Eleições

Bernardo Mello Franco: Na reta final, união contra Haddad

Com Bolsonaro no hospital, o PT virou saco de pancadas no debate de ontem. A pancadaria só foi interrompida pelo romantismo do Cabo Daciolo

Na ausência do líder das pesquisas, sobrou para o segundo colocado. Fernando Haddad foi o saco de pancadas do debate de ontem no SBT. O petista apanhou de todos os lados — até de candidatos que não têm mais esperanças de ultrapassá-lo.

“Você chegou como representante do preso que está em Curitiba”, provocou Alvaro Dias. O senador tentou se apresentar como o campeão do antipetismo. Agressivo, chegou a chamar o partido do ex-presidente Lula de “organização criminosa”.

“Se puder governar sem o PT, eu prefiro”, desdenhou Ciro Gomes. Emparedado pelo crescimento de Haddad, ele acusou a sigla do rival de ter montado uma “estrutura de poder odienta”. Também culpou o PT pela ascensão do líder Jair Bolsonaro, que classificou como “uma aberração”.

Mais distantes do segundo turno, Geraldo Alckmin e Marina Silva tentaram jogar no colo dos petistas a impopularidade do governo atual. “O Temer é do PT”, exagerou o tucano. “O Temer foi colocado onde está pelo Partido dos Trabalhadores, junto com a Dilma”, emendou a ex-senadora.

“Me desculpe, mas quem botou o Temer lá foram vocês. Ele traiu a Dilma e não conseguiria chegar à Presidência se não fosse a oposição. Você participou do movimento pelo impeachment para botar o Temer lá”, devolveu Haddad.

“Foram vocês sim, do PT, que se juntaram ao Temer para afundar o Brasil”, insistiu Marina. Os dois só concordaram em atacar o presidente em fim de mandato. Ontem a reprovação do governo chegou a 82%, segundo a pesquisa CNI-Ibope.

De volta do retiro nas montanhas, Cabo Daciolo providenciou um alívio para a pancadaria. Em clima de “Namoro na TV”, o nanico se declarou para a mãe e a mulher, que estavam na plateia do debate. “Mãe, eu te amo! Varoa, eu te amo! Mulheres brasileiras, eu amo todas vocês!”, galanteou.

O charme do bombeiro derreteu até o coração radical de Guilherme Boulos. “Daciolo, a gente já estava com saudade”, desmanchou-se o líder dos sem-teto.


FAP Entrevista: Miguel Arcangelo Ribeiro

Na política, o resultado só se revela após a abertura das urnas, avalia Ribeiro

Por Germano Martiniano

O cenário político brasileiro se afunila a cada dia a caminho da polarização. Na última pesquisa realizada pelo Ibope, Bolsonaro subiu dois pontos, chegando aos 28%, enquanto Haddad foi para os 22%. Ciro se manteve com 11% e Alckmin subiu de 7% para 8%, um crescimento fraco para o candidato do PSDB, que agora tenta sua última “cartada” na rejeição de Bolsonaro, que perderia para o PT no segundo turno. A avaliação da equipe do tucano é: quem quiser evitar o PT deve ir de Alckmin, pois Bolsonaro não tem condições de vencer Haddad.

Mediante este quadro polarizado, quem perde é o centro político que não conseguiu emplacar ainda nenhuma candidatura. Há tempo hábil para mudar essa configuração? Quem nos responde é o advogado e atual presidente da Fundação de Arte e Cultura da cidade de Nova Iguaçu (RJ), Miguel Arcangelo Ribeiro, entrevistado da FAP Entrevista, série que está sendo publicada aos domingos e, agora, às quartas-feiras (excepcionalmente será publicada hoje, quinta-feira ), com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, com o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano, que são as eleições.

“A pesquisa citada revela que o candidato da extrema direita pode estar em uma encruzilhada. No Sul está em tendência de queda. Sua rejeição aumentou. No segundo turno perde para o candidato da extrema esquerda”, avalia Miguel Ribeiro. "Alckmin ainda pode crescer se valendo da forte rejeição que Bolsonaro possui", acredita.

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:

FAP Entrevista - Como o senhor avalia essa última pesquisa Ibope, que traz Bolsonaro com 28% das intenções de voto e Haddad com 22%?
Miguel Arcangelo Ribeiro - Avalio com muita preocupação. As duas candidaturas representam lados extremos da política, lados avessos ao diálogo. Os índices de rejeição das duas candidaturas apontam que, no caso de vitória de qualquer um dos extremos, o país permanecerá dividido.

O senhor crê que ainda existe alguma chance do chamado centro político reverter este quadro?
Em política, o resultado só se revela após a abertura das urnas. A pesquisa citada revela que o candidato da extrema direita pode estar em uma encruzilhada. No Sul está em tendência de queda. Sua rejeição aumentou. No segundo turno perde para o candidato da extrema esquerda. Vejo que há possibilidade de revertermos esse quadro levando um nome do centro democrático para o segundo turno. Não há facilidades para isso. Mas é possível!

Analistas políticos dizem que a candidatura de Alckmin não decolou devido a fatores como ter subestimado Bolsonaro, nunca ter sido unanimidade no PSDB; a fragilidade do PSDB frente às acusações de corrupção a vários de seus dirigentes, entre eles, Aécio Neves e por fim, por acreditar demasiadamente no “latifúndio” de televisão em tempos de redes sociais. O senhor concorda?
São argumentos válidos para uma análise depois dos fatos ocorridos. Essa eleição, até o momento, está marcada por situações bem peculiares. Quem imaginaria que um candidato sofreria um ataque de arma branca numa caminhada? Entendo que, diante fatos como este, a discussão política sobre o país que desejamos construir foi deixada de lado. Essa era a estratégia da candidatura Alckmin. Ele não conseguiu que sua pauta sobressaísse, o que os dois extremistas, através do marketing eleitoral, conseguiram.

Uma das apostas remanescentes para Alckmin é alertar o eleitorado anti-petista que, se quer evitar o retorno do PT ao poder, não devem votar em Bolsonaro, pois o candidato do PSL perde para todos em um possível segundo turno. Essa aposta pode dar certo?
Espero que essa aposta tenha êxito. Entendo que a candidatura de Geraldo Alckmin é o melhor caminho para o país.

Lideranças como Fernando Henrique Cardoso, Marcus Pestana, Cristovam Buarque, entre outros, criaram o Ato do Polo Democrático e Reformista com intuito de se evitar a polarização política no país. Esse Ato, no entanto, não teve aderência social. O que faltou?
Em camadas da população há uma descrença na política. De um lado, os mais abastados, que querem do Estado a segurança. Do outro lado, grande contingente da população que necessita de apoio do Estado para as questões mais básicas. A construção política pelo centro é mais complexa. Exige responsabilidade com a coisa pública. Nossa opção não permite bravatas como os dois candidatos extremistas jogam nas suas campanhas. De qualquer maneira, se os extremistas forem para o segundo turno, haverá necessidade de que façam uma guinada ao centro. A rejeição aos extremos é proporcional aos seus percentuais. É por isso que ainda vejo a possibilidade de Alckmin alcançar a votação necessária para levar o centro democrático ao segundo turno.

Muitas críticas foram feitas ao Alckmin por se aliar ao Centrão. Em sua visão, este foi um erro ou qualquer que seja o candidato no segundo turno - e até o vencedor das eleições - terão de buscar ess apoio para ter governabilidade?
Acho que respondi na pergunta anterior uma boa parte dessa questão. Na maioria dos Estados as coligações pragmáticas estão na frente. A conjuntura nacional é mais complexa. Qual seria a opção do Alckmin se não optasse pelo pragmatismo político?

Muitas pessoas esperavam renovação nessas eleições. Entretanto, temos o PT novamente e um candidato conservador de extrema direita. O que aconteceu no Brasil para chegarmos à esta situação?
Vou tentar responder, inicialmente, com uma pergunta. Será que o quadro atual não demonstra as insatisfações difusas das manifestações de 2013? A negativa dos governos de Dilma e de Temer em responder às questões de 2013 nos levou ao precipício atual.

O que seria uma renovação política atualmente no Brasil e como ela se daria?
A mudança em algumas das regras eleitorais é fundamental. O modelo francês muito me atrai. Seriam eleições próximas, mas descasadas. Inicialmente os cargos do executivo, presidente e governador. Depois, 45 dias após o resultado final, a eleição para os legislativos, Senado, Câmara Federal e Assembleias Estaduais. Seria uma luz nas discussões sobre o país e sobre as responsabilidades dos Executivos e Legislativos, algo ainda muito de difícil compreensão na nossa democracia.


El País: “O problema do Bolsonaro é do PSDB e DEM. Sem Lula, temos Ciro e Haddad”, diz José Dirceu

Ex-ministro de Lula viaja de ônibus pelo país, para lançar livro escrito enquanto estava preso, e diz que não pretende participar do Governo se o PT ganhar a eleição. “A elite que reze para que eu fique bem longe”

Por Marina Rossi, do El País

“Prazer, sou Zé Dirceu. Desculpe o atraso”. Assim o homem que já foi o mais poderoso do Governo Lula, condenado a mais de 30 anos de prisão, chegou, atrasado mais de uma hora, para a entrevista concedida ao EL PAÍS dentro de um ônibus leito em Jaboatão dos Guararapes, Região Metropolitana do Recife. É nesse ônibus que José Dirceu (Passa Quatro, 1946), ex-ministro-chefe da Casa Civil, está viajando desde o início de setembro para divulgar seu livro Zé Dirceu – Memórias volume 1 (editora Geração). Assessores, o editor, a mulher, a filha de sete anos e a sogra acompanhavam a viagem do petista naquela semana, que incluiu Sergipe, Maceió, Pernambuco e Paraíba. A expectativa é visitar todos os Estados do país até o final de novembro.

O primeiro volume do livro – que vendeu 25.000 exemplares e está na segunda impressão – foi escrito durante os quase dois anos e meio em que o fundador do PT esteve detido, no total, entre os processos no âmbito do mensalão e da Lava Jato (leia mais no quadro abaixo). Enquanto esteve preso, era conhecido por sua disciplina militar. Assim que chegou ao Complexo da Papuda pela primeira vez, em 2013, quis entender das regras locais, para não violar nenhuma. Realizava diariamente uma rotina de exercícios e evitava entrar em qualquer discussão. "Na cadeia, todo mundo sabe o limite de discussão sobre religião, futebol, política, todo mundo conversa até um certo ponto", diz, com propriedade.

Preso três vezes - uma pelo mensalão, condenação pela qual recebeu indulto, e duas pela Lava Jato - o ex-ministro afirma estar “sempre preparado para o pior”, embora acredite que não voltará à cadeia novamente. Bem humorado, bronzeado e com alguns quilos a mais desde que deixou a prisão pela última vez, em junho deste ano, falou sem parar por mais de uma hora. “O que dei de entrevista até agora, se juntar tudo dá um livro de 500 páginas”, afirmou, no dia seguinte ao lançamento de seu livro no Recife. O evento encheu o auditório do Sindicato dos Bancários com militantes, que o chamam de “comandante”.

O segundo volume do livro já está em fase de produção com detalhes que ele vem anotando durante a viagem. Luiz Fernando Emediato, dono da Editora Geração, que o está acompanhando na caravana, diz que a expectativa com as vendas é alta. “O piso dele são 300.000 exemplares”.

Pergunta. Durante essa caravana de lançamento do livro, o senhor sofreu algum episódio de hostilidade?
Resposta. Nenhum. Nem em restaurante, nem em estrada, nem em posto de gasolina.

P. E qual leitura o senhor faz desse momento de tanto ódio? O PT tem algum papel nisso?
R. O apoio que Lula tem e o crescimento do PT interligam a memória do legado do Lula com as consequências do golpe. O cidadão lembra do Lula. A família dele, onde antes trabalhavam quatro pessoas, o filho estava na faculdade, a mulher havia comprado uma moto, a filha abriu um micronegócio e agora só tem um trabalhando. E o golpe, a Lava Jato e antes disso, eles não terem reconhecido o resultado da eleição, terem participado do Governo Temer, isso custou muito caro para eles.

P. Eles quem?
R. O PSDB principalmente, que é o partido mais rejeitado hoje, vai ser um desastre eleitoral, o Temer, o DEM, que também está caminhando para ter um péssimo resultado eleitoral. De certa maneira, há um sentimento de que houve uma injustiça com Lula, que o Lula é perseguido. E quando se diz que alguém é perseguido, você não entra mais no mérito de por que a pessoa está respondendo por um suposto crime, você parte do princípio que ele é perseguido. Como não há provas concretas contra o Lula, o senso comum diz que não tem provas. Então acho que eles perderam. Historicamente acho que é a maior derrota que a direita já teve no Brasil.

P. Dentro desse contexto, o senhor acha que existe a possibilidade de o PT ganhar essas eleições e não levar?
R. Acho improvável que o Brasil caminhará para um desastre total. Na comunidade internacional isso não vai ser aceito. E dentro do país é uma questão de tempo pra gente tomar o poder. Aí nós vamos tomar o poder, que é diferente de ganhar uma eleição.

P. O senhor consegue imaginar o Brasil governado por Bolsonaro?
R. Já passamos pelo Jânio Quadros, sabemos o que é. Passamos pelo Temer. Tem governo mais irresponsável do que o dele?

P. O senhor acha que um Governo de Bolsonaro seria igual ao de Temer?
R. Não. Bolsonaro é o Temer mais a regressão de comportamento cultural e o autoritarismo não democrático. O Governo do Bolsonaro com Paulo Guedes vai ser um arrasa quarteirão. Mas isso não dá certo em lugar nenhum. A Argentina aí e olha o resultado: privatizar tudo, tirar o Estado, cortar gasto, dá no que deu. A Argentina era mostrada como um modelo para nós há um ano atrás. O Brasil tem uma equação a ser resolvida: O Estado de bem-estar social e a distribuição de renda não cabem na estrutura tributária, bancária e financeira que existe no país. Porque ela se apropria da renda e não se paga o imposto quem tem que pagar. E como se gasta 400 milhões com os juros da dívida interna. Nós cobramos juros reais maior que qualquer país da América Latina...

P. Mas a gente sempre cobrou esses juros, inclusive durante o Governo do PT.
R. Mas isso tem que mudar.

P. Lula teve, ao longo dos oito anos de Governo, alta aprovação, maioria no Congresso. Por que não foi feita uma reforma tributária naquele momento?
R. Porque nós não temos força para fazer isso, nem hoje e nem amanhã.

"Eu fui cassado antes de qualquer investigação. É um absurdo, é uma decisão política, para me tirar do Governo, da vida política do país"

P. Então isso não vai mudar.
R. Não, tem que acumular força. Eles priorizaram a mobilização popular, deles, da classe média, durante o nosso governo.

P. E por que as reformas não foram feitas pelo Governo do PT?
R. Porque tentamos. Tentamos a reforma tributária, tentamos a reforma política, o Lula tentou, a Dilma também. Não fomos nós que não queríamos. Nós não tínhamos força. E Lula tinha que tomar uma decisão: o que é prioritário? Fazer reforma política, resolver o problema das Forças Armadas, resolver o problema da riqueza e da renda ou atacar a pobreza e a miséria, fazer o Brasil crescer, ocupar um espaço na América Latina, ocupar o espaço que o Brasil tem no mundo? Ele fez a segunda opção. Era justo, era a opção dele. Muitos podiam ter a opinião de que era preciso fazer as reformas mesmo que isso custasse para nós cair do Governo.

P. O que deu errado no segundo Governo Dilma?
R. Não deu errado. Eles derrubaram a Dilma independentemente se ela estava certa ou errada, eles iam derrubar. E a recessão, 70% dela é a crise política. Não aprovaram o ajuste dela e fizeram a pauta bomba. Criaram uma crise política no país que ninguém comprava, ninguém vendia e ninguém emprestava.

P. O senhor acha que existe a possibilidade de um novo golpe militar?
R. Acho muito remoto. Não acredito.

P. Nem via um eventual governo de Bolsonaro?
R. Bolsonaro não ganha essa eleição.

P. Por quê?
R. Porque não tem maioria no país para as ideias dele.

P. Em alguns cenários ele passa de 40% dos votos no segundo turno.
R. Segundo turno sempre é assim. Não tem para onde correr no Brasil. O eleitorado tem posição política. É mentira que o eleitorado brasileiro não tem consciência política, que o povo é conservador. Senão Lula não teria 45% dos votos.

P. O senhor participaria de um eventual governo de Haddad?
R. Não.

P. Nem como “conselheiro”, que é como o PT vem dizendo que é o papel de Lula frente à campanha?
R. Nada. Eu sou cidadão. Não posso ser votado e não posso votar pelos próximos 82 anos [a suspensão dos direitos políticos faz parte de sua pena por corrupção]. Só se a medicina me fizer viver por 200 anos. Eu vou continuar fazer o que estou fazendo: escrevendo, estudando, fazendo palestra, viajando pelo país.

P. O senhor dorme bem?
R. Durmo muito bem. Na cadeia, no começo, você sempre tem dificuldade, né? A primeira coisa que você precisa fazer é endurecer a lombar e fortalecer os músculos das costas, porque as camas são de ferro e não pode ser de material que possa ser transformado em arma, né? Os colchões são [aproxima o indicador do dedão, para dizer que são finos]. Preso sempre tem um pouco de insônia, ansiedade, né? Mas aí ou você toma medicação ou você se disciplina. Não [pode] dormir de dia...

P. O senhor não tomou nenhum remédio?
R. Nos primeiros dois meses, eu tomei um indutor de sono. Depois nunca mais tomei nada.

P. E fazia exercício para fortalecer a lombar...
R. Todo preso faz exercício.

P. Eduardo Cunha [ex-deputado do MDB, que liderou o impeachment e foi preso em 2016 no mesmo complexo que Zé Dirceu, também no âmbito da Lava Jato] faz exercício? Como era a convivência com ele?
R. Faz. Ele é muito disciplinado. Caminha muito, faz serviços gerais, coletivos, sem nenhum problema, se precisar lavar, ele lava, se tem que limpar as portas... porque como era um hospital [eles ficaram presos no Complexo Médico Pinhais, no Paraná], nós fazíamos muita limpeza, né? Por causa de risco de contaminação. Todos os presos têm muito cuidado com a higiene. Ele passa metade do tempo cuidando dos processos dele, e metade do tempo lendo a Bíblia, porque ele é evangélico, um estudioso da Bíblia. A minha convivência com ele era muito simples, muito boa.

P. Algum preso tinha algum problema?
R. Não, porque na cadeia todo mundo sabe o limite de discussão sobre religião, futebol, política, todo mundo conversa até um certo ponto. Quando começa a discussão, os mais experientes já vão pra cela deles e falam “isso aí vai acabar mal...”. Mas não houve nenhum incidente grave.

P. O senhor pensa que pode voltar à prisão?
R. Legalmente não. Pelo que o Supremo determinou, eu não posso ser preso por fundamento, por uma decisão de segunda instância. Até porque é plausível, pela prescrição e pela dosimetria, que a minha pena de 30 anos e nove meses não se mantenha. Portanto eu já cumpri o regime fechado. E o segundo processo [na Lava Jato, foi sentenciado em duas ações penais por corrupção e lavagem de dinheiro: em uma, é acusado de receber propina da Engevix, e na outra, por ter favorecido a contratação da empresa Apolo Tubulars pela Petrobras], eu tenho que ser absolvido. Se você se der ao trabalho de ler o processo, vai ver que eles me condenaram, mas ainda está em votação. O placar estava em dois a um, foi pedido vista e se tiver o voto divergente fica para o ano que vem. E isso é segundo instância, então em tese eu não posso ser preso. Em tese. Terceira instância tem que julgar. Se cair a pena por prescrição e dosimetria, eu já estou no outro regime, então já é uma outra situação.

P. Então o senhor não trabalha com essa possibilidade?
R. Sempre trabalho, né? Estou sempre preparado para o pior.

P. E o que significaria o senhor e Lula estarem presos?
R. Já estivemos presos juntos. Não muda nada no Brasil.

P. E para o PT? Não significa nada? As duas principais cabeças do PT estarem presas não significa nada?
R. Estão presas mas não param de dirigir, de comandar, de participar.

P. Não é simbólico?
R. O eleitor não diz isso.

"O problema do Bolsonaro é do PSDB e do DEM. Eles que não tem alternativa. Nós, sem o Lula temos Ciro e Haddad. Eles não tem"

P. Estou dizendo para o partido.
R. Se a condenação fosse justa... Eu quero que alguém prove. Eu fui cassado antes de qualquer investigação. É um absurdo, é uma decisão política, para me tirar do Governo, da vida política do país. Eu fui condenado na Lava Jato, é um absurdo a condenação, me ligam a cinco processos. Não tem uma prova que eu esteja ligado às licitações. Dos 45 milhões de propina que a empresa pagou eu sou responsável por devolver 15? Eu não tenho nenhuma ligação com aquilo. Ninguém prova que eu fiz qualquer intermediação, tráfico de influência, participei de qualquer licitação. Cometi erros? Cometi. Falei para o [juiz Sergio] Moro no depoimento.

P. Quais erros?
R. Que eu tinha que ter declarado empréstimo que foi feito no Imposto de Renda. O Milton Pascowitch [empresário, considerado pela Lava Jato um operador de propinas] fez duas reformas para mim e eu não paguei. Aí tudo virou propina.

P. Quais outros erros o senhor cometeu?
R. No caso é esse. Não tive relação com a Petrobras, não me meti em licitação, não peguei dinheiro...

P. O único erro que o senhor cometeu foi não ter declarado o empréstimo no Imposto de Renda?
R. Eu falei pra ele [Moro]: se tivesse que ser condenado, era pela Receita Federal e não criminal. E mais: Eles não acham um diretor da Petrobras, um empresário que fale de mim. Os que falaram da Engevix falaram na quarta vez porque a delação é totalmente fajuta. Porque no começo eles falaram que nunca trataram da Petrobras comigo, que eu os levei para o Peru para disputar licitações. Disseram que me pagaram 900.000 reais. Eu não trabalhava para ganhar dinheiro, eu trabalhava para fazer política.

P. A estratégia de priorizar a defesa de Lula até o último segundo, invés de anunciar um substituto foi acertada?
R. Certíssima. Tá aí o acerto: Nós temos 20% de votos. E vamos pra 30%. O Lula tem 40% do eleitorado, Haddad pode ter 30%. Nós não podemos abrir mão de algo que é legítimo, legal que é o direito do Lula ser candidato. O PT quer e a maioria da população quer. O ônus tem que ser com a Justiça que fez essa infâmia de impedir Lula de ser candidato. Segundo, o PT quer Lula como candidato, Lula quer ser candidato, por que nós vamos tirar? Terceiro, do ponto de vista de estratégia eleitoral era o melhor caminho: manter o eleitorado com Lula até o limite. Quem determinou o limite foi a Justiça que deu dez dias de prazo pra nós. Nós cumprimos e o Haddad assumiu. Não vejo que o Haddad vá perder ou ganhar por causa disso.

P. O senhor não pretende participar de nenhuma agenda de campanha de Haddad?
R. Não participo de campanha eleitoral.

P. Por quê?
R. Não é meu papel. Não preciso participar. Eu ajudo o PT fazendo o que eu estou fazendo.

P. Não é o seu papel, mas o senhor está trazendo bastante militante para os lançamentos, não?
R. Os militantes vêm me ver porque são 40 anos juntos. Os jovens, pela minha postura na prisão, pela minha história no PT, eles vêm porque querem me conhecer, querem falar comigo. Eu tenho 53 anos de direção política. Fui o principal dirigente do PT por quase duas décadas depois do Lula, então é natural que onde eu chego, pode ser que eu até tenha voto para me eleger ao que eu quiser em São Paulo, mas não é meu objetivo.

P. Até porque, o senhor não pode se candidatar.
R. Mesmo que eu pudesse, não seria de novo deputado. Eu quero fazer o que eu estou fazendo, estou muito bem assim. Tenho 72 anos, vamos supor que eu viva mais 15 anos, meu pai viveu até os 88 anos, minha mãe morreu com 87. Vamos tomar a idade do meu pai. Eu tenho mais 15 anos de vida. Tenho que organizar esses 15 anos da melhor maneira possível. Daqui a cinco anos vai diminuindo a capacidade de trabalho, daqui a dez anos mais.... Eu quero aproveitar. Gostaria de viajar para o exterior. Tenho amigos em todos os países. Mas eu estou impedido. Não legalmente, mas estou impedido pelo bom senso.

"[A elite] vai ter que entregar os aneis. Não dá para tirar o Brasil da crise sem afetar a renda, a propriedade e a riqueza da elite"

P. Seu passaporte não está com o senhor?
R. Não. Foi recolhido, mas agora eu não tenho mais essa cautelar porque o Supremo não me deu nenhuma medida cautelar. Mas o bom senso indica que eu não devo fazer isso.

P. Por quê?
R. Porque eu não devo fazer. Por que eu quero ir para o exterior?

P. O senhor acabou de falar que queria...
R. Mas isso é uma vontade minha. Não é uma necessidade. Necessidade que eu tenho é fazer o que eu estou fazendo, que eu me defenda aqui dentro. Eu estou me defendendo também, né?

P. Quando foi o momento em que o senhor percebeu que seria preso?
R. Quando o Supremo aprovou o trânsito em julgado parcial [em outubro de 2013], que é uma aberração, eu falei: vão nos prender. Um mês depois eu estava preso [pelo caso do mensalão]. Saí para passear, fui pra praia, porque sabia que era a última vez.

P. Pra onde o senhor foi?
R. Para Itacaré (BA). Eu voltei de Itacaré para Vinhedo (SP) e depois entrei no outro dia [na prisão]. Agora em março [deste ano] anunciaram três vezes que iam me prender. Então eu já estava esperando. Quando chegou aquele 4 de agosto [de 2015, quando foi preso novamente, desta vez pela Lava Jato], eu já estava esperando. Eu fiquei mais abatido porque a minha filha foi denunciada e meu irmão foi preso. O processo da minha filha foi arquivado depois. Mas aquilo era pressão psicológica para eu fazer delação. Nem meu irmão delatou e nem eu. Meu irmão está cumprindo pena em Taubaté, condenado por corrupção e lavagem de dinheiro.

P. O senhor se acha um perseguido político? Por que queriam tanto te prender?
R. Em 2013, todo mundo sabe, porque eu era, de certa forma, o sucessor natural do Lula. Eu não seria, na minha avaliação, mas eu era [considerado]. Eu era a peça principal do PT e da esquerda, sem falsa modéstia. Depois de 15 anos eu ainda sou uma das principais pessoas do PT e da esquerda brasileira. Estou falando porque as pessoas dizem. Eu não estava preocupado com isso, mas as pessoas falam.

P. O Mensalão nunca existiu?
R. O Mensalão, que é comprar deputado, não. Marcos Valério falou para a Folhaque ele está fazendo delação e vai provar que não houve mensalão.

P. E de onde surgiu essa teoria então?
R. De dois empréstimos feitos pela empresa de Marcos Valério Publicidade repassados pelo PT pelo Banco Rural para pagar dívidas de campanha e financiar campanha. Esses 53,4 milhões. Está provado que o negócio da Visanet não existiu [o Fundo Visanet foi criado em 2001 para promover a marca Visa e pertencia à Companhia Brasileira de Meios de Pagamento, da qual o Banco do Brasil detinha 31,99%. No processo do mensalão, Henrique Pizzolato, ex-diretor de marketing do Banco do Brasil, foi acusado de liberar irregularmente mais de 70 milhões de reais do Fundo para a DNA, a agência de Marcos Valério. Pizzolato fora condenado a 12 anos de prisão pelo mensalão, mas fugiu do Brasil em 2013. Foi capturado em 2015 para cumprir sua pena]. Todos os serviços que foram prestados, foi feito uma auditoria, e foram recebidos. Isso foi uma invenção.

P. Isso tudo faz parte de um plano?
R. Da política. Não é só no Brasil que tem isso. Como Jânio se elegeu presidente? Contra a corrupção. Como Collor se elegeu presidente? Contra a corrupção. Como o golpe de 64 foi dado? Contra a corrupção e a subversão, mas era a corrupção primeiro.

P. Bolsonaro pode ser eleger contra a corrupção, então?
R. Não. Isso não pesa nada no voto dele. Nada. 45% dos eleitores estão conosco. Ele tem outros 45%, que é voto conservador, de direita, que não acredita mais no PSDB, que não vê opção nos outros. Ou que acredita nas ideias do Bolsonaro. Nas quatro ideias dele: Mulher é pra ficar em casa lavando roupa, filha mulher é uma tragédia, tem que matar bandido... O problema do Bolsonaro é do PSDB e do DEM. Eles que não têm alternativa. Nós, sem o Lula, temos Ciro e Haddad. Eles não têm. Não têm credibilidade mais no país. Nós temos. Nós não temos a elite do país e nem queremos ter.

P. Mas vai precisar dela para se eleger.
R. Se depender de mim... Eles que rezem para que eu fique bem longe. Não vamos precisar dela não. Ela vai ter que entregar os aneis. Não dá para tirar o Brasil da crise sem afetar a renda, a propriedade e a riqueza da elite. E acabar com a concentração de renda via juros do capital do sistema bancário e dos rentistas.

P. Por que agora vai ser possível fazer isso?
R. Porque antes tinha margem de manobra no orçamento do país para você fazer políticas sociais. Agora não há nenhuma.

P. Ou vai ser isso, ou será um governo paralisado, como foi o segundo mandato de Dilma?
R. Dilma fez um ótimo primeiro governo. Não fez mais porque não deixaram ela governar. Ela tentou fazer um ajuste e não deixaram.

P. E por que deixarão Haddad fazer?
R. Ele pode fazer muita coisa. Mas isso é ele quem tem que responder, não sou eu. Não sou candidato. Onde você estava? [pergunta para a filha de sete anos que entra correndo dentro do ônibus atrás de um leão de pelúcia].

TRAJETÓRIA CRIMINAL

Outubro de 2012: condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por corrupção ativa e formação de quadrilha no processo do mensalão

Novembro de 2013: se entrega à Polícia Federal depois de o STF expedir mandado de prisão contra 12 réus do mensalão

Julho de 2014: é absolvido pelo STF pelo crime de formação de quadrilha

Outubro de 2014: é liberado pelo ministro Luís Roberto Barroso, do STF, para cumprir o restante da pena de prisão em casa

Agosto de 2015: é preso preventivamente na 17ª fase da Operação Lava Jato

Setembro de 2015: é indiciado pela PF pelos crimes de formação de quadrilha, falsidade ideológica, corrupção passiva e lavagem de dinheiro

Julho de 2016: é indiciado novamente na Lava Jato, desta vez por crimes de corrupção ativa, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro

Maio de 2016: é condenado pelo juiz federal Sérgio Moro a 23 anos e três meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva, recebimento de vantagem indevida e lavagem de dinheiro na operação Lava Jato

Novembro de 2016: o ministro do Supremo Luís Roberto Barroso concede indulto pela pena do mensalão

Março de 2017: é condenado a 11 anos e três meses pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro pela Lava Jato, totalizando uma pena de 31 anos.

Maio de 2017: Supremo concede, por 3 votos a 2, sua liberdade, argumentando que, por ele já ter sido condenado em dois processos, "seria improvável que ele conseguisse interferir nas investigações”. No dia seguinte o juiz Sérgio Moro determina sua soltura e o uso de tornozeleira eletrônica.

Maio de 2018: o TRF4 nega, por unanimidade, seu último recurso no tribunal. No dia seguinte, Dirceu se entrega.

Junho de 2018: é solto em Brasília, após passar um mês preso no Complexo Penitenciário da Papuda. Condenado a 30 anos e 9 meses de prisão no âmbito da Lava Jato, acabou sendo solto após decisão do STF que considerou que há "plausibilidade jurídica" em um recurso da defesa apresentado contra a condenação pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, de segunda instância.


Luiz Carlos Azedo: Dez dias decisivos

“Para quem acreditou na narrativa do golpe, nada como a teimosia dos fatos para demonstrar que vivemos numa democracia robusta”

O norte-americano John Reed (1887-1920) é um grande mito do jornalismo político. Filho de um milionário de Portland, formou-se em Havard e se tornou repórter. Após aderir às ideias socialistas, resolveu escrever reportagens sobre os movimentos sociais da sua época, o que lhe valeu algumas prisões e o levou ao México, em 1914, para fazer a cobertura da revolução liderada por Pancho Vila, de quem se tornou próximo. Depois, virou correspondente nos campos de batalhas da Primeira Guerra Mundial, nos Países Baixos, na Alemanha, na França, na Romênia, na Bulgária, na Turquia e na Grécia, até chegar à Rússia, o que lhe possibilitou escrever a sua obra mais famosa: Dez dias que abalaram o mundo.

O pequeno livro, narrado no calor dos acontecimentos em forma de crônicas, é a obra seminal da reportagem moderna, considerado pela Universidade de Nova York como um dos 10 melhores trabalhos jornalísticos do século XX. Reed acompanhou de perto a atuação dos principais líderes da Revolução de Outubro, entre os quais Lênin e Trotsky, no curto período de tempo da insurreição que levou os bolcheviques ao poder. Reed chegou a Petrogrado (São Petersburgo) em agosto de 1917 e permaneceu na Rússia até morrer, em 17 de outubro de 1920, em Moscou. Sua narrativa da Revolução Russa lhe valeu um enterro com honras junto às muralhas do Kremlin, onde seu túmulo é visitado, diariamente, por milhares de turistas.

“Jack” Reed, como era chamado, até hoje inspira jovens repórteres. Seus livros renderam dois clássicos do cinema: Outubro (1927) e Viva México! (1931), de Sergei Eisenstein. Em 1981, Warren Beatty dirigiu Reds, no qual conta a vida do jornalista romântico e revolucionário, cujo papel interpretou no filme. Dez dias que abalaram o mundo encheu de esperanças e frustrou gerações ao longo de um século; sua releitura mostra a essência de tudo o que viria a acontecer depois da tomada do poder, inclusive os “vícios de origem” que levaram o modelo socialista ao colapso.

Vivemos num mundo muito diferente daquele que Reed nos relatou em seus livros. Sem dúvida, muito mais conectado do que aquele no qual os acontecimentos eram descritos por meio de cartas e telegramas, fotos e filmes em preto e branco. O que vai acontecer nos próximos dias ninguém sabe. O que se anuncia é um formidável choque de concepções e interesses, num processo eleitoral radicalizado, de desfecho imprevisível quanto ao vencedor. Não é algo que emergiu no processo eleitoral, muito pelo contrário, vem se anunciando desde 2013, quando ficou patente o descolamento entre a sociedade e sua representação política. Até agora, os mecanismos constitucionais existentes foram capazes de absorver essas tensões, inclusive as do impeachment da presidente Dilma Rousseff e as da Operação Lava-Jato.

Transição

O que acontece no Brasil desperta amplo interesse na imprensa internacional. Não é fácil entender muito bem a trama da política brasileira, com seus pontos fortes e fracos. Na abertura da Assembleia Geral da ONU, na terça-feira, chefes de Estado de todo o mundo ouviram o presidente Michel Temer anunciar que passará o poder ao futuro presidente eleito com o país em ordem e a economia funcionando. Para quem acreditou na narrativa do golpe, nada como a teimosia dos fatos para demonstrar que vivemos numa democracia robusta.

Desperta certa inveja entre as nações a realização de eleições livres cujas urnas são apuradas no mesmo dia, sem fraudes, com o povo escolhendo seus representantes pelo voto direto e secreto. Como entender a polarização política protagonizada por um político preso, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cuja candidatura foi impugnada, e Jair Bolsonaro (PSL), um ex-capitão do Exército, que está hospitalizado em razão de uma facada recebida em plena campanha eleitoral, sem que tais fatos não tenham causado uma guerra civil ou um golpe militar? Tudo indica, pelas pesquisas divulgadas ontem, que teremos segundo turno. É um bom sinal, pois isso significa que haverá necessidade de moderação e entendimentos políticos no futuro próximo, ainda que nestes 10 dias que faltam para o primeiro o turno a radicalização persista.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-dez-dias-decisivos/


Bruno Boghossian: Movimento do centrão mostra que partidos já ganharam a eleição

Aspecto gelatinoso do bloco permitirá adesão tanto a Haddad quanto a Bolsonaro

Os movimentos da quinzena final de campanha dão uma certeza a esta eleição imprevisível: o centrão já ganhou. No dia 1º de janeiro, parlamentares do bloco estarão no plenário da Câmara para aplaudir o presidente empossado. Por ora, tudo indica que esse cidadão não será Geraldo Alckmin, candidato apoiado pelo grupo. Os sorrisos dos deputados estarão largos mesmo assim.

O desempenho fraco do tucano ao longo de toda a disputa precipitou as deserções e os flertes públicos de muitos políticos de sua chapa com Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT). Alckmin foi confrontado com articulações constrangedoras, feitas à luz do dia, por alguns de seus aliados com os adversários.

Dirigentes do centrão passaram a discutir internamente o caminho que deverão seguir no segundo turno entre o PT e o PSL. O formato gelatinoso do bloco, sem orientação ideológica clara, permite que as siglas se alinhem a qualquer um dos lados.

Os petistas, embora traídos no impeachment de Dilma Rousseff, sabem que precisarão de musculatura no Congresso. O partido mostrou, em seus 13 anos no poder, que topa seguir a tabela de preços do presidencialismo de coalizão.

Boa parte do centrão, no entanto, quer mesmo apoiar Bolsonaro, o político que promete não formar um governo político. Ressalvada a proposta absurda de sua equipe para impor obediência obrigatória às bancadas, o candidato do PSL também sabe que precisará construir uma maioria no Congresso. Os deputados já começam a treinar o sorriso.

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Alguns eleitores de Bolsonaro acreditam que há uma maquinação internacional contra o candidato. Alegam nas redes sociais que o Itamaraty mentiu no telegrama, revelado pelos repórteres Marina Dias e Rubens Valente, que reproduz um relato de ameaça de morte feito por uma ex-mulher do deputado. O papel está lá, mas esses apoiadores insistem em usar teias de conspiração fajutas como rede de segurança.


Cristiano Romero: Estabilidade e eleição

Depois de 33 anos, estabilidade econômica e política é questionada

A mais desafiadora transição política enfrentada pelo Brasil, desde a redemocratização, mostra que o país precisa amadurecer suas instituições. A democracia deve ser encarada como um bem absoluto, inalienável, mas sua construção, especialmente em nações que experimentaram interrupções históricas (no caso brasileiro, em 1937, com o Estado Novo, e, em 1964, com o golpe militar), é cotidiana. Em geral, quanto mais antiga uma democracia, mais forte ela é e mais arraigados são os valores democráticos.

Democracias frágeis têm instituições frágeis. É por isso que algumas transições são marcadas por turbulências. Quando os militares perceberam, em meados da década de 1970, que ficou difícil esticar a ditadura depois dos anos de chumbo - cujo marco inicial foi a edição do Ato Institucional número 5 (AI-5), no fim de 1968 -, a ideia de distensão e abertura tomou lugar. Mas quem detém poder, principalmente num regime autoritário, resiste a entregá-lo.

Entre 1975 e 1985, período em que se deu a transição "lenta, gradual e segura" arquitetada pela cúpula militar, grupos resistentes ao retorno da democracia tentaram promover golpes dentro do golpe e, por muito pouco, a redemocratização não foi abortada. No fim, uma "surpresa" desagradável para os brasileiros que não votavam para presidente desde 1961: coube ao Congresso eleger o primeiro presidente depois de três décadas.

Este é o Brasil: no papel, o regime de exceção vigorou de abril de 1964 a março de 1985, sendo que a transição para a democracia consumiu quase metade desse tempo. Muito comum na história do país, o acordo de transição conciliou interesses do grupo que perdeu a hegemonia e do grupo de oposição que assumiu em seu lugar. No acerto, o presidente seria Tancredo Neves, um dos expoentes da oposição "consentida", e o vice, José Sarney, um dos próceres do regime autoritário - a derrota no Congresso, em 1984, da emenda constitucional que restabelecia a eleição direta foi parte do acordo.

O destino, traiçoeiro que só ele, decidiu, porém, que em 15 de março de 1985, depois de mais de duas décadas de ditadura, Sarney subiria a rampa do Palácio do Planalto, e não Tancredo - que adoeceu dias antes da posse e morreu em 21 de abril. No Brasil, a vida imita a arte, e não o contrário. Nesse contexto, o primeiro governo civil da redemocratização foi marcado por disputa intestina entre viúvas da ditadura e a nova situação, liderada por integrantes da "resistência democrática".

Não se pode dizer que deu tudo errado. Afinal, a democracia avançou, direitos foram restaurados, elaborou-se uma nova Constituição, proibiu-se a censura, o país começou a sair da toca e a se aproximar dos vizinhos etc. Mas, marcado por intensas disputas de poder, o governo Sarney fracassou de forma retumbante na tentativa de estabilizar a economia. A situação era caótica: inflação de três dígitos, calote na dívida externa, ausência de crédito externo, paralisação dos investimentos etc.

Num ambiente conturbado, os brasileiros foram às urnas em 1989 e elegeram Fernando Collor, que conseguiu criar imagem de "outsider", político anticorrupção (para se contrapor aos muitos escândalos do governo Sarney) e anticomunista (para agradar a direita e a amplos setores da classe média e, assim, derrotar Lula no segundo turno). Ulysses Guimarães, líder da resistência democrática, obteve votação inexpressiva.

A eleição de 1989 mostrou que, naquele momento, já havia fadiga dos brasileiros com políticos tradicionais. Originário de uma oligarquia nordestina, Collor era tão ou mais tradicional que os outros, porém, com um marketing vigoroso, apresentou-se de outra maneira. Mas o que contribuiu decisivamente para sua propaganda dar certo foi o ambiente confuso, de crise econômica e desesperança, que o país enfrentava.

Aquele pleito teve ainda duas outras novidades: Lula começou a disputar eleições e o getulismo, na ocasião representado por Leonel Brizola, viveu seu ocaso. A partir dali, Lula e seu PT assumiram a hegemonia das esquerdas - desde então, estiveram em todas as eleições presidenciais e só perderam duas (1994 e 1998).

Collor sofreu impeachment em 1992 e seu vice, Itamar Franco, assumiu o cargo em meio a uma renitente crise econômica. Antes de tomar posse, exigiu dos partidos que derrubaram o antecessor que o apoiassem numa coalizão, do contrário, não colocaria a faixa presidencial. O PT foi o único que ficou de fora do governo porque, acreditando na tese do "quanto pior, melhor", apostou que Lula daria um baile na eleição de 1994. Já Fernando Henrique Cardoso, alçado a ministro da Fazenda em 1993, sabia que um plano econômico bem-sucedido o levaria ao poder.

Lula estava certo num aspecto. Se a eleição de 1994 tivesse ocorrido em ambiente parecido com o de 1989, provavelmente ele teria sido eleito. Durante o pleito, perguntou a seu candidato a vice, Aloizio Mercadante, se o Plano Real tinha chance de dar certo. Ouviu um "não" como resposta. Ocorre que o plano interrompeu um longo período (mais de 20 anos) de inflação alta no Brasil. Tanto em 1994 quanto em 1998, Lula perdeu a disputa para FHC no primeiro turno.

No segundo mandato de FHC (1999-2002), plantaram-se as sementes para a alternância de poder: a forte desvalorização do real nos primeiros meses deu a impressão aos cidadãos de que o real chegara ao fim e o apagão de energia em 2001 derrubou uma economia que crescera bem em 2000 (mais de 4%) e começava a acelerar o passo. Diante da liderança de Lula nas pesquisas, o mercado reagiu mal, o real voltou a desvalorizar-se e a inflação assanhou-se, chegando a mais de 12% naquele ano.

Esperou-se o pior de Lula e isso não veio. Ele chegou ao poder, derrubou a inflação, promoveu algumas reformas, reequilibrou as finanças públicas, pagou dívidas e respeitou contratos. Tornou-se o fiador da estabilidade e, em 2006, mesmo com a imagem arranhada por causa do escândalo do mensalão, foi reeleito depois de derrotar Geraldo Alckmin no segundo turno. Um registro: a inflação daquele ano (3,1%) foi a segunda menor da história e a economia já crescia, na margem, 4%.

Em 2010, o sucesso de seus dois mandatos permitiu a Lula eleger Dilma Rousseff com relativa tranquilidade. Havia desconfianças no mercado quanto ao compromisso da candidata com o legado do antecessor na economia, mas Lula tinha crédito. Naquele momento, nem o mais pessimista dos integrantes do mercado imaginou que, oito anos depois, chegaríamos a uma eleição presidencial duvidando da estabilidade econômica e política tão arduamente conquistada pelos brasileiros ao longo de 33 anos de redemocratização.


Bruno Boghossian: Primeiro soluço de Bolsonaro é sinal de resistência na reta final

Ainda é cedo para dizer se onda a favor do candidato vai refluir até a eleição

A penúltima semana da corrida presidencial começou com um soluço inédito da candidatura de Jair Bolsonaro. O novo levantamento do Ibope mostrou o deputado ainda na liderança, mas estacionado pela primeira vez desde o início oficial da campanha e com rejeição em alta.

Embora o retrato seja insuficiente para apontar os rumos da reta final da eleição, os números destacam vestígios de uma resistência ao deputado depois de sua disparada.

Bolsonaro sustentou 28% dos votos, mas viu subir para 46% o percentual de eleitores que dizem não votar nele. Os indícios mais perigosos para o candidato, porém, são projeções de segundo turno que sugerem um fluxo contrário a seu nome.

O candidato do PSL estava tecnicamente empatado com seus principais opositores nessas simulações. Agora, perde para Ciro Gomes (PDT) por 11 pontos, para Fernando Haddad (PT) por 6 e para Geraldo Alckmin(PSDB) por 5. Empata apenas com Marina Silva (Rede).

É cedo para dizer se a onda de Bolsonaro foi prematura demais, a ponto de provocar uma reação contrária igualmente vigorosa. É preciso saber se os ventos voltarão a soprar com força —e em qual direção.

De todo modo, Bolsonaro parece ter cristalizado uma fatia significativa de eleitores em torno de sua campanha. Ainda não há sinais de que eles pretendem abandoná-lo.

A provável explicação para o retrato exibido pelo Ibope é a formação de mobilizações contrárias ao candidato do PSL e a sucessão de ataques a ele na propaganda eleitoral.

A dura campanha de Alckmin contra o deputado não fez o tucano crescer, mas pode ter travado o crescimento do adversário. Quem se beneficia, por enquanto, é Haddad —que continua crescendo e chegou a 22%.

Nos últimos dias, o senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) flertou com Bolsonaro e afirmou que os ataques ao candidato do PSL eram um erro. Semanas antes, Alckmin havia dito que faria “o possível” para evitar a vitória do rival. Parece que o paulista assumiu o papel de kamikaze.


Raymundo Costa: O centro fracassa junto com o PSDB

Alckmin já cuida de manter posições em São Paulo

Após quatro derrotas consecutivas para o PT, o PSDB está fora do segundo turno da disputa presidencial de 2018, a primeira vez em 16 anos. A discussão sobre a possibilidade de uma terceira via é estéril. A esta altura da competição o que importa é o viés e Jair Bolsonaro, pelo PSL, e Fernando Haddad, candidato do PT, estão em curva ascendente. Salvo fato novo e extraordinário, a eleição será decidida entre o PT e o antipetismo. O chamado centro político foi achatado entre os dois lados. Acabou. Ao menos por ora. Uma série de erros, novos e antigos cometidos pelos tucanos foram decisivos para o desfecho em vista.

O inventário do fracasso centrista já começou a ser feito entre os que apostaram na candidatura do ex-governador Geraldo Alckmin no comando de uma ampla aliança de centro-direita e um latifúndio na propaganda eleitoral no rádio e na TV. Tudo o que não precisava aconteceu na campanha do tucano, a começar pelo fato de a candidatura já nascer perdendo dentro do PSDB, especialmente na cúpula, onde Alckmin nunca foi considerado "um de dentro". Prova disso é a declaração de Fernando Henrique Cardoso dizendo que poderia apoiar Haddad, no cenário delineado como mais provável.

O ex-governador não sentava à mesma mesa em que Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Aécio Neves e Andrea Matarazzo, para citar apenas alguns dos cardeais, quando eram decididos os rumos e as candidaturas do partido. Alckmin se ressentia por ser deixado de lado. Ele entrou um pouco no clube em 2006, quando botou o pé na porta para ser o candidato no lugar de José Serra, a primeira vítima do PT. O racha foi explícito na escolha do candidato a prefeito de São Paulo em 2016, quando Alckmin passou por cima dos cardeais e indicou o nome de João Doria.

O segundo aspecto avaliado é a leitura errada que Alckmin e seus assessores fizeram da campanha eleitoral. Logo nos primeiros dias o ex-governador foi alertado que não deveria dar prioridade aos ataques a Bolsonaro. Os alvos, desde logo, deveriam ser o PT e Fernando Haddad. Até as pedras da Boca Maldita, em Curitiba, sabiam que Lula não seria o candidato petista, mas sim Haddad, ex-prefeito de São Paulo.

Alckmin e campanha acompanharam de camarote todos os atos da peça encenada por Lula em Curitiba e perderam um tempo precioso. À toa, porque os votos antipetista foram se acomodando na candidatura de Bolsonaro. Ao contrário das hesitações do PSDB, Bolsonaro sempre foi assertivo e duro nas críticas ao PT. "Eles [os tucanos] subestimaram o Bolsonaro", diz uma fonte com acesso aos meandros da campanha tucana.

Havia até um bordão preparado para Alckmin: "São Paulo vai fazer o próximo presidente da República, cabe a você escolher: É Haddad ou eu [Geraldo Alckmin]". À época, Alckmin ainda esperava recuperar votos perdidos para Bolsonaro. - "Os votos são parecidos" e "é preciso frear o Bolsonaro" eram os argumentos usados pela campanha. Mas bater no candidato do PSL tinha um efeito colateral, só percebido mais tarde: afastava, em vez de reaproximar, os eleitores do PSDB que haviam trafegado em direção do candidato do PSL. Resultado: a campanha de Alckmin virou uma metralhadora giratória contra Bolsonaro, Lula, Dilma e até Michel Temer, cachorro morto na campanha em curso.

O terceiro ponto é a facada em Jair Bolsonaro, episódio que não estava no script e portanto não deve ser debitado na conta de Alckmin e sua campanha. O atentado não registrou a mesma onda de comoção que tomou conta do país quando Eduardo Campos, então candidato do PSB, morreu no início da disputa eleitoral de 2014. Mas a partir do incidente da rua Halfeld, em Juiz de Fora, Bolsonaro aos poucos consolidou a liderança.

No inventário da derrota pesa muito o jeito como o PSDB lidou com a acusação de que Aécio Neves - o candidato que quase devolveu o Palácio do Planalto aos tucanos em 2014 - mantinha uma relação promíscua com o empresário Joesley Batista (J&F).

Alckmin agora reforça posições em São Paulo. Pensa no futuro. O PSDB pode cair nas mãos de João Doria, se o ex-prefeito ganhar a eleição para o governo. Antigos aliados, Doria e Alckmin estão desavindos. Doria era nome que os tucanos, lá atrás, viam como ideal para derrotar o PT. Traumatizados por quatro derrotas consecutivas para o PT, parcela do eleitorado tucano aparentemente entendeu que Bolsonaro é uma alternativa melhor.

Nos cálculos do centro, a eleição pode ser decidida no Sudeste. O Nordeste é considerado caso perdido, na proporção de 60% a 30% para o PT. Com as bandeiras da segurança e do antipetismo, o candidato do PSL tem boas possibilidades na eleição. Na acirrada disputa de 2014, o PT teve a avalanche de votos esperados do Nordeste e ganhou no Rio de Janeiro e Minas Gerais - e as pesquisas atuais indicam que, desta vez, Bolsonaro pode vencer nos dois Estados.

No momento, qualquer mudança de quadro somente seria possível de Alckmin, num gesto de despreendimento, apoiasse o nome de Ciro Gomes (PDT) ao Planalto. O pedetista está melhor situado na disputa que o tucano. É improvável, até porque o apoio de Ciro já está sendo cortejado pelo PT para o segundo turno.

Economia do PT
Fernando Haddad está sendo aconselhado a não fazer inflexão no discurso econômico do PT. Em contatos com banqueiros, Haddad afirmou que não é de dar "cavalo de pau na economia". A expressão também já foi utilizada por Lula. Numa viagem entre Recife e João Pessoa, na caravana de seu livro, o ex-ministro José Dirceu deu a receita para a repórter Andrea Jubé, do Valor: "Se for eleito, o Haddad vai assumir e melhorar o ambiente político e a economia brasileira. Nós vamos parar com essa sandice que levou a Argentina ao desastre que é cortar dinheiro e não dar crédito, não estimular o consumo, não valorizar o salário, a aposentadoria, querer resolver o problema do déficit público com corte. Déficit público se resolve baixando juro da dívida pública".


Marcelo de Moraes: O 'mito' não é imbatível e hoje elegeria o PT

Com a possibilidade de vitória, a candidatura de Bolsonaro se tornou mais exposta e revelou fragilidades sérias do “mito”.

Apesar de liderar as pesquisas, Jair Bolsonaro mostrou que há pontos fracos importantes na sua campanha presidencial. A partir do momento em que passou a existir a possibilidade de sua vitória, sua candidatura se tornou muito mais exposta e revelou fragilidades sérias que o folclore em torno do “mito” pareciam esconder.

Segundo o mais recente levantamento do Ibope, sob críticas pesadas, os índices de apoio a Bolsonaro pararam de crescer, sua rejeição aumentou e ele passou a perder no confronto direto do segundo turno para Fernando Haddad, Ciro Gomes e Geraldo Alckmin. Hoje, na disputa contra Haddad, Bolsonaro elegeria o PT.

Na prática, esses problemas que atingem agora sua campanha poderiam ter aparecido antes. O atentado que sofreu no dia 6 criou uma blindagem emocional em torno de sua candidatura. A comoção criada pelo ataque e pela internação em estado grave impediu que os adversários lhe batessem pesado. Com o início de sua recuperação, essa limitação acabou e o candidato passou a ser criticado não apenas pelo seu comportamento individual, mas também pelas ideias que seus principais assessores passaram a transmitir desastradamente.

Campanhas lideradas por mulheres, denunciando misoginia, e incertezas sobre o impacto de mudanças tributárias a serem adotadas pelo seu eventual governo parecem ter retirado parte do teflon que o protegia. Declarações inoportunas de Paulo Guedes, seu guru econômico, e do general Hamilton Mourão, seu candidato a vice, ajudaram a aumentar o caldo de cultura contra sua campanha.

Simultaneamente, no campo da esquerda, Haddad se consolidou como o catalisador do espólio de Lula. O candidato do PSL poderá ter força para chegar ao segundo turno até em primeiro lugar. Mas, por causa de sua fragilidade e rejeição, essa vantagem poderá se transformar numa espécie de vitória de Pirro, já que tudo indica que levará os eleitores antipetistas à derrota posterior contra Haddad.


Luiz Carlos Azedo: A “guerra” familiar

“Ao contrário dos políticos, que depois se entendem, as pessoas comuns esgarçam suas relações pessoais a ponto de deixarem de conversar”

A disputa eleitoral aprofundou as divisões no país, inclusive no âmbito familiar, no qual primos e até irmãos se digladiam como Abel e Caim. Não há um ambiente que não tenha sido contaminado pelo discurso radical a favor ou contra os candidatos que lideram as pesquisas de opinião, Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT). Os candidatos alternativos, principalmente Ciro Gomes (PDT), Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede), que disputavam uma vaga no segundo turno, com a polarização, entre o mar e o rochedo, estão virando marisco. De certa forma, a pregação do voto útil das lideranças está surtindo um efeito contrário junto aos eleitores, que começam a antecipar a disputa de segundo turno.

Se considerarmos as pesquisas de opinião, quem chegar a 36% de intenções de votos nas pesquisas pode muito bem ultrapassar os 50% mais um dos votos válidos apurados nas urnas e ganhar as eleições no dia 7 de outubro. Como já destacamos em coluna anterior, foi o que aconteceu nas eleições de 1994 e 1998, quando Fernando Henrique Cardoso venceu no primeiro turno. Desde então, o fenômeno não se repetiu, nem com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2002 e 2006), nem com a ex-presidente Dilma Rousseff (2010 e 2014), mas pode ocorrer agora, se os candidatos do chamado centro democrático, entre os quais se inclui Ciro Gomes em razão da deriva de tucanos e marinistas em sua direção, continuarem se desidratando na velocidade das últimas semanas.

Na verdade, há um ajuste de contas ideológico no processo eleitoral, estimulado pelo clima emocional que tomou conta das discussões nas redes sociais. Esse processo está se dando de forma anabolizada em razão das redes montadas por Bolsonaro e Haddad, mas é inegável que já se generalizou a partir do endurecimento dos discursos de Ciro, Alckmin e até Marina contra ambos. Em todos os lugares, do botequim à padaria, do trabalho às reuniões familiares, surgem conflitos e discussões acirradas. É um Fla-Flu político com muitas caneladas e tentativas de gol com a mão. A chance de que isso deixe sequelas terríveis no cenário pós-eleitoral não é pequena, porque as tropas de assalto dos candidatos estão dispostas a matar ou morrer. Ao contrário dos políticos, que depois se entendem, as pessoas comuns esgarçam suas relações pessoais a ponto de deixarem de conversar.

Há um embate de forças que estavam adormecidas desde a eleição de Tancredo Neves. Saudosistas do regime militar acreditam num projeto autoritário de resolução dos problemas nacionais. Renasceram das cinzas depois da reeleição de Dilma Rousseff e encontram ressonância num ambiente social desagregado, violento e sem esperanças. É um cenário muito parecido com o do plebiscito do desarmamento, no qual a “bancada da bala” derrotou toda a elite política e intelectual do país. De outro, temos as forças derrotadas pelo impeachment de Dilma Rousseff, que não demonstraram poder de reação e foram derrotadas nas urnas em 2016, mas agora se reagruparam em razão do desgaste do governo Michel Temer e dos líderes do PSDB envolvidos em escândalos. O carisma do ex-presidente Lula, mesmo estando preso por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, e a memória de seus últimos anos de governo, que registraram altas taxas de crescimento, provocaram uma espécie de efeito Fênix em favor do PT.

Dois Brasis
O problema é que, como em todas as guerras, a primeira vítima é a verdade sobre a situação real do país. Também não existe um projeto que seja capaz de reunificar a nação, profundamente dividida. O Brasil setentrional é vermelho, graças à aliança do PT com as velhas oligarquias nordestinas; o meridional é azul, em razão do descontentamento da classe média e dos setores ligados ao agronegócio. A eleição será decida pelos eleitores da região Sudeste, principalmente São Paulo, Minas e Rio de Janeiro. As pesquisas de opinião desta semana tendem a confirmar esse cenário. O que pode funcionar como algodão entre os cristais nessa disputa são as instituições políticas e a federação. Embora os dois principais candidatos tenham características centralizadoras e defendam um presidencialismo vertical, há que se considerar que nenhum terá maioria de votos no Congresso, seja no Senado, seja na Câmara, nem controle sobre o Judiciário, Além disso, haverá o contraponto dos governadores eleitos, praticamente todos eles políticos de carreira, alguns dos quais em segundo mandato. São essas forças que poderão mitigar o radicalismo registrado no pleito.

Se a eleição for decidida no segundo turno, o que ainda é mais provável, haverá necessidade de os candidatos derivarem ao centro em busca de alianças e assumirem compromisso com garantias e salvaguardas de caráter democrático. Será uma nova eleição, embora também polarizada, com a diferença de que Bolsonaro será beneficiado pela paridade de meios de comunicação e a recuperação da saúde, o que pode ter reflexo na sua campanha. Em contrapartida, caso se confirme a presença de Fernando Haddad no segundo turno, o candidato do PT tende a ter mais apoio entre as forças políticas. Na sociedade, porém, o ambiente belicoso deixará muitas sequelas, porque muitos não têm clareza de que a alternância de poder e o direito ao dissenso são pilares da democracia.

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Demétrio Magnoli: O povo contra a democracia

A tendência já tem mais de uma década e pode ser captada estatisticamente. Em janeiro, a “The Economist” publicou um gráfico perturbador que expressa, em números, o declínio global da democracia. De 167 países classificados num espectro que se estende das democracias plenas até regimes autoritários, passando por democracias precárias e regimes híbridos, 89 experimentaram retrocessos. Só 5% da população mundial vivem sob democracias plenas, enquanto um terço habita em países autoritários. A maioria situa-se em pontos intermediários. O recuo rumo ao polo ditatorial decorre menos de golpes de força que da degeneração interna de sistemas políticos mais ou menos democráticos.

Na sua monumental “The History of Government”, S. E. Finer sintetiza os quatro tipos básicos de entidades políticas (Palácio, Fórum, Igreja e Aristocracia) e estabelece as suas potenciais interações. O Fórum é o sistema fundado na autoridade conferida pelos de baixo, que deve ser incessantemente renovada. Mas ele vive sob o risco permanente de se converter em Palácio, ou seja, no sistema que concentra a autoridade num soberano individual (imperador, rei, príncipe ou ditador). A transição acontece quando o governante alçado pelo povo consegue se desvencilhar do controle efetivo dos governados, perenizando-se no poder. É esse o mecanismo principal que, atualmente, provoca o declínio global da democracia.

Há dez anos, Larry Diamond alertou para a “recessão democrática”. As democracias precisam responder às necessidades dos cidadãos, se querem sobreviver, explicou. Numa linha paralela, William Galston registrou que, “para alguns”, a democracia liberal “pode ser intrinsecamente boa”, mas “para muitos, é apenas um meio para uma vida próspera, pacífica e segura”. No pós-guerra, por mais de meio século, os governos democráticos do Ocidente mantiveram-se fortes pois cumpriram o contrato implícito de atender a essas demandas. O recuo em curso, nos EUA e na Europa, decorre da quebra desse contrato.

Giovanni Sartori não se deixou impressionar pelo hino do “fim da História” entoado nos anos 90. Diante dos seus acordes, argumentava que, após o desaparecimento do “inimigo externo” (o totalitarismo), as democracias enfrentariam um “inimigo interno”, que opera sinuosamente, sem contestar o princípio da vontade majoritária como fonte de legitimidade do poder. O nome do “inimigo interno” é populismo, conceito mínimo que não descreve uma ideologia, mas um estilo político: “o populismo venera o povo” (Ghita Ionescu).

Pela direita ou pela esquerda, os governantes populistas nascem de eleições livres, mas apelam à democracia para desmontá-la por dentro, vandalizando as mediações institucionais que asseguram o controle do poder pelos cidadãos. A “revolta contra as elites” assume formas diversas, mas aperta teclas compartilhadas. Trump manobra para erradicar as investigações judiciais sobre seus atos, enquanto se refere aos jornalistas como “inimigos do povo”. Na Polônia, sob o líder de facto Jaroslaw Kaczynski, e na Hungria, sob Viktor Orbán, governos populistas tentam submeter os tribunais à vontade dos Executivos. Na Turquia, Erdogan colocou os tribunais a seu serviço e, às custas de perseguições judiciais, destruiu a liberdade de imprensa.

O caso clássico é a Venezuela chavista. Chávez consolidou-se no poder por meio de sucessivas eleições e plebiscitos. No percurso, ao longo dos anos de elevada popularidade, sujeitou juízes e órgãos eleitorais às conveniências do regime “bolivariano”. Maduro completou a trajetória, instalando a ditadura em meio ao colapso econômico e social. Contudo, mesmo na etapa final, marcada pela virtual abolição da Assembleia Nacional, apelou ao “povo”, produzindo o simulacro de uma Assembleia Constituinte eleita exclusivamente por seus seguidores.

“Saberá a democracia resistir à democracia?”, indagou Sartori num de seus últimos livros. A questão não é retórica — nem alheia a nós. Da denúncia do “golpe parlamentar” (lulismo) ao chamado de um levante contra tudo e todos (Bolsonaro), a demagogia populista impregna a corrida eleitoral. O perigo real não está nos populistas, mas na carência de vozes democráticas dispostas a confrontá-los.


Dorrit Harazim: Opinar em tempos de cólera

A história de um país tem marcadores com datas-chave. A eleição de outubro para presidente do Brasil é uma delas

‘É preciso coragem para crescer e tornar-se quem você realmente é”, ensinou E. E. Cummings, um dos bons de poesia do século XX. Se considerarmos válido o bordão caro aos ingleses de que na construção de um estado de direito os primeiros 500 anos são os mais difíceis, a democracia brasileira ainda não saiu da primeira infância. Os atuais ocupantes da terra brasilis —nós —também não. Mas como canta Leonard Cohen em “O futuro”, “Há uma brecha em tudo/ É por ela que entra a luz”.

Domingo passado, ao final da partida no qual o Palmeiras derrotara o Bahia por 1 X 0, o volante Felipe Melo dedicou o gol da vitória a Deus, à família “e para nosso futuro presidente Bolsonaro”. Foi um auê. Por um triz, nossa estreita brecha de luz não se fechou ainda mais. Feita ao vivo e sem aviso prévio, a declaração virou rastilho nas mídias sociais e quase levou o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) a enquadrar o atleta. Felizmente (ainda) não existe dispositivo legal no regulamento da entidade para justificar a punição de um atleta por manifestar suas preferências políticas.

Pelo contrário. Tudo o que se quer é que todos os brasileiros, inclusive jogadores de futebol, se sintam em segurança permanente para declarar abertamente seus votos, sejam para quem forem. O jornalista Juca Kfouri, insuspeito de qualquer pendor bolsonarista, cuidou de cravar as balizas certas, e de imediato. “Se criticamos a alienação dos esportistas, normalmente voltados para os próprios umbigos, não há razão para críticas quando algum deles se manifesta... Imagine se fosse nos anos 1980, quando surgiu a libertária Democracia Corintiana. O mundo viria abaixo… Doutor Sócrates batia de frente com Emerson Leão, Casagrande enfrentava o treinador Jorge Vieira, e a turbulência era saudavelmente permanente, porque só os autoritários desejam a paz dos cemitérios”, escreveu na “Folha de S.Paulo”. Que seja feito o debate como se faz na sociedade, porque o futebol não é um mundo à parte.

Mais de uma década atrás, a americana Toni Morrison, Nobel de Literatura (1993), fez uma reflexão sobre o medo e o papel do artista na vida pública. No entender da escritora, quando o discurso político se aprisiona em ódio e foge à razão é que o artista/cidadão precisa encontrar sua razão de ser. “Nestas ocasiões”, escreveu a autora de “Amada”, “não há tempo para desesperança, não sobra espaço para a autocomiseração e não é hora de silêncio. O lugar para o medo some. Nos cabe falar, escrever, a linguagem é nossa. É desta forma que as civilizações saram.”

Isto foi muito antes dos tempos de cólera política que hoje infestam as redes sociais, poluem o conviver cotidiano e ameaçam os indecisos. Cada cidadão merece seu tempo de decisão e opção. Porém, não pode esquecer que a história de um país tem marcadores com datas-chave. A eleição de outubro para presidente do Brasil é uma delas. Esta semana a cantora-sensação Anitta se viu no olho do furacão. Estrela de um público LBGTQ até então cativo, que impulsiona em parte sua fortuna e faz dela um dos cachês mais altos do mercado publicitário, Anitta invocou seu direito de não se posicionar na corrida presidencial. Ela estava sendo cobrada por seguidores no Instagram que estranharam o fato de a musa seguir uma jovem cujo perfil continha mensagens de apoio ao candidato do PSL. Vale lembrar que Bolsonaro e a comunidade LBGTQ são forças que não respiram o mesmo ozônio. “As minorias têm de se curvar... Ou elas se adéquam ou simplesmente desaparecem”, promete Bolsonaro em um vídeo de campanha contrabandeado dias atrás para as redes sociais.

Seguir alguém não significa comungar de suas opiniões — aliás, se viciados em redes sociais saíssem mais de suas respectivas bolhas e visitassem o bunker alheio talvez houvesse menos surpresa com os resultados das pesquisas eleitorais. No atual surto de antropofagia política, contudo, todo embate individual contamina a cólera coletiva, e cabe a um ídolo par excellence como Anitta medir coragem para ser quem ela realmente é, ou pretende ser. Suas frases-escudo “eu pago meus impostos” (a imensa maioria dos brasileiros também paga ) ou “não falo sobre política” não bastam. Desde sempre, o protagonismo da classe artística em momentos-chave de uma nação causa polêmicas intestinas. Virginia Woolf tratou do assunto nas trevas de 1936, tempos da galopada de Hitler e Mussolini, e da Guerra Civil na Espanha. Em seu ensaio para a Associação Internacional de Artistas, ela escreveu o que já foi transcrito aqui em ocasião anterior, mas vale repetir:

“Se a sociedade se tornar ditatorial e passar a comprar apenas obras adaptadas à vaidade e à política em vigor, o trabalho do artista se esvaziará de valor... A sociedade é seu ganha-pão e a arte é o primeiro artigo de luxo a ser descartado em tempos de crise”.