Eleições
A pobreza da independência
Cristovam Buarque*, Correio Braziliense
Amanhã, o Brasil comemora 200 anos de nação independente, sendo campeão de desigualdade, com 33 milhões de pessoas famintas e mais de 100 milhões com alimentação deficiente, cerca de 13 milhões de analfabetos — 25% da população pobre. A maioria é de raça negra e vive na região Nordeste. Esse é o maior fracasso de nossos 200 anos: a persistência da pobreza, apesar do êxito na economia que nos colocou entre as 10 nações mais ricas e o maior exportador de alimentos no mundo.
Desde 1822, tivemos dois imperadores, 38 presidentes, cerca de 10 mil parlamentares, milhares de intelectuais, mas a pobreza continua porque não desperta sentimento político de solidariedade, nem entendimento conceitual correto. A insensibilidade dos dirigentes em relação ao sofrimento dos pobres e a lógica equivocada sobre como nossos intelectuais explicam e propõem como superar a pobreza, explicam a pobreza da independência. O problema está no coração dos políticos e na mente de seus assessores: os primeiros não sofrem por causa da pobreza, os outros não entendem a real dimensão da pobreza, as causas e os meios para superá-la. A pobreza foi sequestrada pela elite no poder e pelo pensamento econômico. Não é vista como problema fundamental a ser enfrentado, e acredita-se que o crescimento da economia elimina a pobreza ao distribuir a renda ampliada.
Da mesma forma que, por 350 anos, a minoria branca e livre não se importou com os escravos, nem entendeu a importância da abolição para o país, há 135 anos, as classes privilegiadas aceitam com naturalidade o abandono de brasileiros na exclusão social da pobreza. Se os abolicionistas pensassem como economistas, a escravidão existiria até hoje, esperando o crescimento econômico. A escravidão foi abolida ao ser tratada como questão ética. É assim que a pobreza deve ser tratada. A superação da pobreza vai exigir que também seja tratada como imoral, uma vergonha a ser abolida.
Ao mesmo tempo, será preciso mudar o enfoque técnico de como é enfrentada. A principal causa da pobreza é a pobreza no entendimento de sua causa. A pobreza não decorre da falta de crescimento e renda na economia, mas por falta de comida, moradia, água, esgoto, atendimento médico, transporte urbano, escola, segurança. Desses itens, apenas comida e transporte dependem da renda pessoal, o resto exige políticas sociais e serviços públicos do Estado. Para solucionar a questão da pobreza, é preciso perceber que, como a escravidão, ela afeta não apenas os pobres, mas amarra toda a sociedade.
Depois de 200 anos, a independência precisa criar o que Joaquim Nabuco chamou, no século 19, de "instinto nacional" pela erradicação da escravidão. Agora, pela superação da pobreza com vontade e missão nacionais, e com o entendimento correto das políticas sociais e dos serviços públicos a serem ofertados a todos, com uma estratégia que assegure a cada um o que precisa para sair da pobreza. Entre eles, o mais importante é a educação de qualidade para todos. A sua qualidade aumenta a produtividade e o tamanho da renda nacional; a equidade para todas as crianças permite distribuir a renda, conforme o talento e o poder de pressão das massas pobres para obterem novos benefícios. Educação de qualidade para todos quebra o círculo vicioso que caracteriza os 200 anos de independência omissa diante da pobreza, tanto quanto foi diante da escravidão.
A pobreza de um pobre decorre da falta do essencial para sua sobrevivência plena. A pobreza da própria pobreza está na falta de sentimento político solidário e de um conceito técnico correto para explicá-la e superá-la. Até hoje, não tivemos governo com propósito de assegurar a cada família o necessário para não ser pobre. A pobreza foi sequestrada pela economia, no lugar de a economia ser instrumento da estratégia de sua erradicação. E em consequência a economia seria dinamizada, porque a pobreza é uma das causas do estancamento do progresso econômico, social e civilizatório, tanto quanto foi a escravidão ao longo de 66 dos 200 anos de independência.
Os Estados Unidos colocaram a missão de chegar à Lua antes das comemorações dos 200 anos de sua independência, o Brasil precisa definir sua missão a "segunda abolição" para as primeiras décadas de nosso terceiro século que se inicia amanhã. Para tanto, precisa querer politicamente superar a pobreza e entender corretamente as causas e as estratégias para a superação. Ao tolerar a permanência da pobreza, nossa independência é pobre: faz pobre milhões de brasileiros e esbarra no progresso.
*Cristovam Buarque - professor emérito da Universidade de Brasília (UnB) e membro da Comissão Internacional da Unesco para o Futuro da Educação.
Artigo publicado originalmente no Correio Braziliense
O que aconteceu com o Brasil?
Por Marco Antonio Villa*
Não será tarefa fácil para o pesquisador quando se debruçar sobre o Brasil de 2022 como objeto de estudo. O historiador poderá contar com fontes primárias e secundárias, com arquivos pessoais e com depoimentos, se assim o desejar, de atores – protagonistas ou não – da conjuntura política. Apesar disso, não creio que conseguirá obter respostas imediatamente. Pode ser que o tempo, o desenrolar da nossa história seja um aliado. Pode ser. Contudo, a complexidade do momento histórico vai levar o pesquisador para alguns temas de difícil explicação.
Como compreender historicamente – no sentido de Lucien Febvre – as eleições de 2018? O que aconteceu com o Brasil? E, mais concretamente, o que aconteceu conosco? Que País era aquele que elegeu um incapaz para a Presidência da República? No primeiro turno foram apresentados diversos candidatos que tinham história, programa e compromisso com a democracia. Mas o eleitor desconsiderou. Qual a razão? Foi só um voto de protesto ou algo mais?
E a formação do Congresso Nacional? A renovação, especialmente do Senado, foi significativa, a maior dos tempos recentes. Isso mudou alguma coisa? No triângulo de ferro da política nacional, São Paulo. Minas Gerais e Rio de Janeiro, foram eleitos de forma surpreendente – meia dúzia de senadores. Em outros estados acabaram sufragados pelo voto popular neófitos na política regional.
Como explicar as derrotas das lideranças tradicionais? Depois de mais de três anos e meio de mandato presidencial, Jair Bolsonaro conseguiu sobreviver a maior tragédia sanitária da história nacional, desprezou a ciência, todas as recomendações dos especialistas em saúde pública e, mesmo assim, está muito bem-posicionado nas pesquisas de intenção de voto e, provavelmente, irá ao segundo turno. Teve êxitos econômicos que poderiam compensar o desastre da pandemia? Não. Edificou políticas sociais de longo prazo e, assim, fortaleceu o apoio das classes populares? Não. Foi um defensor da democracia como valor fundamental para enfrentar os grandes dilemas nacionais? Também não.
O Brasil, hoje, é quase como um daqueles problemas matemáticos que permanecem séculos para serem decifrados. Lembrando de Ortega y Gasset, é um País invertebrado. E que vive um dia após o outro sem que haja uma reflexão sobre o passado mais recente, o que aconteceu neste último quadriênio, ao menos. Por quê? O que aconteceu com o vibrante Brasil? Para onde foi a brava gente brasileira?
Publicado originalmente no blog Horizontes democráticos
Nas entrelinhas: Não existe zona de conforto para ninguém
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Todas as pesquisas mostram uma boa vantagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que lidera a disputa presidencial; dependendo do instituto, a diferença é vai de cinco a 12 pontos, em relação ao presidente Jair Bolsonaro (PL). Isso é como vencer o jogo por dois a zero no primeiro tempo; no segundo, porém, se o time adversário fizer um gol, empurrado pela torcida, tudo pode complicar. Uma virada no placar passa a ser uma ameaça real.
As pesquisas estão mostrando que Lula não vencerá no primeiro turno, com a recuperação de Ciro Gomes (PDT), o crescimento de Simone Tebet (MDB) e a casquinha que Felipe D´Ávila (Novo) e Soraya Thronicke (União Brasil) estão tirando com a campanha de rádio e tevê, as entrevistas e os debates. Não existe zona de conforto para ninguém. Lula está perdendo a eleição entre os homens por pequena margem e vencendo por larga diferença entre as mulheres, um campo minado para Bolsonaro.
Lula vence entre os mais pobres, porém, perde entre os que ganham de dois a cinco salários e empata nos que percebem acima disso. Lidera com folga entre os que somente têm o ensino fundamental e, por pouco, entre os que completaram o ensino médio, e perde entre aqueles com curso superior. Está em amplíssima vantagem no Nordeste; vence de pouco no Norte/Centro-Oeste e no Sudeste; e perde no Sul.
Esse cenário, com quatro semanas de campanha, ainda pode se alterar. A campanha eleitoral foi encurtada deliberadamente pelo Centrão, com objetivo de facilitar a reeleição de quem tem mandato, principalmente na Câmara Federal. Não existe mais financiamento de empresas privadas para as campanhas e a liberação dos recursos do fundo eleitoral somente ocorreu após a propaganda eleitoral começar. Há disparidade de meios entre quem tem mandato, com todas as suas vantagens e mordomias, e os que postulam uma vaga para entrar nas casas legislativas.
Como a esperteza engole o dono, deu ruim para o presidente Jair Bolsonaro, que largou muito atrás nas pesquisas de opinião, por causa, principalmente, da situação da economia. Pode ser salvo pela PEC Emergencial e seu pacote de bondades, que parece não ter fim, haja vista a última redução do preço dos combustíveis. O ministro da Economia, Paulo Guedes, inclusive, já anunciou a intenção de prorrogar o “estado de calamidade” para poder gastar mais.
A reeleição de Bolsonaro está se inviabilizando por outros motivos, principalmente entre as mulheres: a sua misoginia, a falta de empatia com as vítimas da pandemia, o deboche quando é criticado por qualquer cidadão, o palavreado chulo. Tudo isso está cobrando um preço alto de Bolsonaro, mas o determinante mesmo é a situação da economia e dos mais pobres.
Cenários
A estratégia de Lula contra Bolsonaro é muito simples. Compara seu governo com o atual, em todas as áreas relevantes: política externa, cultura, políticas de saúde e educação, a questão ambiental, o salário-mínimo, o combate à violência. Lula apostou, principalmente, na recessão, no desemprego e na inflação como contingências que derrotariam Bolsonaro, mas, acontece que o poder de intervenção do governo na economia é muito grande e a situação está mudando.
Não importa que seja um voo de galinha. A economia voltou a crescer, novos empregos são criados, o dinheiro do Auxílio Brasil (três parcelas de R$ 600, se não antecipar a quarta) está chegando na ponta na boca da eleição. Pode não ter a mesma repercussão para quem ganha até um salário mínimo, por causa do peso da inflação de alimentos, mas, acima disso, já surte efeito, inclusive porque movimenta as economias locais, favorecendo a classe média.
Geralmente, os analistas de pesquisas calculam a progressão do crescimento ou da queda dos candidatos para concluir se e quando o líder se manterá à frente ou não. A boca de jacaré, como se diz no jargão dos marqueteiros, é um recurso válido para o direcionamento da campanha. Entretanto, não pode ser absolutizado por duas razões: em primeiro lugar, o tempo na política não é linear, pode se acelerado na campanha; em segundo, as pesquisas usam dados defasados do IBGE, pois são os do último Censo. É daí que vêm os eventuais erros nas pesquisas. Ignoremos as teorias conspiratórias.
A campanha mais curta tende a acelerar a movimentação dos candidatos majoritários. É o que aconteceu com a recuperação de Ciro e o crescimento de Simone, frustrando os que apostavam no “voto útil”. Nesse cenário, teremos segundo turno, embora a polarização Lula versus Bolsonaro se mantenha. O que poderia alterar esse quadro seria Bolsonaro perder expectativa de poder — o que não vai acontecer, por causa do peso do governo como forma mais concentrada de poder — e a melhoria do ambiente econômico. Outra hipótese, menos provável, seria Lula ser ultrapassado pelo presidente da República, como apregoam os caciques do Centrão. Nesse caso, haveria uma reação a favor do “voto útil”; uma eventual desistência de Lula, em favor de Ciro ou Simone, não está no script de ninguém, muito menos dos petistas.
Nas entrelinhas: No debate dos presidenciáveis, todos os homens são mortais
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
As feministas da geração de Simone Tebet (MDB) e Soraya Thronicke (União Brasil) têm como uma das referências a escritora francesa Simone de Beauvoir, que foi casada com o filósofo existencialista francês Jean Paul Sartre. O livro Todos os homens são mortais (Nova Fronteira), de sua autoria, que empresta o título à coluna, conta a história de Régine, uma atriz ambiciosa e invejosa, e o Conde Raymond Fosca, rei de Carmona, personagem nascido no ano de 1279 (séc. XIII), que havia tomado o remédio da imortalidade.
Régine é uma anti-heroína que reconhece seus defeitos e se arrepende deles, mesmo sabendo que não conseguirá mudá-los. Fosca surge no romance pelos olhos da atriz: “Esse homem! — disse ela. — Por que se levanta tão cedo?”. Dele se aproxima. O antigo rei lhe conta seu segredo, o de ser imortal, e a partir daí, Régine torna-se obcecada pela ideia. Para demovê-la, Fosca narra a história de sua vida, desde 1279 até o seu encontro com Régine, num passeio da Idade Média à Modernidade.
O livro foi lançado em 1946. Fosca apresenta vantagens e desvantagens de ser imortal. Com o passar dos anos — das guerras, das pestes, das mortes de amigos e inimigos e de entes queridos, como esposas e filho —, Fosca desanima da vida e passa a buscar respostas para suas perguntas nos outros, assim como é através deles que tenta viver. Não se percebe mais capaz de ser um ser humano como os demais. Quando termina sua história, Fosca deixa Régine sozinha. Cabe a ele seguir por milênios, amaldiçoado. O livro de Simone de Beauvoir nos revela que cada um tem “a dor e a delícia de ser o que é”.
Fora da dicotomia
O debate presidencial de domingo serviu para mostrar que há mais opções além da polarização entre os candidatos que a promovem. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL) podem não ser “imortais” como Fosca, que podia fazer qualquer escolha, mesmo a mais sanguinária e/ou desastrosa, e sobreviveria aos seus próprios erros e aos prejuízos que causaram.
Segundo o analista de redes sociais Sérgio Denícoli, da Modalmais/APExata, “há vida política fora da dicotomia bolsonarismo x lulismo”. Ao processar a análise de 400 mil tuítes, Denícoli constatou que há um cansaço nas redes sociais com o embate entre as duas maiores forças políticas do país, explícito não apenas nas falas dos candidatos, mas nos sentimentos provocados pelo debate: a tristeza foi a emoção predominante, representando 18,7% dos posts; em seguida, a raiva (14,66%) e o medo (16,69%). A confiança foi apenas o quarto sentimento mais presente: 13,34% dos tuítes.
A rejeição a Bolsonaro e a Lula passou ser o fator determinante da polarização eleitoral, paradoxalmente, mantendo-os na liderança por serem antagônicos. Quem rejeita um vota no outro, acredita que o candidato escolhido é o único com chances de derrotar o adversário. “Entretanto, o debate trouxe uma lufada de ar fresco, mostrando que há outras equipes no páreo. O desempenho de Simone Tebet e Soraya Thronicke surpreendeu”, destaca Denícoli.
Os dados da AP Exata mostram que as duas candidatas mulheres foram as mais aprovadas pelos internautas. Simone teve 41,29% de aprovação entre os que a mencionaram, enquanto Soraya alcançou 41,25%. Ciro ficou em terceiro com 39,96%, Felipe D’Ávila veio na sequência (37,41%), seguido de Lula (36,16%) e Bolsonaro (36,07%). Simone ainda liderou nos sentimentos de confiança, surpresa e alegria. Bolsonaro foi o líder em tristeza, e Lula, em desgosto e medo.
“O debate foi mais negativo para os protagonistas da disputa, que chafurdaram em suas rejeições e em suas fraquezas, claramente expostas”, conclui Denícoli. Em termos de menções, Simone foi a que mais cresceu ao longo do debate. Iniciou com 3,6% e finalizou com 10,5%, um aumento de 191,6%. Ciro cresceu de 14,5% para 15,3%. Soraya ampliou sua visibilidade de 2,5% para 7,6%, e D’Ávila de 1,7% para 3,4%. Lula e Bolsonaro encolheram. O petista iniciou abarcando 41,3% das menções e finalizou com 33,1%. Já o presidente saiu de 36,3% para 30,2%.
Considerando como os termos “voto” e “votar” se associaram aos candidatos no Twitter, Bolsonaro teve a queda mais acentuada, passando de 35,7% para 27,04%. Lula também caiu, de 39,12% para 32,9%. Ciro cresceu de 19,46% para 26,59% e Simone passou de 4,3% para 10,27%. Nos próximos dias, o comportamento das redes mostrará se os efeitos do debate vão se consolidar como tendência ou foram momentâneos.
Nas entrelinhas: O Centrão esvazia a terceira via para ocupar seu lugar
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Com a entrevista do presidente Jair Bolsonaro ao Jornal Nacional (TV Globo), ontem à noite — que pretendo comentar amanhã, porque escrevo antes que aconteça —, iniciamos uma semana na qual as propostas dos candidatos a presidente da República chegarão ao amplo conhecimento dos eleitores. Ciro Gomes (PDT) participará na terça; o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), na quinta; e Simone Tebet (MDB), na sexta. André Janones (Avante), que seria entrevistado na quarta, retirou a candidatura. As entrevistas esquentarão o clima político. O horário eleitoral de propaganda obrigatória de rádio e tevê começará no dia 26, sexta-feira.
Enquanto a disputa pela Presidência monopoliza as atenções nacionais, a disputa eleitoral pelas 513 cadeiras da Câmara Federal e 51 assentos no Senado ocorre numa espécie de lusco-fusco: é acompanhada nos respectivos estados, mas não em seu conjunto, como deveria. É sempre assim, o balanço vem depois do primeiro turno, quando se avalia se houve muita ou pouca renovação. No Senado, com certeza, será limitada pelo fato de que está sendo disputado apenas um terço das cadeiras, uma vaga para cada um dos 26 estados e Distrito Federal; na Câmara, é possível que a renovação seja a menor dos últimos tempos, porque o processo eleitoral e seus mecanismos de financiamento foram blindados para dificultar ao máximo a renovação política.
Houve crescimento do número de candidatos, principalmente de mulheres e de negros, por causa da política de cotas e da obrigatoriedade de melhor distribuição de recursos para esses segmentos, mas isso não significa que haverá ampla renovação. A principal mudança será em relação aos partidos que não alcançarem a cláusula de barreira (2% dos votos válidos em todo o Brasil para a Câmara dos Deputados, ou 11 deputados federais eleitos, tudo isso em pelo menos nove Estados), que perderão o financiamento eleitoral e o acesso à propaganda gratuita de rádio e tevê. Isso também é uma contabilidade que ficará para depois do pleito.
A disputa pela Câmara é emulada pelo número de deputados de cada partido, que determina a distribuição do fundo eleitoral de R$ 4 bilhões, sem falar no fundo partidário, que financia o funcionamento dos partidos. A performance dos partidos na eleição para a Câmara é a que tem maior peso na distribuição do fundo eleitoral. O resultado da eleição determinará a destinação de R$ 4,9 bilhões em 2024, e igual valor, pelo menos, em 2026. Esses recursos do fundo estão por trás de todo o troca-troca de partidos que ocorreu na janela de filiação partidária e da capacidade de cada legenda estruturar suas chapas de candidatos proporcionais.
Quem tem a força
Dos 513 deputados atuais, 453 deputados federais tentarão a reeleição, o maior índice da história, certamente porque nunca tiveram condições tão favoráveis para a campanha. Historicamente, a taxa média de reeleição é 53%. Os números mostram que 33% dos candidatos nunca disputaram uma eleição e 44,5% já tentaram a carreira legislativa, mas não se elegeram para qualquer cargo. Dos 10.332 concorrentes, apenas 2.257 (21,8%) já exerceram algum cargo legislativo. O que está desequilibrando a disputa é a força do dinheiro à disposição dos deputados federais, além da liberação de verbas do “orçamento secreto” de R$ 16 bilhões para compra de apoios.
O “orçamento secreto”, como são chamadas as emendas de relator do Orçamento da União, é uma ferramenta monopolizada pelo Centrão, operada pelo ministro da Casa Civil da Presidência, Ciro Nogueira (PP), e pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Os parlamentares que não estão na base governista estão em desvantagem. Como a liberação das verbas depende do Executivo, o apoio dos candidatos do Centrão à reeleição de Bolsonaro faz parte do pacote da reeleição, mas essa força de atração do governo como forma concentrada de poder é mitigada eleitoralmente pelo favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a expectativa de poder que isso gera, além dos arranjos políticos locais, nos quais os governadores, sobretudo os que disputam a reeleição, têm muito peso na armação das chapas proporcionais.
Manter o controle do Congresso e garantir a reeleição de parlamentares aliados fazem com que o Centrão, liderado pelo PP e pelo PL, avance em direção aos parlamentares dos partidos de centro-esquerda, incorporados à articulação majoritária da Câmara sem que, necessariamente, seus partidos apoiem Bolsonaro. Vem daí também as dificuldades da construção de uma terceira via, cujo espaço político está sendo ocupado pelo Centrão, como uma força com política própria e poder de pressão sobre o governo, enquanto a polarização eleitoral reduz o campo de disputa dos votos indecisos. A possibilidade de romper essa lógica dependeria de um ambiente eleitoral mais aberto, como foi o de 2018, no qual os parlamentares com mandato teriam mais dificuldades de se eleger.
Nas entrelinhas: Ciro Gomes esbanjou bom humor e fez propostas audaciosas no JN
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Foi uma mudança da água para o vinho a entrevista do candidato do PDT à Presidência da República, Ciro Gomes, aos jornalistas Willian Bonner e Renata Vasconcellos, no Jornal Nacional (TV Globo), na terça-feira à noite, em comparação com a do presidente Jair Bolsonaro, na véspera. Ciro estava de bom humor, focado nas suas propostas e pautou a entrevista, que transcorreu de forma bem mais produtiva do que a de segunda-feira.
O ex-governador do Ceará afirmou que irá cortar os privilégios criados para acúmulo de renda e criticou a corrupção. Questionado sobre a dificuldade que teve em formar alianças nacionais em torno da sua candidatura, disse que irá mudar o modelo de governança política instaurado na redemocratização e que trouxe caos para os presidentes em todos os anos de 1989 até aqui. “A corrupção é feita por pessoas, e o desastre econômico e privilégios criados é o que faz com que o Brasil tenha cinco pessoas acumulando a renda das 100 milhões mais pobres e da classe média”, afirmou.
“Trinta e três milhões de pessoas estão com fome e 120 milhões não fizeram as três refeições hoje. E determinados grupos políticos são responsáveis por essa tragédia (…) A ciência da insanidade é você repetir as mesmas coisas e buscar resultado diferente”, afirmou. Além de combater a corrupção, Ciro adiantou que pretende mudar o modelo de governança do país, acabando com o presidencialismo de coalizão: “O Collor governou com esse modelo e foi cassado. O Fernando Henrique e o PSDB nunca mais ganharam uma eleição nacional com esse modelo. O Lula foi parar na prisão. Esse modelo é o que se convencionou chamar de presidencialismo de coalizão, na expressão elegante de FHC, ou na adesão vexaminosa e corrupta ao Centrão”, disparou. Não será uma tarefa fácil sem bancada numerosa no Congresso.
Questionado sobre isso, Ciro disse que pretende dialogar com o Congresso Nacional e, em casos de impasse, convocará a população para decidir em plebiscitos, que são usados na América Latina com propósitos populistas, principalmente para esvaziar o Congresso. Amparou-se nos modelos da Europa e dos Estados Unidos. No Brasil, depois da redemocratização, houve dois plebiscitos: um sobre o parlamentarismo, a maioria decidiu manter o presidencialismo; outro sobre a venda de armas, o povo optou pelo direito de comprar.
Ciro criticou a Nicarágua e a Venezuela, mirando o ex-presidente Lula e o PT, e atacou a política ambiental do governo Bolsonaro. Segundo Ciro, a principal forma de retomar o controle das políticas ambientais é fazer com que as legislações existentes sejam respeitadas é punir os infratores. Em seu eventual governo, frisou, “a algema vai voltar a funcionar”.
A proposta mais arrojada de Ciro é a criação de um imposto para grandes fortunas, ao qual atribui a possibilidade de arrecadar o suficiente para financiar um programa de renda básica universal de R$ 1 mil. A ideia é taxar fortunas acima de R$ 20 milhões. “Cada super rico vai pagar a vida digna de 821 mil brasileiros mais pobres”, disse.
Outro tema no qual pretende focar é a segurança pública. “Quantas vezes eu ouvi, nos governos dos quais eu tive perto, que segurança é problema dos estados. Se o governo federal não assumir para si a tarefa inteirinha de investigar, prender, fazer a comunicação ao Ministério Público, julgar e aprisionar, isolando a comunicação das cabeças das organizações criminosas, nenhum estado será capaz de resolver isso.” Sua proposta é federalizar os crimes associados a facções criminosas, milícias, narcotráfico, contrabando de armas, lavagem de dinheiro e crimes de colarinho branco.
Projeto iluminista
Ciro conseguiu pautar a entrevista para consolidar a imagem de candidato preparado para governar o país, que apresenta propostas claras de novo projeto nacional, mas está isolado politicamente e entra na disputa com pouco tempo de televisão para expor suas ideias. Terceiro colocado nas pesquisas de intenções de voto, porém, faz uma campanha importante para arejar o debate político. Entretanto, foi ensanduichado entre o ex-presidente Lula e a senadora Simone Tebet (MDB), que pretende tomar seu lugar quando começar o horário eleitoral. Ciro é um candidato iluminista, na linha de pensadores brasileiros como Caio Prado Junior, Celso Furtado e, principalmente, Mangabeira Unger, que foi seu professor em Harvard.
Segundo o sociólogo Pedro Cláudio (Cunca) Bocayuva Cunha, professor do Programa de Pós-graduação de Políticas Públicas em Direitos Humanos do NEPP-DH da UFRJ, “seu esforço em encontrar boas soluções técnicas num programa neodesenvolvimentista, de tipo schumpeteriano, que pensa o Brasil (na chave abstrata da Coreia do Sul de 1970), não tem sujeitos sociais e povo na racionalidade”. Chamar a população sem se colocar com ela é uma repetição da “fórmula do caçador de Marajás”, critica. De acordo com ele, o debate programático exige a sustentação de uma nova maioria”.
Esse olhar crítico de Cunca Bocayuva reflete a posição de setores de esquerda, inclusive ligados ao PDT, que veem a candidatura de Ciro como divisionista. Entretanto, é inegável o papel positivo na candidatura de Ciro Gomes, mesmo que não tenha possibilidade de chegar ao segundo turno, porque está fomentando o debate com um olhar para o futuro e não, para o passado, a marca da polarização Lula versus Bolsonaro.
Revista online | A Câmara dos Deputados nas eleições de 2022
Arlindo Fernandes de Oliveira*, especial para a revista Política Democrática online (46ª edição: agosto/2022)
As eleições de 2022 compreendem, no plano nacional, além do pleito presidencial e das disputas pelos governos dos estados e do Distrito Federal, a renovação de um terço do Senado Federal e da totalidade da Câmara dos Deputados. Interessa-nos aqui as eleições para a Câmara, porque é nelas que serão aplicadas regras eleitorais novas.
A proibição de coligações é o maior exemplo: pela primeira vez será aplicada ao processo de escolha de deputado federal, embora não seja uma inovação absoluta, porque aplicada ao pleito de 2020 nas eleições municipais, para o cargo de vereador.
A segunda inovação legislativa, esta de fato inaugural em 2022, consiste na permissão para o estabelecimento de federações entre partidos políticos, uma articulação entre essas formações que substitui, em outros termos, a nosso ver mais avançados, as antigas coligações, não mais admitidas nas eleições para os cargos proporcionais.
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Sistema Eleitoral e suas mudanças
Temos, claro, ao lado disso, o tradicional sistema eleitoral proporcional de listas abertas, utilizado no Brasil desde o fim da Segunda Guerra, com pequenas alterações pontuais, em alguns pleitos. Esse sistema eleitoral compreende o voto uninominal (vota-se em uma pessoa, não em um partido, como em outros países) e a definição dos candidatos eleitos a partir de dois cálculos, o quociente eleitoral e o quociente partidário.
O quociente eleitoral define o número de votos necessários para eleger um deputado, e o quociente partidário, quantos deputados cada formação, partido ou federação elegerá. Depois disso, se sobrarem vagas, faz-se um novo cálculo, que define os últimos eleitos pelo chamado critério das maiores médias.
Nesse segundo momento, o do cálculo das sobras, o Código Eleitoral sofreu outra alteração, que será aplicada em 2022 pela primeira vez. Somente participam do rateio das vagas remanescentes, as ditas sobras, os partidos que alcançarem 80% do quociente eleitoral. No pleito passado, de 2020, para vereador, todos os partidos puderam participar do chamado rateio das sobras, solução legislativa que melhor aplica o princípio da verdade eleitoral, ou seja, que o resultado da eleição revele e expresse melhor a vontade do eleitor.
Confira, a seguir, galeria de imagens:
O quociente eleitoral individual
Exige-se também, neste pleito, tal como no anterior, o que se chama de quociente eleitoral individual, à falta de melhor definição. Por ele, o candidato para ser eleito deputado federal deve receber votação equivalente a 10% do quociente eleitoral. Essa medida foi adotada para limitar o efeito de um candidato com muitos votos “puxar” a eleições de outros de seu partido, mesmo com votação pouco expressiva, fenômeno conhecido como Efeito Enéas.
Para que se tenha uma ideia do impacto dessa regra, tomemos como exemplo o Estado de São Paulo, onde o quociente eleitoral na eleição de 2018 ficou em 300 mil votos. Nesse caso, somente pôde ser beneficiado pela votação de candidatos “puxadores” o candidato que obteve ao menos 30 mil votos.
Nessa matéria, foi incorporada no Código Eleitoral uma segunda inovação, que reputamos desprovida de qualquer sentido. O candidato do partido que não alcançou o quociente eleitoral, ao contrário de todos os demais concorrentes, deve obter 20% do quociente eleitoral, e não apenas 10%, para obter uma das cadeiras em jogo. Essa regra legal, ao exigir que um candidato tenha o dobro dos votos de outro para alcançar a mesma cadeira, contém flagrante violação ao princípio constitucional da isonomia, além violar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Mas isso talvez somente seja visualizado por partidos e candidatos quando os resultados das eleições estiverem em mãos, no dia 2 de outubro.
A cláusula de barreira
Neste certame de 2022, exige-se de cada partido, para alcançar o direito de funcionar plenamente na Câmara dos Deputados, bem como ter acesso aos recursos do Fundo Partidário e à propaganda partidária na TV, que obtenha 2% dos votos válidos nas eleições para a Câmara federal. Não é pouca coisa porque, como temos 156 milhões de eleitores, a abstenção oscila em torno de 20% e os votos brancos e nulos atingem cerca de 10% do total, teríamos um desempenho mínimo partidário para superar a cláusula de barreira ou de desempenho em torno dos 2 milhões de votos. O caminho alternativo, mais difícil, é eleger 11 deputados federais em 9 estados diferentes.
Votos “desperdiçados”
Diz-se “desperdiçado”, nessa acepção, não o voto dado a um mau candidato, mas aquele que, além de não eleger o seu candidato, não ajuda a outro candidato do mesmo partido ou federação a se eleger. Dada a vedação às coligações, o número de partidos ou federações que não alcançarão o quociente eleitoral deve aumentar, caso em que os votos dados aos seus candidatos não elegem nem ajudam a eleger. Em que formações partidárias devem se concentrar os votos “desperdiçados”? A resposta a essa questão pode ser decisiva para a futura composição da Câmara dos Deputados.
E os resultados?
Adotadas essas regras, que Câmara dos Deputados teremos para a nova legislatura, entre 2023 e 2026? É muito difícil avaliar. Entretanto, conhecendo os resultados de eleições anteriores, a história do desempenho das coligações em face dos partidos isolados e considerando a federação partidária como uma modalidade de coligação, é possível estimar que os partidos reunidos em federação poderão ter alguma vantagem em face dos isolados na definição dos candidatos eleitos. A extensão desse efeito somente os eleitores de outubro poderão dizer.
Sobre o autor
*Arlindo Fernandes de Oliveira é consultor legislativo do Senado Federal e especialista em direito constitucional e eleitoral.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de agosto de 2022 (46ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não refletem, necessariamente, as opiniões da publicação.
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Nas entrelinhas: Campanha começa hoje com foco no Sudeste
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
A campanha eleitoral começa hoje com o foco voltado para as pesquisas de intenções de voto realizadas pelo Ipec (sucessor de Ibope) nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Brasília, Pernambuco e Rio Grande do Sul. Nos três estados do Sudeste, a disputa entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro começa mais nervosa, porque são os três maiores colégios eleitorais do país. Os dois deverão comparecer à posse do ministro Alexandre de Moraes na Presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para a qual foram convidados todos os ex-presidentes. José Sarney, Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff confirmaram presença; Fernando Henrique Cardoso, não, devido a problemas de saúde. A posse será um termômetro do clima da campanha eleitoral no plano institucional.
O nervosismo que antecede os programas eleitorais de rádio e tevê, que somente começarão no dia 26 de agosto, já tomou conta das equipes de marketing dos candidatos. Por hora, está radicalizado nas redes sociais, principalmente entre petistas e bolsonaristas. O jogo bruto nas redes sociais tende a esquentar o clima político, mas essa pode não ser uma boa receita para os programas eleitorais de rádio e teve, a partir do próximo dia 26, que têm audiência difusa e não segmentada em bolhas de apoiadores como as redes sociais.
Na semana passada, as pesquisas mostravam o encurtamento da distância entre Lula e Bolsonaro no Sudeste. Nas pesquisas de ontem, porém, Lula mantinha uma margem de 13 pontos de vantagem em relação a Bolsonaro em Minas (39% a 26%), dez pontos em São Paulo (38% a 28%) e um empate técnico no Rio (35% a 33%), o que reduziu o estresse na cúpula petista. Como são as primeiras pesquisas regionais desse instituto, não há termos de comparação.
Em relação aos demais candidatos, entretanto, a pesquisa mostra que a tendência de polarização e a narrativa do “voto útil” pode explicar a recuperação da vantagem de Lula. Ciro Gomes (PDT), com média de 3%, parece ter sido desidratado em São Paulo, Minas e Rio de Janeiro. No cômputo geral do Ipec, Lula aparece com 44%, Bolsonaro com 32%, Ciro com 6% , Simone Tebet (MDB) com 2% e Vera (PSTU) com 1%. Lula venceria o segundo turno com 51% dos votos, contra 35% de Bolsonaro.
Depois de uma semana na qual o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva jogou parado, com a sociedade civil se mobilizando em defesa das urnas eletrônicas, do Supremo Tribunal Federal e do Estado democrático de Direito, o presidente Bolsonaro reagiu em duas frentes: a primeira, foi nas redes sociais, nas quais viralizou um meme no qual bolsonaristas espalhavam o boato de que Lula pretende fechar os templos evangélicos, o que obrigou a campanha de Lula a desmentir a fake news; a segunda foi na esfera administrativa do governo: o pagamento de duas parcelas do Auxílio Brasil, equivalente a R$ 1.200,00; o subsídio de R$ 1 mil para os taxistas; e nova redução de preços dos combustíveis pela Petrobras.
Uma batalha especial está sendo travada no mundo evangélico, no qual a forte atuação da primeira-dama Michele Bolsonaro começa a surtir efeito entre as mulheres, segundo pesquisas internas das campanhas de Lula e Bolsonaro. O discurso de Bolsonaro é o de sempre, contra o comunismo e corrupção, em defesa da família e da fé cristã, mas o de Lula ainda não está claro. Tradicionalmente ligado à esquerda católica, Lula teme uma aproximação forçada com os evangélicos. Esse é o nó ainda não desatado de sua campanha, o que abre o flanco para a recuperação de Bolsonaro em segmentos desse eleitorado que haviam se aproximado do petista.
Calmaria
Do ponto de vista institucional, o aspecto mais positivo é que o confronto de Bolsonaro com o ministro Alexandre de Moraes parece ter desanuviado, após o novo presidente do TSE tê-lo convidado pessoalmente para a sua posse, em visita ao Palácio do Planalto. Moraes também tem boas relações com os militares. O ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, moderou as críticas à Justiça Eleitoral. O procurador-geral da República, Augusto Aras, também contribuiu para a calmaria, ao dar entrevista a jornalistas estrangeiros garantindo que o presidente eleito nas urnas tomará posse.
Por tudo o que já aconteceu entre o presidente Bolsonaro e o futuro presidente do TSE, não se pode dizer que estamos num processo eleitoral como os que já vivemos desde a redemocratização. Entretanto, o fato relevante são as eleições em si, com milhares de candidatos, a deputados estaduais e federais, nas eleições proporcionais, e a senadores e governadores, em pleitos majoritários, além da disputa presidencial. O eleitor vota simultaneamente em cinco candidatos, já tem experiência de participação eleitoral acumulada, num processo de engajamento político que se intensifica após a campanha eleitoral pelo rádio e a tevê começar. Para Bolsonaro, não resta alternativa a não ser pleitear a reeleição de acordo com as regras do jogo, sobretudo depois do repúdio antecipado à qualquer virada de mesa. A mobilização da sociedade esvaziou a narrativa golpista.
Movimentos populares voltam às ruas nesta quinta em defesa da democracia
Nicolau Soares*, Brasil de Fato
Nesta quinta-feira (11), as ruas de ao menos 19 capitais serão palco de manifestações pela democracia, em defesa de eleições livres e contra a violência política. Inicialmente convocados pelos movimentos populares, sociais e sindicais organizados na campanha "Fora, Bolsonaro" para o dia 6, os atos foram adiados para acontecerem na mesma data da leitura da "Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado democrático de Direito", que já recebeu mais de 800 mil assinaturas até aqui.
"A campanha vem realizando, desde que Bolsonaro assumiu, atos em defesa da democracia, para pressionar pela questão da vacinação, denunciando a fome, o desemprego. E agora, voltamos às ruas contra a escalada do autoritarismo, da ameaça de não respeitar as eleições, ou seja, não respeitar a soberania popular do voto, anunciando ao mundo naquela reunião com os embaixadores que a urna eletrônica não é segura", afirma Raimundo Bonfim, coordenador da Central de Movimentos Populares (CMP) e um dos organizadores da campanha, que inclui as Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, além de dezenas de entidades.
A organização da campanha já tem 22 atos confirmados em 19 estados, número que deve crescer até a quinta-feira. Em São Paulo, a manifestação pública acontece a partir das 17h, no vão livre do Masp, na Avenida Paulista. No Rio de Janeiro, o ato acontece na Candelária, região central da cidade, a partir das 16h.
Também está previsto ato em Brasília, em frete ao Congresso Nacional, a partir das 15h. Em Salvador, será realizada uma passeata saindo da praça do Campo Grande às 9h.
Ações simultâneas
A data marca o lançamento oficial do manifesto elaborada por ex-alunos e professores da Faculdade de Direito da USP, que acontecerá às 11h30, no Salão Nobre da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo.
Clique aqui para ler na íntegra e assinar o documento.
Mais cedo, às 9h30, será feita a leitura do manifesto Em Defesa da Democracia e da Justiça, de iniciativa da Fiesp e subscrito por 107 entidades de diversos setores, como a Febraban e organizações ligadas ao agronegócio. O documento já foi publicado em alguns dos maiores jornais do Brasil na semana passada.
A diversidade de setores mostra um amplo arco de forças na defesa da democracia, o que é comemorado por Raimundo. "Isso é importante, nós saudamos essa iniciativa puxada pela Faculdade de Direito da USP e por setores empresariais, mas nós achamos que o elemento rua é fundamental nessa luta em defesa da democracia para o povo brasileiro", afirma, ressaltando as diferenças entre os grupos.
"Nós defendemos a democracia, mas defendemos a democracia com direitos. Com políticas públicas. Não existe democracia com racismo, com desemprego, com fome, com miséria. Estaremos nas ruas fazendo a defesa da democracia, da soberania popular do voto, mas também levando a nossa pauta de denúncia, do desemprego, das más condições de vida do povo brasileiro", conclui.
Veja abaixo a lista de atos confirmados até aqui:
AL:
Maceió: Praça Centenário, 8h
AM:
Manaus: Praça da Saudade, 15h
BA:
Salvador: Praça do Campo Grande, 9h
CE:
Fortaleza: Praça da Bandeira, 9h
DF:
Brasília: Congresso Nacional, 15h
ES:
Vitória: Praça Costa Pereira, 10h
GO:
Goiânia: Praça Universitária, 17h
MA:
São Luís: Praça Deodoro, 16h
MG:
Belo Horizonte, Praça Afonso Arinos, 17h
MS:
Campo Grande: Câmara Municipal, 10h.
PB:
João Pessoa: Lyceu Paraibano, 14h
PE:
Recife: Rua da Aurora, 15h
PI:
Teresina: Praça Rio Branco, 8h30
PR:
Curitiba: Praça Santos Andrade, 18h30
RJ:
Rio de Janeiro: Candelária, 16h
RN:
Natal: Midway, 14h30
SC:
Florianópolis: Praça da Alfândega, 17h
SE:
Aracaju: Praça Getúlio Vargas. Bairro São José, 15h.
SP:
Santos: Praça dos Andradas, 10h
São Paulo: MASP, 17h
Ribeirão Preto: Esplanada do Teatro Pedro II, 17h
*Texto publicado originalmente em Brasil de Fato. Título editado.
Nas entrelinhas: Uma Rosa no comando do STF (e o espinho)
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Não, esse texto não tem nada a ver com o velho samba de Nelson Cavaquinho, em cuja a alegoria poética o espinho quer apenas passar com sua dor, jamais machucar a flor. Estamos tratando da eleição da ministra Rosa Weber para a Presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), ontem, para liderar a Corte de 12 de setembro até outubro de 2023, quando se aposentará compulsoriamente, ao completar 75 anos. Assumirá no lugar do ministro Luiz Fux, em pleno curso do processo eleitoral, tendo como vice-presidente Luís Roberto Barroso, um dos alvos preferidos dos ataques do presidente Jair Bolsonaro (PL) ao Supremo.
Não, esse texto não tem nada a ver com o velho samba de Nelson Cavaquinho, em cuja a alegoria poética o espinho quer apenas passar com sua dor, jamais machucar a flor. Estamos tratando da eleição da ministra Rosa Weber para a Presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), ontem, para liderar a Corte de 12 de setembro até outubro de 2023, quando se aposentará compulsoriamente, ao completar 75 anos. Assumirá no lugar do ministro Luiz Fux, em pleno curso do processo eleitoral, tendo como vice-presidente Luís Roberto Barroso, um dos alvos preferidos dos ataques do presidente Jair Bolsonaro (PL) ao Supremo.
Como magistrada, é uma rosa de ferro, acostumada a tomar decisões difíceis. Na segunda-feira, por exemplo, enviou para a Procuradoria-Geral da República (PGR) um pedido de investigação de Bolsonaro por ter feito ataques ao sistema eleitoral, sem provas, durante encontro com embaixadores estrangeiros.
Deu sequência à ação na qual parlamentares da oposição questionam a conduta do presidente por abuso de poder econômico, improbidade administrativa e crime contra o Estado democrático de Direito. Houve forte reação da opinião pública e das chancelarias estrangeiras aos ataques que Bolsonaro fez ao sistema eleitoral brasileiro, principalmente à urna eletrônica, à Justiça Eleitoral e aos ministros Edson Fachin, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e Alexandre de Moraes, que assume o comando da Corte durante as eleições.
Apesar de pôr mais lenha na fogueira das tensões entre Bolsonaro, o espinho, e o Supremo, essa foi uma decisão de praxe, pois cabe à PGR decidir se pede a instauração de apurações formais contra autoridades com foro privilegiado, o que é muito improvável. O procurador-geral da República, Augusto Aras, é um aliado quase incondicional de Bolsonaro. Provavelmente, a PGR pedirá o arquivamento do caso, como vem fazendo sistematicamente em assuntos que envolvem o presidente. Nos bastidores, Aras é uma das autoridades que mais se queixam da atuação do Supremo, que teria usurpado atribuições do Executivo e do Legislativo, segundo afirma nos bastidores da Praça dos Três Poderes.
Gaúcha de Porto Alegre, Rosa Weber tomou posse na Suprema Corte em 2011, depois de ter sido indicada pela então presidente Dilma Rousseff. Presidiu o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de 2018 a 2020, ou seja, durante a eleição de Bolsonaro. Fez carreira na Justiça do Trabalho, na qual ingressou em 1976, como juíza substituta no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (Rio Grande do Sul). Em 1981, foi promovida ao cargo de juíza-presidente, que exerceu sucessivamente nas Juntas de Conciliação e Julgamento de Ijuí, Santa Maria, Vacaria, Lajeado, Canoas e Porto Alegre.
Judicialização
Pela própria trajetória como magistrada, Rosa é protagonista de um fenômeno polêmico, que vem sendo muito questionado e também estudado no Brasil: a judicialização da política, a partir de uma concepção formal sobre as atribuições e relações entre os poderes. O debate político, porém, deu à expressão, cujo sentido é normativo, um caráter pejorativo.
A rigor, há dois modelos em discussão. No primeiro, trata-se de uma República constitucional com predomínio das instâncias eleitorais-majoritárias de representação, na qual o Judiciário é voltado à aplicação da lei aos casos individuais e com limitada interferência nas decisões legislativas e governamentais. É mais ou menos nesse campo que se posicionam Bolsonaro, os militares que ocupam o Palácio do Planalto, os políticos do Centrão que dão sustentação ao governo e Aras.
O outro modelo consagra a cooperação e complementariedade entre os poderes nas decisões políticas, com base na Constituição de 1988, que deu ao Estado brasileiro as características de uma democracia ampliada, com maior participação da sociedade civil nas agências governamentais. Nesse modelo, o Judiciário tem o papel de formular os valores compartilhados e servir de canal de expressão para grupos minoritários cujos direitos não são levados em conta pela representação da maioria.
Nesse contexto, ao longo dos últimos 20 anos, o Supremo emergiu como poder moderador na relação entre os poderes Executivo e Judiciário e entre o Estado e sociedade, ocupando espaços na definição de políticas públicas e na garantia de direitos sociais, sempre que o Executivo os contrariava ou o Legislativo se omitia, como nos casos do aborto, das terras indígenas, das relações homoafetivas etc.
A existência da Justiça Trabalhista e da Justiça Eleitoral, que antecedem a Constituição de 1988, já era expressão dessa tendência, que ganhou mais vigor a partir da democratização do país. São inúmeros os temas nos quais o STF é demandado em ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) para garantir direitos de entes federados ou dos cidadãos em sua relação com o Estado. Rosa tende a reafirmar essa tendência à frente do Supremo, até por uma questão de coerência doutrinária e trajetória pessoal na magistratura.
Nas entrelinhas: Jair Bolsonaro está em rota de colisão com a Fiesp
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Fracassaram os esforços da cúpula da Fiesp, que articula o manifesto dos empresários em defesa da democracia e das urnas eletrônicas, para que todos os candidatos à Presidência assinassem o documento, numa espécie de pacto de respeito mútuo ao resultado das eleições. Ontem, o Palácio do Planalto anunciou que Jair Bolsonaro não subscreverá o documento, assinado por entidades empresariais e federações sindicais de trabalhadores, e cancelou a ida do presidente da República ao lançamento do documento, no dia 11 de agosto, na sede da Fiesp. Também foi cancelado o jantar com empresários que estava programado.
A ida de Bolsonaro à Fiesp fora antecipada para 11 de agosto a pedido do Palácio do Planalto. Para evitar mais constrangimentos, o recolhimento de assinaturas de apoio ao manifesto da federação ficou restrito às entidades empresariais e sindicatos de trabalhadores, para que as assinaturas dos candidatos dos presidentes fossem recolhidas antes de as pessoas físicas aderirem o documento. Ocorre que Bolsonaro não digeriu as manifestações em defesa da urna eletrônica, da Justiça Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal (STF), e torpedeou as iniciativas.
Na terça-feira, Bolsonaro atacou o documento da Fiesp, que considerou uma “carta política”. Chamou de “cara de pau” e “sem caráter” os empresários que assinassem o documento, o que provocou o cancelamento do jantar que estava marcado com eles. Também houve muita discussão entre os que já haviam aderido ao manifesto, se os empresários deveriam assinar ou não o documento como pessoa física. O texto em nenhum momento cita o presidente da República. Os candidatos Felipe D’Ávila (Novo), Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB), que já estiveram na Fiesp, subscreveram o documento.
Sociedade civil
O episódio tende a aprofundar o confronto de Bolsonaro com a sociedade civil, a praticamente dois meses das eleições. Em termos gerais, esse é um espaço de organização e representação que não se confunde com o Estado, a família nem o mercado, que são os ambientes específicos e mais homogêneos onde Bolsonaro atua intensamente. A sociedade civil engloba instituições de caridade, grupos de autoajuda, associações profissionais, religiosas, sindicatos, entidades empresárias, movimentos sociais etc. É um universo complexo que, no Brasil, ganhou autonomia durante o regime militar, protagonizando movimentos de resistência em defesa da democracia e dos direitos humanos.
Os ataques de Bolsonaro às urnas eletrônicas, à Justiça Eleitoral e ao Supremo Tribunal Federal (STF), principalmente depois de seu encontro com diplomatas estrangeiros para levantar suspeitas sobre a segurança das urnas eletrônicas, despertaram forte e inédita reação da sociedade civil. A defesa das urnas eletrônicas até então estava sendo feita pelos ministros do Supremo, pela grande mídia e pela oposição. Esses ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral brasileiro, reconhecido internacionalmente por sua segurança e eficiência, funcionaram como um catalisador dessa reação.
Congresso
Ontem, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), na abertura da sessão do Plenário, reiterou sua confiança no sistema eleitoral. Disse que as urnas eletrônicas são motivo de “orgulho nacional”. Segundo ele, nestes 26 anos de uso no Brasil, trouxeram transparência, confiabilidade e velocidade na apuração do resultado das eleições. “Elas têm-se constituído em ferramenta poderosa contra vícios eleitorais muito frequentes na época do voto em papel. Representam, portanto, um verdadeiro aperfeiçoamento institucional”, enfatizou.
A fala de Pacheco coincidiu como a ida de militares do Ministério da Defesa ao Tribunal Superior Eleitoral (STF) para conferir a segurança dos códigos-fonte das urnas eletrônicas, um trabalho que poderia ter sido feito nos últimos 10 meses. O ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, vem reproduzindo à frente da pasta a narrativa de Bolsonaro sobre a segurança das urnas eletrônicas. Na verdade, a postura de Bolsonaro sinaliza temor de perder as eleições e suas intenções golpistas, o que acaba fortalecendo a oposição.
O que é violência política de gênero e saiba como denunciá-la
Geledés*
O crime de violência política de gênero foi criado em agosto de 2021 na Lei 14.192, uma vitória da bancada feminina no Congresso. A legislação estabelece regras para prevenir, reprimir e combater a violência política contra mulheres, alterando o Código Eleitoral, a Lei dos Partidos Políticos e a das Eleições.
A eleição de outubro 2022 é a primeira em que é considerado crime assédio, constrangimento, humilhação, perseguição e ameaça de uma candidata ou a uma política já eleita. Ainda estabelece que é ilegal atuar com menosprezo ou discriminação à condição de mulher, sua cor, raça ou etnia.
A punição é de até quatro anos de prisão e multa. Se a violência ocorrer pela internet, a pena é mais dura, podendo chegar a seis anos.
O que é violência política de gênero? Qualquer candidato ou político pode ser vítima de violência política, um ato que tenta minar uma candidatura com ameaça e intimidação, de forma organizada ou não. A segmentação do gênero, entretanto, foi resultado dos debates sobre igualdade de gênero na política e os efeitos da violência em candidaturas femininas, bem como nas da população LGBTQIA+, de negros e indígenas.
A lei brasileira considera a violência política contra a mulher “toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos da mulher”.
Ela garante, também, que sejam cumpridos os direitos de participação política da mulher, “vedadas a discriminação e a desigualdade de tratamento em virtude de sexo ou de raça”.
A lei se enseja a movimentos internacionais como a Declaração sobre a Violência e o Assédio Político contra as Mulheres, assinada em 2015 pela Organização dos Estados Americanos.
Esse documento diz que a violência política contra as mulheres inclui ação, conduta ou omissão baseada em gênero que venha “minar, anular, impedir, dificultar ou restringir seus direitos políticos, violar o direito a uma vida livre de violência e de participar na vida política em condições de igualdade com os homens”.
Quais os tipos de violência política? Segundo o Observatório de Violência Política Contra a Mulher, que dispõe de cartilha sobre o tema, há a violência física e a não física, que pode ser simbólica, moral, econômica e psicológica.
Nesse caso, podem configurar atos que ameacem, amedrontem ou intimidem mulheres e seus familiares, e “que tenham por propósito ou resultado a anulação dos seus direitos políticos, incluindo a renúncia ao cargo ou função que exercem ou postulam”.
Também são considerados atos de violência crimes já previstos, como difamação, calúnia, injúria ou qualquer expressão “que rebaixe a mulher no exercício de suas funções políticas, com base no estereótipo de gênero, com o propósito ou o resultado de minar a sua imagem pública”.
A cartilha ainda cita casos específicos, como a “não destinação de recursos públicos destinados às campanhas femininas de acordo com o regramento em vigor, por parte do partido”, bem como “apresentação de candidaturas de mulheres somente para fins de preenchimento da cota prevista em lei, com o sem consentimento delas”.
O Ministério Público Eleitoral acrescenta que representam formas de violência política de gênero a ofensa da dignidade de mulheres “por meio de palavras, gestos ou outras formas, imputando-lhes crimes ou fatos que ofendam a sua reputação, bem como violar a sua intimidade, divulgando fotos íntimas ou dados pessoais, e questionar suas vidas privadas”.
A quem se aplica? Apesar de não estar explícito na lei, especialistas entendem que será levado em conta o gênero, não o sexo biológico, a fim de incluir mulheres trans, as mais ameaçadas e desqualificadas no debate público. A jurisprudência, nesse caso, deve seguir exemplo da determinação do STJ (Superior Tribunal de Justiça) em relação à aplicação da Lei Maria da Penha.
Qual a diferença entre o crime de violência política, também criado em 2021, e o de gênero? O crime de violência política, levado ao Código Penal pela Lei 14.197, em setembro do ano passado, é considerado um dos crimes contra o Estado Democrático de Direito —lei que revogou a antiga Lei de Segurança Nacional.
Ele considera violência política “restringir, impedir ou dificultar, com emprego de violência física, sexual ou psicológica, o exercício de direitos políticos a qualquer pessoa em razão de seu sexo, raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.
A pena, assim como o crime ligado à Justiça Eleitoral, pode ser de reclusão de até seis anos.
A principal diferença é que o crime de gênero diz respeito à Justiça Eleitoral e o mais genérico, que também pode ser aplicado em casos de vítimas mulheres, na Justiça comum.
“Se uma mulher sofrer ataques que dificultem sua campanha será possível, eventualmente, inferir dois crimes ao agressor. Não temos como antever como a jurisprudência vai lidar com isso. Um crime será julgado pela Justiça Eleitoral e o outro pela justiça comum”, avalia o advogado Fernando Neisser, especialista em direito eleitoral.
COMO DENUNCIAR
- É possível denunciar no site do Ministério Público Federal e nas páginas das Procuradorias Regionais Eleitorais
- O Fale Conosco da Câmara dos Deputados é um canal para mulheres já eleitas. Outra alternativa é Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados
- É mais importante que as vítimas coletem e guardem a URL da ofensa nas redes sociais, como prova, do que os prints (que são importantes em casos que ocorrem em aplicativos de mensagem)
- As plataformas digitais também têm canais de denúncia contra racismo, preconceito e discurso de ódio
*Texto publicado originalmente no Geledés.