Eleições
Fernando Gabeira: Primeiros dias do novo mundo
Período que vem por aí é muito difícil. Você não inveja os vencedores, a economia patina, o Congresso não se renova
Outro dia, uma simpática leitora me escreveu, dizendo que eu estava em cima do muro. Não é exatamente isso o que acontece. Estou na mesma posição que estarei depois das eleições: independência crítica.
Não gosto de muros, tanto que, quando caiu o de Berlim, mudei-me para lá com a família, para acompanhar as consequências. Nem todo muro dá para aceitar. Nas eleições municipais do Rio, recusei a alternativa que a maioria dos eleitores me apresentou.
Recusá-la agora não significa desrespeito às grandes multidões que escolhem Lula ou Bolsonaro. Pelo contrário, uma oposição consciente pode ser uma forma de valorizar essa escolha.
A amiga pede que eu rejeite apenas Bolsonaro. É ameaçador para a democracia. Ela leu nos jornais que o PT, ao contrario, tem um forte compromisso com a democracia.
Respeito sua posição e a dos jornalistas. No entanto, era deputado federal no período do mensalão. Discutir com fantoches comprados pelo governo era para mim um arremedo de democracia.
Creio que passa por aí nossa divergência. No meu entender, a ameaça à democracia não se resume hoje ao clássico golpe militar, com tanques na rua. Ela pode ser subvertida por dentro, envenenada aos poucos.
Talvez a amiga precise de um pouco de paciência não só comigo, que não aceito esse muro, como também com as pessoas que realmente estão ainda em cima dele, por indecisão. Se ajudar, recomendo o livro de John Gray — “A alma da marionete, um breve ensaio sobre a liberdade humana” — que acaba de ser lançado aqui. Entre outras coisas, ele diz: “não é a autoconsciência, mas a divisão de si mesmo que nos torna humanos.”
Isso não quer dizer que não fazemos escolhas. Caso contrário, não estaríamos onde estamos hoje. Lembro que há pouco mais de 20 anos brincava sobre o tema, com Luís Eduardo Magalhães. Ele, presidente da Câmara; eu, o único deputado do PV. Ele dizia, para me ironizar: como vota sua bancada? Eu dizia: a bancada tem apenas uma pessoa, por sinal bastante dividida.
Compreendo que a pressão é natural. Muitos artistas já estão mergulhados no dilema de declarar voto.
Infelizmente, não sou artista, mas apenas alguém com uma experiência política de pouco mais de meio século. Minha análise me conduz à oposição, não importa o que sair desse duelo entre Lula e Bolsonaro.
Só que, nas circunstâncias nacionais, terá de ser uma oposição construtiva e cuidadosa, exatamente porque me preocupo com a democracia.
Há algum tempo que procuro conhecer os programas de governo do PT e de Bolsonaro. São vagos o bastante para não rejeitá-los em bloco, mas contêm várias armadilhas.
Na verdade, não há ainda programa real de governo. Há intenções, acenos contraditórios. A necessidade de seduzir o centro ainda pode trazer novidades.
O choque de personalidades ofuscou o confronto entre programas. Não só os que estão no muro como os que recusam o dilema eleitoral representam um estímulo para que os candidatos sejam mais explícitos em suas propostas, moderados em sua retórica.
Mesmo com um conhecimento precário dos verdadeiros programas, esquerda e direita terão muitas dificuldades para implementá-los. Como impor uma agenda liberal a um país dividido, como impor uma agenda como a dos anos petistas?
Não, se conseguirmos deter a intolerância entre os contrários. Mas outra busca é possível: deter a intolerância contra quem simplesmente não toma o partido de um dos lados.
Ao invés, é essencial evitar a potencial tragédia no choque entre eles.
O período que vem por aí é muito difícil, desses em que você não inveja os vencedores. A economia patina, o Congresso não se renova, e as eleições sempre trazem grandes expectativas.
Não esperava encarar isso nos primeiros anos de democratização. Mas é preciso olhar de frente. Para mim, o Galeão não é saída porque leio o outro nome dele, Antonio Carlos Jobim, e me lembro da beleza e do talento que o país abriga.
Será apenas uma longa fase de sufoco.
Celso Rocha de Barros: Bolsonaro fará guerra aos pobres
Achei que a ideia do anti-Lula fosse contra o que Lula tinha de ruim, não de bom
Em um tuíte de 2014 —publicado pelo jornal carioca Extra em 4 de outubro de 2016 (e depois apagado sem explicações)—, Carlos Bolsonaro defendeu que o Bolsa Família só seja oferecido a quem aceitar se submeter a laqueaduras (que impediriam as brasileiras pobres de terem filhos) ou vasectomias (que impediriam os brasileiros pobres de terem filhos).
A ideia, portanto, era que as mulheres pobres que quisessem ter filhos morressem de fome com seus filhos no colo.
A principal proposta de Bolsonaro para reduzir a mortalidade infantil, a propósito, é mandar as mulheres escovarem os dentes. Pois é, ele fala essas coisas.
Mas se não tiver jeito e o pobre acabar nascendo e sobrevivendo de algum jeito, a família Bolsonaro também tem duas sugestões para ele: trabalhar ganhando menos e morrer sem ver o filho formado.
A esquerda gosta de lembrar que Bolsonaro —cujo partido, o PSL, é o mais fiel a Temer nas votações no Congresso— votou a favor da reforma trabalhista. Isso não é nada, amigos.
Bolsonaro defende a criação de uma carteira de trabalho verde-amarela, diferente da azul porque não garante nenhum direito ao trabalhador.
Os trabalhadores mais pobres, que têm menos poder de barganha, acabariam sendo obrigados a aceitar a carteira verde-amarela e perderiam seus direitos.
Essa segmentação do mercado de trabalho arrisca aumentar de novo a distância entre os pobres e a classe média, distância que caiu durante o governo Lula.
Não sei, mas acho que quando o pessoal pediu um anti-Lula, acho que a ideia era que ele fosse “anti” o que o Lula tinha de ruim, não o que ele tinha de bom.
Mas o pessoal da carteira azul também não deve se entusiasmar, não. Pois, como vimos na semana passada, o vice de Bolsonaro defende a extinção do 13º salário e das férias.
Se você for pobre, faça a conta: pegue seu salário, deduza o que você vai perder com os cortes do Mourão, subtraia a CPMF que o Guedes vai cobrar e não se esqueça de que uma arma, a única política de segurança proposta por Bolsonaro, custa bem caro.
Bom, mas se os pobres receberem educação, estarão em melhor condição de competir no mercado de trabalho, certo?
A principal proposta de Bolsonaro para a educação é militarizar o ensino, o que o Mourão já disse que não
dá para fazer.
Bolsonaro é contra as cotas, que ajudaram a aumentar o número de pobres nas universidades.
E, na sabatina do Jornal das Dez, na GloboNews, Bolsonaro reclamou da “tara” da garotada em ter um diploma.
Ninguém é mesmo obrigado a fazer faculdade. Mas a questão é que essa escolha deve ser feita com base nas preferências pessoais de cada jovem, não na classe social em que ele nasce.
E Bolsonaro não tem a menor ideia do que fazer para ajudar os filhos dos pobres a entrarem na universidade.
E aqui você poderia dizer: ah, mas no programa de governo dele tem uma proposta de renda mínima (aquela do Suplicy). Bom, vejam como Bolsonaro reagiu quando soube, pela imprensa (que bonito), que isso estava em seu programa de governo: “Meu Deus! Kkkkkkkk! É inacreditável!”
Bolsonaro já voltou atrás em algumas dessas propostas, mas perceba o padrão: para cada ideia antipobre que ele abandona, logo cria duas novas.
E, aparentemente, o plano é mandar esse cara disputar o segundo turno contra o PT.
*Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
O Estado de S. Paulo: Candidatos do centro se unem contra Haddad e Bolsonaro no penúltimo debate do 1° turno
Candidatos do centro se uniram neste domingo, 30, no penúltimo debate antes do primeiro turno das eleições, para atacar o líder das pesquisas, Jair Bolsonaro (PSL), que recebeu alta do hospital após 23 dias internado, mas não compareceu ao evento realizado pela Rede Record por indicação médica, e Fernando Haddad (PT). Bolsonaro, mesmo não estando presente, se tornou uma espécie de participante oculto do encontro. Ciro Gomes (PDT), Geraldo Alckmin (PSDB), Henrique Meirelles (MDB) e Marina Silva (Rede) colocaram-se como representantes do eleitorado que não quer nem o radicalismo de direita nem o de esquerda, em referência a Bolsonaro e Haddad.
Na reta final da campanha – o primeiro turno das eleições ocorre neste domingo, dia 7 –, os presidenciáveis tentaram, mais uma vez, romper a polarização e avançar sobre o eleitorado de Bolsonaro se apresentando como "terceira via". Já o petista Fernando Haddad, também atacado, foi o que mais poupou o candidato do PSL, seguindo a estratégia de levar o confronto para um eventual segundo turno, caso as pesquisas de intenção de voto se confirmem.
Líderes, Bolsonaro e Haddad marcam 28% e 22%, respectivamente, na última pesquisa Ibope/Estado/TV Globo. No segundo turno, a mesma sondagem mostra que Haddad venceria Bolsonaro. Ciro, em terceiro lugar, tem 11%; Alckmin soma 8%; Marina marca 5% e Meirelles, 2% das intenções de voto.
Unidos na mesma estratégia de expor as propostas e declarações polêmicas de Bolsonaro, Ciro, Alckmin, Marina, Meirelles e também Guilherme Boulos (PSOL) citaram, por exemplo, as falas contra as mulheres – para ressaltar as manifestações promovidas por mulheres em todo o País no sábado, 29 - e a declaração feita por ele semana passada de que não respeitaria o resultado da eleição caso não seja ele o vencedor.
Provocada por Ciro, Marina, por exemplo, disse que o deputado está “amarelando” porque tem medo da derrota."Bolsonaro tem atitude antidemocrática, desrespeita as mulheres, índios, negros, a população brasileira. Com essa frase (sobre não aceitar uma eventual derrota), desrespeita o jogo democrático. Numa democracia, se não temos comprovação de que houve fraude, não se pode entrar no jogo se for para ganhar de qualquer jeito. Para mim, essas palavras só podem ser uma coisa: Bolsonaro fala muito grosso mas tem momentos que amarela. Amarela mesmo”, disse.
A candidata ainda aproveitou a tréplica para criticar também o PT. “Temos que enfrentar dois projetos autoritários: os que têm saudosismo da ditadura e aqueles que fraudaram a candidatura em 2014 pela corrupção, a Dilma e o Temer.”
Já Ciro criticou a ausência de Bolsonaro no debate após a alta hospitalar e lembrou que ele, mesmo tendo sido submetido a um procedimento cirúrgico (mais simples, é claro), optou por participar do debate anterior usando até uma sonda. "Estamos assistindo todos os dias declarações antipovo, antipobre. Ele (Bolsonaro) nem sequer dá direito à população brasileira, estando sadio. O Brasil não aguenta mais essa radicalização odienta".
Deixado de lado por seus adversários no primeiro bloco, Alckmin foi o penúltimo a falar, mas seguiu na mesma linha de crítica a Bolsonaro e ao PT. Lembrou as manifestações contrárias ao deputado promovidas por mulheres no sábado, 29, as quais classificou como “atos de civilidade” e se colocou como o candidato que pode unir o Brasil.
“Metade da população não quer nem os radicais de direita nem os de esquerda. Que são os dois com maior rejeição. Nós vamos trabalhar para unir o Brasil. Esses radicalismos podem aumentar o desemprego, aumentar a pobreza, dificultar a retomada do crescimento brasileiro. União é a palavra nesse momento”, afirmou Alckmin.
Meirelles, que no primeiro bloco fez uma "tabelinha" com Haddad ao discorrer sobre termas de educação e saúde, também atacou Bolsonaro na segunda etapa do debate ao ressaltar que o candidato do PSL “não gosta do Bolsa Família” e não defende o cumprimento da lei para que mulheres ganhem o mesmo que os homens quando têm a mesma função.
Marina aproveitou a fala do emedebista para lembrar que o candidato a vice na chapa de Bolsonaro, general Hamilton Mourão (PRTB), também defende o fim do décimo terceiro salário e a recriação da CPMF.
Haddad x Ciro
Principais nome da esquerda na disputa ao Planalto, Ciro Gomes (PDT) e Fernando Haddad (PT) protagonizaram um forte embate no segundo bloco do debate da Record, realizado ontem. Segundo Ciro, Haddad aceitou aliança com Eunício Oliveira (MDB), no Ceará, a qual classificou como despudorada. Haddad, por sua vez, disse que apenas foi tomar um café com Eunício, ao passo que Ciro deu risada da afirmação e ressaltou que não aceitou a mesma aliança porque o presidente do Senado é corrupto.
Os dois ainda discutiram sobre a mais recente proposta de Haddad de fazer uma nova Constituição. Para Ciro, não se trata de uma iniciativa democrática, afirmação contestada por Haddad, que diz apenas querer reorganizar a Constituição, tão alterada por propostas de emenda nos últimos anos. (COLABORARAM CRISTIAN FAVARO, DANIEL WETERMAN E PAULO BERALDO)
El País: Após ameaça na TV, Bolsonaro diz agora que não há “nada para fazer” se perder
Em Brasília, carreata reuniu cerca de 25.000 veículos, segundo a Polícia Militar. Em São Paulo, ato se espalhou por quatro quarteirões e foi desmobilizado por forte chuva
"Vamos ganhar essas eleições no primeiro turno. A diferença será tão grande que será impossível qualquer possibilidade de fraude", disse o deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ) em vídeo exibido durante as manifestações em seu apoio que povoaram a avenida Paulista ao longo de quatro quarteirões, entre a Alameda Peixoto Gomide e a Alameda Joaquim Eugênio de Lima, em São Paulo, o maior das dezenas de atos favoráveis ao candidato a presidente neste domingo. A mensagem de Bolsonaro, exibida em um telão posicionado ao lado de um dos quatro caminhões de som, modula um pouco o discurso do capitão reformado do Exército. Bolsonaro vinha dizendo em entrevistas que não aceita outro resultado que não sua eleição. Mais tarde, apareceria uma declaração ainda mais explícita de que estava recuando em sua ameaça, que foi feita em dois canais da TV aberta, Band e TV Globo. "Sei que não tenho nada para fazer (em caso de derrota). O que quis dizer é que não iria, por exemplo, ligar para o Fernando Haddad depois e cumprimentá-lo por uma vitória", disse agora Bolsonaro ao jornal O Globo.
Os atos a favor de Bolsonaro organizados em diversas cidades no sábado em no domingo serviram para responder aos protestos convocados contra sua candidatura e apoiados por alguns de seus adversários, como Marina Silva (Rede), o tucano Geraldo Alckmin (que usou a hashtag da campanha na TV), Guilherme Boulos (PSOL), Fernando Haddad (PT) e Ciro Gomes (PDT) — a representante de Ciro no ato organizado no Largo da Batata, em São Paulo, foi sua vice, a senador Kátia Abreu (PDT) enquanto a vice na chapa petista, Manuela D'Ávila, foi à marcha em Porto Alegre. Enquanto os críticos de Bolsonaro usavam preto, roxo (também a cor do movimento feminista) e vermelho, seus apoiadores voltaram a colorir a avenida Paulista de amarelo anos depois das manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff. Em 2016, o capitão reformado do Exército ainda parecia longe de se transformar em um candidato viável à Presidência da República. Neste domingo, os organizadores do evento chegaram a calcular em 1,8 milhão a quantidade de manifestantes. A julgar pelas maiores manifestações pelo impeachment de Dilma, que reuniram na avenida 500.000 pessoas segundo o Datafolha, ocupando a av. Paulista completa, o número não parece realista. Para efeito de comparação, o tramo final da manifestação #Elenão, no sábado, na av. Paulista, foi maior, se espalhando do Masp à av. da Consolação.
Mas isso não quer dizer que a mobilização não tenha sido significativa. Os quatro quarteirões ocupados pela manifestação não estavam completamente preenchidos, mas a concentração em torno dos quatro carros de som era grande, a ponto de dificultar a locomoção. Da mesma forma, em Brasília, os apoiadores do deputado do PSL fizeram sentir sua presença nas ruas. De acordo com a Polícia Militar do Distrito Federal, 25.000 veículos passaram pela Esplanada dos Ministérios entre 8h40 da manhã e 13h45, período em que ocorreram as carreatas a favor de sua candidatura. De dentro dos seus veículos ou a pé, os apoiadores de Bolsonaro gritavam palavras de ordem como “eu vim de graça”, “fora PT” e “mito”. Muitos simulavam armas com as mãos, um dos gestos mais característicos do militar reformado do Exército. De acordo com o último Ibope, Bolsonaro tem 41% das intenções de voto no Distrito Federal, bem à frente do segundo colocado, o petista Fernando Haddad (14%).
Os atos a favor de Bolsonaro também foram significativos no Espírito Santo e no Rio de Janeiro, este último ontem, mas, para além das capitais, se espalharam por várias cidades de médio porte como atestam vários vídeos distribuídos por meio das redes sociais. O mais expressivo, como de costume, foi o organizado em São Paulo, mas a mobilização, convocada para as 15h, acabou antes do que se esperava, por conta de uma forte chuva — por volta das 17h, alguns deputados ainda discursavam, mas para um público reduzido.
Os manifestantes se reuniram desde cedo na região, já que a avenida Paulista fecha aos domingos para os carros. Muitos dos apoiadores usavam camisas da seleção brasileira ou com a frase "Meu partido é o Brasil", com a qual Bolsonaro estava quando levou uma facada no dia 6 de setembro, em Juiz de Fora (MG). De cima dos carros de som, candidatos a deputado federal criticavam não apenas o PT, mas partidos como MDB e PSDB. Outros pediam votos aos eleitores de João Amoêdo (Novo), Álvaro Dias (Podemos), Henrique Meirelles (MDB) e Geraldo Alckmin (PSDB), para que a eleição se encerre no primeiro turno.
"Já tomamos purpurinada, ovada, cusparada e até facada. Quem são os intolerantes? Por que, quando artista fala que vai votar em outro candidato, é democracia, e quando a gente fala que vai votar em Jair Boolsonaro, a gente quer ditadura?", questionou o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) do alto de um dos carros de som. Em outro momento, o deputado que concorre à reeleição disse que “as mulheres de direita são mais bonitas que as da esquerda". "Elas não mostram os peitos nas ruas e nem defecam nas ruas. As mulheres de direita têm mais higiene”, completou. Só foram registrados alguns momentos de tensão depois que a forte chuva que caiu na Paulista concentrou os manifestantes no vão livre do MASP. A rápida intervenção da Polícia evitou que os desentendimentos entre apoiadores e opositores de Bolsonaro tivesse consequências de relevo.
Veja como como contamos os atos em tempo real:
FAP Entrevista: Ana Stela Lima
A máquina de propaganda do PT, mentirosa e populista, impede que o discurso do centro ganhe aderência nacional, avalia Stela
Por Germano Martiniano
Faltando exatos sete dias para as eleições brasileiras, o Datafolha, na última sexta-feira (28), publicou que Bolsonaro e Haddad seguem na liderança da corrida presidencial e fariam hoje o segundo turno. Ciro estacionou e Alckmin subiu de 8 para 10 pontos percentuais.
Como descreveu Demétrio Magnoli, sociólogo, nesta semana para o jornal A Folha de São Paulo, este quadro em que Haddad enfrentaria Bolsonaro no segundo turno é tudo o que petista quer para desfilar seu discurso a favor da democracia, do multiculturalismo e do assistencialismo aos mais pobres.
Mesmo a sete dias das eleições, Ana Stela Alves de Lima, bancária, presidente do Sindicato dos Bancários de Campinas e dirigente da FAP, ainda acredita que pode haver uma mudança deste quadro polarizado. Stela também disse em entrevista para FAP que o não sucesso do centro político, por enquanto, se dá por conta da propaganda do PT, que faz uma campanha mentirosa.
“A máquina de propaganda do PT, mentirosa e populista, sempre é mais eficiente para apontar problemas e culpados no governo dos outros, vide a questão educação em São Paulo”, disse Stela para FAP Entrevista.
A FAP Entrevista é uma série que está sendo publicada aos domingos e, agora, às quartas-feiras, com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, com o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:
FAP Entrevista - Após essa última pesquisa do Datafolha, pode-se dizer que as chances do centro político chegaram ao fim?
Ana Stela Lima - Não, em uma semana ainda é possível que as coisas mudem, já temos situações como esta em várias eleições.
Demétrio Magnoli, sociólogo, escreveu em seu último artigo que um segundo turno entre Haddad e Bolsonaro é tudo o que o petista quer, pois poderá usar o discurso da democracia, do multiculturalismo, dos representantes do pobres, por exemplo. Haddad contra Bolsonaro no segundo turno é vitória certa para o PT?
Com esta situação no segundo turno, Haddad e Bolsonaro, a decisão será entre o ruim e o pior. Bolsonaro não é alternativa, o PT é o PT, mas ainda será possível que os partidos de centro exijam compromissos que deem a eles governabilidade em troca da não venezuelizacao.
No que o centro político errou e como reconstruí-lo?
O centro político que está na disputa fez a política certa, mas a máquina de propaganda do PT, mentirosa e populista, sempre é mais eficiente para apontar problemas e culpados no governo dos outros, vide a questão educação em São Paulo.
Haddad prometeu, caso ganhe a eleição, diminuir os spreads bancários. A proposta faz parte do pacote de medidas populistas do governo petista, no entanto, pode levar à redução dos créditos bancários. Como bancária e sindicalista, qual sua visão sobre essa proposta e do modelo assistencialista do PT?
O período de ouro para os banqueiros foi no governo Lula. Nunca o sistema financeiro nacional tinha ganho tanto dinheiro até então. Dilma tentou aumentar a concorrência bancária dando gás aos bancos públicos para oferecerem credito mais barato. Os bancos privados seguraram o crédito e aguardaram acabar o fôlego dos bancos públicos e então tudo voltou ao normal para eles. Pelo que temos visto, os bancos vão baixar os juros e diminuir o spreed bancário por conta da concorrência com as fintechs, das cooperativas de crédito, da retomada econômica, que diminui o risco para eles e da queda da taxa de juros Selic, que os obriga a emprestar para seus clientes ao invés de comprar títulos do governo que são seguros, rentáveis e não exigem esforço.
Como a senhora avalia o modelo nacional desenvolvimentista do PT e do plano econômico de Paulo Guedes para o Brasil?
Modelo desenvolvimentista todo mundo gosta, precisa explicar melhor como não vão continuar quebrando o país. O Paulo Guedes também tem ideias que todos querem para equilibrar as contas do estado. Precisa explicar o que fazer com o povo.
Hoje temos uma vertente da esquerda que se aproxima do liberalismo econômico, que é a favor de um estado regulador e não provedor. O Brasil, com todas suas mazelas sociais, necessita de estado assistencialista?
O estado não pode perpetuar a dependência dos cidadãos. Também neste quesito reformas, que realmente são necessárias, há de se levar em conta os interesses que estão em jogo. A reforma da previdência, por exemplo, se faz necessária porque, entre muitas outras coisas, aumentou a expectativa de vida da população, mas não se pode dar a previdência para os banqueiros cuidarem.
O que a senhora espera do Brasil, como um todo, cidadãos, classe política, empresas e todas nossas organizações para os próximos quatro anos?
Seja como for, tudo está certo. A população terá que aprender a pensar em política de forma mais consciente. Os políticos já estão vendo consequências de mau uso do dinheiro público como nunca se viu. A sociedade enfim está mostrando realmente o que pensa e com isso também vemos o seu lado egoísta e preguiçoso, buscando algum super herói que lhe resolva os problemas. Mas tudo isso já estava aí, faltava escancarar. Acho que podemos sair melhores de tudo isso.
Bernardo Mello Franco: Ameaça à democracia
As democracias não morrem mais sob a mira de tanques. Hoje os líderes autoritários tentam chegar ao poder pelas urnas. Pode acontecer no Brasil
Foi-se o tempo em que as democracias só tombavam sob a mira de tanques e baionetas. No século passado, golpes clássicos derrubaram governos eleitos em quase toda a América Latina. Agora a ameaça não depende mais do uso da força. “O retrocesso democrático hoje começa nas urnas”, afirmam os cientistas políticos Steven Levitsky e Daniel Ziblatt em “Como as democracias morrem”.
Os professores de Harvard mostram como líderes eleitos podem conduzir seus países ao autoritarismo. O livro foi escrito sob o impacto da vitória de Donald Trump nos EUA. No entanto, é impossível atravessá-lo sem pensar na encruzilhada do Brasil em 2018.
“Demagogos extremistas surgem de tempos em tempos em todas as sociedades, mesmo em democracias saudáveis”, escrevem os autores. O desafio, dizem, é evitar que eles explorem os sentimentos de ódio e ressentimento para chegar ao poder.
A decisão não é só do eleitor. Para ascender, os outsiders buscam se aliar ao establishment. Foi assim que Alberto Fujimori e Hugo Chávez abriram caminho para subverter as instituições no Peru e na Venezuela. “Em cada caso, as elites acreditaram que o convite para exercer o poder conteria o outsider, levando a uma restauração do controle pelos políticos estabelecidos. Contudo, seus planos saíram pela culatra”, afirma o livro, traduzido pela Zahar.
Num recuo na história, os autores lembram que Hitler e Mussolini também chegaram ao poder sem apelar à força. Na Alemanha dos anos 30, líderes experientes pensaram que poderiam domar o chefe do Partido Nazista, um populista de discurso radical. Num ambiente de revolta contra a política tradicional, ele encantava multidões com um penteado exótico e a promessa de restaurar a ordem e combater o comunismo. Qualquer semelhança...
Levitsky e Ziblatt listam quatro sinais de alerta para identificar um aspirante a ditador: “Devemos nos preocupar quando políticos: 1) rejeitam, em palavras ou ações, as regras democráticas do jogo; 2) negam a legitimidade de oponentes; 3) toleram e encorajam a violência; 4) dão indicações de disposição para restringir liberdades civis de oponentes, inclusive a mídia”.
O líder das pesquisas no Brasil gabarita o teste, mas há quem pense que ele não oferece risco à democracia. Segundo esta visão, Congresso e Judiciário seriam capazes de conter um presidente autoritário, mesmo que ele demonstre desprezo pela Constituição e pelos adversários políticos.
“Isso é um erro histórico semelhante ao cometido pelos conservadores alemães em 1932”, escreveu Levitsky, em artigo na “Folha de S.Paulo”. “Para justificar seu apoio a um autoritário, muita gente diz que Bolsonaro talvez não seja tão ruim”, observou. Segundo o professor, este argumento se baseia em três ideias enganosas: “Ele não fará o que diz”, “Ele é incompetente demais para ameaçar a democracia” e “Somos capazes de controlá-lo”.
“Apoiar um candidato autoritário é um jogo perigoso que raramente termina bem”, avisou Levitsky. O texto foi publicado na sexta-feira. No mesmo dia, o capitão ressurgiu na TV com uma ameaça: “Não aceito um resultado eleitoral diferente da minha eleição”.
José Roberto Mendonça de Barros: Perigo nos extremos
Se, ao fim de 2019, não houver uma expectativa de retomada sustentável, haverá turbulência
As pesquisas eleitorais mostram uma polarização nos extremos. Se isso realmente se materializar, será muito ruim para o País, qualquer que seja o resultado das urnas. Em primeiro lugar porque ambas as candidaturas já acenaram que só aceitarão uma vitória. Derrota será fraude ou golpe, e boa parte de seus eleitores mais religiosos aceitará isso, reforçando as dúvidas quanto ao apreço de seus líderes pela democracia.
Muita confusão à vista.
Em segundo lugar porque são populistas que buscam falar diretamente às massas, prometendo a solução de seus problemas sem explicar como vão fazê-lo. “Confie em mim, eu resolvo, e todos serão felizes” é o lema.
Em terceiro lugar porque seus programas econômicos levantam sérias dúvidas e têm, a meu juízo, pouca chance de trazer de volta o crescimento. Se, ao fim de 2019, não houver uma expectativa fundada de retomada, depois da maior recessão de muitas décadas, veremos turbulências no País.
O caso mais óbvio é o da esquerda. O PT parte do princípio de que jamais cometeu um único erro de política econômica, que não tem culpa alguma pela queda na atividade e pelo crescimento do desemprego e que não existe uma crise fiscal. Mais uma vez, aplica-se aqui a famosa frase de Talleyrand: “Eles não aprenderam nada e não esqueceram nada”.
Não surpreende, portanto, que seu programa seja uma repetição de tudo que deu errado, girando em torno de uma proposta para o uso da política fiscal e creditícia para relançar a economia e fazer o “ajuste” via crescimento. A única novidade é uma pitoresca proposta de usar incentivos fiscais (!!!) para reduzir o “spread” bancário.
Embora seja certo que, eventualmente eleito, Haddad vai tentar uma ampliação ao centro, parece-me altamente certo que veremos uma política inconsistente, a elevação da inflação e o fracasso de trazer de volta o crescimento. No caso da direita, as dúvidas não são menores, a começar pela contradição entre a longa história de corporativismo e autoritarismo do candidato a presidente e o liberalismo radical de seu futuro ministro forte da Economia.
Tivemos um ensaio dessa questão há alguns dias, quando foi anunciado (com base em entrevistas de Paulo Guedes) o estudo da recriação de um imposto sobre movimentações financeiras destinado à Previdência.
Com a reação fortemente negativa que se seguiu, Bolsonaro anunciou que esse tipo de imposto não seria recriado, dizendo até que o objetivo do novo governo seria reduzir a arrecadação da União (!). O resultado foi o cancelamento de toda a agenda do economista, incluindo declarações à imprensa, o que levou à incerteza acerca da natureza do programa do candidato.
E essa incerteza tem razão de ser. A primeira notícia do programa dizia que seria possível arrecadar R$ 1 trilhão ou R$ 2 trilhões com a venda de ativos públicos, empresas e imóveis. Esses recursos seriam, então, destinados a reduzir a dívida pública e a bancar a transição do sistema atual de Previdência (em bases correntes) para um de capitalização (contas individuais).
Ora, só quem não tem experiência alguma de governo, como é o caso, pode imaginar que seja possível levantar essas quantias astronômicas com a venda de patrimônio público, mesmo supondo que existam ativos disponíveis para a venda nesses montantes.
A experiência mostra que as restrições legais e administrativas, a oposição de políticos, funcionários, fornecedores e outros tipos de interesse tornam as operações lentas, e poucos casos chegam ao final do processo com êxito.
Um governo totalmente empenhado no processo poderia, ao cabo de quatro anos, arrecadar, talvez, R$ 100 bilhões ou R$ 200 bilhões. Embora a privatização de empresas públicas, em geral, seja positiva, os valores possíveis de serem obtidos jamais pagariam a transição dos regimes de Previdência.
É bastante provável que a sugestão do imposto sobre transações financeiras tenha surgido como forma de resolver o impasse acima descrito. Entretanto, o candidato vetou essa rota. Como consequência, não existe programa econômico conhecido e o improviso prevalece.
O mercado financeiro supriu a ausência de informações com um ato de fé. Como disse um destacado operador financeiro, “eles sabem exatamente o que fazer”.
Não parece ser o caso.
*José Mendonça de Barros é economista
El País: Mulheres quebram o jejum das ruas no Brasil com manifestações contra Bolsonaro
Centenas de milhares de pessoas se uniram a protestos em 65 cidades, segundo coletivos que ajudaram a organizar os atos. Em São Paulo, ato foi do Largo da Batata à Paulista
Por Carla Jiménez, Heloísa Mendonça, Regiane Oliveira, Marina Rossi e Ricardo Della Coletta, do El País
Luiz Carlos Azedo: A marcha do golpismo
“Até agora, a radicalização política no Brasil foi contida por um movimento pendular da sociedade e da elite política, mas nunca houve uma situação de tanta fragilidade do Congresso e da Suprema Corte”
O cenário eleitoral protagonizado pelos dois líderes nas pesquisas de opinião, Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT), um pouco pela soberba de ambos, muito pela ideologia, às vésperas do pleito, ganha características cada vez mais disruptivas, que questionam a ordem democrática do país. Na sexta-feira, em entrevista ao apresentador José Luiz Datena, Bolsonaro disse que não aceita um resultado no qual não seja o vencedor, afirmou que o Plano B do PT é fraudar o resultado das eleições; em Goiânia, com sinal trocado, Haddad disse que, tão logo seja eleito, convocará uma Constituinte exclusiva para redigir uma nova Constituição. São duas propostas golpistas.
A Constituição de 1988, com todos os seus defeitos, é um pacto político construído para que houvesse uma transição pacífica do regime militar à democracia. Foi obra de muitas mãos, entre as quais as de Ulysses Guimarães. Resultou do esforço de políticos que sobreviveram ao autoritarismo e lideraram o MDB na luta contra o fascismo e a tentativa de “mexicanização” do país por meio da antiga Arena. Essa história é bem conhecida, dispensa maiores comentários. O que importa é registrar que as forças que teceram essa transição se exauriram pela morte da maioria de seus líderes, pelo desgaste e fricção da luta política e em razão do desmantelo revelado pela Operação Lava-Jato.
Hoje, o protagonismo está com quem se opôs ao pacto celebrado na Constituição de 1988. De um lado, o PT, cujos fundadores gostariam que a queda da ditadura se confundisse com a tomada do poder, quiçá uma revolução socialista; de outro, as forças que pretendiam institucionalizar o regime autoritário, com a eleição de um presidente civil no colégio eleitoral, no caso, o então deputado Paulo Maluf. Graças à Constituição de 1988, em nenhum momento essas forças conseguiram impor seus desejos às instituições democráticas. As tentativas nessa direção foram frustradas pelo Congresso. A primeira foi com Collor de Mello, que renunciou ao mandato para evitar o impeachment; a segunda, com Dilma Rousseff, que também foi apeada do poder.
Até agora, a radicalização política no Brasil foi contida por um movimento pendular da sociedade e da elite política, mas nunca houve uma situação de tanta fragilidade do Congresso e da Suprema Corte do país desde a redemocratização. As causas são as mais diversas, da crise da democracia representativa e seus partidos à desmoralização de suas principais lideranças em razão dos escândalos nos quais estão envolvidos. Acrescente-se a isso as mudanças em curso no mundo e a sociedade líquida que emerge com as novas tecnologias, as redes sociais e a substituição da verdade pelas falsas narrativas fake news. É nesse contexto que devemos examinar e nos precaver em relação ao que dizem os candidatos que possam afrontar a democracia.
Regras do jogo
Bolsonaro joga suas fichas numa decisão de primeiro turno, mas já anuncia que, para ele, a eleição somente terá validade se for o vencedor no segundo turno. Se isso não ocorrer, não aceitará o resultado. Alega que havia uma decisão do Congresso para que o voto fosse impresso, como a segunda via de um cartão de crédito, e que o Supremo Tribunal Federal (STF) não aceitou a medida. Deduz daí que haverá fraude nas urnas eletrônicas, fato sem precedentes, porque é impossível uma operação dessa envergadura: as urnas são auditáveis, e os votos, computados em cada seção eleitoral, o que exigiria uma rede de cumplicidade gigantesca. A totalização dos votos pode ser checada urna por urna. É impossível rackear todas, simultaneamente, porque funcionam de forma estanque. Esse discurso só tem uma lógica: legitimar uma intervenção militar, a ser comandada pelos generais que compõem seu estado-maior de campanha, o que seria uma quartelada. A proposta de nova Constituição redigida por notáveis, sugerida pelo general Mourão, imposta goela abaixo no Legislativo e no Judiciário, tem tudo a ver com essa visão golpista.
A proposta de Haddad joga lenha na fogueira. Por que convocar uma Constituinte exclusiva quando estamos elegendo os 513 deputados que compõem a Câmara e 54 dos 81 senadores, todos com poder de emendar a Constituição? Eis a razão: o PT não terá maioria no Congresso, cuja renovação não foi maior por causa da contrarreforma aprovadas pelos grandes partidos, tendo um petista como relator. Não pode mudar as regras de composição dos tribunais superiores, cuja maioria dos membros, diga-se de passagem, foi indicada pelos presidentes petistas. Não terá maioria para estabelecer o controle dos meios de comunicação, interferir nas promoções dos oficiais de alta patente das Forças Armadas, restabelecer o monopólio nacional do petróleo, reverter a reforma trabalhista e mudar as regras das eleições. O golpismo da Constituinte exclusiva está na dualidade de poderes com o Congresso, parecida com a que existe hoje na Venezuela, onde o regime autoritário de Nicolás Maduro convocou uma Constituinte popular porque perdeu as eleições para a Assembleia Nacional.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-marcha-do-golpismo/
Agência Brasil: Mulheres protestam em várias cidades contra machismo e homofobia
Pelo menos 30 mil pessoas - de acordo com as organizadoras - participaram ontem (29), em Brasília, do ato convocado pelo coletivo "Mulheres Unidas contra Bolsonaro". Na última atualização da Polícia Militar (PM), a mobilização tinha 7 mil pessoas. O protesto foi pacífico. Além da capital federal, a manifestação ocorreu em várias cidades brasileiras e no exterior. Houve atos também em várias cidades a favor do candidato.
Por Pedro Rafael Vilela, Fernanda Cruz e Léo Rodrigues - Repórteres da Agência Brasil Brasília
As manifestantes ocuparam três das cinco faixas da pista norte do Eixo Monumental, saindo da altura da Rodoviária do Plano Piloto em direção ao complexto cultural da Funarte, próximo à Torre de TV, zona central da capital do país.
A assistente administrativa Socorro Paiva vestia uma camiseta colorida, com frases contra o machismo. Para ela, o ato é uma forma de evitar que o país mergulhe no que considera um retrocesso histórico.
"Não podemos compactuar com a intolerância. Quero que meus filhos e netos cresçam em um país sem machismo e homofobia", afirmou.
As amigas Luciene de Souza e Mônica Carvalho disseram estar no ato em defesa da democracia. "Estamos lutando pela nossa democracia, mas também em defesa do respeito, da paz e do amor", afirmou Luciene.
"Esse ato também nos ajuda a ter coragem de sair e se juntar contra a intolerância. Se tem 10 mil pessoas aqui, sabemos que pelo menos outras 10 mil não vieram porque ainda estão com medo da violência, do machismo", disse Mônica.
Além de palavras de ordem contra Jair Bolsonaro, que ressaltavam a postura do candidato em relação às mulheres, à população negra e ao movimento LGBT, centenas de manifestantes portavam cartazes, camisetas e bandeiras com frases sobre a luta anti-homofobia e antirracismo.
A servidora pública Nara Kohlsdorf levou os filhos, um de 11 e outro de 9 anos. "Quero que eles vivenciem a história", afirmou. Para ela, o ato não se centra apenas em uma postura relacionada às eleições, mas expressa um movimento por direitos das mulheres. "Quando a gente se une em torno de uma agenda de igualdade, a gente é mais forte".
Incidente
Durante a marcha, um contêiner com entulho, ao lado do Eixo Monumental, pegou fogo e assustou os manifestantes. A PMDF e o Corpo de Bombeiros tiveram que interferir, desviar o trânsito e os manifestantes, para conter o incêndio. Pelo menos duas viaturas de combate a incêndio foram usadas. Não houve registro de danos materiais, nem feridos. As autoridades não souberam informar quem teria provocado o fogo.
Ainda segundo o Corpo de Bombeiros, uma mulher teve um mal súbito e foi atendida pelos socorristas, mas não chegou a ser transportada para o hospital. O incidente pode ter sido causado pelo excesso de calor. Durante a marcha, a temperatura era de de pelo menos 33 graus Celsius. Muitas pessoas usavam bonés, chapéus e até guarda-chuva para se proteger do sol forte.
São Paulo
Na capital paulista, a concentração começou às 15h no Largo da Batata, na zona oeste. A organização do ato estimou o número de participantes em 200 mil. A Polícia Militar não fez estimativa e informou que não foram registradas ocorrências relevantes.
Participaram da manifestação representantes de partidos políticos, movimentos sociais e ativistas de diversas áreas. Estiveram presentes também alas das torcidas do Corinthians e Palmeiras.
Por volta das 17h30, a passeata começou a se movimentar pela Avenida Faria Lima, em direção à Avenida Paulista. Um grupo de mulheres entoava palavras de ordem contra o candidato do PSL.
Ana Silveira, 26 anos, era uma das responsáveis pela batucada. “Faço parte do coletivo que pretende ocupar os espaços da cidades e estamos hoje pedindo liberdade e felicidade. "Ele não”, disse ela.
Joana Brandão, 38 anos, também se manifestava. "Pelos direitos das minorias, por isso protestamos”, afirmou.
Rio de Janeiro
Atividades culturais marcaram o início da concentração, às 15h, na Cinelândia, no centro do Rio. A mobilização contou a presença de homens e mulheres. No carro de som, a organização foi liderada por elas. Músicas e palavras de ordem falavam de machismo no comportamento do candidato Jair Bolsonaro e lembravam o mote o ato: "Ele não".
Da Cinelândia, as manifestantes se dirigiram para a Praça XV, também no centro da capital fluminense, onde um palco foi preparado para apresentações teatrais e shows. A analista de contas Consuelo Lardosa estava lá com a filha. "As palavras que têm sido ditas são de muita violência contra as mulheres e agridem a todas as mães que lutam e batalham por um pouco dignidade para seus filhos, em país tão difícil como o nosso. Estamos aqui, assim como outras famílias, pais com suas crianças, afinal é um movimento de paz e não de ódio", afirmou.
Para a técnica em edificações Bárbara Ribeiro, é uma possibilidade de discutir as propostas dos candidatos e mostrar como algumas delas revelam posições machistas, homofóbicas e anti-trabalhistas. "Quando você organiza um ato desse tamanho, você chama a atenção da sociedade para a importância de analisar os planos de governo. É algo sério".
A psicóloga Júlia Pierezan destacou a importância de manter a mobilização, mesmo após o primeiro turno e depois das eleições. "Antes de tudo, é uma luta a favor da democracia", disse. Embora a mobilização envolvesse jovens em sua maioria, havia representantes de todas as faixas etárias.
Uma concentração de apoiadores de Bolsonaro ocorreu na praia de Copacabana, na zona sul da cidade. Marcada para as 14h, a manifestação foi na altura do Posto 5. Pouco antes das 19h, o Centro de Operações do Rio informou, nas redes sociais, que as pistas estavam liberadas.
Brian Winter : Oposição a Bolsonaro repete erros dos EUA
Caminho mais efetivo seria combinar ataques a uma agenda clara quanto aos problemas mais urgentes do Brasil
Nos dias finais da campanha eleitoral de 2016 nos EUA, a sociedade polida enfim se uniu contra Donald Trump.
Celebridades e políticos assinaram manifestos que o denunciavam como misógino e racista e argumentaram sobre a importância da democracia como questão de princípio.
As hashtags #NeverTrump e #NastyWomen (Trump Nunca e Mulheres Desagradáveis) tomaram o Facebook e o Twitter. Os eventos finais de campanha de Hillary Clinton incluíram expressões de apoio irrestrito por Beyoncé, Bruce Springsteen e Lady Gaga.
Para alguém que vivia em lugares como Los Angeles, Chicago e Nova York (era o meu caso), parecia não haver maneira de Trump vencer.
Estávamos errados, é claro.
Tudo isso me veio à memória nos últimos dias, em que #EleNão e #EleNunca vieram a dominar a mídia social no Brasil, e celebridades como Gilberto Gil, Mano Brown e o Black Eyed Peas vieram a público para se opor a Jair Bolsonaro.
Os países e candidatos são diferentes, eu sei, mas os argumentos são bizarramente parecidos. E pode-se perceber que um determinado segmento da sociedade brasileira —a centro-esquerda pró-democracia, o tipo de gente que lê (e escreve) colunas em jornais como a Folha— está começando a relaxar, um pouquinho. "Viu só? As pessoas civilizadas estão se unindo. Tudo vai ficar bem."
O que aconteceu nos Estados Unidos, então? Basicamente, Hillary e seus partidários se concentraram tanto na oposição a Trump que se esqueceram de falar sobre as questões que importavam para a maioria dos eleitores: desemprego, imigração e assim por diante.
Jamais esquecerei de uma mulher que estava assistindo a um comício de Trump: questionada por um repórter de TV como ela justificava votar em um homem como ele, ela respondeu: "Trump pode dizer o que quiser, desde que ajude meu marido a arrumar emprego", foi a resposta.
No Brasil, as pesquisas de opinião pública indicam que as questões mais importantes para os eleitores incluem a economia, a corrupção e o crime. A verdade é que Fernando
Haddad e o Partido dos Trabalhadores têm enorme dificuldade para lidar com as três.
O PT causou a pior recessão do Brasil em um século, seu principal líder está na cadeia, e o crime disparou nos 13 anos em que o partido esteve no poder.
Portanto, a tentação de transformar o segundo turno em referendo sobre Bolsonaro —e a democracia— será ainda mais forte para o PT.
As declarações mais incendiárias de Bolsonaro serão repetidas incessantemente na propaganda eleitoral e no Facebook, e intelectuais e celebridades falarão sobre a importância da democracia e os direitos das minorias.
Isso ecoará de modo positivo em alguns círculos, que incluem a elite —Fernando Henrique Cardoso pode apoiar Haddad, por exemplo, da mesma forma que John McCain e George W. Bush romperam com Trump.
Mas, no geral, acredito que essa estratégia se provará ainda menos efetiva do que foi o caso nos Estados Unidos.
Tragicamente, depois de quatro longos anos de escândalo e crise econômica, apenas 8% dos brasileiros dizem que a democracia representativa é uma forma de governo "muito boa", o menor total entre os 38 países pesquisados pelo Pew Research Center. Os argumentos quanto à sua importância certamente serão recebidos com pouca simpatia.
Como aqui, os eleitores em lugar disso se deixarão seduzir pela promessa de soluções simples —ainda que nada realistas— para problemas mais tangíveis.
Suponho que a versão brasileira da mulher entrevistada no comício de Trump diria: "Bolsonaro pode dizer o que quiser, desde que seu governo não roube e eu possa caminhar pela rua em segurança".
Para Haddad e o PT, isso significa que o caminho mais efetivo seria combinar ataques contra Bolsonaro a uma agenda clara quanto aos problemas mais urgentes do Brasil.
Isso inclui uma estratégia nacional mais efetiva de combate ao crime, reconhecimento dos erros passados do partido quanto à corrupção e deixar claro que a política econômica será mais parecida com a do primeiro mandato de Lula do que com a do primeiro mandato de Dilma.
Isso é pedir muito, dada a recente insistência do partido quanto a narrativas de perseguição e nostalgia. Talvez seja impossível. Mas o futuro da democracia brasileira pode depender disso.
*Brian Winter é editor chefe da revista Americas Quarterly
José Antonio Severo: Bolsonaro e Prestes, os dois capitães que chegaram ao topo na política
Há um ditado dos Exércitos: ”como a Cavalaria, rápido e malfeito”. Arma de ruptura, a Cavalaria, nas batalhas antigas, ia na frente, abrindo as linhas inimigas, mas deixava o serviço completo para a Infantaria, que vinha atrás, consolidando a vitória e ocupando o território. Esse chiste é sempre lembrado quando o general Mourão faz das suas, como candidato a vice-presidente na chapa do capitão Bolsonaro.
A pior comparação do irrequieto general veio do candidato do PDT, Ciro Gomes, que o cognominou de “jumento de carga”, metáfora do animalzinho usado nos campos de batalha para levar alimentos e munições para os combatentes na linha de frente. Indiferentes às balas e estrondos de bombas e canhões, os asininos chegam onde outros carregadores não vão. Entretanto, um chiste que poderia ser um elogio no interior de uma caserna, soou como uma ofensa aos ouvidos leigos do eleitorado, dando a entender que Mourão carregaria humildemente seu capitão Jair às costas.
Entretanto, para um político, pior que uma carga de cavalaria é uma ex-mulher na rua. Mesmo mudando de lado deixam tantas arestas que ficam impossíveis de aplainar. Como neste caso da ex de Bolsonaro, Ana Cristina: ela mudou de lado outra vez, recuperou o nome dele, mas deixou para trás um processo escabroso com todas as baixarias inconvenientes neste momento. Pior que a diabruras do general Mourão.
Luiz Carlos Prestes
Bolsonaro é o segundo capitão a pontificar na política brasileira. O primeiro foi o gaúcho Luiz Carlos Prestes, da arma de Engenharia. Bolsonaro, sessentão, parece confirmar o estigma e a imagem histórica dos capitães, pois era firme e desassombrado, tal como o candidato do PSL de nossos dias. O legendário “Cavaleiro da Esperança” (epíteto que lhe foi atribuído pelo escritor Jorge Amado) faleceu nonagenário, irrequieto, como um autêntico capitão, intransigente e audaz como se estivesse comandando uma carga de seus guerreiros na legendária Coluna Prestes.
Prestes deixou um legado: ele foi o personagem seminal da esquerda brasileira. Por mais que os partidos e facções divirjam ideologicamente, todos mantêm uma postura inspirada no Castilhismo do capitão, que constitui o etos dessas correntes. Sua postura é atribuída erroneamente, por algumas semelhanças, ao stalinismo do comunismo dos anos 40/50. Prestes já era assim como sempre foi muito antes de se converter ao comunismo. Deixou para seus pósteros uma esquerda castilhista.
Floriano Peixoto
Essa doutrina do caudilho gaúcho é uma visão própria do positivismo (assim como Lênin fez sua interpretação do marxismo), a mesma de Bolsonaro, oficial de artilharia como Floriano Peixoto , Hermes da Fonseca e Ernesto Geisel.
O “Marechal de Ferro” foi parceiro de Júlio de Castilhos na paz e na guerra. O governador gaúcho, com sua Brigada Militar (que em 1893 era uma milícia do Partido Republicano), foi o sustentáculo da repressão aos levantes dos maragatos, no Rio Grande, e da Armada, na baia da Guanabara. Floriano, por seu turno, assegurou a Castilhos a continuidade da vigência de sua constituição singular, diferente daquela da nascente Estados Unidos do Brasil. A constituição de 14 de Julho, do Rio Grande do Sul, não tinha três poderes (o executivo mandava em tudo) e permitiu cinco reeleições (quatro sucessivas) do seu sucessor Borges de Medeiros. Bolsonaro é o herdeiro desse positivismo adulterado.
Entre ditadores e presidente, a Infantaria deu três (Dutra, Castello e Costa e Silva), a Cavalaria de dois (Médici e Figueiredo). Com Bolsonaro podem ser quatro da Artilharia.
Outra comparação que se faz de Bolsonaro é com seu colega paraquedista Hugo Chávez, da Venezuela. Os dois vêm dessa nova especialidade dos soldados alados, tipos de índole arrojada, impetuosos, temerários, preparados para lutar atrás das linhas inimigas. Com isto, diz-se que Bolsonaro vai tirar a pele de cordeiro e se projetar como um nacionalista ferrenho, tal qual Chávez, que assumiu se lançou na política com imagem de golpista de direita, foi eleito presidente pelos liberais e conservadores e depois deu meia-volta à esquerda. Também pode haver uma certa analogia, pois assim como Bolsonaro, o ditador venezuelano não era general, mas um simples tenente-coronel. Não foi por isto que os generais de seu país lhe negaram continência.
A grande diferença entre os dois seria o legado histórico que cada qual teria no campo da política externa. O Brasil é um País de índole pacifica, mas que nunca deixou barato aos que lhe profanaram o território. Solano Lopez e Adolf Hitler que o digam.
Já Chávez julgava-se herdeiro do fundador do pan-americanismo, com deveres e obrigações com os demais povos de nosso subcontinente latino-americano. Como Simon Bolívar, o libertador da metade norte da América do Sul, ele arvorou-se a cumprir o legado de seu antecessor, criando o bolivarianismo. Naquela época da conferência do Panamá, o Brasil não aderiu ao Libertador. Pelo contrário, o patriarca venezuelano considerava o Brasil um corpo estranho na América Espanhola. Chávez perdoou os falantes lusitanos, deixando de fora apenas os anglo saxões. Menos mal.
Por fim a questão da hierarquia militar. Não obstante nada impeça um capitão de ser comandante em chefe das Forças Armadas, se a Lei lhe conferir esse poder, soa estranho para o público leigo um general fazer continência para baixo, como se diz. Seria humilhante. Isto não é verdade em quaisquer sentidos, pois nas Forças Armadas o que há de mais importante é a antiguidade. Nesse quesito, Jair Bolsonaro é da mesma turma dos generais do alto comando presente. Se tivesse continuado no Exército, feito tudo direitinho, estudado e se comportado de acordo com os regulamentos, poderia hoje ser um quatro estrelas. Então também não há continência para baixo. Bolsonaro trata seus generais por “você”, como a qualquer colega de turma na Academia e nos primeiros passos da vida profissional.
*José Antônio Severo é jornalista