemos um período de paz maior do que os anos da Belle Époque (1871-1914), apesar dos conflitos localizados e do terrorismo religioso na Eurásia e na África. A globalização e a revolução tecnológica, porém, com o esgotamento do Estado de bem-estar social, engendraram um agravamento das desigualdades e desequilíbrios regionais, principalmente na relação Norte-Sul. Essa é a raiz da crise humanitária e da emergência de movimentos racistas, xenófobos e fascistas na Europa. E também do fortalecimento de tendências autoritárias em regimes democráticos como respostas a essas contradições, como acontece na Venezuela, no Egito, na Turquia, nas Filipinas, em Israel, na Rússia e até nos Estados Unidos, que reage à expansão da China comunista, um misto de capitalismo de Estado e ditadura.
A crise da democracia representativa e dos partidos políticos tradicionais no Ocidente não se restringe ao fracasso de suas elites políticas. É também uma crise dos valores liberais — igualdade, fraternidade e liberdade — nas sociedades democráticas, contraditória com a exacerbação da liberdade individual. O processo de radicalização política em curso nas eleições brasileiras não está fora desse contexto, muito pelo contrário. Suas raízes ideológicas e políticas, historicamente, estão datadas, vêm lá da 1ª Guerra Mundial: a busca de soluções para os problemas econômicos e sociais do desenvolvimento por uma via “prussiana” ou “jacobina” é uma tentação, como se a tomada do poder fosse a solução para tudo. O mundo mudou, está cada vez mais veloz e integrado. As velhas fórmulas não dão conta da realidade de uma sociedade “líquida”. Mesmo assim, a democracia ainda é a melhor saída para as crises.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-violencia-das-paixoes/
Folha de S. Paulo: Presidenciáveis repetem erros que geraram a crise, diz economista
Para José Alexandre Scheinkman, crise fiscal que assola o país vem sendo ignorada na campanha
Por Érica Fraga
A opinião é do economista brasileiro José Alexandre Scheinkman, 70, professor da Universidade Columbia, nos Estados Unidos. Entre os presidenciáveis cujas ideias são criticadas pelo pesquisador, está Ciro Gomes (PDT), a quem Scheinkman assessorou no pleito de 2002.
Na época, a contribuição culminou na elaboração da chamada "Agenda Perdida", compilação de ideias de vários especialistas, que teve pontos adotados pelo governo Lula.
Entre as propostas atuais de Ciro que Scheinkman considera equivocadas está a recriação de um imposto sobre movimentações financeiras.
"Essa taxa, por ser em cascata, aumenta a distorção na economia", diz.
Ele também criticou a promessa de Jair Bolsonaro (PSL) de resolver o déficit fiscal no próximo ano, por considerá-la inviável. Para o economista, a eleição do capitão reformado representaria um formidável retrocesso para o Brasil.
Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede) são, na opinião do economista, os candidatos mais cientes das medidas que precisam ser adotadas para resolver a crise fiscal brasileira.
Em 2016, o sr. disse à Folha que a repetição de erros cometidos pelo Brasil o fazia lembrar o filme "Feitiço do tempo", em que um homem vive o mesmo dia várias vezes. Ainda tem essa impressão?
Sim. As propostas da campanha presidencial mostram que alguns candidatos estão prometendo repetir os mesmos erros do passado, como a ideia de que o Estado precisa proteger a economia. Políticas assim criaram uma série de problemas, mas acho que as pessoas esquecem.
O Plano Real foi muito importante. Mas a verdade é que só acabar com a inflação não foi a chave mágica para o Brasil crescer. E o nosso desafio é a questão da produtividade. Nós fazemos as coisas pior do que os outros países, e cada vez pior.
Por que o país não avançou?
O governo precisa criar o ambiente para que as firmas aumentem sua produtividade. Acho que, em parte, isso não aconteceu exatamente pelo que a gente falou sobre o filme, vamos voltando aos mesmos problemas.
O país tinha, de uma certa maneira, equacionado seu problema fiscal no final do Plano Real, mas a partir principalmente do segundo governo Lula —e certamente do primeiro governo Dilma [Rousseff] em diante—, a gente retomou o caminho de tentar resolver todos os nossos problemas gastando mais do que arrecadava. E, quando você escuta os detalhes dos programas de alguns candidatos, eles também falam em gastar mais.
Deixe-me colocar de outra maneira. Acho que existe uma crise fiscal importante no Brasil e acho que, na discussão da eleição, essa crise fiscal está sendo ignorada em vários graus pelos diferentes candidatos. Ou, então, eles apresentam soluções mágicas, como a de que vão acabar com o déficit fiscal no ano que vem, coisa que você sabe que não vai acontecer.
O sr. vê esse problema em todos os programas dos candidatos que lideram as pesquisas?
Acho que as assessorias econômicas de Alckmin e Marina estão mais conscientes do que é preciso fazer. Não adianta só falar do problema fiscal; outros candidatos também falam, mas é preciso ter ideia do que pode ser feito.
Há promessa de que, no ano que vem, acabam todos os nossos problemas porque vão vender todas as estatais, o que obviamente não é uma coisa possível porque enfrentaria resistência no Congresso, ou de resolver o déficit da Previdência instituindo o sistema de capitalização.
Que questões mais urgentes o sr. acha que Alckmin e Marina entendem melhor?
A reforma da Previdência não vai poder ser muito diferente do que foi proposto pelo governo [de Michel] Temer. Obviamente, há detalhes que podem ser alterados, mas é necessário instituir uma idade mínima para a aposentadoria porque há um problema demográfico.
Precisamos decidir o que fazer a respeito das diferenças em relação a mulheres e homens. O Brasil é um dos poucos países que fazem essa diferenciação. Evidentemente, as pessoas reconhecem que a mulher tem muitas tarefas fora do trabalho, mas a contrapartida disso é que vivem mais do que os homens.
E há o problema dos regimes especiais que, essencialmente, se referem a uma parte do funcionalismo público que tem uma aposentadoria não compatível com a riqueza do Estado brasileiro.
Por que a recuperação da economia tem sido decepcionante, apesar de algumas mudanças feitas pela gestão Temer?
Algumas medidas terão efeito de mais longo prazo, como a reforma trabalhista. A condução da política monetária mudou muito. Vínhamos de um Banco Central conduzido de forma muito política e mudamos para um que teve realmente independência. Baixamos nosso patamar de inflação e os juros reais. Isso vai ajudar o processo de investimento.
O teto dos gastos é um negócio interessante porque supostamente é uma alavanca para certas reformas fiscais e, infelizmente, ele aconteceu, mas as reformas fiscais necessárias para sustentá-lo não ocorreram. No curto prazo, o teto teve um efeito negativo sobre investimentos, porque é a única coisa flexível do lado do gasto.
Vai ser inevitável aumentar impostos?
Esse é outro problema. Várias das propostas [das campanhas] têm pautas como imposto sobre o cheque. Na época do Plano Real, o Estado brasileiro coletava [em impostos] o equivalente a 24% do PIB (Produto Interno Bruto). Hoje, a carga tributária é 33% do PIB. A pergunta para esses candidatos é: aumentamos nove pontos do PIB em impostos, que problemas do Brasil resolvemos com isso? Um terço da carga tributária, sem ter o que mostrar. Aí, você fica propondo mais impostos.
Alguns dos pontos que o sr. critica são defendidos pelo candidato Ciro Gomes. As propostas dele hoje estão muito distantes da "Agenda Perdida"?
Eu leio as coisas no jornal, o que dizem os economistas ligados à campanha. Não tenho nenhum contato com o Ciro. Então, é difícil eu julgar.
Acho que, evidentemente, as políticas sociais do Bolsonaro representariam um formidável retrocesso e o seu histórico como parlamentar contradiz o seu discurso econômico atual.
Mas vou falar do exemplo da capitalização da Previdência. Não há nada de errado com você visar a isso. Mas não resolve o problema atual ou talvez o faça ainda mais agudo. As pensões das pessoas que já ganharam com base no sistema antigo são pagas com a contribuição dos empregados atuais. Se a previdência for capitalizada, essas pessoas não vão contribuir mais.
Parte do que nós discutimos na Agenda é que são necessários impostos que não distorçam a economia mais ainda. A taxa sobre movimentação financeira, por ser em cascata, aumenta a distorção na economia. Então, evidentemente, isso vai completamente contra o tipo de proposta que eu fiz na agenda.
Quanto à capitalização da Previdência, não foi só o Ciro que falou isso. De uma certa maneira, é falta de uma pessoa fazer as contas que são necessárias para entender o problema.
Por que a eleição de Bolsonaro seria um retrocesso?
O Brasil, de fato, precisa de uma nova política de segurança e fracassou nessa agenda com governos de vários matizes. Agora, um dos problemas graves que temos é que a polícia mata muito. Então, dar uma licença para a polícia matar com mais facilidade não vai resolver nosso problema de criminalidade.
Outra coisa que me preocupa nesse discurso é o seguinte: o Brasil teve políticas discriminatórias contra certos grupos e ainda hoje, quando você tenta explicar os salários das pessoas, depois de corrigir por educação, onde eles moram etc., raça ainda conta. Então, você precisa ter certas políticas de afirmação enquanto a universidade for gratuita.
Como resolver o problema do atraso da produtividade que já era urgente há décadas e só se torna pior?
Temos de melhorar muito a infraestrutura do país. A gente poderia ter um sistema em que o setor privado contribuísse mais, mas, para isso, é preciso criar um arcabouço jurídico que o deixe à vontade.
Outra maneira é se integrar mais à economia mundial. Vários avanços tecnológicos entram no setor produtivo através da compra de insumos, bens de capital, de parcerias, etc. Em relação ao PIB, o Brasil comercializa muito pouco com o resto do mundo.
Uma grande dificuldade é que há setores que se beneficiam muito desse fechamento. Um exemplo claro é a indústria automobilística, que consegue vender carros caros —em relação à qualidade— no Brasil porque não tem concorrência.
O outro problema é nosso sistema de impostos. Tentar entender a legislação de ICMS [Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços] é impossível. Além disso, o sistema tributário atual beneficia muito as firmas pequenas, em geral menos eficientes.
Agora, qualquer reforma vai encontrar resistência. Algumas são legítimas. Acho legítimo, por exemplo, que, se uma abertura econômica afetar o emprego em certas áreas, a gente pense num programa que ajude esses trabalhadores até que ocorra uma realocação.
Agora, isso não quer dizer que você tem de pegar um empresário e dizer: 'Olha, você se beneficiou desse programa por 20 anos. Agora terá mais de 10 anos de proteção antes de perdê-lo'. Isso é um absurdo, né?
José Alexandre Scheinkman, 70, Doutor em economia pela Universidade de Rochester, é professor de economia da Universidade Columbia, em Nova York, e professor emérito da Universidade de Princeton, também nos EUA. Atua ainda como pesquisador associado do centro de pesquisa americano Nber
Angela Bittencourt: Com "esquerda" na mira, mercado avalia riscos
Volpon alerta para necessária agenda de crescimento
A eleição presidencial ganha complexidade a exatas três semanas do 1º turno de votação. Jair Bolsonaro (PSL) deve ter seu favoritismo confirmado pelas pesquisas de escopo nacional CNT/MDA e Ibope, que serão divulgadas hoje e amanhã, e deixa de ser uma "questão" a ser discutida neste momento. Sua posição está consolidada. Para o 1º turno.
Hospitalizado, mas deixando a UTI ontem, Bolsonaro, apresentado em análises de bancos internacionais a grandes investidores como sendo de "direita" ou "extrema direita", já não se resguarda dos holofotes. Ontem circulava nas redes sociais um vídeo do deputado em sessão de fisioterapia e dando alguns passos. Nesta segunda, as atenções devem se voltar para o seu concorrente imediato. O empate nas intenções de voto de Fernando Haddad (PT) e Ciro Gomes (PDT), revelado pela pesquisa Datafolha na sexta, sugere uma disputa a ser travada no campo da esquerda.
As sondagens MDA e Ibope poderão confirmar quem, entre eles, leva vantagem ou se o empate prossegue. Seja qual for o resultado dessas pesquisas quanto a Haddad e Ciro, os investidores e também os especuladores poderão, mais uma vez, comprar ou vender ativos para ganho rápido.
Reposicionamento mais firme especialmente de bancos será postergado para a última semana do mês, que é quando altos executivos do sistema financeiro esperam ocorrer a transferência e a consolidação para Geraldo Alckmin (PSDB) de votos atualmente destinados a João Amoêdo (Novo) e Alvaro Dias (Pode).
Cresce a expectativa de que as transferências finais de voto assegurem ao tucano a vaga para disputar o 2º turno com Jair Bolsonaro. Se Alckmin não decolar, o voto útil contra a esquerda já tem dono: o capitão do PSL.
Os movimentos no câmbio - idioma universal dos mercados - tendem a ser intensificados portanto. E, dada a interação entre os preços fundamentais da economia, a formação das taxas de juros - sobretudo em prazos mais longos - possivelmente indicará um futuro assustador.
"O mercado procura um preço para o incerto", explica Adeodato Netto, estrategista-chefe da Eleven Financial. "O mercado tem medo do escuro. E o escuro hoje significa entender e avaliar qual é a chance de ocorrer uma ruptura no cenário econômico nacional, no modelo de gestão das contas públicas, na definição de contratos e na funcionalidade do sistema como um todo."
Com propriedade, o executivo descreve, em entrevista à coluna, que ao menos parte da histeria que domina os mercados durante ciclos eleitorais se deve à característica intervencionista presente em discursos populistas de candidatos. "Ainda que apenas sugerido, o intervencionismo é fiador de gestão inconsequente de recursos públicos. E essa percepção realimenta a histeria."
Adeodato faz uma ponderação: "Se as expectativas do mercado são frustradas, não será por que estão erradas? O mercado trabalha com dólar acima de R$ 4,20 e juro de dez anos de 13%, simplesmente o dobro da taxa Selic vigente. Esse cenário é razoável?"
E avalia que tentar perpetuar a realidade de um processo pré-eleitoral é um erro estrutural desmedido. "Por maior que seja a incerteza, não dá para subverter a realidade até porque não há padronização de condições e da capacidade individual dos agentes de absorver riscos. Neste momento, falta racionalidade aos mercados."
Uma leitura do movimento no mercado de câmbio feita pela coluna sugere que há uma distância entre mensagens que podem ser depreendidas da mobilização de investidores e a realidade dos fatos. Uma preocupação pré-eleitoral não necessariamente vai fazer "preço" ao longo de um ano.
Estatísticas oficiais sobre fluxo de capital estrangeiro apontam também que a gestão temerária de um governo pode produzir impacto tão ou mais relevante do que a mera especulação financeira. Repercussões negativas de decisões de governo consideradas duvidosas pelos mercados podem se mostrar persistentes e interferir na taxa de câmbio e na formação de expectativas sobre oferta e demanda de capital que poderia, por exemplo, financiar projetos de investimentos.
Desconsiderando as transações comerciais, o movimento de câmbio no Brasil via conta financeira mostra que a oferta de recursos é sensível ao agravamento de expectativas com cenários políticos, mas também é sensível às perspectivas de crescimento econômico. "Essa é uma das razões pelas quais se espera que o futuro presidente, seja quem for, tenha à mão uma agenda de propostas voltadas ao crescimento", afirma o ex-diretor do Banco Central Tony Volpon, economista-chefe do UBS Brasil.
Volpon, que projeta aumento da Selic nas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) de outubro e dezembro, atribui à sua avaliação sobre a Selic não só um caráter operacional ou de sinalização de que o BC segue comprometido com a meta de inflação. "Nosso call de juro tem um apelo institucional. Passado o segundo turno, o governo estará em transição. O compromisso com o regime de metas é parte de um conjunto de escolhas concretas que deverão ser feitas pelo futuro presidente e sua equipe. Estamos há quatro anos com déficit primário. Questões terão de ser encaminhadas, e os ajustes, numa visão consolidada, deverão sinalizar ao mercado que há horizonte e que não é para o dia seguinte."
Ele explica que a perspectiva de horizonte é necessária, inclusive, porque, ao contrário do que se vê na Argentina, os financiadores da dívida do país são sobretudo brasileiros. "Na Argentina são basicamente estrangeiros que podem mudar muito rapidamente de posição a depender das condições globais. Aqui, se nada for feito, nossos financiadores podem se voltar ao exterior e não há impedimento legal para isso."
Apesar dessa característica de financiamento, o levantamento feito pela coluna mostra que cerca de US$ 120 bilhões deixaram o Brasil pela conta financeira em três anos: US$ 16 bilhões em 2015, US$ 51,5 bilhões em 2016 e US$ 52,3 bilhões em 2017. Neste ano, de janeiro a 6 de setembro, segundo dados do BC, a conta financeira está negativa em US$ 13,3 bilhões. Em média mensal, as saídas líquidas despencaram de US$ 4,3 bilhões em 2017 para US$ 1,7 bilhão em 2018.
Ricardo Noblat: Mourão é Haddad
O general da reserva Hamilton Mourão, candidato a vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro (PSL), é o novo xodó de jornalistas à caça de quem lhes diga o que de fato pensa.
Perguntou, ele responde no ato. No último fim de semana, um deles perguntou-lhe qual seria o candidato mais fácil para ser derrotado por Bolsonaro em um eventual segundo turno.
Mourão disparou na hora: “Haddad”. Disse por que: dado ao sentimento contra o PT que ele sente por toda parte, e que as pesquisas de intenção de voto atestam.
Mourão ainda não desistiu do propósito de substituir Bolsonaro em debates na televisão. Diz estar pronto para isso. Não teme o confronto.
Como já disse
O chefe das Forças Armadas, segundo a Constituição, é o presidente da República. É ele, e somente ele, portanto, quem em nome delas pode falar sobre temas políticos de repercussão geral.
Aos comandantes das três armas – Exército, Marinha e Aeronáutica -, cabe falar sobre assuntos administrativos e aqueles diretamente afeitos aos cargos que ocupam.
Militar não é igual a civil. O que os distingue não é só a farda que um veste e o outro não. Militar tem acesso a armas pesadas, pilota brucutu, maneja tanques e é treinado para matar.
Se um deles fala qualquer coisa, soa diferente do civil que diga o mesmo. Porque um tem a força capaz de pulverizar literalmente quem quer que seja. O outro, só a força da palavra e do voto.
Denis Lerrer Rosenfield: O PT e o PCC
Melhor um alerta lúcido que as consequências nefastas da renúncia à soberania nacional
O PCC está fazendo escola. Estabeleceu uma forma de organização presidida por criminosos em presídios, que dão ordens a todos os seus membros. Comandam da carceragem toda uma série de operações, que são executadas por comparsas agindo enquanto homens livres. Seu raio de ação abarca o território nacional graças a uma hierarquia claramente estabelecida, estendendo seus braços até para o exterior, como é o caso do comércio de armas e do narcotráfico. Presidente é presidente, independentemente de ser presidiário. Chefe é chefe e, como tal, deve ser obedecido.
Seria de esperar que esse modelo de atuação, além de ser devidamente combatido, ficasse restrito à sua esfera específica de influência. Evidentemente, a segurança do País disso depende. Esse modelo, porém, para surpresa geral foi imitado pelo PT, em particular por seu chefe, que segue, do ponto de vista formal, os mesmos moldes de operação.
O que menos se poderia esperar é que a política seguisse o modelo de uma organização criminosa. A política, em sua inspiração ateniense, seria um modo de congregação pública pela via da razão, não o apêndice de um partido que chama a si toda uma hegemonia pela ação de um presidiário. Presidiário condenado em todas as instâncias legais e constitucionais do País, tendo exercido o seu livre direito de defesa e sustentando publicamente suas posições, graças, em boa medida, a uma mídia e a jornais complacentes.
O ex-presidente Lula, condenado, está cumprindo pena. Goza, porém, de condições carcerárias não autorizadas para outros cidadãos. Trata-se de um criminoso especial. Costuma falar da igualdade de todos os brasileiros, mas não aceita, de modo algum, ser considerado um igual. Acima de todos os cidadãos e acima até mesmo das leis do seu país. Sua cela se tornou um centro de comando, com a anuência das autoridades públicas que deveriam ter exercido controle sobre essa falta de limites morais e jurídicos. Recebe partidários mascarados de advogados, com os quais discute a estratégia partidária a ser seguida. De lá emanam ordens que vão ser, depois, seguidas pelo partido. Ao contrário do PCC, que guarda sigilo, Lula e o PT fazem isso à luz do dia.
Não deixa, contudo, de causar espanto o fato de o PT se prestar a tal serviço. Historicamente, o PT apresentou-se, num passado que parece agora remoto, como o partido da ética na política. Dizia aceitar os valores da democracia representativa e transmitia a imagem de uma nova vida partidária, encarregada de regenerar o País. Muitos caíram nesse encantamento e chegaram mesmo a ser considerados parceiros social-democratas dos tucanos, apesar de relutarem em aceitar tal denominação.
A queda foi vertiginosa, ao tornarem-se a corrupção e o desvio dos recursos públicos um meio de governar e de fazer avançar um projeto próprio de poder, à revelia daqueles valores e princípios que outrora dizia defender. A questão, aliás, que deveria ser posta por aqueles que permanecem adeptos desses valores e princípios reside em como obedecer às ordens de uma organização partidária que segue o modelo do crime. Ou o PT enfrenta seriamente essa questão, ou estará programática e moralmente perdido.
Acontece que a corrente majoritária no partido adotou o modelo de atuação do PCC. Ordens de comando de dentro da carceragem são transmitidas para fora e obedecidas. A narrativa ainda mantém o ranço das posições socialistas/comunistas em sua nova roupagem do “nós” contra “eles”, dos “ricos” contra os “pobres”, dos “progressistas” contra os “conservadores”. Só uma academia cega ideologicamente consegue aceitar e propagar tais disparates, além dos propriamente incultos, por falta de informação e formação.
A narrativa politicamente correta é o que ampara as ações internacionais dessa organização. Criminosos comuns fazem isso pelo contrabando, pela violência e pela completa ilegalidade. Essa esquerda o faz pela transmissão ideológica amparada numa suposta defesa dos direitos humanos, sustentada por acadêmicos que comungam tais confissão e fanatismo. O artifício não deixa de ser eficaz, embora não consiga esconder a sua perfídia.
A operação internacional foi realizada a partir da atuação junto a uma Comissão de Direitos Humanos cujas recomendações não são vinculantes e, sobretudo, não se sobrepõem ao ordenamento jurídico do País. Ora, utilizando-se de seus contatos ideológicos, o PT conseguiu que dois ditos peritos dessa comissão de 18 membros declarassem Lula como usufruindo direitos políticos para disputar eleições, quando isso é expressamente vedado pela Lei da Ficha Limpa, pelo mesmo Lula promulgada quando presidente. Seria hilário, não fosse dramaticamente real.
Imaginem se a moda pega nesta “comissão” e no Conselho dos Direitos Humanos da ONU. Aliás, este último é constituído por países que são costumeiros na violação dos verdadeiros direitos humanos, como atentado à integridade física das pessoas, violência generalizada, desigualdade entre homens e mulheres, ausência de liberdade de imprensa e de expressão, e assim por diante. Junta-se assim uma maioria de países que não comungam nenhum valor de liberdade e democracia, que imporia ao Brasil uma “decisão” tomada por um grupo de esquerdistas desse naipe, alguns francamente religiosos.
Compartilhando as posições de um editorial deste jornal, em boa hora o general Villas Bôas, comandante do Exército, se insurgiu contra tal postura, afirmando que a soberania nacional não é negociável, nem pode estar subordinada a nenhuma organização externa, muito menos à de um grupo de esquerdistas que procuram minar internamente o Estado Democrático de Direito. Cumpriu sua missão constitucional, expondo com clareza os perigos que assolam nosso país. Mais vale um alerta lúcido do que as consequências nefastas de uma renúncia à soberania nacional.
*Professor de filosofia na UFRGS.