Eleições

Bernardo Mello Franco: O tsunami conservador que empurrou Bolsonaro e varreu o país

Um tsunami conservador varreu o país nas eleições de ontem. O discurso radical do capitão seduziu um eleitorado com medo da violência e raiva dos políticos

Não foi só uma onda. Um tsunami conservador varreu o país nas eleições de ontem. O presidenciável da extrema direita, Jair Bolsonaro, chegou perto de vencer no primeiro turno. Arrastou uma legião de militares, policiais e pastores para o Congresso, onde o nanico PSL passa a ser uma força relevante.

O discurso radical de Bolsonaro seduziu eleitores com medo da violência e raivada política. Ele prometeu defendera família, combatera corrupção e distribuir armas para o“homem de bem ”. Conseguiu emplacara ideia de que representa o novo, apesar dos sete mandatos como deputado federal.

O capitão vestiu a farda de antagonista do PT. Mas sua primeira vítima foi o PSDB, que teve o pior resultado desde 1989. Depois de governar São Paulo por quatro vezes, Geraldo Alckmin ficou com menos de 5% dos votos. Agora os tucanos correm o risco de virar uma espécie política em extinção.

Ferido pela prisão do seu maior líder e pelo impeachment,o PT encolheu. O partido venceu em apenas nove estados, oito deles no Nordeste. Ainda amargou derrotas históricas como a da ex-presidente Dilma Rousseff, que não conseguiu se eleger senadora em Minas Gerais.

Fernando Haddad chega ao segundo turno em desvantagem. Terá o desafio de formar uma frente ampla, além da esquerda e da terceira via de Ciro Gomes. Precisará se vender como fiador da democracia, ameaçada pelo discurso autoritário do capitão.

O segundo turno dará uma chance ao eleitor para refletir melhor sobre tudo o que está em jogo. A agressividade da campanha tende a aumentar ainda mais. No entanto, Bolsonaro será obrigado a se expor ao contraditório e apresentar ideias além das frases de efeito.

Foi uma eleição moldada pela Lava-Jato. A operação prestou bom serviço ao combater a corrupção, mas exagerou no ativismo e desorganizou o sistema político, a exemplo do que ocorreu na Itália com a Mãos Limpas. Lá, o resultado foi o populismo clownesco de Silvio Berlusconi. Por aqui, vem sendo Bolsonaro.


Míriam Leitão: Agora será a hora de buscar o centro

Ganhará quem fizer o mais vigoroso e convincente movimento para construir pontes; Haddad deu o primeiro passo

O eleitor falou. Deu uma grande vantagem a Jair Bolsonaro, mas a disputa continua no segundo turno. Ganhará quem fizer o mais vigoroso e convincente movimento para o centro. Tanto Jair Bolsonaro, que sai com grande vantagem na largada, quanto Fernando Haddad têm muito a caminhar.

O candidato do PT deu o primeiro passo para a construção da ponte falando em um unir os “democratas do Brasil” e os que “se preocupam com os direitos humanos". Na mesma hora, falando aos seus seguidores pela mídia social, o candidato do PSL levantou de novo dúvida sobre a urna eletrônica, disse que o que está em jogo é a operação Lava-Jato, criticou a imprensa e afirmou que é preciso evitar a volta do PT ao governo. “Não podemos continuar flertando com o comunismo e o socialismo”.

Bolsonaro, apesar da sua clara vantagem e da onda conservadora que correu ontem o país, precisará atenuar o tom ofensivo a todas as minorias. Haddad, que larga em grande desvantagem, precisará desesperadamente do apoio de outras forças. Ontem, recebeu já um sinal de Ciro Gomes, que declarou que será “ele não”, porque combateu “sempre a favor da democracia e contra o fascismo”.

Bolsonaro, para se eleger, terá que desfazer sua defesa reiterada da ditadura e da tortura e o desprezo pelos direitos humanos. O PT precisará renegar o apoio à Venezuela e rejeitar declarações como as feitas recentemente pelo ex-ministro José Dirceu. Contudo, quando o assunto é ameaça à democracia, Bolsonaro e PT não são equivalentes. O PT flerta com ideias autoritárias, às vezes, mas fez carreira na democracia e governou preservando a liberdade, mas Bolsonaro sempre proclamou ideias autoritárias.

Outro desafio de cada um será o detalhamento do projeto econômico. O PSL precisará explicar essa fratura exposta entre o que diz o economista e o próprio Bolsonaro e o seu círculo próximo. O PT terá ainda mais trabalho para desmontar o programa intervencionista e voltar ao caminho econômico do primeiro governo Lula. Haddad terá autonomia para isso? As próximas semana serão intensas.


Demétrio Magnoli: A máscara da derrota

Escrevo antes do primeiro turno. Minha estimada bola de cristal sempre apresenta falhas, mas as sondagens indicam que Bolsonaro e Haddad se enfrentarão no turno decisivo. Nessa hipótese provável, a combinação da implosão do PSDB com a prevalência do antilulismo poderia condenar a nação a um governo de moralistas depravados. Tudo depende do que Haddad fará com a máscara de Lula que, até aqui, cobriu seu rosto.

A pesquisa Datafolha divulgada em 3 de outubro traz uma informação periférica que ajuda a decifrar o cenário do segundo turno. Cerca de 60% dos entrevistados opinam que Lula deve seguir condenado, na cadeia (51%) ou em prisão domiciliar (8%). O antilulismo emerge como fator crucial, provocando uma convergência eleitoral em torno de Bolsonaro. A estratégia de campanha de Haddad, apropriada a uma candidatura de protesto, uma espécie de anticandidatura consagrada a reagrupar um partido desmoralizado, não atende ao objetivo de persuadir a maioria. No turno final, o candidato petista precisa descobrir sua face, abandonando a máscara da derrota.

Bolsonaro promete reformar a economia, do jeito dele — ou melhor, de acordo com a utopia regressiva de Paulo Guedes. Seria fácil mostrar que seu programa ultraliberal não é aplicável a uma democracia de massas — se a alternativa petista não fosse o retorno à política econômica responsável pelo colapso fiscal de 2014. Mas, seguindo o figurino desenhado pelo PT, Haddad insiste no negacionismo econômico. Segundo ele, Dilma Rousseff só errou ao patrocinar o giro ortodoxo conduzido por Joaquim Levy. “Escolham entre mim e o destino da Venezuela (ou do Rio de Janeiro)” — o desafio implícito de Bolsonaro cala fundo no amplo espectro de eleitores que recusam o revisionismo histórico lulopetista.

Bolsonaro ergue o conveniente estandarte da Lava-Jato, restaurando a célebre vassourinha de Jânio Quadros, e encontra influentes “companheiros de viagem” no Judiciário e no Ministério Público. Haddad, por seu lado, repete o mantra sectário do PT, que exibe as condenações de Lula, Dirceu, Palocci e dos tesoureiros petistas como uma conspiração geral de juízes contra o partido. O negacionismo ético corta o diálogo do candidato com a vasta parcela do eleitorado que não crê em bruxas. Haddad pode, legitimamente, defender a inocência de Lula no processo específico em que foi condenado. Mas, sem reconhecer as responsabilidades políticas do lulismo nos escândalos do “mensalão” e do “petrolão”, entrega a tocha da mudança aos incendiários bolsonaristas.

Bandos de bolsonaristas fantasiados de amarelo promovem atos de protesto contra a “mídia vermelha”. Bandos de petistas fantasiados de vermelho gritam palavras de ordem contra a “mídia golpista”. No coreto do ódio à imprensa, encontram-se Trump, Bolsonaro, Lula e Maduro. A confluência tem efeitos anestésicos sobre o eleitorado que ainda se mantém fiel ao princípio da liberdade de imprensa. Haddad não se distinguirá de Bolsonaro no campo das liberdades públicas se não romper com o discurso petista do “controle social da mídia”.

Bolsonaro, Mourão et caterva choram a perda da ditadura militar, um tempo mítico de ordem e progresso. O lulismo jura fidelidade eterna à ditadura de Maduro e aplaude a sangrenta repressão de Ortega. O que é mais asqueroso, a nostalgia da “nossa” ditadura pretérita ou a solidariedade aos acuados ditadores latino-americanos do presente? Haddad não conseguirá empunhar a bandeira da democracia contra o autoritarismo bolsonarista sem romper, nitidamente, com os artigos de fé autoritários do lulismo.

A máscara de Lula é um valioso passaporte eleitoral, se a ambição consiste, apenas, em alcançar o segundo turno. O lulismo, porém, não é majoritário. A rejeição ao lulismo está ancorada na experiência histórica, mais que no preconceito. Já a rejeição a Bolsonaro deita raízes em material um tanto etéreo, formado por valores, princípios e visões de mundo. Para triunfar, Haddad precisa exibir a face que, até hoje, ocultou atrás da máscara — e esforçar-se em provar aos eleitores que uma é diferente da outra.


Fernando Gabeira: O capitão e o navio

Bolsonaro sentiu que a guerra cultural seria um caminho não só para ampliar votos no Rio, mas para projetá-lo nacionalmente

Não é uma simples segunda-feira de primavera. Neste momento, já se sabe que Bolsonaro venceu o primeiro turno das eleições e mais ainda: como se compõe o novo Congresso.

As pesquisas me divertem. As projeções do segundo turno são exercícios fantásticos. Saber que a rejeição a Eymael caiu de 19 para 13 pontos coloca um enigma de interpretação: o que Eymael fez na semana para reduzir o saldo negativo? Na superfície, ele continua o mesmo Eymael, um democrata cristão: zero por cento.

Imagino que comece hoje uma discussão sobre as causas que levaram Bolsonaro a vencer o primeiro turno. E também a ampla distribuição de culpa entre seus adversários.

É uma discussão importante. Mas, se for isolada do resto, tende amostrar Bolsonaro como um alienígena que simplesmente aterrissou num país em crise.

Isso tende a omitir seu papel pessoal. Bolsonaro foi o deputado mais votado no Rio, em 2014. Ele teve 464 mil votos, cerca de 6% do total, um feito extraordinário em eleições proporcionais. Naquele momento, ele já estava em ascensão batendo, principalmente, em duas teclas: corrupção e segurança pública.

Sua proposta em segurança tem uma vantagem sobre todas as outras. Reconhece a limitação do Estado e envolve o indivíduo, que teria sua própria arma. Já a critiquei e propus uma outra forma de participação social: a informação, através dos novos recursos tecnológicos.

Concordamos num ponto em que os outros silenciaram: sema adesão da sociedade, fica difícil atenuar o problema da violência. Bolsonaro sentiu também que a guerra cultural seria um caminho não só para ampliar seus votos no Rio, mas para projetá-lo nacionalmente.

Percebeu também que não bastava brigar com Jean Wyllys para se popularizar. Ele encontrou um flanco: a educação sexual nas escolas. Bolsonaro sabe que a maioria das famílias quer ter a primazia de educar sexualmente os filhos.

Ao lançar cartilhas e distribuí-las sem o controle das famílias, a esquerda tornou-se vulnerável porque pareceu querer substituir a orientação familiar, em vez de negociar com ela.

Ainda vou escrever muito sobre Bolsonaro, inclusive sobre os 16 anos em que estivemos juntos em algumas comissões da Câmara, divergindo nos costumes e concordando na denúncia da corrupção.

A grande dificuldade com Bolsonaro é que, essencialmente, é anticomunista e tende a combater todas as lutas lideradas pela esquerda, como se tivessem sido inventadas por ela. Ele tem dificuldade em distinguir direitos humanos e exploração ideológica, movimento das mulheres das visões radicais, meio ambiente e ameaça à propriedade privada e, no caso amazônico, cobiça internacional.

Algumas de suas ideias sobre meio ambiente, sobretudo as de fundo nacionalista, são compartilhadas pelas Forças Armadas. Será, portanto, um tema que demanda muita sensibilidade para evitar que se reproduza aquela profunda divisão do tipo nós e eles, brasileiros e lacaios do imperialismo.

Em outras palavras, o estigma que a esquerda criou, na economia, para quem defende a abertura ao capital estrangeiro tende ase repetir, agora, na esfera ambiental nocam poda cooperação planetária. Só que as pancadas virão da direita.

Com todas essas divergências, creio que será possível estabelecer um diálogo. Pessoalmente, sempre conversei com Bolsonaro ao longo de 16 anos.

Nos seus primeiros discursos na Câmara, ele pedia minha prisão porque eu era um sequestrador do embaixador americano. Ele queria reproduzir o debate sobre a luta armada. Os tempos eram outros, tínhamos um novo país para construir.

A esquerda me considera um traidor que ocupa um espaço na lata de lixo da história. Sou aquele jogador que já foi do time e a torcida vaia sempre que toca na bola.

Mas esquerda e direita são forças missionárias que tentam universalizar seu conceito de boa vida. Numa sociedade complexa como a nossa, precisamos reconhecer as diferenças e navegar com cuidado, administrando os problemas recorrentes.

A ideia de um país dominado pela Bíblia ou pelo “Capital” de Marx não deixa de ser legítima. Apesar da importância que ambos dão aos seus textos, eles são apenas um modesto guia. O mundo ultrapassa os velhos esquemas mentais. Ou, em linguagem bem brasileira: o buraco é mais embaixo.


Folha de S Paulo: Aécio, Renan, Jader e mais 33 alvos da Lava Jato se elegem

Outros 46 investigados na operação acabaram derrotados no pleito

O desgaste com delações e menções na Lava Jato não impediu que aos menos seis réus, 24 investigados e seis denunciados fossem eleitos nas eleições deste domingo (7) pelo país.

Outros cinco alvos da operação vão ainda disputar o segundo turno.

Na lista de eleitos, estão políticos que foram intensamente alvejados na Lava Jato, como os senadores reeleitos Renan Calheiros (MDB), em Alagoas, e Ciro Nogueira (PI), no Piauí, que chegou a ser alvo de buscas já na reta final da campanha, em desdobramento da delação da Odebrecht.

O veterano Jader Barbalho (MDB) foi o mais votado para o Senado no Pará.

Houve ainda três investigados que conseguiram se eleger, mas foram "rebaixados": os hoje senadores Gleisi Hoffmann (PT-PR), Aécio Neves (PSDB-MG) e Agripino Maia (DEM-RN), que, desgastados pelas investigações, decidiram concorrer a deputado federal. Gleisi, presidente nacional do PT, foi a terceira mais votada em seu estado.

A reportagem levantou entre os candidatos ao menos 18 réus (em ações penais, cíveis ou eleitorais), 12 alvos de acusações já concluídas no Ministério Público (denúncias apresentadas ou ações de improbidade) e outros 57 com investigações em andamento com relação à operação iniciada no Paraná.

A maior parte envolve desdobramentos das "listas de Janot", como ficaram conhecidos os inquéritos pedidos pelo então procurador-geral da República em decorrência das delações da Lava Jato.

Essas candidaturas foram mais favorecidas com recursos do fundo eleitoral, já que os partidos direcionaram mais dinheiro a políticos com mandato ou mais conhecidos.

Com o novo entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o foro especial, parte das investigações e procedimentos sobre esses políticos vem sendo enviada a instâncias inferiores nos estados.

Entre os 46 alvos da operação que concorreram e foram derrotados, há nomes de primeira grandeza da política nacional, como a ex-presidente Dilma Rousseff (duas vezes denunciada pela Procuradoria-Geral da República), o ex-governador paranaense Beto Richa, que chegou a ser preso durante a campanha, e o atual presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE).

A lista inclui ainda o senador Romero Jucá (MDB-RR), líderes tucanos, como Cássio Cunha Lima (PB) e Marconi Perillo, e petistas conhecidos do Congresso, como Marco Maia (RS) e Lindbergh Farias (RJ).

Réu em ação penal aberta pelo juiz Sergio Moro, o ex-deputado Cândido Vaccarezza, que era do PT e agora está no Avante, tentou voltar a Câmara dos Deputados e fez apenas 5.200 votos em São Paulo.

Ao longo da campanha, houve críticas a iniciativas de autoridades ligadas à operação que atingiram candidatos em plena campanha. Faltando um mês para o primeiro turno, os presidenciáveis Geraldo Alckmin (PSDB) e Fernando Haddad (PT), por exemplo, foram alvos, respectivamente, de ação de improbidade e de denúncia, derivadas de delações de empreiteiras.

No Rio de Janeiro, além dos investigados que sofreram reveses nas urnas, filhos de dois dos principais presos da Lava Jato também acabaram não eleitos. O deputado federal Marco Antonio Cabral (MDB), filho do ex-governador Sérgio Cabral, não foi reeleito, e Danielle Cunha (MDB), filha do ex-deputado Eduardo Cunha, foi derrotada. Danielle havia obtido R$ 2 milhões do MDB do Rio, via fundo eleitoral, para financiar sua campanha.

Outros 11 congressistas que são réus no Supremo Tribunal Federal, em casos não ligados à Lava Jato, disputaram a eleição. Desses, oito foram derrotados, como André Moura (PSC), líder do governo Michel Temer no Congresso, que tentou o Senado em Sergipe, Sebastião Bala Rocha (PSDB-AP), que concorreu ao Senado, e Alberto Fraga (DEM), que ficou em sexto lugar na disputa pelo governo do DF.

O deputado federal Silas Câmara (PRB) foi um dos mais votados do Amazonas.

RÉUS DA LAVA JATO ELEITOS
- Aécio Neves (PSDB-MG)
eleito deputado federal e réu em ação penal no STF

- Arthur Lira (PP-AL)
eleito deputado federal e réu em ação penal no STF

- Eduardo da Fonte (PP-PE)
eleito deputado federal e réu em ação penal no STF

- Agripino Maia (DEM-RN)
eleito deputado federal e réu em ação penal no STF

- Mário Negromonte Jr.
eleito deputado federal e réu em ação de improbidade no Paraná

- Vander Loubet
eleito deputado federal e réu em ação penal no STF

DENUNCIADOS PELA PGR ELEITOS
- Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) - Câmara

- Ciro Nogueira (PP-PI) - Senado

- Gleisi Hoffmann (PT-PR) - Câmara

- Jader Barbalho (MDB-PA) - Senado

- Odair Cunha (PT-MG) - Câmara

- Renan Calheiros (MDBL-AL) - Senado


O Globo: Nordeste resiste à onda bolsonarista e se torna último reduto da esquerda

Região elege governadores como os petistas Camilo Santana (CE) e Rui Costa (BA); Renan Filho, aliado de Lula, consegue quase 80% dos votos em Alagoas

Por Bernardo Araújo, de O Globo

RIO — Se candidatos como Wilson Witzel (PSC), que surpreendeu e obteve 40% na corrida pelo governo do Rio, e Romeu Zema (Novo), que vai para o segundo turno em Minas Gerais após conseguir 43% dos votos, surfaram na candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) à Presidência e dispararam nas urnas, contrariando as pesquisas, a guinada à direita não chegou ao Nordeste, desde o começo da campanha tido como um bastião da esquerda, onde se concentrava uma grande fatia de eleitores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de seu partido, o PT. Petistas como Camilo Santana, no Ceará, e Rui Costa, na Bahia, além de nomes de partidos mais à esquerda como Flávio Dino — o único governador do PCdoB, do Maranhão — e Paulo Câmara (PSB-PE) venceram suas eleições no primeiro turno.

Em Alagoas, o governador Renan Filho (MDB) foi reeleito no primeiro turno, com 77% dos votos, quilômetros à frente de Josan Leite (PSL), que teve 10,77%. O filho de Renan Calheiros não é um representante da esquerda, mas sua campanha foi marcada pela proximidade com as ideias do presidente Lula. Renan Filho inclusive recebeu o candidato do PT à Presidência, Fernando Haddad, que tratou de “presidente” em uma visita em setembro. Como aconteceu na maioria dos estados nordestinos, Haddad foi o mais votado em Alagoas, com 45% dos votos contra 34% de Bolsonaro.

Dos candidatos do PT, as performances mais impressionantes vieram do Ceará e da Bahia. O cearense Camilo Santana foi reeleito governador de seu estado com quase 80% dos votos, contra apenas 11% do rival mais próximo, o General Teophilo, do PSDB. A vitória foi comemorada inclusive por Ciro Gomes, candidato derrotado do PDT à presidência. Na Bahia, Rui Costa também foi reeleito no primeiro turno, com 75% dos votos válidos, contra 22% de Zé Ronaldo (Democratas). Assim, o PT manteve a cadeira de governador da Bahia, que ocupa desde 2007, com Jacques Wagner. O partido também venceu no Piauí, com Wellington Dias.


Metropóles: “Sinto ‘frustralívio", desabafa Cristovam após resultado das eleições

O senador tem planos para quando o mandato acabar: dar aulas, palestras e escrever mais

Aos 74 anos, Cristovam teve 317.778 votos, 12,6% do total, e ficou em terceiro lugar. Uma hora após o fim da apuração das urnas, o senador desabafou ao Metrópoles: “Sinto ‘frustralívio’”, disse.

Entretanto, demonstrou preocupação com o cenário político nacional. Para Cristovam, contribuíram para o resultado seu posicionamento favorável ao impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT), partido do qual fez parte, às reformas trabalhistas e da Previdência e à PEC do Teto de Gastos.

Apesar do desempenho aquém do esperado, ele afirma que faria tudo igual. “Eu estava certo e não me arrependo”, sustenta. O senador tem planos para quando o mandato acabar: não pensa em se candidatar tão cedo, quer dar aulas, palestras e escrever mais. Cristovam é autor de mais de 30 livros de economia, história, sociologia e educação.

O ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB) governou o Distrito Federal de 1995 a 1998 e perdeu as eleições seguintes para o ex-governador Joaquim Roriz, morto em 27 de setembro. Em 2002, foi eleito ao Senado, mas afastou-se temporariamente do mandato para comandar o Ministério da Educação no governo do então presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em 2006, disputou a Presidência da República pelo PDT e recebeu mais de 2,5 milhões de votos, conquistando 2,64% do eleitorado brasileiro.

Confira a entrevista de Cristovam ao Metrópoles:

Como o senhor está se sentindo? 
Estou sentindo “frustralívio”. Uma frustração de não poder continuar lutando pelo que eu venho lutando. São 109 projetos de lei que tenho no Senado, entre esses alguns marcantes, como o que federaliza a educação de base no Brasil e o que aperfeiçoa a Lei Maria da Penha, tirando os bens do agressor. Sinto também frustração de não ter sido reconhecido pelas 21 leis sancionadas de minha autoria. Ninguém sabe, mas esse número é um recorde.

Também uma preocupação de não estar presente no momento que eu acho que o Brasil vai precisar muito. Eu estou preocupado com a experiência do próximo Senado, no momento, em que teremos como presidente Bolsonaro ou Haddad em um país polarizado. Eu me destacava como senador da educação e do diálogo. Agora, não vou estar presente. Vou assistir a tudo pela TV. Isso me incomoda.

Ao mesmo tempo, tenho satisfação. Eu não me omiti. Apesar de dois mandatos, apesar de não ser jovem, fui para a rua e disse: “Gente, eu estou aqui, pronto para continuar”. Não fui eu que decidi me aposentar e ir para casa. Não fui eu. Foi a população.

Quando a gente perde, a falha é da gente. O que me tranquiliza é que eu acho que, apesar de outros erros, um erro meu foi o acerto. Eu faria tudo igual. Perdi por fazer a coisa certa"

Cristovam Buarque (PPS)

Por quê?
Porque as posições que venho tomando sempre são posições que olham o futuro do Brasil inteiro. O eleitor tem toda a razão de querer satisfazer o seu interesse pessoal e imediato. Quando votei pela reforma trabalhista, votei pelo Brasil. O Brasil precisa disso.

Quando defendi a reforma previdenciária, defendi a posição certa. A gente precisa acabar com os privilégios da Previdência. Precisamos dar sustentabilidade à Previdência, o que exige mudar a idade mínima da aposentadoria. Mas o eleitor não quer saber disso. O eleitor que saber de manter as maiores vantagens possíveis.

A PEC que limita os gastos do governo é fundamental para o Brasil funcionar bem. Eu votei certo. Mas o eleitor não gosta dessa ideia. O eleitor tem a impressão de que os recursos do governo são ilimitados. Não consegui reverter a fake news, a narrativa falsa de que a PEC 95 limita gastos da educação. Da educação, não limita. Tanto que aumentou nesses três anos. Agora, desde que tire de algum lugar.

Os meus votos, continuo achando que foram certos, mas se chocaram com os interesses e razões do eleitor. Tem mais um detalhe: uma parte do eleitorado acha que eu ainda sou do PT e não votou por isso. Eu errei em não explicitar mais o PPS na campanha.

Eu votei certo pelo impeachment [da ex-presidente Dilma Rousseff]. Eu disse muitas vezes que a presidente estava cometendo crime de responsabilidade e isso levaria ao desemprego e à inflação. Como iria votar contrário ao que eu dizia? Mas uma parte do eleitorado não gostou desse meu voto.

Tem político que ajusta o voto aos interesses que parecem ser certos para o país e ao futuro. Outros se ajustam ao número de votos que vão receber. Eu não faço isso. Então, sobre o impeachment, a PEC, a reforma trabalhista, e a discussão da Previdência, eu quero deixar claro: estava certo e não me arrependo.

Quais são os seus planos após o término do mandato?
Nunca deixei de ser professor. Vou continuar sendo professor e escrevendo. A minha saída do Senado não me deixa saudade do ponto de vista pessoal. Nem me deixa saudade a agenda. Acho destruidora para mim. Eu sou de cinco comissões e vou nas cinco. Tenho uma agenda muito tensa.

Mas, quando deixar o Senado, vou publicar mais agora. Ter uma agenda mais leve. Vou viajar com mais tranquilidade, aceitar convites. Vou ganhar dinheiro um pouquinho. Enquanto senador, não aceitei qualquer remuneração que não a do Senado e da aposentadoria. Agora, vou poder cobrar por palestra e consultoria. Vou ganhar um pouco de dinheiro para minha neta.

O senhor vai deixar a vida pública?
Não estou pensando em me candidatar agora. Nem de longe. Mas deixar a vida pública e a política, não. Vou continuar lutando pela educação. Não consigo deixar de lutar para que este país tenha educação de maior qualidade.

O senhor aceitaria um convite para assumir, por exemplo, um ministério?
Isso eu não aceito, não. Além do que, não serei convidado.

Como continuar na vida política e pública sem concorrer a um novo mandato?
Primeiro, sou escritor e professor. Além disso, tem muitas organizações não governamentais às quais eu sou ligado e que fazem grande trabalho para a educação. Tem muita forma de fazer política fora do mandato.

Com o senhor enxerga o atual cenário da disputa pela Presidência da República, com Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT)? 
Estou muito assustado. Outro ponto que me tirou o voto foi eu não ter manifestado apoio a Bolsonaro. O Rosso declarou o voto.

Por que o senhor não fez isso? 
Porque eu não vou ajudar a abrir a porta do autoritarismo e da intolerância, por mais medo que eu tenha de um governo Haddad.

O senhor vai continuar morando no Brasil após concluir o mandato?
Sim. Aliás, no mesmo apartamento que moro há 38 anos. Em novembro, eu vou à China. De repente, pode ter um convite para ficar meses dando aula.

O seu candidato ao GDF, Rogério Rosso (PSD), ficou em terceiro lugar. Ibaneis Rocha (MDB) e Rodrigo Rollemberg (PSB) estão no segundo turno. Quem o senhor vai apoiar?
Não sei ainda. Vou ter que conversar com o Rosso e com o meu partido.


Murillo de Aragão: Como reinventar o Brasil

Somente a participação vertical e continuada da sociedade servirá como vetor de inovação

A agenda de reformas está posta desde 1994. Mas avança aos soluços e ao sabor das circunstâncias e da imensa dificuldade de obter consenso. A dificuldade de reformar o Brasil decorre do fato de haver duas frentes de interesses simultâneas que lutam entre si e contra a cidadania.

Uma é a da defesa dos interesses das corporações e oligarquias, que não abrem mão de seus privilégios; é o Brasil da estabilidade trabalhista; é o Judiciário dos penduricalhos, dos incentivos e benefícios fiscais, entre muitos outros privilégios. A defesa de privilégios não tem cor ideológica e apenas uma vítima: a cidadania.

A outra frente é a tentativa de setores ditos progressistas consolidarem um regime conservador de esquerda no Brasil. Digo conservador por se ancorar em fórmulas há muito abandonadas no restante do mundo. Atuam para barrar as reformas, já que o fortalecimento das instituições e o seu melhor funcionamento são um empecilho à tomada do poder. Daí existir uma campanha quase que permanente de enfraquecimento dos Poderes e das instituições. Reformá-las é fortalecer um regime que deve ser derrubado.

A agenda, porém, está posta. A Previdência está quebrada e o sistema tributário, caótico. Como promover as reformas de que o País necessita? É preciso dizer que o Brasil é uma obra em construção que não está dando certo. Seu modelo de Estado, grande, intervencionista e estatizante, deixou de funcionar há tempos. E, ao invés de buscar a reinvenção, o Estado segue a cartilha dos puxadinhos, que resolvem temporariamente parte dos problemas e adiam o confronto final.

Apenas as crises tendem a empurrar o Brasil para o enfrentamento da agenda de reformas. E se dependemos de crises para avançar, a que temos nos dias de hoje pode ser o vetor de grandes transformações.

Um Brasil quebrado pelo regime João Goulart resultou nas reformas da dupla Otávio de Bulhões e Roberto Campos. A inflação alta gerou o Plano Real, em 1994, que, por sua vez, levou às reformas constitucionais promovidas por Fernando Henrique Cardoso. A crise de 1998 flexibilizou o delírio cambial do Real I e produziu a Lei de Responsabilidade Fiscal. Em 2003 Lula se “reinventou” e foi prudente em manter os fundamentos do Plano Real, surfando no boom da credibilidade e das commodities e deflagrando um ciclo virtuoso. O ciclo de virtudes terminou na explosão fiscal de Dilma Rousseff, que mergulhou o País, melancolicamente, na pior recessão de sua História.

Em 2014 surgiu outro vetor de reinvenção do País: a Operação Lava Jato. Com repercussões políticas, econômicas e sociais, as investigações contra a corrupção no meio político, institucional e empresarial abalaram o capitalismo tupiniquim. Com isso se aprofundou a judicialização da política, mudaram-se regras eleitorais e partidárias, fortaleceram-se as práticas do compliance. Como efeito colateral, instalou-se um ativismo judiciário que nem sempre é legal e muitas vezes é perverso.

Mais uma vez, a reinvenção do Brasil decorreu de uma crise. Paralelamente aos efeitos da Lava Jato, a implosão política da gestão Dilma provocou outro surto de “reinvenção”, com a PEC do Teto dos Gastos, a reforma do ensino médio, as novas regras do pré-sal, a Lei da Terceirização, a reforma trabalhista e a Lei das Estatais, entre outras medidas. Empurrado pela crise fiscal, o governo de Michel Temer abandonou a fórmula “samba-canção” de fazer reformas e impôs uma espécie de reformismo de alto impacto, cujo mérito ainda será reconhecido.

Refletindo sobre nossos eventos históricos, comprovamos que as reformas no Brasil, além de só se concretizarem quando empurradas por crises, são dosadas pela resistência das corporações e dos interesses específicos. O modelo tem de correr o risco de entrar em default para ser reformado. Passado o calor da crise, o ímpeto decresce e a resistência antirreformista volta a predominar. Agora, por conta de nossas fragilidades estruturais, a agenda de reformas deve prosseguir em 2019. Os vetores da renovação estão postos na coleção de desafios que temos pela frente: políticos, econômicos e sociais. O novo presidente da República e o novo Congresso Nacional vão se deparar, fatalmente, com a necessidade de continuar o processo de reformas reiniciadas.

Em considerando que a reinvenção vai continuar, temos o desafio adicional de fazer boas reformas. E em tempo hábil. Mas como fazer?

Sem a participação das lideranças verdadeiramente progressistas do País as reformas vão continuar sendo “puxadinhos”. É hora da participação efetiva, visando à construção de um sistema econômico que nunca existiu no País: livre de amarras burocráticas, com menos riscos jurídicos, com um sistema tributário justo e com distribuição de renda de forma consistente.

Não há outro caminho a não ser com a participação qualificada da sociedade civil, que deve pautar de forma assertiva o mundo político e o mundo jurídico. O debate eleitoral deixará de ser fator de adiamento das decisões e o novo governo, revigorado pela força das urnas, deverá retomar o debate inconcluído. Porém somente a participação vertical e continuada da sociedade servirá como vetor de inovação, reformismo e reinvenção. Não há outro caminho.

Após as eleições, creio eu, uma nova maioria deve ser formada a favor das reformas. Da mesma maneira que acreditei que a maioria emergiria das cinzas do governo Dilma e avançaria numa agenda relevante. Foi o que aconteceu.

A qualidade do debate será ditada pela participação das forças verdadeiramente progressistas, que desejam um País voltado para o trabalho e a produção de riquezas.

*Murillo de Aragão é advogado, mestre em ciência política e doutor em sociologia pela Universidade de Brasília (Unb), é professor adjunto da Universidade Columbia (New York)


Luiz Carlos Azedo: O xadrez do segundo turno

“O primeiro turno, se examinarmos as eleições de governadores, senadores e deputados, mostra uma realidade política mais complexa do que o antagonismo radical entre Bolsonaro e Haddad”

Confirmando as expectativas, teremos segundo turno nas eleições para presidente da República, entre Jair Bolsonaro (PSL), que larga na frente, com cerca de 46, 3% dos votos, e Fernando Haddad (PT), com 29, 2%, aproximadamente. A onda Ciro Gomes (PDT), que teve em torno de 12,5% dos votos, esperança do movimento a favor do voto útil, não se confirmou. Geraldo Alckmin (PSDB) teve pouco mais de 4,8% dos votos e Marina Silva (Rede), completamente desidratada, apenas 1% dos votos — atrás de João Amoedo (Novo), com 2,5%; Cabo Daciolo (Patriotas), 1,2%; e Henrique Meirelles, 1,2%.

O realinhamento de forças políticas será importante no segundo turno. Parcela considerável do eleitorado, porém, se deslocará antecipadamente, o que deverá fazer com que Bolsonaro comece o segundo turno com mais de 50% dos votos válidos nas pesquisas. É uma conta simples de ser feita: a maioria dos votos de Amoedo, Daciolo e Meirelles, que somam em torno de 5%, tende a se transferir para o candidato do PSL, que precisaria de mais 4% dos votos válidos para vencer o pleito; Haddad, em contrapartida, mesmo com a maioria dos votos de Ciro e Marina, que somam 13,5%, alcançaria no máximo 42% dos votos. Ou seja, por gravidade, Bolsonaro derrotaria Haddad no segundo turno.

Entretanto, como já se viu várias vezes, teremos uma nova eleição. Haverá debate político entre os dois candidatos, que continuarão se digladiando no horário eleitoral gratuito e nas redes sociais. Bolsonaro, desta vez, terá paridade de meios para a propaganda no rádio e na tevê. A rigor, não precisará de um grande esforço em direção ao centro para vencer as eleições, porque já capturou uma parte desse eleitorado. Seu discurso politicamente incorreto, que aparentemente é seu ponto fraco, não foi empecilho ao seu desempenho no primeiro turno; porém, pode levá-lo a perder os votos transferidos por gravidade.

A situação de Haddad é mais complexa. Chegou ao segundo turno graças ao carisma de Lula, que abduziu sua identidade, mas isso lhe trouxe também a grande rejeição antipetista. O discurso de quem põe a soberania nacional e a soberania popular acima de tudo é envelhecido, passa a ideia de dubiedade quanto ao compromisso com as instituições democráticas e uma visão nacional desenvolvimentista ultrapassada, que dificulta suas alianças. A sua soberba também pode pôr tudo a perder, porque precisa conquistar mais de 21% dos votos válidos para ganhar as eleições. Os votos da esquerda não chegam a tanto. Os 4,8% que ficaram até o fim com Geraldo Alckmin, por exemplo, podem fazer a diferença.

Num artigo intitulado “Ao vencedor, as batatas”, publicado ontem no jornal O Estado de São Paulo, o cientista político Luiz Werneck Viana adverte: “O artifício de negar a identidade ao centro político, de existência comprovada empiricamente em nossa sociedade há décadas, não tem como resistir ao império dos fatos. A iminência de um segundo turno eleitoral nos devolve, em clima de pânico, com o tempo fugindo das mãos, a busca pelo centro perdido. Sem ele, como vencer as eleições, pior, como governar? Com Haddad teremos o indulto de Lula e a convocação de uma Assembleia Constituinte? Faltaria combinar com os russos, que, aliás, são muitos. Que economia nos espera com Bolsonaro, a do Pinochet, neoliberalismo com fuzis?”

Governadores

“O centro político, banido do salão, volta com força por todas as janelas”, ironiza Werneck. Na verdade, quem quiser vencer o segundo turno terá que encontrar uma linha de ação compatível com o novo Congresso, já eleito e mais conservador (destaque para o strike ocorrido no Senado), e com os governadores já eleitos ou que disputam o segundo turno. Há um jogo a ser jogado nas disputas regionais: São Paulo, Minas, Rio de Janeiro, Brasília, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Roraima, Rondônia, Amapá, Amazonas, Pará, Rio Grande do Norte e Sergipe terão segundo turno para escolher seus governadores. É um campeonato de xadrez político que Bolsonaro e Haddad terão de jogar, pois são essas alianças que podem mudar a deriva natural dos eleitores.

A radicalização política esquerda versus direita continuará a dividir o país, mas será mitigada pelas alianças ao centro. Vencerá quem compreender a necessidade de construir uma ampla maioria em torno de um projeto exequível para o país, nos marcos das instituições democráticas. Quem insistir na lógica da confrontação, num processo de desestabilização da democracia, se arrisca a perder as eleições, porque há uma forte consciência democrática na maioria da sociedade. O resultado das urnas no primeiro turno, se examinarmos as eleições de governadores, senadores e deputados, mostra uma realidade política mais complexa do que o antagonismo radical entre Bolsonaro e Haddad.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-xadrez-do-segundo-turno/


El País: Onda conservadora leva Bolsonaro fortalecido para embate final contra PT

Candidato de extrema-direita teve 46,7% dos votos contra 28,3% do petista e entra com ampla vantagem no segundo turno para se tornar o próximo presidente do Brasil

Por Carla Jiménez, do El País

O Brasil fecha o primeiro turno das eleições de 2018 com a polarização aguda entre o candidato de extrema direita Jair Bolsonaro, em franca vantagem com 46,7% dos votos válidos, e o petista Fernando Haddad, com 28,3%, que defende o legado do ex-presidente Lula. É água e óleo no Brasil de hoje. Fácil esperar sobressaltos até o próximo dia 27, quando o país viverá o segundo turno e definirá o 41 presidente da República depois de uma das eleições mais emocionantes da história democrática. Ciro Gomes, do PDT, ficou em um honroso terceiro com 12,5%, à frente do governador licenciado de São Paulo, Geraldo Alckmin, que fechou esta eleição com 4,8% das votos e personifica a derrota fragorosa de seu partido. Marina Silva, que prometia desempenho de outrora, saiu com mirrados 2%.

Bolsonaro pai, parlamentar do chamado baixo claro da Câmara, pavimenta assim seu caminho para a presidência da República numa jornada avassaladora e surpreendente, onde até uma tragédia durante a campanha eleitoral virou golpe de sorte para o candidato. Um militante contrário ao seu nome se infiltrou entre a multidão que ovacionava o candidato em Juiz de Fora (MG) e o atacou com uma faca no dia 6 de setembro. O atentado, que atingiu o intestino de Bolsonaro, quase lhe custou a vida. Ficou internado por 23 dias, boa parte do tempo na UTI. Mesmo fragilizado, gravou vídeos para a sua campanha de dentro do hospital, e manteve a comunicação unidirecional pelas redes sociais com seus seguidores. Tirou partido como nunca da comunicação por Whastapp, fonte de informação de quase 70% de seus eleitores, que alimenta diariamente seus seguidores com centenas de notícias a favor do candidato e contra seus adversários. Foi para eles que Bolsonaro concedeu as primeiras declarações depois de saber que estava no segundo turno, por meio de uma Live no Facebook.

Havia a expectativa de uma coletiva do candidato no Rio, convocada pelo PSL.  Os jornalistas foram submetidos a duas revistas e tiveram todas as bolsas e equipamentos longamente revistados para entrar no hotel Windsor da Barra, onde o encontro com o presidenciável estava marcado. Mas lá estava Bolsonaro anunciando aos milhões de eleitores que estava pronto para vencer via conversa pelo Facebook, a despeito da expectativa do presidente do partido, Gustavo Bebbiano, de que ele iria aparecer para falar com a imprensa. “Temos como mudar destino do Brasil. Não podemos flertar com socialismo ou comunismo”, disse ele, que fez uma série de promessas aos seus seguidores no Facebook.

Seus planos ainda precisarão ser detalhados nesta segunda etapa da campanha. O acidente o obrigou a ficar fora dos debates, o que evitou o confronto direto com seus competidores e o poupou do questionamento de suas posições mais polêmicas, seja em relação a minorias, seja sobre as suas propostas para a economia, saúde e educação. Acabou ganhando exposição gratuita na mídia a cada boletim médico, e apareceu mais humanizado diante dos eleitores. Foi ganhando apoios públicos de políticos, empresários e de pastores evangélicos, como Edir Macedo, dono da Record, que lhe deu de presente uma entrevista de 30 minutos, exibida durante o último debate da rede Globo. Ali, apareceu em sua casa, atendido por um enfermeiro, e até com sua bolsa intestinal que precisou adotar depois do atentado. Uma imagem que suspendeu a fama de agressivo e violento que seus adversários tentaram colar nele durante toda a campanha.

Poucos dias antes da facada em Juiz de Fora, Bolsonaro havia chocado o país ao sugerir “fuzilar a petralhada” em um comício em Rio Branco, capital do Acre, e ao ensinar crianças a fazer o gesto de uma arma nas mãos. Até virar candidato oficialmente, soube fazer fama com seus comentários politicamente incorretos, e seu desprezo pela esquerda. Subiu nas pesquisas fomentando o antipetismo, e jogando bombas desestabilizadoras, como as suspeitas levantadas para as urnas eletrônicas – sem provas —, ou a ameaça de que não reconheceria o resultado se não fosse ele o vitorioso. Voltou atrás nesta última, mas o boato sobre as urnas foram fermentadas nas redes pelos seus filhos e amplificadas por seus seguidores.

Nesta segunda etapa, terá o mesmo tempo de propaganda que Haddad, e o candidato vai precisar vestir o uniforme de paz e amor para blindar sua votação e evitar que os votos dos adversários derrotados migrem para Haddad.

Já o petista deve encarar uma batalha de Sansão contra Golias, num dos contextos mais arriscados e desfavoráveis que seu partido já experimentou. Entrou na campanha oficialmente no dia 11 de setembro no lugar do ex-presidente Lula, preso desde abril em Curitiba. Até então, era Lula o candidato oficial do PT registrado no Tribunal Superior Eleitoral no dia 15 de agosto. Liderava as pesquisas eleitorais com quase 40% dos votos, mostrando que seu eleitorado estava mais órfão do que nunca diante de um quadro de economia arrochada para garantir o ajuste fiscal. No início de setembro, o tribunal barrou sua candidatura e Haddad assumiu a cabeça de chapa com Manuela D'Ávila (PCdoB) como vice.

Tem a seu favor um Nordeste fiel que reelegeu governadores petistas já no primeiro turno, como é o caso do Ceará, com Camilo Santana (79,5% dos votos), e da Bahia, com Rui Costa (75,9%). A memória do lulismo garantiu a Haddad uma transferência de votos em três semanas que o levou ao segundo turno. Passou de minguados 6% para 22% na reta final. Deve contar com o apoio de Ciro Gomes que logo após o resultado oficial, disse que tomaria suas posições logo, e não trairia sua história de luta pela defesa da democracia e contra o fascismo. “Só posso dizer que ele, não”, ironizou Ciro, em referência a Bolsonaro. “Queremos unir os democratas do Brasil, os que têm atenção aos mais pobres”, sinalizou.

Nos próximos vinte dias da campanha o tabuleiro no Brasil não colocará apenas um candidato contra o outro. Vai testar a união dos partidos de esquerda, mais progressistas, e a força da onda conservadora puxada por Bolsonaro que se alimentou até aqui pelo ódio ao PT. Agora, será a hora da verdade, onde os dois candidatos serão cobrados a dizer a que vieram e se vão resistir aos limites democráticos que o país vêm construindo há 30 anos.  Ambos têm rejeição altíssima, e será um teste definitivo para saber quem terá capacidade de desarmar a bomba relógio que se instalou no país na guerra surda que a política embalou nos últimos anos. [Colaborou Felipe Betim]


Folha de S. Paulo: São Paulo elege palhaço, general, príncipe e ator pornô

Filho de Bolsonaro é o campeão de votos

Por Fábio Fabrini, Camila Mattoso e Ranier Bragon

A galeria de eleitos para integrar a bancada paulista na Câmara dos Deputados tem general, palhaço, príncipe e astro de filme pornô. Os novos deputados assumem em fevereiro para mandatos de quatro anos.

Num discurso em dezembro de 2017, o comediante Tiririca (PR) avisou que não tentaria a reeleição, se dizendo “decepcionado com a política”, mas recuou da decisão e conseguiu se manter no Legislativo.

Teve votos de sobra para se reeleger (445 mil), o quinto mais votado, mas bem menos do que obteve em 2014 (1 milhão). Nas últimas eleições, a votação foi suficiente para carregar para a Câmara outros candidatos, de desempenho pior, o que inspirou o que se chama hoje de “efeito Tiririca”.

Ele é conhecido por se envolver em polêmicas. Em 2015, foi acusado de fazer apologia ao estupro. Num programa de TV, o “Agora é Tarde”, relatou ter feito sexo com uma mulher desacordada.

Depois que fez cenas com a ex-chacrete Rita Cadilac, afirmou ter sido como “transar com a avó”.

Num vídeo, em tom descontraído, Bolsonaro chegou a sugerir Frota para ministro da Cultura em seu eventual governo. Com a repercussão da declaração, ele explicou que isso não acontecerá até porque pretende extinguir a pasta.

Cogitado para vice na chapa do presidenciável do PSL, Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL), descendente da família real brasileira, acabou não emplacando na vaga, mas concorreu a uma cadeira na Câmara e teve sucesso, com 116 mil votos.

Conhecido como “príncipe”, ele é trineto da Princesa Isabel, tetraneto de dom Pedro 2º e hexaneto de dom João 6º.

Outro eleito, também do partido de Bolsonaro, o general Sebastião Peternelli também vai integrar a bancada paulista. Teve 73 mil votos.

Indicado para presidir a Funai (Fundação Nacional do Índio), ele acabou sendo desconvidado após protestos de movimentos indígenas.

Em uma página na internet, em março de 2016, homenageou o golpe militar de 1964: "52 anos em que o Brasil foi livre do maldito comunismo. Viva nossos bravos militares! O Brasil nunca vai ser comunista", diz a postagem, compartilhada por 750 internautas.

O campeão de votos em São Paulo foi Eduardo Bolsonaro (PSL), filho do candidato à Presidência. Ele teve 1,8 milhão de votos.

Em segundo lugar, também do mesmo partido, aparece Joice Hasselmann, com 1 milhão de votos.

Líder do MBL (Movimento Brasil Livre), Kim Kataguiri foi o quarto mais votado, com 465 mil votos, atrás de Celso Russomano, o terceiro do ranking, com 521 mil.

 

CELEBRIDADES ELEITAS NO PAÍS
Candidatos que já eram conhecidos antes de entrar na política e conseguiram votações expressivas nestas eleições

Leila do Vôlei (PSB-DF)
Bronze em Atlanta-1996 e Sydney-2000, foi a senadora mais votada do Distrito Federal, com 18% dos votos

Tiririca (PR-SP)
O palhaço voltou a ter boa votação para deputado federal e conseguiu sua reeleição com cerca de 445 mil voto

Joice Hasselmann (PSL-SP)
A jornalista se candidatou pelo partido de Bolsonaro, conseguiu mais de 1 milhão de votos chegou à Câmara

Alexandre Frota (PSL-SP)
O ator superou a marca 152 mil votos e se elegeu deputado federal pelo partido de Jair Bolsonaro

Celso Russomanno (PRB-SP)
Mais votado em 2014, não teve o mesmo sucesso. Mesmo assim, com cerca de 513 mil votos, se reelegeu

OUTROS DESTAQUES
Nomes conhecidos da política nacional e candidatos que surpreenderam no pleito de domingo

Policial Katia Sastre (PR-SP)
PM conhecida por matar assaltante na porta de escola se elegeu para a Câmara com mais de 260 mil votos

Kim Kataguiri (DEM-SP)
Candidato a deputado federal, o líder do MBL conseguiu se eleger com mais de 450 mil votos

Gleisi Hoffmann (PT-PR)
Senadora e presidente do PT, ela foi a terceira candidata mais votada para a Câmara no Paraná, com 212 mil votos

Magno Malta (PR-ES)
Um dos principais apoiadores de Bolsonaro, não conseguiu se reeleger no Senado. Ficou em 3º, com 17% dos votos

Levy Fidelix (PRTB-SP)
Outro grande apoiador de Bolsonaro, teve 31 mil votos ficou longe da vaga na Câmara dos Deputados


Ana Dubeux : Democracia, sim. Ditadura, nunca

Não se espera pela paz, constrói-se a paz. Dia a dia, passo a passo. A cada pequeno gesto de solidariedade e de gentileza, a cada olhar em direção ao outro, a cada vez que o silêncio permite a reflexão, a cada recuo no ímpeto de agredir e maltratar quem está perto. Da mesma forma, a democracia é feita tijolo por tijolo — ou, para entrar de cara no nosso tema, diria: voto a voto.

Nesta semana, os 30 anos da Constituição que marcou o fim de duas décadas de ditadura nos lembraram o quanto foi longa a caminhada até aqui. Não dá para jogar os dados e arriscar pisar naquele quadradinho que diz: “volte tantas casas para trás” ou “fique uma rodada sem jogar”. Só tem um jeito de o Brasil vencer: manter as conquistas já garantidas e avançar. Nossa única arma é voto, a bala de prata de trajetória certeira. Não dá para errar a pontaria desta vez.

Aqui e ali, surgem os rumores de reforma geral da Constituição. Lá e acolá, rufam os tambores que anunciam salvadores da pátria perdida, como se perdidos estivéssemos. O Brasil vive uma crise, sim. Econômica, política e ética. Partidos dilacerados, corrupção para todos os lados, desalento da população e uma perigosa polarização do “não”.

Em vez de escolhermos quem queremos ver comandando o país e representando nossa voz nas decisões executivas e legislativas, estamos apontando para quem não queremos ver nessas posições. O tal voto útil é uma espécie de fogo amigo, que atenta contra a sua própria vontade, embora não deixe de ser uma estratégia compreensível neste momento. Não somos mais fulano ou cicrano, somos “anti”a este ou aquele.

Mas todo labirinto tem saída. Encontrá-la é questão de paciência e jogadas certas. Simplesmente voltar para a porta de entrada é inadmissível. Sei que parecemos desorientados, mas já estivemos em condições piores. Há muito pouco tempo, habitamos o escuro. Nos porões da ditadura, pessoas foram silenciadas, torturadas e mortas.

Não reconhecer o quanto esse tempo foi nefasto é um erro grave e recorrente no Brasil. Boa parte da população não faz ideia dos horrores que ocorreram em nome da ordem, dos bons costumes, da família. É preciso olhar para a história, reconhecê-la e entender que retroceder em relação à democracia terá um preço altíssimo para o país. É hoje, Brasil! A luz de alerta máximo está acesa. Toda atenção é pouca.