Eleições
Daniel Aarão Reis: O que fizemos da democracia?
Principais forças reformistas, PT e PSDB não foram capazes de se articular em torno de programas de mudanças
O que fizemos para chegar a este ponto? Ter de escolher entre o péssimo e o menos mal?
Tudo começou lá atrás, quando as grandes maiorias resolveram silenciar sobre um tempo que findava. Já acontecera depois do Estado Novo, quando um manto foi jogado sobre os crimes do varguismo. Os resultados não foram edificantes — elegeu-se como presidente o general Dutra, ex-simpatizante do nazismo. Em seguida, o próprio ex-ditador retornou ao governo “nos braços do povo”. Nos anos 1980, prevaleceram orientações análogas: olhar para a frente, ignorar o espelho retrovisor. Na alegria da abertura, falar dos crimes da ditadura civil-militar era quase uma atitude de mau gosto. As consequências apareceram na Constituição de 1988.
Mesmo registrando avanços e inovações consideráveis nas áreas dos direitos civis, políticos e sociais, eram visíveis os legados densos —do período anterior. Permaneceu inalterado o modelo de sociedade construído — ou reforçado — pela ditadura: a hegemonia do capital financeiro; a predação do meio ambiente; as desigualdades sociais; a civilização do carro individual nas megalópoles hostis à vida; as empreiteiras e suas obras faraônicas; o agronegócio concentrador de terras e de rendas; a centralização do poder num Estado gigantesco; a mídia monopolizada; a preeminência das Forças Armadas, “garantidoras da lei e da ordem”, replicando tendências históricas, onde os funcionários públicos uniformizados transformam-se em tutores da nação, com suas corporações fechadas, fora do controle da sociedade.
O pior ainda viria.
As principais forças políticas reformistas, o PT e o PSDB, não foram capazes de se articular em torno de programas de mudanças. Preferiram o atalho das alianças com grupos conservadores, desfigurando-se e se corrompendo no sentido próprio da palavra, o que se evidenciou no abandono do que tinham de melhor —suas intenções originais e promessas de renovação. A que se associaram as bandalheiras em nome da Realpolitik e a mixórdia das cumplicidades com o mundo dos negócios.
É certo que nem tudo foram espinhos. Houve o controle do dragão da inflação, que parecia imbatível. E os anos eufóricos dos mandatos de Lula, a autoestima nacional lá no alto, os mais confiantes falando num país que poderia ser modelo civilizacional para o mundo. Como nos tempos sorridentes e democráticos de JK. (É triste saber que também houve euforia, vigiada embora pela repressão, nos anos prósperos da ditadura de Vargas e nos do milagre econômico sob o sinistro e popular general Médici).
A decantação do otimismo veio mais rápido do que se esperava.
Os êxitos não resistiram ao impacto da crise econômica, mostrando as mazelas cobertas pelos véus do otimismo: o caráter aristocrático e corrompido do sistema político. As desigualdades sociais. A massa dos desempregados. A concentração de renda e de poder. A insegurança das pessoas comuns. A falência dos projetos reformistas. A expectativa ainda depositada no PT e no PSDB tornou-se mais resultado da nostalgia do que houve de melhor em seus anos de governo do que de propostas de mudanças. No vácuo criado pela inapetência autocrítica destes partidos, no caldeirão de contradições em que se tornou o país, ganharam força apelos salvacionistas e autoritários, nostálgicos de regimes ditatoriais. É verdade que se formou em torno deles uma nebulosa conservadora, mais amarga e desesperançada do que “fascista”. No entanto, são assustadoras suas promessas e práticas intolerantes.
Resta-nos a opção do menor mal. Contudo, o voto só ganhará sentido caso a escolha seja apoiada no compromisso com o aperfeiçoamento das instituições. Este objetivo será alcançado não apenas através de eleições, mas da auto-organização das gentes e de sua participação permanente. As passeatas das mulheres indicaram um caminho. Sem negar as eleições, complementando-as, conferiram vitalidade e força a uma democracia que se quer renovada e não destruída.
Pedro Doria: E o Brasil se tornou um imenso Facebook
Ao levar para lá nossa conversa sobre política, esta virou destilação de ódio, rancores passados e lacração
Imagine, caro leitor, se Ciro Gomes (PDT) desse uma espetacular arrancada nestes últimos dias, desbancasse Fernando Haddad (PT), e no domingo chegasse ao segundo turno para disputar com Jair Bolsonaro (PSL) a finalíssima desta eleição. Não vai, daqui, nenhuma torcida. Ciro entra no raciocínio por um único motivo: é ele, e não qualquer outro, quem está em terceiro. Estivessem nesta posição Geraldo Alckmin (PSDB) ou Marina Silva (Rede) ou ainda João Amoêdo (Novo), também para eles valeria. Ocorre que é Ciro.
Estatisticamente, nada indica que um movimento destes esteja em curso.
Então, numa arrancada final, Ciro chega ao segundo turno. Com baixa rejeição perante o adversário, e num clima de otimismo daqueles que só nasce quando algo próximo do impossível é feito, muito provavelmente seria embalado rumo à vitória. A verdade, e a gente vê isso tanto nas pesquisas quanto sente em nossas conversas cotidianas, é que tem gente com horror ao PT. E tem gente com horror a Bolsonaro. Há horror a esses dois, mas não aos outros.
Aliás, muitos dos que votam em Haddad votariam noutros; muitos dos que votam em Bolsonaro, idem.
Nós já assistimos a vitórias eleitorais em ambientes de otimismo e generosa expectativa. Foi assim com Fernando Henrique, em 1994. Assim como foi com Lula, em 2002. Um parecia ter terminado com a hiperinflação - e, para quem não viveu, acreditem: era um pesadelo. Vindos da Ditadura, do Sarney e do Collor, parecia que enfim o Brasil iniciaria seu futuro. Com a chegada de Lula não foi diferente. Até o próprio FH era só sorrisos passando a faixa. Tínhamos um país normal, com transições normais, em que grupos políticos são sucedidos por outros.
Sim, os eleitores de Bolsonaro e Haddad poderiam votar em outros — mas não vão fazê-lo. E quem acompanha as conversas das redes sociais - do Facebook ao Twitter, passando pelo WhatsApp - entende logo seu estado de espírito. Eles têm raiva. Petistas querem ir à forra contra o ‘sistema’. Bolsonaristas querem humilhar. É bom ‘jair’ acostumando. Não basta ganhar, é preciso lacrar, deixar o vencido de joelhos. Quando entram num embate, não importa em qual caixa de comentários, é com gana que o fazem. Têm verdades e uma forte carga emocional. Têm, principalmente, não adversários - mas, sim, inimigos.
O clima das redes sociais se tornou o clima das ruas. No domingo, quando formos às urnas para muito possivelmente levar PT e Bolsonaro ao segundo turno, sabemos que estamos criando um embate entre dois pesadelos brasileiros. Nossa história de corrupção, nossa história ditatorial. Não poderemos escolher entre o melhor que o Brasil pode ser. Teremos de suspirar e tentar compreender o que é menos pior.
Que profunda tristeza, esta escolha.
Se o eleitor de Bolsonaro poderia escolher alguém que causaria menos dor aos outros, mas não o faz, ele está mandando um recado. Se o eleitor de Haddad faz o mesmo, passa a mesma mensagem. É isto que têm em comum. A mensagem é: queremos continuar brigando pelos próximos quatro anos. Pois, elegendo-se um ou outro, ao menos metade do Brasil estará profundamente insatisfeita.
A internet das redes sociais produz conversas ásperas. Ao levar para lá nossa conversa sobre política, a política virou destilação de ódio, rancores passados e lacração. Com a diferença de que, aqui fora, não tem como dar block. O Brasil poderia escolher um caminho eleitoral que apontasse uma terceira via, poderia escolher o apaziguamento e buscar otimismo. Mas não é o clima que, coletivamente, escolhemos seguir. Escolhemos seguir brigando.
E assim essa terra cumprirá seu ideal: vai tornar-se um imenso Facebook.
Flávia Marreiro: As elites que escolhem Bolsonaro colocam em risco as vidas de outros
Não é necessário que o extremista do PSL aprove uma lei, se for eleito. A sua simples ascensão já é uma autorização para humilhar e até matar
Na reta final da campanha do Brasil, está em curso em vários setores das elites brasileiras uma marcha imparável de normalização dos graves riscos de um Governo Jair Bolsonaro. Primeiro, operadores do mercado financeiro, apoios formais das bancadas conservadoras no Congresso, endosso do candidato que foi presidente da poderosa Fiesp. Sem falar do endosso tácito do silêncio. É um processo a jato. Ninguém sério acha que aquele plano de Bolsonaro cheio de exclamações e delírios seja crível, ou que ele tenha equipe, ou que não vá haver turbulências. Mas, seja como for, é melhor já ir se acomodando. Talvez daí a pressa de Xico Graziano, ex-chefe de gabinete do Governo FHC, em declarar apoio ao capitão reformado do Exército, mesmo não concordando "com várias das ideias dele." Vai que sobra um lugar no palácio para os serviços desse tucano de tão boa plumagem?
Graziano é a versão às claras sobre esse cinismo de largos setores das elites políticas e econômicas que pretendem aderir ao bolsonarismo sem nem sequer tapar o nariz. É o que leva Paulo Guedes a balbuciar frases conservadoras sobre educação sexual nas escolas só para tentar parecer mais integrado e menos oportunista, por exemplo. Ocorre, no entanto, que "várias das ideias" de Bolsonaro representam riscos concretos a vidas. Representam muitos passos a mais no aprofundamento da nossa barbárie. As elites devem saber disso, mas ter as mãos sujas de sangue parece ser um dano colateral que já precificado. Não será a deles, desde logo. E pensar que aceitar a mão decisiva e corrompida do (bolsonarista) Eduardo Cunha para tirar o PT do poder – com o apoio do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso – parecia um capítulo vergonhoso da história recente.
Não se trata de dizer que o bolsonarismo é um fenômeno apenas de elites, ainda que ele já estivesse eleito se fossem contados apenas os mais ricos, já que para entrar nos "mais ricos" não é preciso muito no nosso país pobre. A declaração de voto em Bolsonaro se espraia em todas as faixas de renda. Mas o ponto aqui é quem mais vai ganhar e quem mais vai perder com esse arranjo. Quem, no 1% mais rico, mal pode esperar por um experimento com tintas pinochetistas. Vamos pular a parte em que os analistas fingem acreditar que se trata de "dois extremos" em disputa ou que as nossas instituições, mergulhadas até o pescoço no salve-se quem puder da nossa crônica política, serão um muro de contenção. Com um pouco de raciocínio, chega-se à obviedade de que o projeto representado pelo populista de extrema direita Jair Bolsonaro não precisa de lei alguma para fazer dano.
O discurso violento do capitão reformado do Exército é um endosso cruel aos piores problemas que já temos: machismo, intolerância à comunidade LGBTQ+, e, algo transversal a tudo isso e potencialmente explosivo, a violência policial. Não custa repetir que o flerte mais próximo do projeto Bolsonaro não é com Donald Trump, é com Rodrigo Duterte, o presidente "bandido bom é bandido morto" das Filipinas e as milhares vítimas que já deixou. Veja bem, não estamos falando apenas do tristes enfrentamentos entre antifas e racistas em Charlottesville. Nem apenas da indignidade de separar crianças imigrantes de seus pais nos EUA. A nossa escala, num país com 63.000 mortos ao anos, pode ser catastrófica. O outro aqui não é necessariamente o imigrante. O outro, que não merece o mesmo status humano, é só a empregada ou o porteiro da classe média alta de São Paulo depois que ela cruza a marginal rumo às franjas da cidade.
O policial médio brasileiro é jogado em campo sem inteligência ou estratégia, para matar e morrer com outros de sua faixa de renda. Esse policial faz parte da tragédia, nós sabemos, como também sabemos dos sádicos que praticam tortura e gravam e distribuem no WhatsApp. A tortura, herança da escravidão e da ditadura, jamais desapareceu das nossas delegacias e prisões. Agora, aquilo que era tolerado, quase nunca investigado ou punido, para o que se fazia vista grossa, ganha um respaldo, vertical, se irradia. É o torturador que será fortalecido, acalmado em qualquer mal-estar que lhe reste, porque o heroi do candidato a presidente é também um torturador.
Mesmo que o candidato de extrema direita não vença, apesar desse esforço veloz de levá-lo de outsider a campeão do establishment sem escalas em uma semana, o dano já estará feito. Cabe à nossa sociedade saber como lidar politicamente, sem alienar de pronto, com uma parte expressiva do país que vê uma esperança legítima em Jair Bolsonaro.
*Flávia Marreiro é jornalista
El País: Bolsonaro vai de ‘outsider’ a candidato do establishment político em uma semana
Centrão se dilui em bancadas no Congresso para apoiar o candidato do PSL em movimento inédito. Ojeriza aos últimos governos petistas também leva mercado a se posicionar ao lado do deputado
Se havia alguma reserva do establishment brasileiro em relação ao deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ), seu crescimento nas pesquisas de intenção de voto na reta final da eleição presidencial vai tratando de dissipá-la. Movido pela ojeriza aos últimos anos dos governos petistas, o mercado fechou os olhos às controvérsias protagonizadas pelo capitão reformado do Exército e sua equipe econômica — e os receios causados por sua retórica autoritária — para se posicionar ao seu lado, o que contribuiu para frear as seguidas elevações do dólar e amortecer as bruscas variações da Bolsa de Valores. Além disso, o Centrão, composto por oito partidos que embarcaram na candidatura de Geraldo Alckmin (PSDB) no início da campanha e que migrava paulatinamente para a campanha de Bolsonaro, se diluiu em bancadas temáticas no Congresso Nacional para aderir de vez àquele que desponta cada vez mais como favorito para assumir o Palácio do Planalto.
"De um lado está a esquerda. De outro, o Centrão. Vou até agradecer Alckmin por ter juntado a nata do que há de pior no Brasil ao seu lado", disse Bolsonaro em julho. Agora, a base do Centrão está com ele, mas sem o inconveniente de levar esse nome. Composta por 261 deputados e senadores, a Frente Parlamentar da Agricultura declarou apoio a Bolsonaro na última terça-feira, "atendendo ao clamor do setor produtivo nacional, de empreendedores individuais aos pequenos agricultores e representantes dos grandes negócios". "As recentes pesquisas eleitorais trazem o retrato da polarização na disputa nacional, o que causa grande preocupação com o futuro do Brasil. Portanto, certos de nosso compromisso com os próximos anos de uma governabilidade responsável e transparente, uniremos esforços para evitar que candidatos ligados à esquemas de corrupção e ao aprofundamento da crise econômica brasileira retornem ao comando do nosso País", diz a nota divulgada pela chamada bancada ruralista.
Esse tipo de manifestação não é usual, segundo Marcos Verlaine, analista político e assessor parlamentar do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar). Para o analista, a manifestação ostensiva de apoio se justifica pela afinidade da bancada com a política professada pelo candidato, liberal na economia e conservadora no plano dos costumes. “Não me lembro de apoio formal da bancada em outras eleições. Estas eleições não têm paralelo”, analisa. Outra bancada que promete se posicionar oficialmente a favor de Bolsonaro é a evangélica, que reúne 199 deputados e quatro senadores — os parlamentares podem compor mais de uma bancada, então não faz sentido somar os números brutos de apoiadores de diferentes bancadas.
Presidente da Frente Parlamentar Evangélica, o deputado Hidekazu Takayama (PSC-PR) lidera o movimento de apoio e promete entregar uma carta ao candidato à Presidência nos próximos dias. "Mais que uma questão natural, é uma questão espiritual. Está acima de qualquer doutrina partidária. É a defesa dos valores da família cristã ", diz trecho da carta revelado pelo Estado de S.Paulo. "Certos de nosso compromisso com os quase 86,8% de cristãos de todo o território nacional, declaramos nosso amplo apoio aos candidatos da Frente em todo o Brasil, bem como o nosso apoio a Jair Messias Bolsonaro. Nosso intuito é evitar que candidatos filiados a extrema esquerda assumam, mais uma vez, a direção do país causando ainda mais crises do que as que atravessamos nos últimos anos”, diz a manifestação de apoio.
Outro apoio projetado, mas não formalizado, é o da chamada bancada da bala. Candidato ao Governo do Distrito Federal e criador da Frente Parlamentar da Segurança, o deputado Alberto Fraga (DEM) começou a eleição atrelado a Alckmin, para manter o deputado e candidato ao Senado Izalci Lucas (PSDB) em sua coalizão, mas nesta semana debandou para o lado de Bolsonaro. "Eu e Bolsonaro temos a mesma coragem para enfrentar quem for preciso e, juntos, vamos colocar o Distrito Federal e o Brasil no caminho certo! O futuro presidente da República vai precisar de um governador que o apoie na capital do País", escreveu Fraga, que, a depender do instituto, ocupa o quarto ou quinto lugar nas pesquisas de intenção de voto, em seu perfil no Facebook nesta quarta-feira.
Fraga não estará, contudo, na próxima Legislatura. Com quanto desse apoio Bolsonaro poderá contar no Congresso Nacional caso eleito? Praticamente todo, segundo as projeções do DIAP. O departamento intersindical prevê renovação de entre 40% e 45% na Câmara, em consonância com as eleições anteriores, o que deve significar a reeleição de cerca de 300 deputados. O levantamento feito em parceria com a empresa Queiroz Assessoria Parlamentar e Sindical indica que "a composição das bancadas da futura Câmara não será muito diferente da atual, com pequeno crescimento da direita e da esquerda e encolhimento discreto do centro".
"O levantamento evidencia também que haverá elevado índice de reeleição e grande 'circulação no poder', com deputados estaduais, senadores, ex-ministros, ex-deputados, suplentes bem votados, ex-prefeitos e ex-secretários se elegendo para as vagas decorrentes de desistência de atuais deputados e da não-reeleição daqueles que tentaram renovar seus mandatos", diz o Diap. O PT deve ser o partido com maior número de parlamentares (entre 55 e 65), mas com um número menor do que os eleitos em 2014 (68). Na sequência das projeções de maiores bancadas aparecem MDB, PSDB, PP, PSD, PR, DEM e PSB. O PSL, de Bolsonaro, deve pular de um deputado eleito em 2014 para até 18 neste ano, e provavelmente ganhará adesões caso o capitão reformado do Exército se eleja presidente.
Segundo Marcos Verlaine, analista do Diap, "se não formalmente, informalmente o PSL deve compor num segundo momento a maior bancada" em caso de eleição de Bolsonaro. "Há mais de 100 deputados de outros partidos que apoiam o Bolsonaro de maneira avulsa", comenta. Cotado por Bolsonaro para assumir a Casa Civil de seu possível governo, o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) disse à Gazeta do Povo que atualmente o candidato do PSL conta com o apoio de 310 deputados e de 27 senadores, apesar de ele não contar com o apoio de todos os parlamentares das bancadas que se manifestaram por Bolsonaro.
Projeções
No Senado, a seguir as projeções do Diap, 16 dos 29 candidatos à reeleição devem conseguir permanecer nos cargos, enquanto 11 deles têm chance de se reeleger e apenas dois estão virtualmente derrotados. Nas 54 vagas em disputa (dois terços do Senado), portanto, a renovação seria de metade. "Tal como na Câmara dos Deputados, a futura composição do Senado Federal pouco difere da atual. O MDB continuará como o maior partido, seguido do PSDB e do PT", diz o departamento intersindical. O PSL tem projetados apenas dois senadores eleitos nesse cenário.
O PSL, que passava até o início deste ano por uma reformulação liberal com apoio do Livres, pode colher muito mais rápido do que se imaginava os frutos da tumultuada decisão de dar uma legenda para a candidatura Bolsonaro. Já o deputado federal que deu a largada na corrida presidencial com uma única parceria, com o inexpressivo PRTB, pode chegar à Presidência com o Congresso Nacional mais coeso dos últimos anos. Isso não quer dizer, todavia, que não terá de enfrentar oposição. No melhor dos cenários para a esquerda projetado pelo Diap, partidos como PT, PSOL, PDT e PCdoB podem reunir até 163 deputados e 18 dos 54 senadores possíveis.
Rogério Furquim Werneck: Plantando vento
Programa do PT parece ideário de agremiação nanica. E Bolsonaro preocupa pelo primitivismo de suas ideias
A se julgar pelas intenções de voto, estamos marchando para uma infausta disputa, em segundo turno, entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad, cujo desfecho, seja qual for, dá razões de sobra para temer pelo futuro do país.
Quanto ao PT, é assustador que o partido continue deixando claro que nada aprendeu e nada esqueceu. Apresentou-se à eleição presidencial com um programa econômico completamente irresponsável, na contramão do que precisa ser feito, que mais parece ideário de uma agremiação nanica de oposição do que plataforma de um partido com chance efetiva de ter de governar o país a partir de janeiro.
Rumores de que Haddad estaria pronto a dar o dito por não dito e amenizar aspectos mais alarmantes do programa, talvez até com anúncio de uma equipe econômica supostamente sensata, apenas confirmam a recorrência da surrada artimanha do PT de esticar o discurso populista até o limite do possível, e só abandoná-lo quando passa a ser disfuncional.
O problema é que a insistência nesse velho ardil tem tornado os ditos por não ditos cada vez menos críveis. Ainda mais agora, quando, ao candidato ungido, faltam convicção, estatura, autonomia e ascendência sobre as lideranças do seu próprio partido, para lhes impor a brusca reorientação que se faria necessária no discurso econômico do PT.
Preocupa ainda, e sobretudo, o projeto restauracionista do PT, ao largo de qualquer reconhecimento dos erros que deixaram o partido no centro da Lava-Jato e operações similares. Muito pelo contrário, o que se contempla é um metódico e rancoroso cerceamento dos supostos responsáveis pelas agruras por que teve de passar boa parte da cúpula do PT: mídia, órgãos de controle, Ministério Público e Judiciário. Em entrevista recente ao jornal “El País”, José Dirceu não poderia ter sido mais claro: “...é uma questão de tempo pra gente tomar o poder... que é diferente de ganhar uma eleição.”
Tampouco faltam razões para preocupação com a eleição de Bolsonaro. Do primitivismo de suas ideias à truculência do seu discurso autoritário. Da sua falta de compromisso com a democracia a seu flagrante despreparo para o exercício do cargo de presidente da República.
Para relevar a confessada incapacidade do candidato de juntar três frases que façam um mínimo de sentido sobre qualquer tema relacionado à política econômica, eleitores de Bolsonaro agarram-se à fantasia de que o candidato governará sob a estrita tutela de Paulo Guedes. E apostam no sucesso da catequese que vem sendo feita há meses por Guedes, para extirpar do candidato suas bolorentas convicções clientelistas, nacionalistas e estatizantes e transformá-lo em um paladino do liberalismo econômico.
Os que se esforçam, a todo custo, para acreditar na ideia de que Bolsonaro poderá ser manipulado por Paulo Guedes talvez devam se perguntar se, no precário casamento de conveniência que se estabeleceu entre os dois, o manipulado, por enquanto, não tem sido de fato Guedes, e não Bolsonaro.
Seja como for, caso Bolsonaro seja eleito, não faltará no seu entorno quem queira fazer a cabeça do novo presidente. E as soluções complexas e politicamente custosas contempladas por Guedes logo passarão a enfrentar acirrada concorrência. Como tantas vezes já se viu, ao cabo de outras eleições presidenciais, choverão propostas de remendos, atalhos e soluções fáceis, bem mais condizentes com as ideias equivocadas que o capitão vem acalentando ao longo dos seus 63 anos, e que estão longe de terem sido extirpadas pela catequese de Guedes. Dessa perspectiva, é difícil vislumbrar com clareza o que de fato acabará fazendo Bolsonaro na área econômica. E, quanto a isso, não há autoengano que possa ajudar.
Impermeável a todos esses temores, a maioria do eleitorado, dividida em duas hostes aguerridas, à extrema direita e à extrema esquerda do espectro político, parece firmemente determinada a plantar vento nas urnas de domingo. Sem sombra de preocupação com o que, afinal, poderá ser colhido.
O Brasil não merece tamanha inconsequência.
Leia mais: https://oglobo.globo.com/opiniao/plantando-vento-23127949#ixzz5T9tyPoPw
stest
FAP Entrevista: Rogério Baptistini Mendes
A tarefa do centro político é garantir a democracia, a agenda reformista e um padrão civilizado de governabilidade no após eleições, avalia Baptistini
Por Germano Martiniano
Faltando apenas três dias para as eleições, as chances de se modificar um quadro marcado pela forte polarização política são quase mínimas, segundo as pesquisas eleitorais do Ibope e Datafolha. Tudo indica que teremos um segundo turno entre Bolsonaro e Haddad, ou até uma vitória do candidato da direita no primeiro turno. Essa tendência de que há pouquíssimas chances para o centro político se confirmou por meio da debandada da bancada ruralista, que até então apoiava Alckmin, para o lado de Bolsonaro.
Diante desta nova realidade, muitos analistas já começam a conjecturar qual deverá ser o papel do centro político brasileiro e da esquerda democrática diante dessas duas possibilidades que se apresentam. Para Rogério Baptistini Mendes, doutor em sociologia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e dirigente da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), o centro político deverá ser “responsável e propositivo” em um possível segundo turno e também nos próximos quatros de governo de Bolsonaro ou Haddad. “A nossa tarefa é garantir a democracia, a agenda reformista e um padrão civilizado de governabilidade no após eleições”, acredita o sociólogo, entrevistado da série FAP Entrevista.
A FAP Entrevista é uma série que está sendo publicada aos domingos e, agora, às quartas-feiras (excepcionalmente estamos publicando nesta sexta-feira, 05/10), com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, com o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:
FAP Entrevista - Tudo indica um segundo turno entre Bolsonaro e Haddad. Entre os dois, qual seria o melhor ou o menos pior para o Brasil?
Rogério Baptistini Mendes - Considero a polarização entre Bolsonaro e Fernando Haddad ruim para o país. Ela aponta para o esgotamento do sistema partidário competitivo surgido com a transição democrática e para a persistência de uma cultura política autoritária e messiânica, o que torna ainda mais dramática a conjuntura que enfrentamos. É pouco provável que o resultado das urnas apazigue a sociedade e seja capaz de produzir consensos em torno das reformas necessárias para que o Brasil reencontre o caminho do desenvolvimento econômico, supere os males herdados e se projete vigoroso rumo ao futuro, com democracia e justiça social.
E quanto ao centro político, que posição deveria ter em um eventual segundo turno?
Nós, do centro, caso se confirme o quadro atual, devemos nos manter neutros no segundo turno. A nossa tarefa é garantir a democracia, a agenda reformista e um padrão civilizado de governabilidade no após eleições. Temos história, experiência, responsabilidade e visão pública dos problemas. Num ambiente fissurado, teremos de conduzir nossa energia para produzir a justa medida, o equilíbrio, e impedir que o aventureirismo oportunista desgrace o destino dos brasileiros.
Do ponto de vista das reformas que o Brasil necessita, qual destes dois governantes têm mais capacidade de realizá-las e qual deve ser a prioridade do próximo governo?
Em se tratando da pauta das reformas, Bolsonaro e Haddad parecem igualmente incompetentes para realizá-las. O primeiro por estar descolado dos partidos e do sistema político, restando como um deputado marginal, afastado do grande debate; o segundo por atuar como preposto de Lula e representar um partido de vocação nitidamente exclusivista e reacionária.
Em um próximo governo, independentemente de quem seja o vencedor destas eleições, qual deverá ser o papel do centro político?
Conforme afirmei antes, o centro deve ser responsável e propositivo. Deve, também, atuar fortemente no sentido educativo, qualificando a sociedade para democratização da democracia. O Brasil precisa de uma cultura pública robusta, capaz de conduzir ao consenso e reduzir a algaravia que deprime e rouba o ânimo. Os partidos e as forças que compõe o centro devem, para usar termos datados, produzir uma hegemonia cultural a partir da ação cotidiana e resgatar a ideia moderna e civilizada de que a oposição política é um direito democrático e deve ser exercida para o aprimoramento das vontades políticas.
O senhor é doutor em sociologia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), portanto conhece bem a realidade de São Paulo. O estado é o mais desenvolvido do Brasil, ainda que com todas suas mazelas. Por que Alckmin, que foi governador várias vezes, não consegue cair nas graças da população brasileira?
Creio que o eleitor perdeu a confiança no sistema de partidos saído da redemocratização. O PT, um dos maiores partidos, contribuiu muito para isso. Desde sempre fez a campanha da acusação e da desqualificação do sistema do qual ele próprio faz parte. Hoje, candidatos ligados aos partidos tradicionais, considerados pelos eleitores como “políticos profissionais”, estão sem prestígio, são vistos com desconfiança e desprezo. E o moralismo de setores da mídia e do judiciário só piora as coisas!
O Governador Alckmin, com sua trajetória, apoiado por partidos de expressão e lideranças inquestionáveis, é vítima de um fenômeno paradoxal: o público não partilha uma convicção política, pública, do maior dos problemas públicos, que é o governo da sociedade política. Ao contrário, o público está atormentado por questões morais e visões particularistas e excludentes acerca do destino comum.
O movimento #EleNão, ainda que embutido de todo um sentido ético de valorização da mulher e contra o machismo, não impediu que Bolsonaro crescesse nas pesquisas. Ocorre no Brasil o mesmo que ocorreu nos EUA com Trump: o eleitor em sua maioria está mais preocupado com quem fale de segurança, economia, emprego, po r exemplo, do que com pautas identitárias?
O #EleNão fez o que poderia ter feito. E recebeu a resposta que era esperada da parte contrária. Os grandes problemas estruturais, nesta eleição, estão emaranhados e confundidos com os temas comportamentais e de costumes. E este é um dos motivos que reforça ainda mais a nossa responsabilidade. O centro político terá de garantir o pluralismo e a tolerância como bases de uma democracia democrática. E quando digo “democracia democrática”, quero dizer que as regras do jogo reclamam uma cultura política que as sustente.
O PT, ainda que com todas as críticas que se possa fazer, é um partido que sabe fazer política. Onde se vai, de sindicatos à universidades, se vê um “braço” petista. Por que outros partidos no Brasil não conseguem fazer o mesmo?
Nós também sabemos fazer política. E, tenho convicção de que fazemos a grande política. Não a política pequena, dos particularismos, do atraso, dos vícios privados. Esta política não nos interessa, mas interessou ao PT e ajudou a consumar o estado de coisas atual.
O senhor acredita na tese do fatalismo, que o Brasil está jurado à ditadura de esquerda ou de direita, com Haddad ou Bolsonaro? Ou já temos instituições consolidadas o bastante? Temos um Congresso efetivo e uma população mais participava que possam impedir um governo autoritário?
O Brasil será uma grande nação. Em menos de um século, transformamos com o trabalho de nossa gente um país rural e exportador numa grande sociedade urbana e industrial. Ocupamos o território, formamos um só povo. Hoje, estamos prestes a completar 30 anos sob uma constituição democrática, com a rotina das eleições, uma cidadania ativa e o respeito ao ordenamento jurídico. Há muito trabalho a ser feito. O acerto de contas com o passado e as reformas que nos insiram no futuro. Mas estamos preparados. Há que se manter o otimismo e a disposição.
Bruno Boghossian: Praga e pesticida
Candidato capta frustração do eleitor e exige reflexão sobre eventual governo
Jair Bolsonaro “é o pesticida de que precisamos”, dizem apoiadores do candidato do PSL. Muitos eleitores se convenceram de que uma dose violenta desse veneno é a única forma de exterminar o que veem como pragas da política. É preciso, porém, observar os alertas sobre os riscos do produto, impressos em letras nada miúdas na embalagem.
Bolsonaro captou a enorme frustração dos brasileiros com escândalos de corrupção (em especial do PT) e com a insegurança que domina tanto grandes cidades quanto o interior. O crescimento de sua candidatura na reta final da eleição carrega consigo a necessidade de reflexão sobre seus discursos e práticas.
O presidenciável já emitiu diversos sinais de que gostaria de usar poderes especiais, típicos de governos autoritários, para derrotar seus inimigos. Sob o manto de uma reação firme a esses grupos, ostenta um discurso violento contra opositores, demonstra admiração pelos métodos de torturadores e pede aval para mudar as regras do jogo.
Bolsonaro já falou em indicar dez ministros do Supremo para criar uma maioria artificial a seu favor, depois recuou. Seu vice admitiu a hipótese de golpe militar para conter instabilidades. Seu assessor econômico propõe mudar métodos de votação de leis para aprovar o que quiser.
Pode-se imaginar que medidas excepcionais são necessárias em momentos de crise, para implantar uma agenda de recuperação e vencer o mal. Mas, via de regra, há poucas garantias de que um governante queira abrir mão de poderes extraordinários depois de conquistá-los.
O discurso do deputado, permeado de comentários de desprezo a mulheres e minorias, alimenta (com razão) dúvidas sobre a proteção de direitos fundamentais e liberdades —incerteza lamentável a esta altura da vida democrática do país.
Bolsonaro pode parecer ideal para atacar aqueles apontados como vilões, mas recomenda-se olhar o rótulo com cuidado. Não é preciso defender a praga para refletir sobre eventuais danos do pesticida.
Steven Levitsky: Por que defender a democracia
Vitória do autoritarismo no Brasil pode influenciar outros países da América Latina
Os brasileiros em breve enfrentarão um segundo turno no qual um dos dois candidatos será autoritário. Se eleito presidente, Jair Bolsonaro (PSL) representaria uma clara ameaça à democracia.
A popularidade de Bolsonaro não deveria nos surpreender. O Brasil sofreu uma tempestade perfeita: recessão profunda combinada ao maior escândalo de corrupção de qualquer democracia na história. Isso gerou profundo descontentamento com o status quo político —e com a elite política.
De acordo com pesquisas recentes, apenas 20% dos brasileiros estão satisfeitos com sua democracia. E muitos brasileiros afirmam, em pesquisas, que em certas circunstâncias apoiariam um golpe de Estado.
Esses são números perturbadores. A democracia do Brasil está vulnerável —vive seu momento mais vulnerável em uma geração. Os brasileiros precisam agir para defendê-la.
Por que os brasileiros deveriam defender a democracia?
Permita-me oferecer algumas razões.
Primeiro, não existem provas de que o autoritarismo ofereceria soluções melhores para os problemas do Brasil. Há muitas pesquisas que buscam determinar se ditaduras funcionam melhor do que democracias, economicamente.
E os resultados são claros: não funcionam. Algumas poucas ditaduras se saíram excepcionalmente bem (Cingapura, Taiwan, China). Mas elas são exceções. Para cada Cingapura ou China, existem dezenas de ditaduras em todo o mundo que fracassaram economicamente.
Em média, as ditaduras não geram crescimento mais alto, inflação mais baixa ou equilíbrio fiscal superior.
Também existem poucas indicações de que uma ditadura resolveria os demais problemas brasileiros.
Ditaduras não necessariamente se saem melhor na redução do crime, e não fazem um trabalho melhor no combate à corrupção. Na verdade, ditaduras são mais propensas à corrupção do que as democracias.
Assim, indicações vindas do mundo inteiro sugerem que haja pouco a ganhar com o autoritarismo.
Mas há muito a perder. É preciso tempo para construir instituições democráticas fortes. Estabelecer controle civil sólido sobre as Forças Armadas requer décadas. Estabelecer um Poder Judiciário independente e direitos civis e humanos básicos requer décadas. Os brasileiros realizaram essas coisas nas últimas três décadas.
Nunca antes na história brasileira o controle civil sobre as Forças Armadas, a independência do Judiciário e os direitos civis e humanos estiveram tão bem estabelecidos quanto no último quarto de século. Essa é uma grande realização.
Uma queda ao autoritarismo —mesmo que breve— eliminaria décadas de esforços de construção de instituições. Esse foi um problema que prejudicou por muito tempo países como Argentina, Bolívia, Equador e Peru. Historicamente, nesses países, a democracia entra em colapso a cada vez que acontece uma crise. Como resultado, as instituições jamais têm tempo para fincar raízes. É um círculo vicioso do qual os argentinos e peruanos continuam tentando escapar até hoje.
Para se consolidarem, as democracias precisam sobreviver a algumas tempestades muito fortes. Nos Estados Unidos, a democracia passou pela guerra civil, pela Grande Depressão da década de 1930 e pela Segunda Guerra Mundial. Se você abandona a democracia sempre que surge uma crise, a democracia jamais se consolida. Esse é o caminho da Argentina.
Por fim, o destino da democracia brasileira tem consequências que vão além do Brasil. Os últimos 30 anos foram o período mais pacífico e democrático da história da América Latina. As Forças Armadas deixaram o palco; guerras civis e insurgências se encerraram.
Mas há nuvens de tempestade no horizonte. China e Rússia estão se tornando mais fortes. A Europa está em crise. E o atual governo dos Estados Unidos não tem interesse na democracia. Ao mesmo tempo, a confiança pública na democracia está em queda na América Latina. Não é só no Brasil: o descontentamento cresceu no México, Argentina, Peru, Colômbia —mesmo no Chile e na Costa Rica.
O Brasil é um país influente. Se a democracia brasileira falhar, isso poderia resultar em uma onda de rupturas democráticas na América Latina.
Não seria a primeira vez. O Golpe de 1964 teve enorme impacto na América Latina, encorajando os militares a tomar o poder na Argentina, Bolívia, no Chile, Equador, Panamá, Peru e Uruguai. Seria trágico se a história se repetisse.
Tradução de Paulo Migliacci
*Steven Levitsky é cientista político, autor do livro "Como as Democracias Morrem"
Bernardo Mello Franco: A boca de urna da Lava-Jato
Na semana final da eleição, a Lava-Jato arremessou duas bombas contra a campanha do PT. A última foi lançada a poucas horas do debate na TV Globo
A República de Curitiba não repousa mais em berço esplêndido. Depois de um período sonolento, a Lava-Jato parece ter despertado às vésperas da eleição. A poucos dias do primeiro turno, a operação arremessou duas bombas contra a campanha do PT.
Na segunda-feira, o juiz Sergio Moro liberou um trecho da delação de Antonio Palocci. O depoimento foi gravado em abril e passou quase seis meses na gaveta. Como o ex-presidente já está preso, a conta política será paga pelo candidato Fernando Haddad.
Ontem a força-tarefa da Lava-Jato reforçou a ofensiva do juiz. A três dias da eleição, o Ministério Público Federal pediu uma nova condenação de Lula. A manchete foi produzida horas antes do último debate dos presidenciáveis, na TV Globo.
Em entrevista publicada ontem pela Folha de S.Paulo, o chefe da força-tarefa da Lava-Jato defendeu Moro da acusação de interferência no processo eleitoral. “O tempo da Justiça e o da política não podem ser confundidos”, pontificou Deltan Dallagnol.
Faltou combinar com o juiz. Em agosto, Moro adiou um depoimento de Lula que estava marcado para o dia 11 de setembro. Ao justificar a decisão, que impediu o ex-presidente de se defender publicamente, ele escreveu que pretendia “evitar a exploração eleitoral dos interrogatórios”.
Como se vê, a preocupação com o calendário só valeu para um lado.
A Constituição faz 30 anos. É um bom momento para lembrar as palavras de Ulysses Guimarães ao promulgá-la, em 5 de outubro de 1988: “Traidor da Constituição é traidor da pátria. Conhecemos o caminho maldito. Rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio e o cemitério”.
No mesmo discurso, Ulysses afirmou: “O Estado prendeu e exilou. A sociedade, com Teotônio Vilella, pela Anistia, libertou e repatriou. A sociedade foi Rubens Paiva, não os facínoras que o mataram”.
Luiz Carlos Azedo: A Constituição e as eleições
“O próprio Supremo vive dilemas profundos em razão da Operação Lava Jato, que protagoniza o combate à corrupção. Há um inédito expurgo de políticos da vida pública, entre os quais, Lula”
O Supremo Tribunal Federal (STF) comemorou ontem os 30 anos da Constituição de 1988, razão de ser da existência da Corte, cuja missão é zelar pelo cumprimento dos seus dispositivos. Não é uma tarefa das mais fáceis, ainda mais num momento como o que estamos vivendo, no qual os candidatos que lideram a disputa pela Presidência da República, Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT), não escondem o desejo de substituí-la por outro texto constitucional.
Não foi à toa, portanto, que o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, proclamou: “Nunca mais, nunca mais a escravatura, nunca mais a ditadura, nunca mais o fascismo e o nazismo, nunca mais o comunismo, nunca mais o racismo, nunca mais a discriminação”. Segundo ele, os cidadãos precisam assegurar “que as conquistas até aqui obtidas sempre vigorem, não admitindo involuções, especialmente quanto à democracia estabelecida, à cidadania conquistada e à pluralidade até aqui construída”.
A Constituição de 1988 garantiu ao Judiciário autonomia e independência, assim como deu ao Ministério Público um poder nunca antes alcançado. Graças à aprovação pelo Congresso da Lei da Ficha Limpa, uma grande mudança nos costumes políticos está em curso, sob fortes tensões. O próprio Supremo vive dilemas profundos em razão da Operação Lava Jato, que protagoniza o combate à corrupção. Há um inédito expurgo de políticos corruptos em todas as esferas da vida pública, com destaque para a inelegibilidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado a 12 anos e um mês de prisão por corrupção passiva e ocultação de patrimônio.
Muitos dos que não foram impedidos de disputar as eleições pela Lei da Ficha Limpa, porque não foram julgados, culpados ou inocentes, serão punidos com a não eleição. Mas a prisão de Lula é um fator de divisão e tensão política no próprio Supremo, em razão do grande prestígio popular e internacional de que ainda desfruta e do debate sobre a aplicação do princípio constitucional do transitado em julgado. Jurisprudência da Corte determina a execução imediata da pena de condenados em segunda instância, o caso do petista, mas o assunto não está pacificado entre os ministros. Toffoli é um dos críticos dos “excessos” da Operação Lava-Jato, protagonizados pelos procuradores da força-tarefa de Curitiba, que ontem pediram ao juiz federal Sérgio Moro nova condenação de Lula pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Os procuradores acusam o ex-presidente da República de obter vantagem indevida paga pela Odebrecht por meio da compra de um terreno para instalação da sede do Instituto Lula e do aluguel de um apartamento em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista. A três dias das eleições, o pedido é visto como interferência no processo eleitoral, prejudicando a candidatura do candidato do PT, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, assim como a divulgação de um dos depoimentos da delação premiada do ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci pelo juiz Moro, na segunda-feira passada. Os dois episódios se somam a outras decisões tomadas recentemente, que interferiram nas eleições do Paraná, Mato Grosso e Goiás, Ceará, Piauí, contra políticos ligados ao PSDB, ao PMDB e ao PP.
Direitos
O jurista italiano Norberto Bobbio influenciou fortemente a elaboração da Constituição de 1988. Suas ideias foram marcadas pelo ambiente europeu após a Segunda Guerra Mundial, em que as democracias do Ocidente procuraram se precaver contra o fascismo, originário da Itália, e purgar o trauma do Holocausto protagonizado pelo regime nazista de Hitler, na Alemanha. Adotada pela Organização das Nações Unidas, a doutrina dos direitos humanos legitima o Estado de bem-estar social, uma resposta às terríveis condições sociais que resultaram da guerra.
Os dispositivos introduzidos na nossa Carta Magna com objetivo de garantir o direito à vida e à liberdade, no contexto de transição à democracia, porém, provocaram uma disjuntiva entre direitos humanos e ordem pública, provocando mudanças no Código de Processo Penal que nunca obtiveram consenso social e político suficientemente para que fossem plenamente respeitadas. Numa sociedade com indicadores de violência ascendentes, essa pauta acabou se tornando um divisor de águas. A sociedade brasileira precisa reencontrar o ponto de equilíbrio entre a segurança pública e as garantias e direitos individuais.
Um dos temas em debate na campanha eleitoral é a separação do direito penal do cidadão aplicado ao criminoso comum segundo os ditames constitucionais do que seria uma espécie de “direito penal do inimigo”, que puniria os indivíduos considerados mais perigosos para a sociedade, o que significaria suprimir direitos e garantias individuais. Tal interpretação não cabe nos ditames da atual Constituição, mas está na pauta do candidato que lidera as pesquisas, Jair Bolsonaro (PSL).
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-constituicao-e-as-eleicoes/
José de Souza Martins: Revelações dos nomes de urna
Uma comparação impressionista das listas de candidatos, nestas eleições de 2018, com o que era a representação política no país há 60 anos, mostra que o perfil do político brasileiro mudou muito. Então, estávamos mais perto da concepção republicana ideal do poder, que encobria, no entanto, persistências da limitada representação política da época da escravidão. Hoje, ainda que politicamente confusos, estamos mais próximos de uma representação democrática.
As listas têm indícios de que estamos também confusos em relação a nós mesmos. São numerosos os candidatos que se apresentam ao eleitorado com o chamado nome de urna diverso do respectivo nome civil. O que querem dizer os que assim se identificam e se candidatam e, também, os que neles votam? Há muitos nomes esdrúxulos como, em São Paulo, o de Buscando o Imponderável e o de Geraldo, o Iluminado; no Ceará, Faisk e Fumaça; na Bahia, Vado Malassombrado; no Rio Grande do Sul, Cavaleiro da Esperança e Gauchinho de Deus.
Se as listas de nomes de urna para deputado federal dão indicações do que é nossa política, ao revelarem a extensa crise de identidade dos brasileiros, também dão esclarecedora visibilidade política ao pluralismo do país.
É extensa a participação de pretos e pardos em quase todos os Estados. Embora muitos candidatos pretos, pardos e brancos estejam em dúvida ao assumir a identificação racial que a ficha eleitoral lhes pede.
Há casos, como o de uma mulher preta, com curso superior, que se autodefine como branca. E há casos, como o de uma loira que se identifica como preta. Isso em São Paulo. Há pretos cujos apelidos os puristas das demandas raciais poderiam atribuir a suposto racismo de branco: na Bahia, Delegada Negrona e Marcos Antônio, o Negrão, ambos realmente pretos.
Muitos brancos identificam-se como pardos, tímida aceitação da nova onda de identificação racial no Brasil. A pluralidade racial brasileira, se tem os reacionários que a recusam, tem também os que se identificam com a concepção de um Brasil multirracial e mestiço. No Ceará, uma candidata parda conciliou os opostos ao adotar o nome de urna de Dani Alvinegra. Em Pernambuco, outra também parda, tem por nome de urna A Marron.
São muitas as mulheres candidatas. As candidaturas de mulheres, tanto quanto as de pretos e pardos, expressam o empenho dos respectivos grupos em corrigir a injustiça histórica de seu quase banimento da cena política.
É também notório que há muito mais evangélicos, especialmente pastores e pastoras, disputando uma cadeira de deputado federal. E a diversidade das profissões é hoje maior do que aquela do tempo em que a nossa representação política era predominantemente de fazendeiros e bacharéis.
Os nomes de urna diferentes dos nomes civis, porém, indicam que a sociedade pós-moderna não oferece a extenso número de brasileiros referências por meio das quais se vejam como cidadãos de um país chamado Brasil e membros de uma sociedade que possa ser definida como nossa. Os nomes de urna são indicações da fragmentação desta sociedade.
Os grupos de referência subjacentes a esses nomes são politicamente pobres e limitados àquele que é o público de relacionamento dos candidatos. Nossa identidade básica é comunitária. Ao se conceber o país como mera sociedade de classes sociais, o que ocorreu foi sobretudo a disseminação de identidades sociais precárias e redutivas, próprias da realização insuficiente, entre nós, da sociedade de consumo e de seus agentes. Ainda não conseguimos ver além da pessoa que nos vende um remédio ou a que diagnostica nossa doença.
Nosso mundo é o dos relacionamentos cara a cara, ainda que o outro seja fantasiosa personagem de circo, rádio ou TV, como o Bira do Jegue, na Bahia. Não vemos nem compreendemos o todo e suas ocultações, o lado invisível das relações políticas. Nosso sistema político nos priva da mediação dos conceitos e nos limita à mediação de pessoas.
Grande número de candidatos adota nome relacionado com a ocupação ou com a profissão. Dirigem-se a clientes, não a cidadãos. É o caso dos que antecedem o nome com um "Dr. Fulano", ou um "Professor sicrano". Ou, Adriana Vaqueira, André o Cobrador, Robério da Cesta Básica, Pinheiro do Queijo, Ribamar do Hospital, Marconi da Galinha, Paulo da Autoescola, Andréia da Farmácia, Cabral dos Químicos, Daniel Perueiro, Edson Bananeiro, Nairzinha do Tempero.
Chama a atenção o destaque dado nos apelidos eleitorais às funções policiais e militares, Sargento, Coronel, Comandante, Delegado Federal. Reflexo destes tempos de busca de políticos no universo profissional do controle social repressivo. Nossa pobreza política começa no vazio de nome do nome de urna.
*José de Souza Martins é sociólogo. Membro da Academia Paulista de Letras. Entre outros livros, autor de "A Sociologia como Aventura" (Contexto).
O Estado de S. Paulo: Temer e Toffoli defendem a Constituição
Presidente da República e do Supremo criticam extremismos e dizem que não há caminho fora da Carta, que completa 30 anos neste mês
Por Rafael Moraes Moura Amanda Pupo Teo Cury, do O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA - Chefes do Judiciário e do Executivo, além de autoridades, defenderam ontem a democracia, criticaram extremismos e frisaram não haver caminho que não seja por meio do respeito à Constituição. As afirmações foram feitas durante solenidade, realizada no Supremo Tribunal Federal, que marcou os 30 anos de promulgação da atual Carta.
Em meio à polarização das eleições e o clima acirrado, principalmente nas redes sociais, o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, disse que a função primária de uma Constituição cidadã é ecoar os gritos do “nunca mais a escravatura”, “nunca mais a ditadura”, “nunca mais o fascismo e o nazismo”, “nunca mais o comunismo”, “nunca mais o racismo” e “nunca mais a discriminação”, citando uma fala do jurista José Gomes Canotilho.
“Os desafios existem e sempre existirão. O jogo democrático traz incertezas, a grandeza de uma nação é exatamente se inserir neste jogo democrático e ter a coragem de viver a democracia”, afirmou Toffoli.
Na segunda-feira passada, em debate na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Toffoli disse que prefere definir a tomada de poder pelos militares em 1964 como um “movimento”. “Não foi um golpe nem uma revolução. Me refiro a movimento de 1964”, afirmou na ocasião.
Temer. Também presente na solenidade de ontem, o presidente Michel Temer criticou, sem citar nomes, as propostas de revisão da Constituição apresentadas pelos candidatos Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) durante a campanha eleitoral e reafirmou que “não há caminho fora da Constituição”.
“Temos historicamente necessidade extraordinária de a cada 20, 30 anos achar que precisamos de um novo Estado”, disse Temer no STF. “A todo momento, se postulam Constituintes que possam inaugurar uma nova ordem estatal”, continuou, observando que esses episódios se dão por um “fundamento equivocado” de que isso resolveria os problemas. Ao destacar o papel do STF como guardião da Constituição, Temer afirmou que a interpretação dos ministros da Corte tem permitido avanço na aplicação da democracia.
Ele ressaltou ainda os princípios da liberdade de expressão e informação, afirmando que a imprensa livre “significa informação livre que é benéfica a sociedade”.
“As pessoas falam muito em liberdade de imprensa em favor da imprensa. Não é, é em favor do povo. A imprensa livre significa informação livre”, disse ele.
Para a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, “não há possibilidade de retrocesso” dos avanços alcançados pelas instituições públicas nos 30 anos em que vigora a atual Constituição. “Há muito a avançar, porque a violência, a insegurança pública, a corrupção e a desigualdade reclamam uma atuação vigorosa e firme das instituições públicas, que não podem retroceder nem ter seus instrumentos de atuação revogados. Não há possibilidade de retrocesso, porque a ordem constitucional é de avanço a partir do que vamos alcançando e solidificando”, disse ela.
Antídoto. Na mesma sessão, o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Claudio Lamachia, disse que teme o ambiente extremista destas eleições, mas disse que o antídoto sempre será a Constituição.
“Temo o ambiente extremista que alguns querem lhe infundir (em referência às eleições ). Mas o antídoto ao extremismo, venha de onde vier, é e sempre será a nossa Constituição”, disse Lamachia, que não mencionou o nome de nenhum candidato no seu discurso.