Eleições

Bernardo Mello Franco: Em discursos, Bolsonaro já exaltou milícias e grupos de extermínio

Em discursos na Câmara, Bolsonaro defendeu a atuação de esquadrões da morte. Ele também elogiou as milícias, que dominam favelas e cobram taxas ilegais

Como seria apolítica de segurança de um governo Bolsonaro? O deputado já deixou pistas em seus discursos na Câmara. Em agosto de 2003, ele usou a tribuna para elogiar um grupo de extermínio que aterrorizava a Bahia. Acrescentou que o esquadrão da morte teria seu apoio se resolvesse migrar para o Rio. “Enquanto o Estado não tiver coragem de adota rape nade morte, o cri mede extermínio, no meu entender, será muito bem-vindo. Se não houver espaço para ele na Bahia, pode ir para o Rio de Janeiro. Se depender de mim, terão todo o meu apoio”, afirmou.

O capitão pregou a adoção de uma “rígida política de controle da natalidade”. Sem isso, seria “baboseira” investir em escolas e hospitais públicos. “Chega de vaselina, de baboseira, de falarem educação, em saúde, porque essa não é a nossa realidade primeira”, disse. Dois meses depois do discurso, o mecânico Gérson Jesus Bispo foi assassinado por denunciar a atuação do esquadrão da morte a uma missão da ONU. Ele acusava policiais militares de torturar e matar seu irmão. Em dezembro de 2008, Bolsonaro elogiou a atuação das milícias no Rio.

Ele criticou o relatório da CP Ida Assembleia Legislativa que apurou a atuação dos grupos paramilitares. A comissão pediu o indiciamento de policiais, bombeiros e políticos que dominavam favelas. A investigação mostrou que eles lucravam coma cobrança de taxas, a oferta de serviços clandestinos e a venda de apoio político. “Querem atacar o miliciano, que passou as ero símbolo da maldade e pior do que os traficantes. Existe miliciano que não tem nada a ver com gatonet, com venda de gás.

Como ele ganha R$ 850 por mês, que é quanto ganha um soldado da PM ou do bombeiro, e tema sua própria arma, ele organiza a segurança na sua comunidade. Nada a ver com milícia ou exploração de gato net, venda de gás ou transporte alternativo ”, disse o deputado.

A defesa das milícias não ficou no passado de Bolsonaro. Em fevereiro deste ano, já como candidato ao Planalto, ele elogiou os grupos paramilitares em entrevista à rádio Jovem Pan. “Tem gente que é favorável à milícia, que é a maneira que eles têm de se ver livres da violência. Naquela região onde a milícia é paga, não tem violência”, afirmou.

O discurso do candidato é desmentido pelos fatos. Investigações da Polícia Civil e do Ministério Público mostram que os grupos paramilitares adotaram práticas do tráfico de drogas. Quem tenta resistir à extorsão é vítima de ameaças, torturas e execuções. Cerca de dois milhões de moradores da Região Metropolitana do Rio já vivem sob o domínio das milícias.

Quando Mussolini chegou ao poder, os trens italianos passaram a sair no horário. Em Portugal, o poeta Fernando Pessoa comentou a novidade: “A obra principal do fascismo é o aperfeiçoamento e organização do sistema ferroviário. Os comboios agora andam bem e chegam sempre à tabela. Por exemplo, você vive em Milão; seu pai vive em Roma. Os fascistas matam seu pai, mas você tem a certeza que, metendo-se no comboio, chega a tempo para o enterro”.


Bolívar Lamounier: Um roteiro para a concórdia

O nome do jogo agora é restaurar a confiança dos mercados no País e em suas instituições

Não me arrisco a fazer um prognóstico para o segundo turno, mas o resultado do primeiro, as linhas gerais da discussão pública e alguns elementos factuais me levam a crer que Bolsonaro só perderá para Haddad se uma chuva de meteoros extinguir metade de seus eleitores. Essa, no entanto, é a questão apenas numérica, não a questão política que temos pela frente, cuja feição será a mesma se der Haddad.

A questão política tem que ver com o grau de discórdia a que chegamos. A indagação relevante é como chegamos a ela e como vamos sair dela. É se vamos continuar alimentando esse maniqueísmo infantil ou se vamos voltar a ser o que somos, um país dotado de instituições razoáveis e possuidor de uma forte identidade nacional.

A indagação inicial, repetindo, é como chegamos a esta insanidade. Derrotado no primeiro turno, o PT e seus adeptos nos meios cultos da sociedade retomaram (sans le savoir...) a velha mutreta ideológica do stalinismo: quem não é comunista é fascista. Como se não existissem liberais e como se a maioria de qualquer sociedade se orientasse por conceitos ideológicos notoriamente limitados a estratos minoritários de nível intelectual elevado.

No Brasil essas lorotas não se formaram ontem, elas vêm de longe, remontam pelo menos aos anos 50 do século 20. No primeiro turno eleitoral elas se configuraram em torno de dois eixos facilmente perceptíveis: o antipetismo e a antipolítica. Ou, se preferirem, um duplo rechaço, ao PT e ao que se tem chamado de política tradicional, expressão que designa principalmente o Parlamento e os partidos. Esse duplo rechaço se formou e ganhou seu tom desvairadamente raivoso em função de fatores subjacentes bem reais: a recessão econômica promovida pelo governo Dilma, que duplicou o número de desempregados, e a corrupção desvelada pela Lava Jato, cujo epicentro foi a trama instalada na Petrobrás pelos dois governos petistas, Lula e Dilma.

A essa combustão vinda de baixo é preciso acrescentar dois outros elementos: a insegurança generalizada, dramatizada pela intervenção militar no Rio de Janeiro, e alguns fatos na área dos valores e costumes, que normalmente não teriam tanta importância, mas que ganharam corpo e se somaram ao "pacote" conservador em razão da arrogância de certos grupos de alto status típicos dos principais grandes centros urbanos, que tendem a ver como irrelevante e até como ilegítimo o sistema de crenças das camadas menos instruídas e dos habitantes das cidades menores do interior do País. A família e a religião, por exemplo, significam uma coisa para a classe alta de São Paulo ou do Rio de Janeiro e outra para os estratos médios e baixos do interior. Autoritarismo, conservadorismo, pulso, firmeza, coragem – cada um escolha o termo que for do seu agrado. Alguém acaso acredita que nova-iorquinos e texanos apoiem o aborto no mesmo grau?

A combinação dos elementos acima referidos levou, como hoje está claro, uma parcela da sociedade a pender para um candidato pouco conhecido, mas que pareceu oferecer-lhe o "autoritarismo" que ela estava procurando.

Um roteiro para a concórdia tem como primeiro componente, isso é óbvio, a Constituição. O Brasil não é uma republiqueta desordeira, é um Estado democrático dotado de uma ordem normativa elaborada e aprovada de maneira legítima. Os candidatos podem escorregar no vernáculo ou blefar o quanto queiram, mas não podem desconhecer que a obediência à Constituição é a condição sine qua non de sua investidura.

O segundo ponto a frisar é que o Brasil tem à frente uma agenda econômica de extrema relevância, que terá de ser enfrentada com urgência e realismo. À primeira vista, ambos os candidatos parecem despreparados para essa missão, mas isso é matéria vencida. Aquele que o destino conduzir ao Planalto não poderá hesitar nem 15 minutos, porque, agora, o nome do jogo é restaurar a confiança dos mercados no País e em suas instituições. Não terá tempo para confidenciar suas dúvidas hamletianas à caveira de sua preferência. Até porque, no famigerado "presidencialismo de coalizão" que nos rege, ou ele transmite rapidamente ao Congresso a força institucional que terá colhido nas urnas ou logo verá uma fenda abrir-se sob seus pés.

O terceiro ponto é desfazer o maniqueísmo e restaurar aquele mínimo de serenidade sem o qual o convívio civilizado é impossível. O aprendizado político dos candidatos e de seus correligionários de partido é importante, mas aqui a responsabilidade dos eleitores é também muito grande. A parte de Bolsonaro afigura-se mais simples que a do PT. Dele o que se exige é, por um lado, moderação verbal e, de outro, uma consciência mais exata das prioridades do País. Por mais importante que seja, a existência de desacordos no plano dos valores e do comportamento social não tem no presente momento, nem remotamente, a urgência das prioridades referentes à reorganização da economia. Além do que o Executivo meter-se em questões moralmente carregadas é o caminho mais curto para desnortear ainda mais o País e exacerbar conflitos.

De sua parte, os petistas precisam deixar para o lixo da História sua velha imagem do partido que teria "fundado" a democracia brasileira, ou que a tenha praticado segundo os melhores padrões. Isso é uma mentira sem tamanho. Desde seus primórdios, o PT nunca adotou plenamente a democracia representativa como um valor inegociável. Sempre manteve um pezinho dentro e outro fora da ordem democrática, valendo-se daquele que taticamente lhe pareceu conveniente em cada momento. Quem melhor o disse, e isso foi poucos dias atrás, foi José Dirceu, reeditando seu velho mote do projeto petista de poder. "Nosso objetivo", declarou, "não é apenas ganhar a eleição, mas tomar o poder, coisa muito diferente."

*Bolivar Lamounier é cientista político, é sócio-diretor da Augurium Consultoria e membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências


Ascânio Seleme: O PT segue sendo o PT

Há tempo, sim, para Fernando Haddad virar o jogo a seu favor. Não é tarefa fácil, muito pelo contrário, é dificílima, mas é possível

Há tempo, sim, para Fernando Haddad virar o jogo a seu favor. Não é tarefa fácil, muito pelo contrário, é dificílima, mas é possível. Vejam o que mostrava a pesquisa Datafolha do dia 28 de setembro. Jair Bolsonaro tinha 28% das intenções de voto contra 22% de Haddad. Claro que era outro turno, outro cenário, mas a distância entre os dois somava seis pontos. Em duas semanas, Bolsonaro aumentou esta diferença para 16 pontos. Da mesma forma, Haddad havia crescido seis pontos entre as pesquisas dos dias 19 e 28 de setembro, enquanto Bolsonaro permanecia parado. Movimentos maciços de votos parecem ser uma característica brasileira.

Na eleição de 2014 também foi assim. No Datafolha de 19 de setembro daquele ano, Marina tinha 30% contra 17% de Aécio. Da urna, 16 dias depois, saíram Aécio com 33% e Marina com 21%. Em pouco mais de duas semanas, Aécio pulou de uma desvantagem de 13 para uma vantagem de 12 pontos e foi para o segundo turno. Os números provam que dá para Haddad virar o jogo. Mas, o problema é que seu ritmo é muito lento e aparentemente ele não tem força dentro do PT para fazer as mudanças que poderiam levar à vitória.

Do outro lado, Bolsonaro joga com desenvoltura para vencer. Entendeu muito bem como funciona a onda anti-PT e a explora com competência. Ataca o sectarismo dos adversários e prega um Estado que não se intrometa tanto na vida dos cidadãos. Hesitante no começo, conseguiu ser mais incisivo contra a violência que tomou conta da campanha e resultou em inúmeros ataques de seguidores seus contra militantes do PT, com uma morte. Embora tenha afirmado que o assassino do capoeirista da Bahia não é eleitor seu, o capitão disse que dispensa o voto de quem pratica violência eleitoral.

Enquanto Bolsonaro reitera o discurso que o trouxe até aqui, Haddad tenta mudar o seu, mas não parece entusiasmar. Está certo que admitir categoricamente que abandonou a proposta da Constituinte e desautorizar publicamente a ideia de José Dirceu de tomar o poder foi um passo importante. Mas é preciso ir mais longe, sobretudo na questão econômica. Já era hora de Haddad ter anunciado seu ministro da Fazenda. O que ele anunciou foi o desejo de aumentar o imposto dos “super-ricos”, que pelos cálculos dos economistas do PT são aqueles que ganham mais de R$ 38 mil por mês.

Bolsonaro já está indicando nomes que vão compor seu ministério. São o economista Paulo Guedes, o deputado Onyx Lorenzoni, um astronauta e alguns generais. São os de sempre, mas pertencem ao time que está ganhando. Haddad também se cerca dos mesmos de sempre, mas seu grupo está levando goleada. Todo mundo sabe que time que está perdendo tem que ser mexido. Se o time vai muito mal e as regras permitem, a mudança tem que ser profunda. Na campanha de Haddad isso não ocorreu. As sondagens ao ex-ministro Joaquim Barbosa e ao filho do ex-vice José Alencar ainda não prosperaram.

O time de Haddad está escalado com Gleisi, Gabrielli, Okamoto, Genoino, Mercadante, Falcão, Dulci, Guimarães, Carvalho, Berzoini e Franklin. Nem mesmo o ex-governador da Bahia e senador eleito Jaques Wagner é novo. Por mais respeitáveis que sejam (alguns respondem a processos, mas nenhum está condenado), não dá para imaginar uma campanha vitoriosa com os que melhor e mais enraizadamente representam os rejeitados PT e Lula.

E, mais grave, para atrair novos aliados o que faz o PT? Oferece cargos. Não há forma mais antiga de buscar apoio do que esta. O PT ofereceu um “ministério importante” até mesmo a Ciro Gomes. E depois, quando Ciro retribuiu com um apoio crítico e embarcou de férias para Paris, foi atacado por viajar “nesta hora grave da vida nacional”. A Ciro deveriam ter sido oferecidas a coordenação da campanha e a abertura do programa de governo para rediscussão. Mas, até aqui, o PT segue sendo o PT, egocêntrico e arrogante. Só mudar a cor da camisa não basta.

VIOLÊNCIA NA CAMPANHA
Os eleitores de Jair Bolsonaro não conseguem enxergar a violência que alguns dos seus empregam para atacar, desmerecer, humilhar e intimidar adversários. Chegaram a dizer que o assassinato do capoeirista do Badauê da Bahia não teve motivação política. Essa cegueira de certa forma deliberada preocupa tanto quanto os próprios atos de selvageria que estamos assistindo. É da ausência de crítica que se alimenta a impunidade.

O OUTRO LADO
O PT não é santo. Lula já ameaçou chamar o “Exército de Stédile” diversas vezes para mostrar quem manda no pedaço. Antes mesmo de a campanha começar, em frente ao Instituto Lula petistas intolerantes agrediram um adversário que acabou no hospital com a cabeça rachada. Também não é de hoje que o partido, estimulado pelo seu maior líder, adota o grito de guerra do “nós contra eles”. Mas nunca, é importante dizer, nunca petistas ameaçaram publicamente esfolar, torturar, estuprar e matar adversários.

SEM RESERVA
O restaurante Maní, um dos 100 melhores do mundo, que caiu em desgraça entre os eleitores de Bolsonaro porque a chef Helena Rizzo postou foto dela com seu pessoal de cozinha aderindo ao #EleNão, está lutando para recuperar clientes. Na foto, a turma toda estava com o dedo do meio levantado. Depois, com a onda de agravos que recebeu pelo apoio e pelo gesto ofensivo, o restaurante disse que a posição da chef não representava a casa. Ocorre que Rizzo é dona do Maní.

UM DIA DEPOIS DO OUTRO
Quem diria que petistas seriam vistos fazendo louvações ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. FH virou ícone do PT desde que disse que poderia dar apoio a Fernando Haddad para evitar a eleição de Jair Bolsonaro. Aliás, velhos inimigos são agora prestigiados. O esforço de Haddad para trazer Joaquim Barbosa para a campanha é emocionante.

MAIS RECESSÃO
Com previsões pouco otimistas do FMI para as economias avançadas, os mercados emergentes deverão ter problemas adicionais no ano que vem. Além dos impactos que terá de absorver em razão da diminuição do crescimento dos EUA, seu principal parceiro econômico, o Brasil vai precisar resolver alguns graves problemas internos, como o da Previdência e o da bagunça tributária. O novo presidente terá de tomar todas as medidas corretas e ser um superanimador da economia para que o país possa apenas andar de lado.

NÃO VIU TUDO
E você achando que Romário seria um grande perigo para o Rio.

 


O Estado de S. Paulo: 'Não estou vendendo a minha alma ao diabo', diz FHC

Ex-presidente nega apoio automático a Haddad, critica o PT, diz que não votará em Bolsonaro e defende mudar partidos

Por Pedro Venceslau, de O Estado de S. Paulo

Alvo de ataques incessantes do PT por mais de duas décadas, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) disse, em entrevista ao Estado, que não aceita "coação moral" dos que agora buscam seu apoio. "Quando você vê o que foi dito a respeito do meu governo, nada é bom. Tudo que fizeram é bom. Quem inventou o nós e eles foi o PT. Eu nunca entrei nessa onda." Segundo ele, "agora o PT cobra... diz que tem de (apoiar Haddad). Por que tem de apoiar automaticamente? Quando automaticamente o PT apoiou alguém? Só na vice-versa. Com que autoridade moral o PT diz: ou me apoia ou é de direita? Cresçam e apareçam. A história já está dada, a minha." E desabafou: "Agora é o momento de coação moral... Ah, vá para o inferno. Não preciso ser coagido moralmente por ninguém. Não estou vendendo a alma ao diabo". Apesar disso, ele diz que "há uma porta" com Fernando Haddad (PT), mas com o "outro (Jair Bolsonaro, PSL)", não.

Como sr. vê o futuro do PSDB e avalia essa onda conservadora?
O PSDB, se quiser ter futuro, precisa se repensar. Depois de um terremoto, precisa reconstruir a casa. A onda conservadora é mundial.

O PSDB tem mais identidade com quem neste segundo turno?
Pelo que eu vi das pesquisas, é quase meio a meio do ponto de vista do eleitorado. Em seis Estados, o PSDB ainda disputa eleição para governador. Os candidatos ficam olhando o eleitorado. Do meu ponto de vista pessoal, o Bolsonaro representa tudo que não gosto. Só ouvi a voz do Bolsonaro agora. Nunca tinha ouvido. Não creio que seja por influência do que ele diz ou pensa que votam nele. O voto é anti-PT. O eleitorado parece estar contra o PT. No olhar de uma boa parte dele, o PT é responsável pelo que aconteceu no Brasil, na economia, cumplicidade com a corrupção e etc. É possível que a maioria dos líderes do PSDB seja pró-Bolsonaro, mas não é o meu caso.

O sr. tem mais identidade com o Haddad?
Não posso dizer isso. Como pessoa é uma coisa, como partido é outra. A proposta que o PT representa não mudou nada. Quando fala em economia, é a nova matriz econômica. Incentivar o consumo? Tudo bem, mas como se faz isso sem investimento? Como se faz sem enfrentar a questão fiscal? O PT no poder sempre teve uma deterioração da visão do (Antonio) Gramsci da hegemonia. Aqui não é cultural, é hegemonia do comando efetivo. Quando você vê o que foi dito a respeito do meu governo, nada é bom. Tudo que fizeram é bom. Quem inventou o nós e eles foi o PT. Eu nunca entrei nessa onda. Agora o PT cobra... diz que tem de (apoiar). Por que tem de automaticamente apoiar? É discutível. (O PT) Não faz autocrítica nenhuma. As coisas que eles dizem a respeito do meu governo não correspondem às coisas que acho que fiz. Por que tenho que, para evitar o mal maior, apoiar o PT? Acho que temos de evitar o mal maior defendendo democracia, direitos humanos, liberdade, contra o racismo o tempo todo.

Nas encruzilhadas históricas, PSDB e PT se uniram. No caso de 2018 é diferente?
Não faço parte da direção do PSDB, que decidiu pela neutralidade. Cada um pode fazer o que quiser. Política não é boa intenção. Uma coisa é a minha apreciação como pessoa sobre outra pessoa. Isso não é política. Se vamos estar juntos, tem que discutir completamente. Nunca houve isso.

O PT não está colaborando para essa aproximação?
De forma alguma. O PT tem uma visão hegemônica e prepotente. Isso não é democracia. Democracia implica em abrir o jogo e aceitar a diversidade.

Já houve algum diálogo do PT com o senhor?
Não. Tenho relações pessoais e cordiais com o candidato Haddad, mas o que está em jogo é o que será feito com o Brasil. Minha preocupação não é comigo ou o PSDB, mas com o Brasil. Qual é a linha? Estão pensando que estamos nos anos 60 e 70 ou terá uma linha contemporânea? Aí não dá...

Se o PT fizesse autocrítica, seria possível apoiar Haddad?
Seria bom, mas o PT está propondo coisas inviáveis.

O sr. vai declarar seu voto?
Quero ouvir primeiro. Não sei o que vão fazer com o Brasil. O Bolsonaro pelas razões políticas está excluído. O outro eu quero ver o que vai dizer.

Há porta aberta para Haddad?
Eu não diria aberta, mas há uma porta. O outro não tem porta. Um tem um muro, o outro uma porta. Figura por figura, eu me dou com Haddad. Nunca vi o Bolsonaro.

Haddad é diferente do PT?
Não adianta ser diferente. Haddad é a expressão do Lula. Ele usou uma máscara do Lula. Agora tirou e colocou uma bandeira verde e amarela.

Marconi Perillo foi preso. Antes foi o Beto Richa. O PSDB caiu na vala comum?
Você nunca ouviu de mim acusação contra o PT. O papel de acusar é da polícia; de julgar é da Justiça. É importante que as investigações prossigam. Você nunca ouviu uma palavra minha de defesa só porque é do PSDB. Quero que tenha direito de defesa.

O sr. conversou com Luciano Huck, que desistiu de concorrer. Se o PSDB tivesse lançado outro nome, talvez um outsider, a história seria diferente?
É difícil avaliar o que aconteceria com um candidato outsider. Sou amigo do Luciano Huck. É pessoa interessante, mas não sei o quanto tem habilidade para manejar os problemas do Estado. Espero que não desista. Nas circunstâncias atuais, dificilmente um candidato do PSDB, fosse quem fosse, estaria isento de sofrer as consequências do terremoto. Estamos assistindo a um terremoto. Não creio que seja o caso de culpar A, B ou C. Na situação que vivemos, você vai precisar de liderança forte, o que não significa autoritária. O governador de São Paulo tinha experiência e é uma pessoa correta, mas não teve apoio. Tentei juntar o centro antes. Ninguém quis. Não adianta ter ideia. Ideia é bom na universidade. Tem que ter capacidade de convencer. Agora, estão me cobrando: tem que fazer isso, aquilo. Tem carta, intelectual da Europa, dos EUA, amigos meus me pedem isso... Eles não conhecem o processo histórico. Nessas horas, a palavra de alguém some no ar. Cobram de mim para tomar posições. Mas eu digo: Por quê? Qual é a consequência?

Para a história, talvez?
Eu já fiz a minha história. Todo mundo sabe o que eu penso. Não preciso provar que sou democrático. Eu sou! O PSDB sabe o que eu penso. Todo mundo sabe. Alguém pode imaginar que eu vou sair por aí apoiando o Bolsonaro? Nunca.

Mas isso não significa que o sr. apoia Haddad?
Quando automaticamente o PT apoiou alguém? Só na vice-versa. Com que autoridade moral o PT diz: ou me apoia ou é de direita? Cresçam e apareçam. A história já está dada, a minha. Não vou no embalo. Não me venham pedir posição abstratamente moral. Política não é uma questão de boa vontade, é uma questão de poder. E poder depende de instrumentos e compromissos efetivos. Agora é o momento de coação moral... Ah, vá para o inferno. Não preciso ser coagido moralmente por ninguém. Não estou vendendo a alma ao diabo.

A esquerda diz que o Bolsonaro representa o fascismo.
O autoritarismo, concordo, o fascismo, não, porque é um movimento específico de apoio popular e com ideias específicas de Estado corporativo, tinha uma filosofia por trás. Não sei se ele (Bolsonaro) tem alguma filosofia por trás. Ele tem uma vontade de mandar. Não sei o que ele é. O que propôs como parlamentar foi corporativismo. Agora vai ser liberal? Pode ser. As pessoas mudam. Mas não mostrou nada.

O PSDB amargou o pior desempenho eleitoral de sua história. O que houve com o partido?
Houve um terremoto. Nele, há escombros de muitos partidos. O que ganhou na Câmara em maior número é o PSL. As pessoas não sabem o que significa PSL. Elegeram 52 deputados, 11% da Câmara. É a fragmentação, um problema estrutural. Como levar adiante isso? Querendo ou não, vai ser preciso agrupar forças. Mas ao redor do quê? Qual a proposta para o Brasil? Os candidatos não falam.

O senador Tasso Jereissati criticou a decisão do PSDB de contestar o resultado da eleição de 2014 e de entrar no governo Temer. O que o sr. acha?
Em geral, concordo. Mas o caso da entrada no governo Temer é uma questão mais complicada. Fomos a favor do impeachment. Fui dos mais reticentes – e a todos os impeachments, mesmo do Collor. É traumático. É um processo que abala. Mas não acho que o PSDB tenha sido incoerente nisso. Quanto ao resto, ele tem razão.

João Doria e Alckmin tiveram um momento tenso. Alckmin disse não ser traidor, em referência a Doria. Como o sr. avalia?
Tenho certeza que Geraldo não é traidor. Não é do estilo dele. A eleição não está resolvida. O Doria ainda tem de disputar para saber qual será o grau de projeção dele. Não estou de acordo em apoiar o Bolsonaro. Não corresponde à minha história e ao meu sentimento. Não são os militares voltando ao poder, mas o povo abrindo espaço para a possibilidade de uma presença militar mais ativa. Os militares entenderam a função deles na Constituição. Neste momento é muito importante defender o que está na Constituição. Não estamos mais na guerra fria. As pessoas olham para o que está acontecendo no Brasil como se fosse 1964 e 1968. Havia guerra fria e capitalismo contra comunismo. Não é essa a situação que vivemos. Temos de resistir a qualquer tentativa de ferir os direitos fundamentais assegurados na Constituição. O PSDB não deve abrir mão da defesa da democracia.

E sobre a guinada liberal no PSDB que Doria defende?
Essa é uma questão do século 18. Estamos no século 21. Hoje você não tem mais a possibilidade de imaginar mercado sem regulamentação. Fake news? Tem que regulamentar. Você não pode pensar que o Estado vai substituir a iniciativa privada. Ninguém propõe controle social dos meios de produção. No passado, era isso que definia esquerda e direita. Liberal quer dizer o quê? É um falso problema.

O sr. disse, quando era senador, que a extinção do PSDB podia ser parte da solução para mudar o sistema partidário.
O sistema partidário e eleitoral que montamos a partir da Constituição de 1988 se exauriu. A prova é a fragmentação partidária. Nós temos mais de 20 partidos no Congresso, mas não há 20 posições ideológicas. Os partidos viraram quase corporações. São grupos de parlamentares que se organizam e obtêm o Fundo Partidário e tempo de TV. Estamos assistindo à explosão desse sistema. Portanto, acredito que sim, será preciso repensar essa estrutura.

Pode-se deduzir que do PSDB poderá nascer um novo partido?
Eu não diria o PSDB, mas é preciso mudar as regras partidárias. Você não faz partido porque gosta. Quais serão as ideia-força capazes de reagrupar partidos? Não é questão puramente legal, mas de existirem ideias e líderes que debatam essas ideias. Os partidos perderam o sentido originário.


El País: “O voto não foi um endosso às posições controversas de Bolsonaro”, diz Thomas Trebat

Diretor do Columbia Global Centers no Rio, Thomas Trebat diz que eleitor votou por mudanças. Ele compara o candidato do PSL a Trump para dizer que, caso eleito, ele terá de "cair na realidade"

Por Rodolfo Borges, do El País

O professor norte-americano Thomas Trebat chegou ao Brasil em 2012, "no final da fase boa", segundo suas próprias palavras. "O Brasil parecia sair mais ou menos ileso da recessão mundial e estava a ponto de retomar um crescimento mais acelerado. Mas acabou virando um ambiente de fim de festa", diz o diretor do Columbia Global Centers no Rio de Janeiro, lembrando dos protestos de 2013, da eleição acirrada de 2014 e do desânimo que desembocou no impeachment de Dilma Rousseff em 2016. Na entrevista abaixo, o professor de relações públicas e internacionais, responsável pelo posto avançado da Universidade Columbia no Brasil, fala sobre o primeiro turno da eleição presidencial e a perspectiva de um Governo Jair Bolsonaro, que começou a campanha de segundo turno com boa vantagem nas pesquisas de intenção de voto.

Resposta. A voz do povo foi ouvida nas urnas. Obviamente foi um voto de repúdio contra a classe política de modo geral, contra partidos tradicionais. Uma chamada quase que desesperada para uma mudança radical no rumo do país. E essa voz não pode nem deve ser ignorada pelo Brasil e pelo mundo, por um lado. Minha segunda impressão, que dificulta um pouco para quem está olhando o Brasil pelo lado de fora, é que eu acho que esse voto não é um endosso ou uma chancela dos eleitores sobre as posições tão controvertidas, principalmente na área social, do candidato Jair Bolsonaro. Não é que o país de repente virou um país de um banco de malucos.

P. O que aconteceu?

R. Eles [os eleitores de Bolsonaro] querem mudança. E a mudança que lhes foi apresentada era voltar para um passado de que eles não gostam, com o candidato Fernando Haddad, ou arriscar com um futuro muito imprevisível e sem garantias. Essa foi aparentemente a opção. Temos de aguardar o segundo turno, tudo pode acontecer nas próximas três semanas. Não estou achando que é inevitável a vitória de Jair Bolsonaro, mas é o cenário mais provável. A eleição para governador no Rio de Janeiro [com o apoio de Bolsonaro, Wilson Wietzel surpreendeu indo para o segundo turno] mostra quão volátil é a opinião pública, quão à flor da pele estão as emoções do eleitor.

P. Como você interpreta esse comportamento?

R. Os brasileiros estão muito desesperados com a situação econômica do país —que eu acho que é um fator que deveria ser mais enfatizado—, e eles atribuem a situação econômica em parte à corrupção dos partidos políticos e dos políticos tradicionais. E veem como desdobramento da situação econômica essa violência, que ocorre principalmente no Rio, entre outros centros urbanos brasileiros, que sofrem com o medo da violência.

P. Você acha que Bolsonaro, caso eleito, conseguirá dar uma resposta a esses incômodos?

R. Não vai ser fácil. Quem vier no dia primeiro de janeiro... Meu ponto de vista é o de um americano morando há muito tempo no Brasil, então eu vejo a partir da experiência com [Donald] Trump. Um candidato completamente despreparando, como é Jair Bolsonaro, sem programa e querendo mudar o país da noite para o dia em áreas muito controvertidas, onde não há um consenso democrático, no caso dos Estados Unidos.

P. O que o fenômeno Trump pode dizer sobre o fenômeno Bolsonaro, caso ele de fato seja eleito?

"Os brasileiros estão muito desesperados com a situação econômica do país, e eles a atribuem em parte à corrupção"

R. Trump caiu na realidade. Ele tem conseguido avançar em algumas iniciativas, mas o que os americanos chamam de deep state, as nossas instituições de governo, a mídia, a sociedade civil, o Congresso, todos atuam para manter o presidente Trump e suas ideias controvertidas sob algum tipo de controle. Isso vai ser a experiência interessante para o presidente Bolsonaro, caso eleito. Ele vai querer entrar e, já no primeiro dia, preservar a família, parar com a violência "metralhando", vai querer levar para a prisão todos os acusados de corrupção, mas vai esbarrar em dois problemas. Primeiro, que há instituições fortes no país, que vão exigir mais cautela. Segundo, ele vai esbarrar no primeiro dia, ao descer a rampa do Palácio em Brasília, com o fato de que o país tem de funcionar, e de que isso é supercomplexo. É uma economia "complicadérrima", há um mundo lá fora exigindo posições do Brasil, regiões em conflito, indústrias ameaçadas pelos seus planos econômicos, a Previdência Social... Nada disso vai funcionar, todos esses problemas vão ocupar as energias do presidente desde o início.

P. E qual lhe parece que seria a reação dele em relação a isso?

R. Haverá naturalmente uma certa moderação nas posições dele, um certo fortalecimento das instituições brasileiras, que não são tão fracas quanto a gente pensa. Acho que ele vai cair na realidade. Por último, o fundamentalismo do mercado pregado pelo assessor econômico, Paulo Guedes, tem sido tentado no Brasil e na América Latina e não tem dado resultado. Vai gerar muitos conflitos. Privatizar empresas do Estado, cortar gastos na área social, a reformar a Previdência por meio de um sistema privado de capitalização, que é a proposta... Acho que nem o candidato acredita nesse fundamentalismo do mercado. E, quanto ao mercado financeiro global, é melhor não ficar iludido, achando que vêm por aí soluções milagrosas.

P. Você enxerga possibilidade de reversão das expectativas e de eleição de Haddad?

R. É interessante pensar que ninguém está cogitando essa possibilidade, mas é possível. Há um movimento de unir forças anti-Bolsonaro. Como um político falou nos jornais, e falou certo, se no primeiro turno Haddad era Lula, no segundo turno Haddad tem de ser Haddad. Tem de ser pragmático —não vai ser carismático—, tem de se distanciar um pouco do Lula, do PT, tem que forjar um consenso novo com parte do PSDB, certamente com o partido de Ciro Gomes [PDT] e outras forças anti-Bolsonaro, uma grande união de forças. Mas será que isso é uma missão possível? Mudar a imagem de uma pessoa de boa índole, que é o Fernando Haddad, que se ofereceu para preencher um vazio político de última hora... Mas será que ele quer mesmo fazer o sacrifício, assumir uma outra aliança política que não a do Partido dos Trabalhadores, que caiu no descrédito nesta eleição?

P. Não é muito complicado mudar de forma tão brusca uma campanha no meio do caminho?

R. Talvez o partido ache que os eleitores estão dizendo para o PT se retirar, para repensar seu programa, suas ideias, ficar um tempo longe do poder. Será que Haddad vai ter a capacidade política e retórica de se distanciar aos olhos dos eleitores? Não sei, mas isso é o caminho que ele tem de trilhar, tem de mostrar outro tipo de candidato, encabeçando uma coalizão de forças e disposto a negociar demandas, promessas e programas para incorporar outras correntes de opinião, nas forças do centro, até a centro direita. Os eleitores ficaram sem opção. Na cabeça das pessoas com as quais eu converso, a eleição foi entre [o líder fascista italiano Benito] Mussolini por um lado e [o presidente venezuelano Nicolás] Maduro por outro lado. Não é o que eu acho, mas está na mente do eleitores. Tem um vasto campo para ser ocupado no meio e três semanas para tentar levar esses argumentos aos eleitores. Acho que o apoio a Bolsonaro não é tão forte quanto parece. Com o passar do tempo, com a reação no resto do mundo, tem margem para Haddad pegar votos do centro e ele tem margem para diminuir a força do adversário. Dito tudo isso, se tivesse que apostar, eu apostaria no candidato Bolsonaro.

"No melhor dos casos [de um Governo Bolsonaro], após certo período de experimentos e radicalismo retórico, ele vai cair na realidade"

P. Você mencionou Trump enquanto parâmetro para um possível Governo Bolsonaro. Como a eleição do deputado do PSL posicionaria o país no contexto internacional?

R. Esse fenômeno no Brasil está sendo classificado como um tipo de [o presidente Rodrigo] Duterte, nas Filipinas, [Recep Tayyip] Erdogan, na Turquia, [Viktor] Orban, na Hungria, e certamente Trump, nos Estados Unidos. Acho que seria ingênuo pensar que isso não teve nenhuma influência sobre o Brasil. O mundo está sujeito a populismos e a promessas de soluções fáceis de líderes fortes, o que dá mais peso a esses líderes do que à democracia. Acho um grande perigo, não há como subestimar. Qual o povo que optaria por isso? Um povo que se acha sem opção, disposto a tentar a sorte. Nos Estados Unidos, eu acho que Trump ainda consegue ser uma ameaça maior, porque o poderio dos Estados Unidos afeta o mundo inteiro. No Brasil, o impacto do populismo de extrema direita é mais restrito, mas não deixa de ser um desfecho muito triste se for o caso. Se o Brasil for para um autoritarismo, uma polarização pior ainda, um desprezo pelos direitos civis e humanos... Isso é o medo daquele 53% da população brasileira que não votou em Bolsonaro. Medos que poderão ou não se realizar.

P. Qual seria o melhor cenário para um Governo Bolsonaro?

R. A única coisa que, na minha cabeça, faz sentido é que, se ele for eleito, tem de moderar seu posicionamento social e prezar pelo lado econômico. Obviamente o mercado financeiro e os donos do poder econômico estão satisfeitos. Ele não era seu candidato inicialmente, mas eles acham que a economia deve melhorar. No melhor dos casos, após certo período de experimentos e radicalismo retórico, ele vai cair na realidade, tocar a economia e gerar empregos. Posso estar sendo muito otimista, mas é uma possibilidade. Como no caso de Trump. Suas ideias mais radicais estão sendo bloqueadas. Ele fala coisas que deixam mais da metade da população furiosa, mas a economia está indo bem e as instituições democráticas também, assim com os filtros, os checks institucionais. O melhor cenário que poderia haver é um futuro Governo Bolsonaro tendo certas reformas econômicas dentro de uma economia que coopera, à base de confiança dos investidores. Isso seria um cenário de apelo para todo o mundo. Poderíamos ter outros governos, a partir disso, que continuariam nesse trilho de reformas econômicas, com segurança para o investidor e com geração de empregos. Estou sendo otimista, não quero nem pensar no que poderia ser pior, como sair mandando matar pessoas, como Duterte, ou prendendo opositores ou fechando a mídia. Se a economia continuar mancando, sem crescimento mais vigoroso, essa polarização pode até piorar e podem surgir alternativas ainda mais duras de ambos os extremos.


Luiz Carlos Azedo: O mito positivista

“Bolsonaro está sendo obrigado a desdizer não somente seus auxiliares, como Paulo Guedes, futuro ministro da Fazenda, e o vice, general Mourão, mas principalmente a si próprio”

No cavalo de pau dado pela campanha do PT, em razão da inviabilidade do projeto de “democracia popular”, que foi derrotado no primeiro turno, o candidato à Presidência Fernando Haddad deveria procurar nos seus alfarrábios um velho livro de Karl Marx, O 18 Brumário de Luís Bonaparte, publicado em 1852. Talvez o professor de ciência política da Universidade de São Paulo, que virou clone do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, encontre uma explicação para o que aconteceu em 7 de outubro. O “cretinismo parlamentar” desgraçou boa parte da elite política da Câmara e, principalmente, do Senado; o “transformismo” de seu partido fez do antipetismo uma força eleitoral avassaladora a favor de Jair Bolsonaro (PSL), protagonista de uma possível “restauração conservadora”, tal qual “o lunático Luís Napoleão, com meia dúzia de oficiais desconhecidos e cheios de dívidas”, nas palavras de Friedrich Engels, em carta ao seu amigo Marx.

Ao estudar a história da França entre a Revolução de fevereiro de 1848, que pôs fim à monarquia constitucional de Luís Felipe, e a Comuna de Paris, de 1871, Marx conceituou o “bonapartismo”, que até hoje gera controvérsias entre acadêmicos de esquerda, porque seria um meio-termo entre a “democracia burguesa” e o “fascismo”. Durante a ditadura militar, aqui no Brasil, provocou muita polêmica entre intelectuais e militantes de oposição, que se dividiam entre os que caracterizavam o regime como fascista, por causa do terrorismo político de Estado, e os que rejeitavam essa caracterização, porque não havia um partido de massas como na Itália de Mussolini e na Alemanha de Hitler. A essência do bonapartismo é a autonomia do Estado em relação às classes sociais e a existência de um líder político carismático e populista.

O chefe de Estado concentra um poder desproporcional em relação ao Legislativo e ao Judiciário, promove a centralização política em relação aos demais níveis de poder. Para governar, apoia-se na burocracia e nas Forças Armadas; suprime liberdades e reprime com violência a oposição e os movimentos sociais. Luís Bonaparte eliminou o Parlamento e tentou restabelecer o Império, mas tudo não passou de uma farsa. Por isso, o golpe de Estado de 2 de dezembro de 1851 foi chamado de 18 Brumário por Marx, numa alusão ao golpe de Estado de Napoleão Bonaparte de 9 de novembro de 1799 (18 brumário no calendário da Revolução Francesa), que resultou no fim da Primeira República, proclamada em 1792, e no Consulado, que logo se transformaria no Império de Napoleão. Luís Bonaparte derrubou a república burguesa e instaurou o Segundo Império (1851-1870), no qual se proclamou Napoleão 3º, com a ambição de restaurar a obra de Napoleão 1º, seu suposto tio.

O projeto “bonapartista” subjacente no discurso de Bolsonaro, como a “democracia popular” de Haddad, pode ter sido derrotado no primeiro turno. Propostas de elaboração de uma Constituição por notáveis, a ser submetida a um referendo popular, e de alteração da composição do Supremo Tribunal Federal (STF), que ferem frontalmente a atual Constituição, já foram descartadas. Para vencer, Bolsonaro está sendo obrigado a desdizer não somente seus auxiliares, como Paulo Guedes, futuro ministro da Fazenda e do Planejamento, e o vice, general Hamilton Mourão, mas principalmente a si próprio. Sobram declarações e episódios que podem lhe tirar a vitória, se não forem renegados. O tema da violência, que catapultou sua candidatura, virou uma faca de dois gumes, porque a narrativa do duro combate ao crime organizado também alimenta a radicalização política e ideológica de seus partidários contra os adversários.

Positivismo
O Brasil já teve três presidentes militares eleitos: Floriano Peixoto (1991-1894); Hermes da Fonseca (1910-1914); e Eurico Gaspar Dutra (1945-1950). Foram duros com a oposição, especialmente Floriano, o “Marechal de Ferro”, que governou a maior parte do tempo com o país em Estado de Sítio. Ao concluir o mandato, todos entregaram o poder a presidentes civis. Durante o regime militar, o militar que permaneceu mais tempo no poder foi João Figueiredo, que governou por seis anos, perdeu a própria sucessão e devolveu o poder aos civis, com a eleição de Tancredo Neves no colégio eleitoral. Getúlio Vargas, que foi ditador por 15 anos, presidente eleito, encerrou a carreira com um tiro no próprio peito. Não é fácil ser ditador no Brasil.

Na política brasileira, nunca o poder central teve tão pouca influência nas eleições. Os destinos do país estão sendo decididos pela sociedade, num pleito democrático, com ampla liberdade. A alternância de poder e o direito ao dissenso estão assegurados. O projeto político de Bolsonaro tangencia o velho positivismo da Escola Militar da Praia Vermelha e o castilhismo gaúcho, que são incompatíveis com nossa democracia. A atual Constituição, nosso mais valioso ativo democrático, só pode ser modificada pelo Congresso, que representa todos os eleitores, não apenas uma maioria eventual, caso do presidente eleito. Por isso, qualquer que seja o resultado das urnas, é melhor aceitar o resultado, com espírito autocrítico, para não repetir os erros no futuro. E respeitar a vontade popular.

 

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-mito-positivista/

 


Juan del Alcàzar: Brasil, entre catástrofe e desastre ou a percepção contraditória da realidade

No primeiro turno das eleições presidenciais brasileiras, venceu Jair Bolsonaro, ex-neofascista, racista, sexista, xenófobo, homofóbico e nostálgico militar da guerra suja e das violações maciças dos direitos humanos praticadas pelas ditaduras de segurança nacional do século passado. A notícia chocou os democratas do mundo, e um clamor foi levantado em favor de uma frente democrática que fecha o caminho para os militares e, assim, salva a democracia brasileira. Surpreendentemente, esse grito não é tão unânime no Brasil e há muitos democratas credenciados que se recusam a fazer parte de qualquer coisa com o PT de Haddad e Lula da Silva. Nem mesmo para impedir a ascensão de Bolsonaro.

Apesar de seus histriónicos violentos, mais de 49 milhões de brasileiros deram seu apoio; 18 milhões a mais do que Fernando Haddad, o candidato que substituiu aquele venerado por alguns e odiado por outros, Lula da Silva - preso por corrupção - à frente da candidatura do Partido dos Trabalhadores. Trinta dos 147 milhões de eleitores convocados para as eleições optaram pela abstenção, embora a participação eleitoral seja obrigatória no país, sob pena de multa. No dia seguinte 28, essa imensa massa eleitoral do gigantesco país sul-americano terá de voltar às urnas para tornar o presidente Bolsonaro, muito provavelmente; ou Haddad, algo que hoje em dia é quase impossível.

De fato, parece que a maioria dos brasileiros está determinada a colocar na mais alta magistratura da República um homem mais próximo de Donald Trump ou, ainda pior, se possível, do filipino Rodrigo Duterte, ou de um líder ocidental comparável.

Na Europa, a atual situação brasileira está sendo vivenciada com uma mistura de estupefação, descrença e, também, medo. Que a América possa ter em janeiro de 2019 um homem como Trump na Casa Branca e outro como Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto literalmente coloca o cabelo em é na metade do mundo. Já há algum tempo, os processos eleitorais na Europa têm oferecido resultados preocupantes: o britânico Brexit; Orban na Hungria, Salvini na Itália, ou o avanço da extrema direita na Áustria, Alemanha e Suécia.

A situação brasileira trouxe paralelos com a Alemanha de 1933 ou, de posições mais otimistas, com a França de 2002, quando a extrema-direita de Le Pen foi derrotada na segunda rodada por Jacques Chirac, que saiu do modesto 19,88% dos votos na primeira rodada para pegar um magnífico 82,21% no segundo turno, graças a uma resposta da França democrática unida contra o neofascismo da Frente Nacional de Jean Marie Le Pen. Parece improvável que algo semelhante aconteça no Brasil em algumas semanas.

Como é possível que a democracia no Brasil se encontre em tamanho desafio causado por tantos milhões de brasileiros?

Uma primeira abordagem analítica oferece seis elementos a serem desenvolvidos para compreender a situação: a corrupção, a violência urbana, a situação econômica, o descrédito de políticos e partidos tradicionais, a crescente desconfiança das instituições e a rejeição radical do binômio Lula / PT de um grande número de brasileiros. É uma espécie de tempestade perfeita em que metade dos eleitores provavelmente decidirá apoiar um candidato que promete soluções simples, duras, rápidas e eficazes. Em paralelo, da outra metade dos eleitores, apenas uma parte apoiará Haddad / PT com entusiasmo; outros o farão como um mal menor e um terceiro grupo - que se declara neutro porque considera os dois candidatos horríveis - ou se absterá ou votará em branco.

Corrupção e rejeição de Haddad: considerado um fantoche de Lula, são duas faces da mesma moeda. Embora não só o Partido dos Trabalhadores esteja atolado em corrupção, há anos ele foi deslegitimado pela corrupção perante uma grande parte do público. A violência urbana, endêmica na América Latina, atinge seus números mais insuportáveis ​​no Brasil: 17 das 50 cidades mais violentas do planeta estão no país. Após os primeiros anos brilhantes de Lula, quando a economia brasileira viveu anos de prosperidade, houve uma súbita mudança no mercado internacional de matérias-primas e de 5% de crescimento (2007-2010), passou para 2% (2010-2014) , a moeda depreciou, a inflação aumentou, as empresas estatais perderam valor (notadamente a gigante Petrobras) e os investimentos estrangeiros, especialmente os da China, foram reduzidos significativamente.

O descrédito da política e dos políticos tem sido paralelo ao anterior, e já às vésperas da Copa do Mundo de 2014 e em 2015, antes das Olimpíadas no Rio de Janeiro em 2016, as pessoas saíram às ruas para protestar contra os eventos esportivos enquanto o cidadão comum sofria de todos os tipos de deficiências. A tradicional desconfiança das instituições, do Judiciário à Polícia, passando pela administração política - a de Brasília e a dos diversos estados - cresceu exponencialmente desde que o PT e seus porta-vozes começaram a desenvolver a teoria do golpe [de novo tipo] como explicação das ações que terminaram com o impeachment da presidente Dilma Rousseff e a prisão de Lula da Silva.

A tese do petismo é que as classes dominantes, apoiadas por um meio monopolístico de comunicação, e as classes médias reacionárias perpetraram um golpe de estado através de ações de comunicação, legais e parlamentares. O desenvolvimento desse argumento levou a uma desvalorização da ideia de democracia, em um processo no qual o PT argumentou que o que eles entendem como uma conspiração contra Lula e Dilma requer substituir essa democracia por outro regime na imagem do existente na Venezuela Bolivariana. Nesse crescendo, o PT exacerbou a polarização da sociedade brasileira em torno do slogan "Nós contra eles", lançado anos atrás pelo próprio Lula para neutralizar alegações de suborno e corrupção de todos os tipos durante seu governo. De fato, quando o juiz Sergio Moro confirmou o sigilo do processo de julgamento contra o ex-ministro da Fazenda, Antonio Palocci, que concordou com o magistrado de reduzir sua sentença, ficou sabendo que 90% das leis que foram aprovadas durante os governos do PT foram graças a subornos. O início do fim de Lula e seu carisma foi a descoberta de que o chamado Mensalão não era mais do que isso: a compra de votos no Parlamento para realizar os projetos de seu governo.

Quando Lula foi preso e os juízes lhe negaram a possibilidade de ser candidato à presidência, ele nomeou o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, como seu representante. Longe de criar um perfil próprio, o designado mostrou-se submisso e dependente do grande líder, ele o visitou semanalmente na prisão para receber instruções e explicitar seu status provisório enquanto aguardava a liberdade do líder. Isso, agora, torna virtualmente impossível para o eleitorado democrático não-PT apoiá-lo no segundo turno. Como escreveu José Roberto de Toledo, a grande maioria dos eleitores não conhece Haddad o suficiente para odiá-lo ou temê-lo, então a rejeição dele e de sua candidatura é uma manifestação de medo e rejeição do PT de Lula.

Nestes momentos, quando o PT passou de "nós contra eles" para "todos contra ele" [Bolsonaro], parece tarde demais e pouco crível. Josias de Souza escreveu nestes dias que o PT chega ao segundo turno da eleição presidencial um pouco como aquele personagem de uma história que mata seu pai e sua mãe e, no dia do julgamento, pede misericórdia a um órfão pobre. O PT, diz de Souza, quer que o entendimento de todos constitua uma "frente democrática" contra Bolsonaro, personagem que seu próprio partido ajudou a criar com sua cleptomania e seus excessos polarizadores. A diferença entre o PT e o "órfão" da piada é que o PT quer ser perdoado sem pedir perdão.

Apesar de tudo, de fora do Brasil, as coisas são vistas de forma diferente. Além das imagens distorcidas que tem sobre o PT e sobre o próprio Lula, visto de forma simplificada como um partido social-democrata e carismático apoiado por seu povo à presidência da República, o medo do fascismo sugere negociar e concordar em alguns fórmulas que promovem uma opção unitária para a democracia no dia seguinte ao dia 28. É verdade que a fuga ao anti-democrático bolivarianismo e o que se sabe sobre o recente Lula tornam a missão quase impossível, mas devemos tentar com generosidade política para todos partes, especialmente pelo mesmo PT.

Manuel Castells divulgou um texto que gerou inúmeros suportes nas redes sociais. Nele, o sociólogo apela a todos os comprometidos com a democracia e adverte que o Brasil está em perigo e, com o Brasil, o mundo. Em tal situação, continua Castells, nenhum democrata, nenhuma pessoa responsável pelo mundo em que vivemos pode permanecer em uma indiferença generalizada ao sistema político brasileiro, porque se o Brasil, o país decisivo da América Latina, cai nas mãos deste desprezível e perigoso caráter, e os poderes factuais que o apoiam, teremos precipitado ainda mais baixo na desintegração da ordem moral e social do planeta. Também em linha semelhante, o jornal El País editou: "Nesta encruzilhada, aqueles que foram rivais de Haddad no primeiro turno farão bem em abandonar a abordagem exasperante que apresenta o candidato do PT e Bolsonaro como dois extremos comparáveis".

Estou surpreso e preocupado com o que percebo em meus contatos pessoais, que segue em uma direção radicalmente diferente. Das muitas longas conversas desses dias intensos com vários amigos brasileiros, deduzi que nem este nem outros apelos terão êxito. Acho que eles não estão avaliando bem a situação, mas sei que meus interlocutores são pessoas com boa formação, então ficarei feliz se forem eles que, como o admirado ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, estão certos. O ex-presidente disse: "As redes relatam que eu apoiarei Haddad. Mentira: nem o PT nem o Bolsonaro se comprometeram explicitamente com o que eu acredito. Por que eu deveria falar sobre candidaturas que são contra ou não são definidas em questões que eu valorizo ​​para o país e para as pessoas? "

Por outro lado, muitos de nós somos lembrados da Europa dos anos 30 com a "melhor Hitler do que a Frente Popular" ou, mais recentemente, o assédio da Democracia Cristã Chilena contra Salvador Allende em 1973, que se materializaria no golpe de Pinochet..

O Brasil é dividido e transpira ódio, um amigo me escreveu por causa do pessimismo. Outro, ele me explicou que muitos dos eleitores de Bolsonaro têm educação superior, mas também conta com favelas, moradores pobres e negros que são espancados pela violência. Um terceiro insistiu em deixar claro para mim: o candidato é Lula, não é Haddad. Bolsonaro é um idiota. Nenhuma partida forte por trás. Ele ganhou com propostas trovejantes, mas ele não poderá implementá-las. Além disso, meu amigo, historiador de profissão, afirma: engana-se quem transfere para o Brasil do século XXI o que aconteceu na Alemanha dos anos 30. Um último depoimento, um quarto amigo, uma vez em sintonia com o PT, me irritou muito : Aqui há fascismo de ambos os lados. Você não pode esquecer o jogo sujo do PT, arrogância e ataques à nossa Constituição. Eles vão pagar o preço por não criar líderes e apostar apenas no projeto pessoal de Lula. Isso merece uma análise clínica!

Todos eles são colegas universitários e merecem todo o respeito intelectual e político.

Um querido amigo do Nordeste [da única região que Haddad venceu], um ex-partidário do PT, me respondeu perguntando como chegamos aqui: essa é a pergunta que nos fazemos. Bolsonaro apresenta uma agenda antipetista mínima, uma luta contra a corrupção e um compromisso com a segurança. Isso é tudo que o brasileiro quer ouvir. Para uma educação sem ideologias, contra a ideologia de gênero, para a família, contra a escola que ensina que ser gay pode ser normal, que os militares podem trazer a paz ... Isso e o apoio muito efetivo dos evangélicos. As pessoas, meu amigo insiste, estão muito cansadas de Lula e da corrupção, e "o capitão" é como um mito, como o personagem de uma nova série da Netflix. Mas - conclui - eles não percebem as consequências que isso terá para a vida cotidiana.

Outro querido colega e amigo, Alberto Aggio, publicou ontem um artigo no Estado de São Paulo, do qual me emprestei o título desta coluna, em que concluiu dizendo: "Entre a catástrofe e o desastre, nossa frágil democracia terá que resistir a continuar respirando e ganhar sua sobrevivência. É um momento difícil, em que apenas o "pessimismo da razão" nos serve. E o mais trágico é que não existe um locus facilmente reconhecível que expresse qualquer "otimismo da vontade". Atordoados, os brasileiros seguem os sinais de alerta buscando evitar, de alguma forma, uma aproximação à morte da democracia.  Nuvens negras cobrem o futuro próximo do Brasil.


PSDB não tem a linha do Bolsonaro e fará oposição a ele ou ao PT, diz Tasso

Tucano diz que 'ventania no Congresso derrubou bons e ruins' e articula 'grupo do bom senso'

Thais Bilenky, da  Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Senador com mais quatro anos de mandato e ex-presidente nacional do PSDB, o cearense Tasso Jereissati afirmou que Jair Bolsonaro (PSL) "não tem a linha" de seu partido, que será oposição no próximo governo, seja o militar o presidente, seja Fernando Haddad (PT).

Para Tasso, "o grupo de Bolsonaro é muito perigoso", e senadores já se articulam em um "grupo do bom senso" para resistir a empreitadas polarizantes. A "ventania no Congresso derrubou bons e ruins", lamentou.

O candidato tucano a governador de São Paulo João Doria "não representa a cara" do PSDB, afirmou Tasso.

Como está o clima no Senado?
Está pesado. Com a quantidade de gente que não se elegeu, está todo mundo para baixo, deprimido. Acho que nunca vi isso. A renovação, nas outras eleições, não era tão grande, e tem gente muito boa [que não se reelegeu]. Cristovam [Buarque (PPS-DF)], Armando Monteiro [(PTB-PE), que tentou o governo de Pernambuco], Ricardo Ferraço (PSDB-ES). É uma pena.

Os eleitos não têm o mesmo preparo?
A minha primeira impressão é que caiu [a qualidade] pelos que saíram. Não estou vendo gente com esse nível, não. Vai ter muita gente nova, pode ter surpresas, mas a primeira impressão é caiu. A ventania derrubou tudo, bons e ruins. Mas foram os bons, que eram poucos.

Essa onda conservadora reconfigurou o Congresso.
Não foi só conservadora, não, porque os líderes conservadores também foram [embora]. Armando, que era candidato ao governo, Ferraço... Quer um senador que tenha tido desempenho melhor que o Ferraço nesses anos na linha de economia liberal? Eu vejo alguns de extrema direita, que não são liberais na economia, são estatizantes até.

Têm às vezes viés autoritário. O sr. se preocupa?
Existe a preocupação aqui de fazer um bloquinho, bloquinho, não, um grupo do bom senso, seja de esquerda ou de direita, que vá se aglutinando para evitar essa polarização, e que o bom senso prevaleça.

Mas vai ser uma minoria, não?
Não sei, não sei quem vem.

Se Bolsonaro ganha, o sr. tem preocupação com a democracia?
O grupo dele é muito perigoso nesse sentido, mas acho que as instituições, pelo quadro que estou vendo aqui no Senado, serão uma coisa bem resistente, um ponto de equilíbrio bem forte. A confirmar, em função dos que estão chegando aí.

No segundo turno, o PSDB deveria tomar que postura?
Isso que foi decidido, nem um nem outro. [Nos estados], cada um nas suas eleições que tome a versão que quiser. Mas o PSDB não vai apoiar nem um nem outro, e a expectativa é que qualquer um que ganhe nós sejamos oposição. É a minha visão.

Como viu a postura do Doria na campanha?
Ele andou anunciando a posição bolsonariana antecipadamente. Não se empenhou [na campanha do Alckmin] e aparentemente participou de grupos com outra linha para a Presidência, mas eu não estava perto. A sensação que nós temos é que isso aconteceu e com intuito claro de se eleger, porque a corrente bolsonariana em São Paulo ficou muito forte, uma onda muito grande. No intuito de não perder voto e ganhar voto, ele foi para essa linha e abandonou o Geraldo.

Isso, politicamente, tem que efeito?
É ruim, claro. Tem consequências.

É uma traição?
Claro, principalmente em São Paulo, em se tratando do Geraldo. Afinal de contas, Geraldo foi quem fez ele de cabo a rabo. E é ali do lado, não é uma coisa de um sujeito lá no Piauí que não conhece o Geraldo e votou no Bolsonaro. É dentro da casa dele mesmo.

Doria tenta ter controle sobre o partido. Como vê esse movimento?
Ele pode ser uma saída para o PSDB neste momento de dificuldades? Não acho que ele seja a saída, não. Claro, se ele se eleger governador de São Paulo, terá peso muito grande. Mas não sei se ele representa a cara do PSDB nacional nem a cara do PSDB paulista.

Qual é a diferença dele para o PSDB? O que não se enquadra no perfil?
Pode ser até que o antipetismo seja mais forte do que tudo isso, mas a linha do Jair Bolsonaro não é a nossa linha.

O PSDB sofreu a pior derrota na eleição presidencial, encolheu a bancada.
É um momento bem difícil.


IstoÉ: A democracia vai passar por um teste inédito, diz Sérgio Abranches

Por Vicente Vilardaga, da IstoÉ

As eleições da semana passada definiram uma nova composição para o poder Legislativo, que nada tem a ver com a que vigorou nos últimos 24 anos da República, dominada pela tríade PSDB, PT e PMDB. Ocorre agora uma fragmentação inédita, uma ascensão do baixo clero e uma mudança de agenda e de rumos, com 30 partidos ocupando pelo menos uma vaga na Câmara e nove deles tendo entre 28 e 37 representantes. Dois deles têm mais de 50 deputados, o PT (56) e o PSL (52), partido de Jair Bolsonaro. O desafio para o novo presidente será compor uma maioria robusta que lhe garanta a sustentação no poder. Em entrevista para a ISTOÉ, o cientista político Sérgio Abranches, 69 anos, que acaba de lançar o livro “Presidencialismo de Coalizão — raízes e evolução do modelo político brasileiro” (Companhia das Letras), explica como isso poderá ser feito. Para Abranches, “presidencialismo de coalizão” é o tipo de regime em que há uma diluição do poder parlamentar em vários partidos. “O PSL saiu do nada para formar a segunda maior bancada e com isso a lógica mudou porque não há mais um partido estruturador”, afirma.

O que caracteriza o presidencialismo de coalizão?
É o modelo político brasileiro desde 1946. A primeira versão dele entrou em colapso em 1964, com o golpe militar. Foi retomado em 1988, com a promulgação da nova Constituição democrática. Caracteriza-se pelo fato de combinar uma série de traços, de elementos estruturais ou institucionais que o tornam muito diferente do modelo presidencialista norte-americano. A principal diferença é que lá o presidente pode governar em minoria. É frequente na história política dos Estados Unidos o que eles chamam de governo dividido — o Congresso com a maioria de um partido e o Executivo com um presidente de outro partido. Aqui no Brasil tem se mostrado impossível governar em minoria.

Esse modelo ainda funciona?
Depende do ângulo que a gente olha. O fato de que o presidente não consegue governar sem maioria e de não conseguir fazer maioria com seu próprio partido (o partido do presidente nunca consegue mais de 20% das cadeiras), torna o modelo vulnerável e sujeito a crises. Toda vez que a coalizão se desfaz há uma crise política. Mas se a gente considerar o fato de que ele foi pensado para resistir a traumas que levassem a rupturas e à instabilidade democrática, certamente funcionou muito bem. Os constituintes conseguiram colocar no modelo uma série de elementos de defesa da democracia que fizeram com que fosse muito mais resiliente do que o modelo anterior.

O eleitor sente-se representado pelos nossos políticos?
Em nenhum lugar do mundo a população está satisfeita com a maneira pela qual vem sendo representada pelo sistema político. O problema local é mais grave por algumas razões. A primeira delas é que a crise de representatividade se associa a uma forte crise econômica e social, a mais grave da nossa história republicana. A segunda é que a gente já vinha numa tendência de esgotamento do sistema partidário que dominou os últimos trinta anos da República. As lideranças não se renovaram e os partidos envelheceram, se tornaram mais oligárquicos e controlados por um pequeno grupo de personalidades, quando não por uma personalidade só, como o PT.

De que forma isso explica a migração para a direita no espectro político?
Isso está muito embutido nessa tendência de realinhamento partidário. O que essa eleição produziu foi justamente isso, uma onda muito forte para a direita, liderada por um político que tem uma mentalidade claramente autoritária. O processo de realinhamento foi acelerado e atingiu gravemente os partidos que dominaram o jogo político a partir de 1994, principalmente o PT e o PSDB.

O PSDB parece ser o maior derrotado nesse processo.
É o maior perdedor. Sua bancada em 2014 tinha 54 parlamentares e agora tem 29. Foi derrotado em estados importantes e perdeu o papel estruturador na disputa presidencial. Sofreu uma derrota fragorosa exatamente no eixo da disputa que dominou por duas décadas. E não vai retomar sua posição porque não tem condições de liderança. O partido se deteriorou de uma forma avassaladora.

Qual o saldo das urnas para o PT?
O PT também foi fortemente derrotado. Ficou confinado no Nordeste, onde mantém alguma força, e viu a sua bancada desidratar. Embora seja a segunda maior bancada do Congresso, perdeu treze deputados — tinha 69 cadeiras e passou para 56. E perdeu também substância no Senado.

O senhor acredita que o MDB terá força para se rearticular nessa nova composição?
O MDB nunca disputou a Presidência para valer. Disputou a presidência três vezes, com Ulysses, Quércia e agora com Meirelles, e foi um fracasso retumbante. Nunca teve essa vocação de galvanizar o País numa disputa presidencial. Dedicou-se a formar bancadas numerosas e ser o pivô de qualquer coalizão, em qualquer governo. Agora, caiu de 66 cadeiras para 34 e é um parceiro descartável em todos os cenários.

Qual vai a ser a configuração do Congresso?
É uma configuração com bancadas médias, dez partidos terão bancadas com cerca de 30 parlamentares e duas com mais de 50 parlamentares, o PT e o PSL. Mudou muito a configuração. O PSL saiu do nada para formar a segunda maior bancada e com isso todo processo de montagem de coalizão mudou, a lógica mudou porque não tem mais um partido pivô, se perdeu o partido estruturador.

A onda anti-petista é determinante nessa eleição?
É importante, mas o fator determinante é a guinada do eleitor para a direita e para a extrema direita. O discurso que pegou foi anti-PT e a favor de uma série de valores morais conservadores. Surgiu uma pauta muito autoritária.

E de onde veio essa pauta moral conservadora?
O Brasil sempre teve uma parcela da sua elite com uma mentalidade autoritária e muito conservadora. Sempre foi assim. E com o avanço das igrejas evangélicas não tradicionais, essa visão ultramoralista, com interpretações unilaterais e estreitas da realidade, cresceu na população em geral, sobretudo entre os mais pobres. Por outro lado, o próprio regime de liberdade produziu a emergência de setores mais avançados, mais liberais e com padrões de comportamento muito diferentes da média da família tradicional brasileira. Esses setores progressistas exacerbam os sentimentos dos mais conservadores.

A votação de Bolsonaro é uma vitória personalista sem qualquer sustentação partidária importante?
Acho que sim, a campanha dele é uma campanha praticamente familiar, dois ou três generais, ele, o presidente do partido e os filhos. Ele e dois filhos tiveram um sucesso eleitoral espantoso. A partir de uma base sem estrutura, conseguiram produzir lideranças no Legislativo e dar alguma vertebração a um movimento muito personalista.

A classe média se alinhou com Bolsonaro?
Houve uma saída da classe média da base de Lula para a direita. Essa mesma classe média que apoiou o Lula e produziu vitórias espantosas ao longo das últimas eleições começou a se dividir na eleição da Dilma e agora migrou definitivamente para a direita. Ela foi frustrada pelo colapso econômico produzido pela Dilma.

Caso se eleja. Bolsonaro vai governar com maioria?
Ele está dando sinais, sobretudo através do deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), de que negocia por dentro da estrutura partidária com várias lideranças. Bolsonaro conhece bem o baixo clero e tem a vantagem de que parte da renovação foi por conta do PSL. Acho que vai tentar fazer uma coalizão, que vai ser pouco vertebrada, heterogênea e com a adesão de muitos oportunistas, como aconteceu com o Collor. No livro que acabei de publicar analisei os presidentes de Collor para cá e todos tiveram capacidade de aprovar sua agenda prioritária. Nos primeiros seis meses de governo nenhum deles sofreu qualquer contestação significativa do Congresso.

Como deverá ser a relação de Bolsonaro com a mídia?
Já é uma relação estressada, como, de resto, foi também com o PT. O Bolsonaro tem mostrado uma característica que se vê também em Donald Trump de preferir falar com uma emissora em particular e de usar as redes sociais para se comunicar diretamente com o público. Até agora ele fez isso e a maneira que ele escolheu para agradecer os votos foi um “live” nas mídias sociais. Sem imprensa, sem nada. Ele tem uma relação antagônica com a mídia.

O que representa a entrada de mais militares e policiais na esfera política?
Isso já ocorria nos Estados. A diferença agora é a presença de vários generais da reserva na campanha política e o aumento, nos últimos dois anos, dos pronunciamentos e das manifestações políticas dos militares, inclusive da ativa. É um fator político novo que devemos considerar com cuidado.

Pode-se dizer que a democracia está ameaçada?
A democracia vai passar por um teste inédito, pelo qual não passou até agora. Essa terceira república começou sofrendo um trauma muito forte, que foi a decepção quase instantânea com o Collor, que perdeu o apoio do eleitorado, da sociedade, e sofreu um impeachment. Mas ela conseguiu se recompor a partir do governo Itamar Franco. Com a estabilização da economia e o sucesso macroeconômico foi criado um plano de estabilidade e de apoio às instituições democráticas que durou 30 anos. Agora nós estamos diante de uma sucessão de traumas e a democracia vai passar por um teste sem precedentes.

As minorias estão ameaçadas?
Um governo com essas atitudes, com essa mentalidade autoritária, e com esse discurso tão extremado, como o do Bolsonaro, cria um risco social. O governo sofrerá as limitações institucionais típicas do nosso regime constitucional e provavelmente as obedecerá. O problema é o empoderamento das pessoas nas ruas: o policial que pode sacar a arma com facilidade, já que se sente autorizado, ou o rapaz homofóbico que se sente autorizado a atacar um homossexual. Há uma responsabilidade do Bolsonaro, se eleito, de segurar os seus radicais.


Ruy Fabiano: Os números elegem Bolsonaro

Bastam-lhe os votos dados a João Amoedo, Cabo Daciolo e Henrique Meirelles, que guardam perfil claramente antipetista.

O espírito plebiscitário manifestou-se já no primeiro turno, visível na escassez de votos a candidatos outrora competitivos, de grandes partidos, como PSDB, PMDB e PDT.

O eleitor percebeu, desde o início, que havia – e há – apenas dois lados em disputa, projetos antagônicos. E antecipou sua escolha.

A diferença expressiva de votos pró-Bolsonaro não se reverterá. É impensável que alguém que abraçou o seu ideário venha a fazer opção oposta, já que o voto, de ambos os lados, teve o sentido de legítima defesa. Foi – e é – uma eleição binária.

Resta saber de onde os dois finalistas poderão buscar votos suplementares. E aí a vantagem também é de Bolsonaro.

O fiasco dos partidos de esquerda, aqueles cujos votos podem reverter em massa para Haddad – Psol, Rede e PDT –, indica que essa transferência já ocorreu no primeiro turno.

A votação somada desses partidos não muda o destino eleitoral de Haddad, que precisa crescer mais de 20 pontos percentuais para que sua votação em primeiro turno atinja a maioria absoluta. Já Bolsonaro, considerando-se os números do primeiro turno, está a 4,5 pontos percentuais da vitória.

Bastam-lhe os votos dados a João Amoedo, Cabo Daciolo e Henrique Meirelles, que guardam perfil claramente antipetista.

Há ainda os votos do PSDB, que devem se dividir, dado o perfil centrista do partido. FHC quer apoio ao PT; Dória, que disputará em segundo turno o governo de São Paulo, e Anastasia, que disputará o de Minas, já declararam apoio a Bolsonaro.

Idem a candidata a vice de Alckmin, senadora Ana Amélia. O Centrão, que se aliou aos tucanos, já avisou que não apoiará o PT (seu companheiro de viagem ao longo dos governos Lula e Dilma).

O PDT, de Ciro Gomes, embora aparentado ideologicamente ao PT, fez exigências tais a Haddad que sugerem que não quer se comprometer. Pediu apenas, para começar, a Casa Civil, o Ministério do Planejamento e o Banco do Nordeste.

São cofres que o PT seguramente não dispensará. Ciro, magoado com Lula, por não tê-lo escolhido, optou por sair de cena.

A tentativa desesperada do PT de obter votos fora de sua seara, buscando atrair os eleitores que se abstiveram – e que somam 29 milhões -, fez com que, no espaço de três dias após o primeiro turno, adotasse uma estratégia patética, que beira o ridículo e rompe com todo o seu passado: “renunciou” a seus símbolos e programa.

Mudou as cores do partido, trocando o vermelho pelo verde-amarelo, tirou Lula da campanha e dos panfletos e adotou parte do discurso de Bolsonaro, passando a defender o porte de armas, o cristianismo e a família tradicional.

Nesse ritmo, acaba por perder seus próprios eleitores.

O que essas eleições estão mostrando é que os meios tradicionais de persuasão, via marqueteiros e grande mídia, perderam a relevância do passado. O candidato favorito não tinha sequer comitê de campanha; não tinha um CEP. Valeu-se das redes sociais, que o blindaram da hostilidade dos veículos tradicionais e das fake news e deram-lhe o protagonismo de que desfruta.

A brusca mudança de personalidade do PT esbarra na memória da internet. Lá estão, ainda frescas, declarações de Haddad em sentido diametralmente oposto ao que diz agora.

Entre outras, a de que subiria a rampa com “o presidente Lula” e que promoveria o desencarceramento em massa.

Em relação a Bolsonaro, não há novidade: “fascista, homofóbico, racista, misógino etc.”. Ele continua onde sempre esteve e, a menos que uma situação inteiramente nova se apresente, e que o mostre diferente do que é (algo já tentado sem êxito), está eleito.

Uma questão meramente matemática.

*Ruy Fabiano é jornalista


Demétrio Magnoli: A carta que Haddad não escreverá

O que o candidato do PT à Presidência deveria dizer na atual campanha eleitoral

O Datafolha mostrou que a democracia é um valor fundamental para 69% dos brasileiros. Dirijo-me a essa ampla maioria para pedir um voto contra o autoritarismo. O Brasil experimentou uma ditadura militar de 21 anos. Eleger meu adversário seria colocar no governo um grupo de saudosistas da ditadura que testarão a resistência de nossa democracia. Minha candidatura tornou-se a única alternativa a isso. O segundo turno não pode ser um plebiscito sobre Lula ou o PT, mas um plebiscito sobre as liberdades públicas e individuais.

Verde-amarelo no lugar do vermelho? O marketing não substitui a política. Hora de assumir erros históricos, falar a verdade. O PT dividiu o país em “nós” e “eles”. Isso acaba aqui. Não qualificarei como “golpistas” os que defenderam o impeachment, a quem também peço o voto. Nunca mais usaremos o rótulo “fascistas” para marcar os que divergem de nós. Não mais usaremos o rótulo “racistas” para marcar os que discordam de políticas de cotas raciais. Adotaremos, perante a sociedade, o “protocolo ético” que meu adversário rejeitou. A pluralidade de opiniões é a substância da democracia. De agora em diante, nós a respeitaremos.

Democracia exige coerência. Lula respeitou a regra do jogo democrático ao não buscar um terceiro mandato sucessivo. Mas, reiteradamente, o PT ofereceu apoio ao regime ditatorial em Cuba, à ditadura instalada por Maduro na Venezuela, à escalada repressiva de Ortega na Nicarágua. Jamais concordei com isso, que acaba agora. Não cultivaremos ditadores de estimação. O Brasil defende a democracia aqui e lá fora. Na China e na Arábia Saudita, na Rússia e na Turquia, em Cuba e na Venezuela.

Nas democracias, uma fronteira separa as esferas da política e da Justiça. Todos, inclusive eu, têm o direito de concordar ou não com decisões judiciais —mas os partidos e, sobretudo, o governo, não têm o direito de misturar as duas esferas. Lula está recorrendo aos tribunais superiores contra sua condenação. Meu governo não se envolverá nesse assunto e não o politizará. Sem independência do Judiciário, não existe democracia.

A imprensa livre é um pilar imprescindível da democracia. Trump, lá, e meu adversário, aqui, clamam contra o jornalismo profissional, enquanto seus seguidores difundem falsificações por meio de empresas oligopolistas da internet. Mas é preciso olhar nossa imagem no espelho. Durante anos, o PT pregou o “controle social da mídia”, como se a crítica, justa ou injusta, precisasse ser restringida. Chega dessa ladainha rancorosa. Difamação, injúria, calúnia são assunto para os tribunais. Fora disso, o “controle da mídia” deve ser exercido exclusivamente pelos leitores, espectadores e ouvintes, ao selecionarem os veículos de sua preferência.

Todos têm direito à ampla defesa. A caça às bruxas sempre foi ferramenta de tiranos ou pretendentes a tiranos. Mas não existe uma “corrupção do bem”. A “nossa” corrupção é intolerável, tanto quanto a dos outros. Os governos do PT têm pesada parcela de responsabilidade política pelos escândalos do mensalão e do petrolão. No meu governo, protegeremos os recursos públicos da sanha de corruptos de qualquer partido, inclusive do meu.

A economia não é um fim em si mesma: serve para as pessoas escaparem ao círculo da pobreza, viverem melhor, realizarem seus sonhos. Mas isso só ocorrerá de forma sustentada se recuperarmos o equilíbrio das contas públicas. A depressão dos últimos anos foi semeada pela irresponsabilidade fiscal do governo Dilma. Aprendemos a dura lição. Não repetiremos o erro desastroso, fonte última da crise que redundou no impeachment.

A disputa não é entre dois extremistas simétricos. Hoje, só há um extremista: meu adversário, que usa a democracia como plataforma para iniciar uma aventura autoritária. Derrotá-lo não é escolher o PT, mas escolher a democracia.

*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.


João Domingos: Águas turvas

Bater boca com eleitor é um dos erros que todos os candidatos devem evitar

Restam ainda duas semanas para o segundo turno da eleição, a propaganda no rádio e na TV começou nesta sexta-feira, 12. Tudo e nada podem acontecer. Levando-se em conta a primeira semana pós-primeiro turno, porém, não dá para dizer que foi uma semana boa para Fernando Haddad. Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede) frustraram as tentativas do PT de tornar Haddad líder de um movimento amplo de defesa da democracia. O PDT declarou apoio crítico ao PT, mas Ciro, de quem se esperava o apoio formal, viajou para a Europa e deixou Haddad na mão. Já Marina se disse contrária a Bolsonaro, virou as costas e nada mais disse. Ainda no campo dos gestos políticos, a senadora Kátia Abreu (PDT-TO), vice de Ciro, pediu que Haddad abandone a disputa e dê lugar ao candidato do PDT, por suas condições reais de derrotar Jair Bolsonaro (PSL).

Para completar a má fase, Haddad caiu numa armadilha nesta sexta. Depois de participar de uma missa, em São Paulo, o candidato foi abordado por uma mulher que o chamou de “abortista”. Haddad respondeu: “Eu sou neto de um líder religioso”. E completou: “Você deve ser ateia”. A discussão foi gravada pela reportagem do Broadcast Político. Mesmo que Haddad tenha se sentido agredido pela forma como a mulher o abordou, dizer que ela “deve ser ateia” foi um erro político primário. Em primeiro lugar, num país laico, de liberdade religiosa plena, é livre ser desta ou daquela religião, assim como é livre não ter religião nenhuma. Dizer que alguém é ateu numa conotação negativa, como Haddad disse, é intolerância religiosa, intolerância que tem se tornado um dos males do Brasil atual. Sem falar que qualquer manual mequetrefe sobre política desaconselha o candidato a bater boca com quem quer que seja, mesmo que este esteja cumprindo tarefa de um adversário, provocando-o ao máximo. É o candidato que está atrás de votos. É ele que está exposto. Nessa condição, não pode cometer deslizes.

Deixando-se de lado esse episódio e voltando-se os olhos para a composição da Câmara e do Senado dos próximos quatro anos é possível arriscar-se a escrever que, se eleito, Fernando Haddad terá mais dificuldades nas relações com o Congresso do que Jair Bolsonaro. PT, PSB, PDT, PSOL, PCdoB e PROS elegeram 143 deputados (cerca de 28% da Câmara) e 13 senadores (16% do Senado). Portanto, se vencer a eleição, Haddad terá de negociar apoio com os partidos que, desde 2016, com o impeachment de Dilma Rousseff, o PT acusa de “golpistas”.

Pode-se dizer também que Jair Bolsonaro terá dificuldades no Congresso, pois, em vez de 25 partidos, quem vencer a eleição terá de negociar com 30, e isso sempre dá trabalho. Os partidos que apoiam o capitão reformado do Exército elegeram 145 deputados (também cerca de 28%), dois a mais do que a bancada de Haddad. Mas a esses deputados bolsonaristas deverão se somar os que compõem as bancadas ruralista e evangélica. Ao todo, de acordo com cálculos iniciais, um eventual governo de Bolsonaro poderá nascer com uma base de cerca de 350 deputados.

O PT manobrou para tirar candidatos de centro-direita e de centro-esquerda do caminho do segundo turno. Queria enfrentar Jair Bolsonaro. Os estrategistas do partido concluíram que o sentimento anti-PT seria favorável a Geraldo Alckmin, Ciro Gomes e Marina num segundo turno. Só que a onda antipetista atingiu todo mundo e praticamente aniquilou a centro-direita. Eleitores desse campo pularam para os lados do capitão. O resultado foi um Congresso mais pró-Bolsonaro do que pró-Haddad. Se o petista superar todos os obstáculos da campanha e vencer a eleição, terá ainda de correr atrás, num ambiente hostil, de uma maioria que lhe garanta governabilidade.