Eleições

Mauricio Huertas: Uma oposição responsável contra Haddad e Bolsonaro

Não é à toa que o PT de Lula e Haddad e o PSL de Jair Bolsonaro são os campeões de votos nesse polarizado 2018, tanto ao levar seus candidatos majoritários ao 2º turno das eleições presidenciais quanto ao fazer de suas bancadas as maiores da Câmara dos Deputados e, por exemplo, da Assembleia Legislativa de São Paulo, para citar pelo simbolismo.

Venceu com larga vantagem o discurso do "nós" x "eles", o radicalismo, o ódio, o preconceito e o revanchismo. Perdemos todos os outros - e, que fique claro se ainda não caiu a ficha nessa ressaca eleitoral, somos minoritários.

Mais de 80 milhões de brasileiros, ou 75% dos votos válidos, optaram nas urnas por Bolsonaro ou por Haddad neste emblemático 7 de outubro. Ao acentuar, aparentemente, as diferenças entre esses dois campos opostos da política, fica subjacente no resultado dessas eleições uma contradição essencial: a irmandade siamesa do lulismo e do bolsonarismo, variantes à esquerda e à direita de um populismo rançoso e do descrédito da maioria do eleitorado na política tradicional.

Em cenário de terra arrasada, vencem os mais adorados e consequentemente os mais rejeitados por um lado e pelo outro. O chamado "centro democrático", ou como queiram denominar as lideranças e os partidos que tentaram se afastar destes dois polos extremados, foram aniquilados neste 1º turno. O eleitor simplesmente não desejava razão, moderação, equilíbrio. Ao contrário, o espírito é de guerra!

A polarização vai se acentuar perigosamente neste 2º turno e no futuro governo, ganhe quem ganhar. A divisão partidária, ideológica e até geográfica, marcadamente do Nordeste como resistência do petismo contra o resto do Brasil "endireitado", vai fazer proliferar atos de preconceito, racismo e intolerância. Imagine-se então o comportamento do futuro Congresso Nacional, amplamente dominado por uma base conservadora (vide o crescimento das bancadas evangélica, da bala e ruralista) e notadamente fisiológica, com raras e honrosas exceções, diante de um governo Haddad ou Bolsonaro.

Certamente o resultado das urnas será questionado pelo lado derrotado. Se não houver autoridade, responsabilidade e competência para acalmar os ânimos e convencer a sociedade da tranquilidade republicana e da normalidade democrática, seja quem for o eleito, o clima de ódio e insatisfação pode crescer nos meses seguintes até a posse do futuro presidente e gerar alguma turbulência institucional.

Os primeiros atos do novo governo também serão importantes para sinalizar que Brasil podemos esperar pelos próximos anos. Diante do nosso histórico recente, é difícil acreditar num quadro pacificado e civilizado na relação entre os poderes. Daí a nossa importância, os derrotados neste 1º turno das eleições, para ajudar a garantir o pleno funcionamento do Estado democrático de direito, fundamentalmente o respeito das liberdades civis e das garantias fundamentais da cidadania.

Não é que exista alguma ameaça concreta e objetiva à nossa ainda jovem estabilidade democrática e constitucional, mas para que nenhum lunático ou mal intencionado ouse pensar algo do tipo, e para afastarmos definitivamente qualquer fantasma autoritário, é que precisa ser formado um bloco oposicionista responsável, suprapartidário e qualificado com lideranças da sociedade reunidas em torno de conceitos e princípios inabaláveis, que tenha força e resistência suficientes para ser um ponto de equilíbrio sustentável e que não vergue com o vento que sopra à direita ou à esquerda.

* Mauricio Huertas, jornalista, é secretário de Comunicação do PPS/SP, diretor executivo da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), líder RAPS (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade), editor do Blog do PPS e apresentador do #ProgramaDiferente


Ricardo Noblat: A conversão de Bolsonaro à democracia

O que a barbárie produz

Jair Bolsonaro (PSL) prometeu respeitar a Constituição caso se eleja presidente da República. Fernando Haddad (PT), também.

O vice de Bolsonaro, o general Hamilton Mourão, disse que uma nova Constituição poderia ser escrita por um grupo de sábios.

Consta do programa de governo do PT a convocação de uma Assembleia Constituinte para a redação de uma nova Constituição.

Bolsonaro desautorizou Mourão. “Ele é general, eu sou o capitão, mas eu sou o presidente”, afirmou. O capitão bateu duro no general.

Haddad anunciou que o PT desistiu da ideia de reformar a Constituição por meio de uma assembleia. O Congresso será o único meio.

Vez por outra o PT vê-se tentado a conspirar contra a democracia tal qual a conhecemos, mas nunca de fato cedeu à tentação. Sempre segurou seus radicais.

Bolsonaro conspira contra a democracia desde que trocou a farda de capitão pelo terno de deputado Seu vice a paisano parece uma dama se comparado a ele.

Não basta a Bolsonaro dar por não dito o que sempre disse. Seu discurso belicoso despertou os instintos primitivos de muita gente que votou nele e que votará.

Se quer que se acredite em sua conversão recente à democracia poderia começar ensinando aos seus que não se trata adversários como inimigos fossem.

Sequer a campanha eleitoral foi reiniciada e já se multiplicam os episódios de agressões de partidários de Bolsonaro aos que não pensam como eles.

Barbárie só produz barbárie.


Bruno Boghossian: Terremoto nas urnas ainda terá abalos secundários sobre partidos

Com caciques fracos, votação de projetos pode ter negociação custosa no varejo

O terremoto que derrubou velhos políticos e provocou uma redistribuição de forças no Congresso no domingo ainda deve produzir abalos secundários. O poder de caciques, líderes e partidos ficou abalado. A lógica das futuras campanhas eleitorais e da composição de governos será posta à prova.

A estrutura das siglas, a hierarquia e a disciplina se tornaram acessórios nessa disputa. Jair Bolsonaro (PSL) se lançou à Presidência por uma legenda nanica e conseguiu 49 milhões de votos. Em muitos estados, candidatos esnobaram orientações de dirigentes e fizeram campanha com rivais de seus próprios partidos.

Deputados e senadores alinhados com os ideais de uma sigla sempre foram exceções. Ainda assim, as legendas conseguiam garantir a fidelidade de seus quadros com a distribuição de algumas recompensas, como cargos em governos e na estrutura partidária, além do financiamento de suas eleições.

Desta vez, o dinheiro das legendas valeu menos para as campanhas dos candidatos do que as ondas provocadas por figuras como Bolsonaro e Lula. Alguns deputados eleitos pelo PSL mal devem conhecer os integrantes do comando da sigla.

O próximo governo precisará formar maioria em um Legislativo composto por muitos políticos que estão filiados a suas legendas por mera formalidade. O intrépido Kim Kataguiri, recém-eleito deputado pelo DEM, ignorou sua legenda para se lançar à presidência da Câmara. “Não preciso da autorização de ninguém. Meu partido é o MBL”, disse.

Como a influência de líderes sobre as bancadas deve diminuir, a aprovação de projetos dependerá de negociações custosas no varejo, um a um. Na melhor hipótese, parlamentares poderiam cruzar fronteiras partidárias para votar em bloco alguns temas, mas se dispersariam depois.

Por maior que seja o desgaste das siglas, elas dão ao eleitor alguns atalhos para identificar políticos que falam sua língua. Com a degradação dessas estruturas, pode ser difícil encontrar uma mensagem no vozerio.


Folha de S. Paulo: Bolsonaro já busca executivos do setor privado para governo e estatais

Lista inclui conselheiros de Paulo Guedes que atuam em bancos, teles e gestoras de investimento

Mariana Carneiro e Julio Wiziack, da Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A equipe de Jair Bolsonaro (PSL) está reunindo apoio do setor privado para levar executivos ao governo, caso o capitão reformado vença o segundo turno da eleição presidencial, no dia 28 deste mês.

São pessoas que aconselharam o economista do candidato, Paulo Guedes, e as equipes do presidenciável nos últimos meses, e por isso sua participação no governo passou a ser discutida.

Fazem parte da lista Alexandre Bettamio, presidente-executivo para a América Latina do Bank of America, João Cox, presidente do conselho de administração da TIM, e Sergio Eraldo de Salles Pinto, da Bozano Investimentos (gestora de investimentos presidida por Guedes).

Para integrantes da campanha de Bolsonaro, Bettamio poderia assumir a presidência do Banco do Brasil, dada sua experiência no setor bancário. O executivo mora atualmente em Nova York.

Os demais poderiam ocupar postos-chave, mas isso ainda não está definido. Convites formais só devem ocorrer após a eleição.

Do setor financeiro, há outros "paraquedistas" —como estão sendo chamados esses executivos nos bastidores— sendo aguardados: Maria Silvia Bastos Marques, presidente-executivo da Goldman Sachs no Brasil e ex-presidente do BNDES, e Roberto Campos Neto, diretor do Santander e neto do renomado economista liberal.

A entrada dele no time é tratada como o símbolo da chegada dos chamados liberais autênticos ao poder e por isso passou a ser considerada como bastante provável entre apoiadores paulistas de Bolsonaro.

Por sua experiência, Roberto Campos Neto poderia eventualmente assumir o Banco Central, caso a primeira opção, Ilan Goldfajn, não queira permanecer no cargo.

Conforme mostrou a Folha, o atual presidente do BC é cotado para ficar e, em conversas reservas, Guedes já teria demonstrado o interesse em mantê-lo no cargo.

Mas Goldfajn é ligado ao PSDB, colaborou com Arminio Fraga na campanha de Aécio Neves em 2014 e pode optar por deixar o BC.

Os executivos "paraquedistas" teriam como missão desembarcar no governo trazendo a experiência que adquiriram no setor privado, uma vez que o partido de Bolsonaro, o PSL, não tem quadros técnicos para ocupar as vagas que serão abertas na Esplanada dos Ministérios, estatais federais e autarquias.

Embora ganhem muito mais na iniciativa privada, os executivos estariam dispostos a ir para o governo como forma de colaborar com a agenda liberal comandada por Guedes, segundo colaboradores de Bolsonaro.

Um dos argumentos usados para atraí-los é a garantia de que poderão trabalhar sem interferência política.

O time do setor privado é composto ainda por Fábio Abraão, da gestora de investimentos carioca Infra Partners, especialista em logística e infraestrutura, e por Roberto Castello Branco, ex-executivo da Vale e hoje na FGV, que traria a sua experiência no setor de mineração e de óleo e gás.

Outros nomes desembarcam de candidaturas rivais no primeiro turno, como Salim Mattar, dono da Localiza e amigo de Guedes há mais de 20 anos.

Mattar apoiava o Partido Novo no primeiro turno e poderia assumir a gestão de uma estatal caso Bolsonaro viesse a ser eleito e Guedes ascendesse a ministro da Economia, como planejado.

Outro do Novo que pode ser convidado a embarcar em um governo Bolsonaro é Eduardo Mufarej, ex-sócio da gestora de investimentos Tarpon e hoje integrante do RenovaBR, de formação de novos quadros na política.

Nesta eleição, o Renova elegeu 120 deputados.

Os aliados de Bolsonaro evitam falar quais cargos esses executivos poderiam ocupar, usando uma metáfora esportiva. Eles dizem que estão formando um time de basquete, em que todos atacam e defendem, e não de futebol, no qual cada um tem uma posição predefinida em campo.

Matar disse à Folha que Guedes é bem relacionado na comunidade econômica e empresarial, dada sua atuação no mercado financeiro como investidor de empresas em fase de crescimento.

Os principais fundos de investimento da Bozano são de private equity e venture capital (que aplicam em empresas que captam recursos para expandir e eventualmente chegar à Bolsa). A gestora administra um patrimônio de quase R$ 3 bilhões.

"Paulo é uma pessoa que trabalha em equipe, é cobrador de resultados e está procurando gente que teve sucesso da iniciativa privada para compor o governo", afirmou.

Mattar disse que os colaboradores são atraídos principalmente pela "agenda disruptiva" oferecida por Bolsonaro e Guedes, que prometem aos interlocutores fazer uma gestão técnica e apartada dos políticos, diferente daquela empregada pelos partidos que ocuparam a Presidência.

"Nem sei se vou para o governo, não recebi o convite e não parei para pensar nisso, mas estou colaborando", disse Mattar.

O empresário afirmou que pretende ainda entregar a Guedes uma lista com dezenas de nomes que poderiam ocupar vagas no segundo e terceiro escalão do governo, caso seja necessário.

"Há muitas pessoas que têm capacidade de trabalhar no governo e e gostariam de contribuir."

Segundo aliados de Bolsonaro, Guedes também poderá aproveitar integrantes da atual equipe econômica, caso eles queiram permanecer nos cargos.

O economista participou de algumas reuniões em Brasília nos últimos meses para tomar pé da situação econômica e se preparar para uma eventual transição.

Nesses encontros, ele ficou próximo de Marcos Mendes e de Mansueto Almeida, do Ministério da Fazenda. Mendes é o chefe da assessoria especial da pasta. Almeida é o atual secretário do Tesouro.

No primeiro turno, Bolsonaro obteve 46,03% dos votos válidos, e Fernando Haddad (PT), 29,28%.


Bernardo Mello Franco: "Nenhum dos candidatos agrada, mas Bolsonaro está excluído", diz FHC

"Nenhum dos dois é do meu agrado, mas o Bolsonaro está excluído. Não tem sentido", afirmou ao blog.

"O Bolsonaro não tem jeito. É uma folha seca que vai com o vento. E a ventania está forte", acrescentou.

FH é avesso ao discurso autoritário do capitão, que já defendeu seu fuzilamento em 1999. Na campanha, ele se irritou com ideias como a convocação de uma Assembleia Constituinte de notáveis e o aumento do número de vagas no Supermo Tribunal Federal.

"Sou completamente contra tudo isso", disse o tucano.

O ex-presidente deixou claro que não seguirá os colegas de PSDB que têm se aproximado de Bolsonaro. O candidato do partido ao governo paulista, João Doria, já declarou apoio ao capitão.

"Eu não acompanho, né? O PSDB teve um candidato que perdeu a eleição. Agora o partido precisa se reunir para conversar. As pessoas começam a falar antes da hora? Eu tenho um defeito: sou institucional", disse.

HADDAD

FH ainda não decidiu se vai ficar neutro ou declarar apoio a Fernando Haddad.

"O PT levou o Brasil ao buraco econômico. O Haddad começou a campanha vestindo a máscara do Lula", criticou.

"Quem ganhou a eleição tem que dizer o que vai fazer com o país. Por que eu vou sair correndo para apoiá-lo? Vou esperar", disse.

O tucano criticou o apoio dos petistas ao governo da Venezuela. Ele ressaltou, no entanto, que não vê risco de o partido seguir a receita de Nicolás Maduro.

"Há exagero em afirmar que o PT vai transformar o Brasil na Venezuela. Não tenho esse catastrofismo", disse.

Até aqui, os petistas não procuraram FH em busca de apoio. "O pessoal do PT é bastante nariz para cima", comentou o ex-presidente.


Cora Rónai: A voz do povo é a da internet

Resultados do 1º turno mostram que políticos e partidos tradicionais terão que se reinventar

Pouco antes do começo do horário eleitoral, escrevi que, para além da óbvia disputa partidária, estávamos diante de um outro embate da maior importância: o da mídia tradicional contra a internet. Hoje não sei se "embate" é a palavra certa, porque não houve propriamente uma disputa - estamos falando, na verdade, de uma mudança de paradigma irreversível, de uma nova etapa na história da comunicação.

Diante dos resultados de domingo, resta pouca dúvida de que, hoje, a internet é a maior ferramenta eleitoral. Geraldo Alckmin, que tinha um latifúndio de espaço em rádio e TV, e uma das maiores máquinas eleitorais do país, não conseguiu 5% dos votos, ao passo que Jair Bolsonaro, com espaço minúsculo nas mídias tradicionais, quase leva a presidência de primeira, surfando nas redes sociais.

João Amoêdo, desconhecido do público, ausente dos debates, dono de míseros segundos de propaganda eleitoral, conseguiu ultrapassar nomes populares como Marina e Álvaro Dias na reta final, além de Henrique Meirelles, que só perdia em tempo de mídias tradicionais para Alckmin e Haddad.O fenômeno se repetiu, em maior ou menor grau, nas corridas para governador, senador, deputados. A maior surpresa aconteceu no Rio, onde um Wilson Witzel, ignorado pelas pesquisas, mas fortíssimo nos grupos de WhatsApp, foi vitorioso para o segundo turno.

Vai ser interessante observar os desdobramentos desses resultados. O grande motor das coligações espúrias, o tempo de televisão para a campanha, deixa de existir. Os partidos e políticos tradicionais vão ter que se reinventar, e começar a frequentar a internet, se quiserem se comunicar com o eleitor e se manter relevantes.

Com o fim da era da política em televisão e rádio chega ao fim também a era dos marqueteiros bilionários. Eles dão lugar ao pessoal que entende de redes sociais, que almoça e janta dados e se comunica por memes, e ao próprio eleitor, que nunca teve ferramentas tão poderosas ao seu alcance.Facebook e WhatsApp foram os canais preponderantes nessas eleições.

Há muito barulho sendo feito na mídia por conta de fake news mas, pessoalmente, continuo não acreditando que tenham a imensa importância que lhes é atribuída. Elas apenas reforçam o que as pessoas querem ouvir e, no fundo, não têm tanta diferença dos discursos e das promessas dos candidatos, fakes em sua essência desde que o atual sistema político foi implantado.

O que foi a apresentação de Dilma Rousseff ao eleitorado como uma gerente de inquestionável competência se não uma fake news descomunal? A diferença é que, para vender essa ideia, foram gastos R$ 1,4 bilhão, e a embalagem do produto foi feita de acordo com os cânones do marketing convencional, com seu viés de propaganda de margarina.

Dinheiro e poder pré-estabelecido deixam de ser determinantes na campanha, como prova a fragmentação inédita da Câmara. O eleitor tem uma força individual que nunca teve: ele pode influenciar parentes e amigos muito além da mesa de jantar ou dos encontros no botequim da esquina. Estamos diante de um fenômeno desconhecido, mas profundamente democrático.O risco é descobrir que a voz do povo não é a voz de Deus - ou que as intenções de Deus não são exatamente aquelas que esperávamos.


Marco Aurélio Nogueira: O vendaval conservador

A pregação bolsonariana soube explorar e manipular as vertentes que agitaram os rios subterrâneos da sociedade, extraindo disso o efeito político-eleitoral de que necessitava

A constatação já foi feita por todos os observadores. Resta agora buscar as razões.

Independente do que acontecer no segundo turno, o Brasil infletiu para a direita nas eleições de 2018. Não necessariamente para a extrema-direita, mas seguramente para um polo hostil à esquerda.

Foi um vendaval, que varreu o País de cima a baixo e empurrou o PT para seu nicho mais tradicional, o Nordeste, onde se manteve firme e forte, mas numa dimensão incômoda para um partido que se quer de esquerda. O eleitor petista da região não é ideológico, não é de esquerda nem tipicamente “democrático e racional”: orienta-se pelos hábitos do coração, pelo agradecimento. Lula é seu farol, não o PT. O resto do apoio vem por força da ação dos políticos tradicionais, dos grandes caciques e das famílias poderosas, com suas coligações.

Bolsonaro foi impulsionado por um tipo de conservadorismo curioso: parte de seus votos veio de pessoas interessadas em “mudar o que está aí”. Houve votos ideológicos, de extrema-direita, fanatizados, evidentemente, mas não há como saber em que proporção. Não foram votos “fascistas”. Parcela da votação obtida foi composta por pessoas que optaram por viver o paradoxo de mudar para experimentar uma conservação. O antipetismo foi o ingrediente que “racionalizou” o veto a práticas governamentais tidas como avessas ao bom governo, a repulsa ao descaso dos políticos e dos partidos.

Tratou-se de um conservadorismo de fundo moral, voltado para os costumes, tanto os que florescem na base da vida social (família, gênero, religiosidade, cultura) quanto os que se reproduzem no plano estatal, de onde se espalham pela sociedade. Ele se voltou, também, contra a prevalência e a retórica das pautas identitárias, vistas como produtoras de divisões e fraturas sociais.

A pregação bolsonariana valeu-se da efervescência de certas vertentes que agitaram os rios subterrâneos da sociedade. Soube perceber o efeito político-eleitoral delas e manipulou-as com habilidade.

A repulsa aos políticos e ao modo usual de se fazer política foi a primeira. Traduziu-se em termos “antipolíticos”: desvalorização dos entendimentos e da negociação, dos debates públicos típicos da democracia, dos jogos parlamentares estendidos no tempo, do respeito às minorias e a seus procedimentos parlamentares.

O desejo de “renovação” foi a segunda vertente. Das práticas políticas e governamentais antes de tudo. Renovação da classe política, vista como amarrada a um universo político pouco “decisionista”, refratário à produção de políticas resolutivas. Renovação dos discursos políticos.

O repúdio à corrupção veio por extensão e em atendimento a uma pregação que contagiou o País nos últimos anos, ao menos desde os primeiros passos da Operação Lava-Jato. Aqui a metralhadora girou freneticamente.

O “antipetismo” foi a vertente que recebeu tratamento mais intenso, com direito a todo tipo de mentiras e manipulações. Foi assim em parte porque o PT jamais saiu da vitrine governamental na última década e meia, em parte porque o fracasso do governo Dilma calou fundo e produziu muitos estragos, em parte porque o PT não conseguiu se livrar de suas “narrativas” típicas e separou-se dos ânimos de setores importantes da opinião pública.

A dinâmica da polarização “nós” contra “eles”, ora na versão esquerda vs. direita, ora como oposição democracia vs. autoritarismo, fechou o pacote, capturando eleitores que nenhuma aproximação tinham com o bolsonarismo.

É difícil imaginar que País iniciará o ano de 2019, seja quem for o vencedor do segundo turno.

Mas é fácil perceber o que o vendaval já produziu. O conservadorismo moral ganhou corpo. As redes ocuparam o espaço da TV. Os marqueteiros perderam força. Uma direita (extrema e moderada) adquiriu base popular, de massas, esgrimindo um discurso que, se conseguir ser mais bem elaborada, irá organizar todo um novo campo. As grandes organizações partidárias (PT, PSDB, MDB) atingiram o fundo do poço e não se sabe como e se voltarão à superfície. Uma nova classe política encontra-se em plena gestação.

O novo governo federal terá de conviver com uma sociedade em crispação e com um Congresso fragmentado como nunca antes nesse País.

O sistema político mostra-se esgotado, trocando de pele e de cultura.


Luiz Carlos Azedo: Oposição antecipada

“Hoje, com a volta dos parlamentares a Brasília, o Congresso deve fervilhar em razão do resultado das eleições proporcionais. Será um grande encontro de derrotados”

Derrotados nas urnas, os candidatos Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede) derivam para a oposição antecipada aos dois candidatos que vão disputar o segundo turno das eleições, Jair Bolsonaro (PSL), que obteve 46,3% dos votos, e Fernando Haddad (PT), com 29,8% dos votos. Como outras lideranças do chamado “centro democrático”, entre as quais o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, não pretendem apoiar nenhum dos dois candidatos, com o argumento de que ambos não têm claros compromissos democráticos, nem apoiar o governo a ser formado por eles, seja quem quer que ganhe. É uma espécie de “oposição, já!”.

A mesma posição está sendo discutida no PPS, partido que sofreu duas derrotas importantes: o senador Cristovam Buarque (DF) não conseguiu se reeleger; Roberto Freire (SP), presidente da legenda, também foi surpreendido pelo tsunami eleitoral que afastou do Congresso muitas lideranças políticas de prestígio. “Posso lhe adiantar que, pelo Brasil democrático, defendo que o PPS não apoie nenhum dos dois contendores nesse segundo turno. E se posicione desde logo como oposição responsável respeitando a Constituição de 88 e lutando pelas reformas, seja qual for o presidente eleito”, anunciou Freire no Twitter.

Bolsonaro, líder da disputa, ontem anunciou que não fará concessões para vencer as eleições. Em entrevista à rádio Jovem Pan, disse que não pode “virar o Jairzinho paz e amor” e se “violentar”, mas falou em pacificar o país e insistiu na plataforma política focada no binômio: mais segurança, menos corrupção. Em entrevista à TV Globo, negou a intenção de modificar a Constituição, proposta do general Hamilton Mourão, seu vice: “Sou capitão, mas quem manda sou eu, serei o presidente”. Bolsonaro se beneficia da onda gerada a seu favor no primeiro turno, que provocou grandes viradas em alguns estados importantes, nos quais seus candidatos obtiveram grande votações em eleições majoritárias e proporcionais.

O candidato do PT, Fernando Haddad, ontem esteve mais uma vez em Curitiba, para conversar com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como fez em todas as semanas de campanha. Também em entrevista à TV Globo, anunciou que havia reformulado seu programa e que não mais pretende convocar uma Constituinte. Disse que fará emendas constitucionais via Congresso para fazer a reforma tributária e acabar com o teto de gastos. Adiantou que está procurando entendimentos com o PDT, de Ciro Gomes, e com o PSB, o grande aliado nos estados do Nordeste, onde Haddad venceu as eleições. Nos bastidores da campanha, a grande mudança foi a entrada do senador eleito Jaques Wagner, ex-governador da Bahia, no estado-maior petista, para cuidar dos entendimentos políticos. O governador baiano Rui Costa, reeleito com grande votação, anunciou que pretende ampliar ao máximo as alianças de Haddad para o segundo turno.

Bancadas
Hoje, com a volta dos parlamentares a Brasília, o Congresso deve fervilhar em razão do resultado das eleições proporcionais. Será um grande encontro de derrotados. Na Câmara, não se reelegeram 240 dos 513 deputados. A bancada do PT terá 56 deputados e a do PSL, de Jair Bolsonaro, 52 (tinha apenas 8), seguidos pelo PP, 37; MDB, 34; e PSD, 34. A fragmentação aumentou, com a representação de 30 partidos, mas 16 não ultrapassaram a cláusula de barreira.

No Senado, o strike foi ainda maior. A renovação atingiu 74% dos senadores, deixando de fora do parlamento o presidente da Casa, Eunício de Oliveira (CE); o presidente do MDB, Romero Jucá (RR), entre outros. Neste ano, a sigla que mais ganhou cadeiras no Senado ainda foi o MDB, com sete senadores eleitos. Rede e PP têm cinco senadores cada; DEM, PSD, PT, PSDB e PSL, quatro. O PPS elegeu dois, o PTC, um. PMN, PSOL e PCdoB não reelegeram seus senadores.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-oposicao-antecipada/


César Felício: Resultado no Brasil poderá ter impacto em todo o continente

O quadro político que sai das urnas no Brasil não caracteriza apenas uma onda de direita, ou "onda azul", como em eleições passadas. Ganha protagonismo uma direita radical, que pode ter impacto continental como em poucos casos no mundo.

O resultado é relativamente inédito em termos globais. Não há caso de votação desta ordem do ultraconservadorismo em um país do porte do Brasil. Os exemplos internacionais são de analogia complicada. O radicalismo conservador governa hoje Polônia, Hungria e Israel. Estes países contudo, além de pequenos, são parlamentaristas, o que já faz toda a diferença. A direita radical também está no comando nas Filipinas, mas a nação asiática pouco influencia os países mais próximos, como Vietnã, China, Indonésia e Malásia.

O caso de Donald Trump nos Estados Unidos é diferente. O presidente americano foi um "outsider" até ganhar as eleições primárias do Partido Republicano. Depois tornou-se o representante de uma legenda que reparte o poder local há mais de cem anos.

Independentemente do resultado das urnas, Jair Bolsonaro (PSL) já fez história. Caso seja o vencedor, a maré radical tem potencial de desestabilizar a América do Sul, a começar da Argentina, em que o presidente Mauricio Macri se perde no labirinto da economia e a senadora Cristina Kirchner está às portas da prisão.

Caso perca, quem pode ser desestabilizado é o petista Fernando Haddad. Nesta hipótese, Haddad governará em situação política adversa, com uma barulhenta direita no Congresso, enfraquecimento de todos os partidos tradicionais, profunda desconfiança dos mercados.

O Brasil, em termos políticos, corre o risco de tornar-se a Venezuela de tempos atrás, em que não havia espaço para solução pacífica de controvérsias entre os dois campos políticos, ainda que a institucionalidade democrática estivesse preservada. A Venezuela de hoje, como se sabe, não pode mais ser considerada uma democracia.

O Congresso tenderia naturalmente a ser um freio neste processo, mas o resultado das urnas pode torná-lo um acelerador. A bancada acima de qualquer expectativa formada pelo PSL não significa necessariamente a tomada do comando da Câmara por blogueiros inexperientes, mas a confluência formada por bancadas transversais, como a da bala, a ruralista e a dos evangélicos tende a ter ainda mais peso do que hoje.

Um Congresso dominado por bancadas transversais indica que haverá pouco espaço para composição e muito para a confrontação. Estas três bancadas operam com perfeição em um ambiente de litigância, e não de costura de interesses.

Um freio mais eficaz a processos de radicalização poderá vir dos governadores. Quem senta na cadeira de governador de São Paulo é, a princípio, candidato potencial a presidente na eleição seguinte. Tanto João Doria quanto Márcio França poderão representar perspectiva de poder para o espólio do PSDB e eventualmente abrir espaço para uma alternância em 2022. A crise fiscal nos Estados já passou pelo pior momento e os eleitos podem circular por Brasília em uma posição menos mendicante. Não é impossível que sejam elementos de moderação na crise política.

No espectro partidário, a resiliência do PT representa uma exceção. Ganhando ou perdendo Haddad, a sigla é a única das grandes que manteve seus sinais vitais relativamente preservados. Está banida do governo de Minas Gerais e foi expulsa do poder no Acre, mas o Nordeste se converte em sua fortaleza, a partir da vitória na Bahia. O PSB em Pernambuco e o PC do B no Maranhão são forças auxiliares.

A ofensiva judicial que a sigla enfrenta, contudo, ainda não se esgotou, como a delação de Antonio Palocci pode vir a demonstrar. O partido pode enfrentar nova onda de desgaste que comprometa, no limite, o seu registro na Justiças Eleitoral.

O PSDB está extraordinariamente enfraquecido, porque ainda que venha a ser conduzido por João Doria no futuro, não sanou nenhum dos fatores que o levaram a se tornar a sigla mais dividida do Brasil. A falta de clareza em torno do apoio ou não ao governo Temer tende a se repetir em relação ao que se fazer no segundo turno e dificultará o partido a manter-se unido na oposição ao futuro presidente.

O caminho para um rearranjo partidário amplo no Brasil, está, portanto, aberto. Uma oposição moderada tanto a Haddad quanto a Bolsonaro precisará de uma nova liderança, uma nova legenda, que pode se formar de dissidências do PSDB, englobar o Rede, o PPS, o PDT e outras forças de centro que ficaram pelo caminho.

O crescimento do PSL dependerá diretamente de Bolsonaro chegar ao poder e do que fará com ele. O PRN de Fernando Collor chegou a ter 40 deputados. Durou dois verões e três primaveras. Um partido dependente unicamente de uma liderança carismática não terá como ganhar consistência de baixo para cima.


Bruno Boghossian: Maré final amplia máquina política de Bolsonaro e reduz apelo ao centro

A maré final que impulsionou Jair Bolsonaro sugere que ele precisará fazer concessões modestas em sua plataforma para o embate direto com Fernando Haddad (PT). O forte desempenho do candidato do PSL e de políticos que pegaram carona em seu nome deve facilitar a formação de uma aliança para ampliar seu eleitorado no segundo turno.

O resultado deste domingo (7) foi uma boa notícia para Bolsonaro em três dimensões: ele partirá de um patamar de votos próximo dos 50% para o confronto final; terá palanques sólidos em disputas de segundo turno nos principais estados do país; e contará com a adesão de candidatos de diversos partidos, que se elegeram em sua esteira no primeiro turno.

Em posição mais confortável que seu rival, o presidenciável do PSL terá a opção de reforçar suas trincheiras em vez de amenizar o tom seu discurso para conquistar novos votos. Os acenos ao eleitorado de centro podem se resumir a gestos limitados, suficientes para atrair o apoio que falta para empurrá-lo à vitória.

Ao longo do primeiro turno, Bolsonaro preferiu fortalecer um viés conservador, antipolítico e de linha dura na segurança para cristalizar e expandir seu eleitorado.
A estratégia deu certo, e a carta da moderação ficou guardada para um eventual segundo turno. O cenário oferece a ele o privilégio de decidir com que intensidade vai aplicá-la. Essa escolha dependerá mais de uma grandeza política (que ele ainda não demonstrou) do que de uma necessidade eleitoral.

O quadro é bem menos cômodo para Fernando Haddad. Ele deverá atrair com facilidade boa parte dos eleitores de Ciro Gomes (PDT), mas precisará dar um passo largo para fazer frente ao campo de Bolsonaro.

O petista já planejava um movimento significativo em direção ao centro para expandir seu alcance. Pretendia fazer esse gesto já no primeiro turno, mas a dificuldade de crescimento na reta final da campanha obrigou o candidato a reforçar seus tons de vermelho.

No segundo turno, Haddad deve se reapresentar como um candidato moderado, com acenos de reaproximação com o mercado financeiro e ajustes na plataforma econômica elaborada pelo PT.

Para ampliar seu eleitorado, o petista enfrentará principalmente uma dificuldade de articulação política em alguns dos principais estados do país –principalmente São Paulo, Minas Gerais e Rio.

Com poucos candidatos competitivos no Sudeste, o PT ficou fora do segundo turno nesses três estados. Em Minas e no Rio, deve ficar absolutamente isolado, já que os candidatos que continuam na disputa são adversários dos petistas.

No Rio, o candidato de Bolsonaro, Wilson Witzel (PSC), disparou na reta final e terminou com mais de 40% dos votos. Seu adversário no segundo turno será Eduardo Paes, que já foi aliado do PT, mas se transferiu para o DEM.

O revés do governador petista Fernando Pimentel em Minas também prejudica a vida de Haddad para o segundo turno. O presidenciável do PT ficará sem palanque no estado nas próximas três semanas, enquanto Bolsonaro poderá contar com o apoio de Romeu Zema (Novo) –que enfrentará o tucano Antonio Anastasia (PSDB).

Em São Paulo, o presidenciável do PSL terá o já anunciado palanque de João Doria (PSDB), enquanto Haddad precisaria buscar Márcio França (PSB), que chegou ao segundo turno na disputa pelo governo estadual.

Os petistas poderão contar com os governadores reeleitos em primeiro turno no Nordeste, como Rui Costa (PT) na Bahia, Camilo Santana (PT) no Ceará e Renan Filho (MDB) em Alagoas. Esses governadores não terão um palanque eleitoral próprio para emprestar a Haddad, mas poderão usar as máquinas de seus governos.

Em 2014, petistas consideraram a vitória de Pimentel no primeiro turno em Minas um passo crucial para fortalecer a candidatura de Dilma no estado para o embate final com Aécio Neves (PSDB). O governador eleito passou a mobilizar prefeitos, oferecendo o apoio do governo estadual em troca de engajamento na campanha à reeleição da então presidente. Dilma venceu Aécio no segundo turno entre os mineiros.

O candidato do PSL, por outro lado, ainda terá o Sul do país a seu favor. O governador eleito do Paraná, Ratinho Júnior (PSD), se alinhou a seu campo durante o primeiro turno. A força de Bolsonaro ainda impulsionou o candidato do PSL em Santa Catarina, Comandante Moisés. Ele chegou ao segundo turno e dará palanque a Bolsonaro para o embate com Haddad.

O presidenciável também pode se beneficiar de candidatos de seu grupo que foram eleitos para o Congresso. O desempenho de políticos do PSL e de nomes que se aproximaram do presidenciável para se eleger forma uma tropa de cabos eleitorais gratuitos para sua campanha no segundo turno.

O bom desempenho de Bolsonaro nas urnas deve facilitar ainda a adesão de caciques de partidos tradicionais a sua candidatura. A perspectiva de poder costuma falar alto nesses momentos. Políticos de siglas como MDB, DEM, PSDB e do chamado “centrão” chegaram a indicar apoio ao candidato do PSL ainda no primeiro turno. Os números deste domingo devem estimular novas alianças.


Marcelo de Moraes: Bolsonaro surfa na onda conservadora

Candidato do PSL tem vantagem imensa sobre o adversário do segundo turno, Fernando Haddad

A “onda Bolsonaro” varreu os Estados e é com ela que o candidato conta para derrotar Fernando Haddad no segundo turno. Mesmo não tendo conseguido fechar a disputa com o petista logo no primeiro turno, como queria, o candidato do PSL sabe que tem uma vantagem imensa sobre o adversário, especialmente pelo maior recado que as urnas passaram ontem. Há muitos eleitores votando em candidatos conservadores no País.

É com essa rede regional de apoio que Bolsonaro conta para manter sua mensagem mais viva do que nunca nos Estados. Vários de seus aliados foram campeões de votos pelo Brasil afora. Mas ele tem outra vantagem sobre Haddad. Em pelo menos dois dos três maiores colégios eleitorais do Brasil, Minas e Rio, candidatos próximos a ele estão disputando o segundo turno: Romeu Zema e Wilson Witzel, respectivamente. Ou seja, manterão forte sua candidatura porque também precisam se eleger. E, em São Paulo, o tucano João Doria passa a ser um aliado natural.

Na prática, Bolsonaro só não resolveu a disputa ontem porque o PT conseguiu mostrar sua força no Nordeste, empurrado pelo tradicional prestígio de Lula na região. Agora, o candidato do PSL pretende investir nesses eleitores para acabar de minar o apoio a Haddad.

Bolsonaro tem o apoio de líderes religiosos para tentar entrar mais fortemente na região e se fortalecer na base adversária.

Mas, se o cenário é muito favorável, Bolsonaro sabe também que tem alguns pontos frágeis. Por causa de sua rejeição pessoal, sabe que Ciro Gomes, o terceiro colocado, deverá apoiar Haddad. Marina Silva também deve ir nessa direção. Em compensação, os tucanos – independentemente da orientação de Geraldo Alckmin – deverão aderir de vez. O mesmo já acontece com o Centrão.

O deputado precisará também se preparar para o modelo de disputa do segundo turno. Até ontem, só precisou focar nas redes sociais, uma vez que não tinha tempo de TV. Agora, passa a ter metade do tempo e precisa preparar um programa que seja competente. Além disso, ainda precisa definir se vai participar dos debates contra Haddad – esse tipo de evento é um dos mais delicados para ele, já que não há mais candidatos e ficará num confronto mano a mano com o petista.

A verdade é que o capitão reformado criou uma poderosa imagem pública, com um “teflon” que impede que acusações contra ele grudem. A não ser que cometa um deslize muito grave, dificilmente deixará de confirmar a vantagem apontada no primeiro turno. Até porque, seu grande trunfo foi ter se comunicado perfeitamente com um eleitor que se mostrou conservador, rejeitou os políticos mais tradicionais, abraçou o discurso pela segurança pública e também, com exceção do Nordeste, disse não ao PT.


João Domingos: Haddad precisará exibir jogo de cintura que nunca teve

Petista terá de fazer um esforço imenso para superar Jair Bolsonaro (PSL) no segundo turno

O candidato do PT à Presidência, Fernando Haddad, terá de fazer um esforço imenso para superar Jair Bolsonaro (PSL) no segundo turno. Um esforço que exigirá dele jogo de cintura como nunca teve em sua vida de professor, ministro, prefeito, coordenador do programa do PT, vice de um candidato que não seria candidato e, agora, finalista da corrida presidencial.

Não só porque o eleitor do capitão reformado do Exército é fiel e não mudará de ideia ao longo do caminho. Mas também porque Haddad terá de encontrar um jeito de superar obstáculos que serão postos em seu caminho pelo próprio partido, que tentará puxá-lo para a esquerda, na ilusão de que essa será a fórmula para enfrentar o candidato da extrema-direita.

Haddad terá ainda de entender que sua chapa é estreita do ponto de vista político. Que a vice, a deputada estadual gaúcha Manuela d’Ávila, pouco agrega em termos de votos, pois o PCdoB já vota no PT. E que, em toda sua vida, o PT nunca venceu uma eleição presidencial quando não se uniu com o centro. Em 1989, com o senador José Paulo Bisol (PSB), em 1994, com Aloizio Mercadante (PT), e em 1998, com Leonel Brizola (PDT), Lula perdeu todas as eleições.

Só em 2002, quando Lula e o PT entenderam que precisavam mudar seu arco político, e foram atrás do PL (hoje PR) de Valdemar Costa Neto, é que conseguiram vencer. O vice José Alencar logo abriu caminho para o centro e, com seu charme mineiro e bonachão, atraiu os empresários. Mesmo assim, Lula teve de escrever uma “Carta ao povo brasileiro” ainda em junho, se comprometendo a não fazer loucuras na economia. E, ao vencer a eleição, foi atrás do PSDB e lhe tirou o deputado eleito Henrique Meirelles, de Goiás, tornando-o seu presidente do Banco Central. Meirelles, não é preciso dizer, deu conta do recado, controlou a inflação e ajudou a equilibrar as contas públicas.

Portanto, o que Haddad precisa fazer o mais breve possível é um aceno para o centro, para o empresariado, para o mercado, para o brasileiro que votou em candidatos que não seguiram a onda pró-Bolsonaro. Haddad precisa ainda convencer o eleitor de que falará por si, que não é só um poste de Lula, como o foi Dilma, a presidente da República que destruiu o sonho do PT de se manter por anos e anos no poder. O brasileiro, pelo jeito, ainda não se esqueceu do desastre que foi o governo dela. Negou-lhe a vaga para o Senado, como negou para os que fizeram parte da tropa de choque de Dilma durante o processo de impeachment: Lindbergh Farias (RJ) e Vanessa Grazziotin (AM).