Eleições

Luiz Inácio Lula da Silva discursando | Foto: Isaac Fontana/Shutterstock

Lula precisa dar guinada ao centro se quiser governar, dizem economistas

Alexa Salomão, Folha de S. Paulo

Logo após a contagem dos votos no primeiro turno das eleições neste domingo (2), o presidente Jair Bolsonaro (PL) atribuiu o resultado a sua bem-sucedida estratégia na economia, que elevou o valor do Auxílio Brasil, ao mesmo tempo em que reduziu o preço dos combustíveis e a inflação às vésperas do pleito. Economistas que acompanham a cena política discordam.

A economia até pode ter ajudado um pouco, como ocorre em qualquer eleição. No entanto, analistas atribuem a arrancada bolsonarista ao avanço da uma onda conservadora —e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai precisar se adaptar a esse movimento para ganhar a eleição e, depois, governar com um Congresso mais a direita.

Terminada a contagem, Lula recebeu 48,4% dos votos válidos, resultado dentro da margem de erro sinalizada pelas pesquisas. Bolsonaro teve 43, 22%, uma diferença de quase sete pontos percentuais, que fortalece o presidente no segundo turno.

"Para ocorrer essa diferença no resultado do Bolsonaro em relação às pesquisas, cujos votos foram subestimados vergonhosamente, [o motivo] não foi a economia —o que estamos vendo é uma onda conservadora", afirma a economista e advogada Elena Landau, que coordenou o programa econômico de Simone Tebet (MDB).

"Tem o astronauta Marcos Pontes virando senador por São Paulo, Hamilton Mourão ganhando no Rio Grande do Sul, Magno Malta voltando pelo Espírito Santo, Eduardo Pazuello, o ex-ministro da Saúde, como deputado federal mais votado no Rio. Isso não tem nenhuma relação com a economia."

Elena sai satisfeita com o resultado de sua candidata. "Simone foi de completa desconhecida à terceira mais votada", afirma. No entanto, ela se declara muito preocupada com os futuros efeitos do conservadorismo em duas áreas específicas, caso Bolsonaro se reeleja: o meio ambiente e o STF (Supremo Tribunal Federal).

"O próximo presidente poderá indicar dois ministros para o Supremo", diz ela. "Imagine o efeito disso."

Elena aguarda a posição de sua candidata no segundo turno, que deve ser divulgada até terça-feira. Se Simone apoiar Lula, existe a expectativa de que parte de suas propostas para a economia possa ser levada para o PT.

O economista Nelson Marconi, que atuou na coordenação econômica nas campanhas de Ciro Gomes (PDT) em 2018 e 2022, também não acredita que a melhora da economia explique o resultado.

"No levantamento que encomendamos, dá para ver que o governo Bolsonaro injetou cerca de R$ 450 bilhões na economia neste segundo semestre, com medidas em diferentes áreas, então, as pesquisas teriam de estar muito erradas para não captarem isso antes", diz Marconi. "Acredito que ocorreu outro movimento, mais ligado a agenda dos costumes."

Marconi garante que o seu candidato não vai apoiar Bolsonaro, mas ainda não tem uma definição sobre um eventual apoio a Lula.

O economista Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real, espera uma reação petista nos próximos dias. "Lula precisa dar uma guinada dramática ao centro se quiser segurar essa onda conservadora", diz Bacha, histórico apoiador do PSDB que participou da campanha de Tebet para "ajudar na construção da terceira via".

Para o economista, Lula precisa atuar para fortalecer sua coalizão no segundo turno.

Membro da Academia Brasileira de Letras, Bacha tem forte atuação nos bastidores do debate econômico como sócio-fundador do Casa das Graças, um instituto de estudos de política econômica no Rio de Janeiro voltado à promoção de debates sobre o desenvolvimento do Brasil. Neste ano, no entanto, preocupado com os rumos da política, assumiu uma posição mais pública.

Bacha diz que o primeiro passo do PT é concentrar esforços em São Paulo, onde Fernando Haddad (PT) chega ao segundo turno com 35,70% dos votos válidos, abaixo do que previam as pesquisas. O ex-ministro de Infraestrutura, Tarcísio de Freitas (Republicanos), apoiado por Bolsonaro, terminou o primeiro turno na frente, com 42,32%.

"Foi isso que fez a diferença para Bolsonaro, e será preciso reverter essa situação", afirma ele.

Petista histórico e ex-ministro do Planejamento e da Fazenda, o economista Nelson Barbosa, costuma estar em campos opostos aos colegas egressos do PSDB. Desta vez, porém, concorda com a importância das alianças mais amplas.

"Pelo aspecto político, o resultado indicou que Lula estava certo em construir uma frente ampla, pois só assim há chance de derrotar Bolsonaro", afirma Barbosa, que é colunista da Folha.

No segundo turno, Barbosa acredita, essa frente será mais ampla, com colaboração de pessoas que apoiavam Tebet e Ciro.

O economista Arminio Fraga, ex-presidente do BC (Banco Centra) e colunista da Folha, destaca que uma revisão na estratégia do PT é importante também por causa do perfil que a eleição deu ao Legislativo. "Bolsonaro sai muito forte no Congresso", diz ele. "Erros monumentais precisam ser corrigidos."

Cartas pró-democracia são lidas na Faculdade de Direito da USP

Público acompanha de dentro do pátio das Arcadas e na parte externa a leitura dos manifestos pela democracia na Faculdade de Direito da USP

O PL de Bolsonaro ganhou ao menos 23 deputados, chegando a 99. Tornou-se a maior bancada eleita na Câmara nos últimos 24 anos. A sigla terá praticamente um em cada cinco votos , consolidando-se como um ator essencial nas negociações políticas entre os deputados. Terá praticamente um em cada cinco votos entre os deputados, consolidando-se como um ator essencial nas negociações políticas.

Um terço do Senado foi renovado, e.o resultado também consolida o PL como a maior bancada. Terá 14 cadeiras, 5 a mais do que tinha no primeiro semestre deste ano, e ainda pode chegar a 15. Entre os eleitos estão ex-ministros bolsonaristas, como Damares Alves (Republicanos-DF) e Rogério Marinho (PL-RN).

Sócio-fundador da Gávea Investimentos, Fraga prefere a a discrição e não gosta de exposição pública. Neste ano, porém, à medida que o cenário político ficava mais tenso, aderiu a movimentos de apoio ao equilíbrio institucional.

Em agosto, numa atitude inédita, discursou no evento da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da USP (Universidade de São Paulo), em que foi lançado um manifesto de apoio à democracia.

O economista Bernard Appy, que foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda na gestão de Lula, chama a atenção para a necessidade de alianças mais conservadoras para exercer o governo em caso de vitória.

"Será preciso levar a coalizão mais para o centro não apenas para ganhar a eleição, mas para garantir a governabilidade em caso de vitória", afirma ele. "Há muito a ser feito, em várias áreas, principalmente na economia, que depende do Legislativo."

Diretor do CCiF (Centro de Cidadania Fiscal), Appy integra o Grupo de Seis, que redigiu propostas de reformas para os presidenciáveis em diferentes áreas. Também fazem parte os economistas Francisco Gaetani, Marcelo Medeiros e Pérsio Arida, o professor Carlos Ari Sundfeld (FGV Direito SP) e o cientista político Sérgio Fausto. Eles redigiram uma proposta de governo com reformas, entregue aos presidenciáveis

*Texto publicado originalmente na Folha de S. Paulo


Sônia Guajajara é uma das integrantes da bancada do cocar, que pretende fazer frente à bancada ruralista no Congresso a partir de 2023 | Foto: reprodução/Brasil de Fato

Sônia Guajajara: São Paulo elege sua primeira deputada indígena

Brasil de fato*

São Paulo elegeu, neste domingo (2), a primeira deputada federal indígena. Sônia Guajajara (PSOL) foi eleita para o cargo com 156.695, junto a outros 69 novos parlamentares que irão representar o estado paulista na Câmara dos Deputados.  

No Congresso, Guajajara irá somar o coro de parlamentares da esquerda em defesa do meio ambiente e de comunidades indígenas.

No Twitter, a parlamentar eleita comemorou. "São Paulo, nós conseguimos! A primeira mulher indígena eleita como deputada federal por SP vai aldear o Congresso Nacional. Muito, muito obrigada pela confiança! Vamos aldear mentes e corações, e construir um novo Brasil. Seguimos juntes!"

Compromisso de campanha

O material utilizado durante a campanha reforça que a sua grande pauta é “trazer as vozes dos povos originários e historicamente oprimidos e silenciados ao centro do debate político brasileiro: Indígenas, população negra, caiçaras e quilombolas”. 

“Suas principais bandeiras são a defesa da Amazônia e da Mata Atlântica, a defesa dos direitos das minorias, o respeito à diversidade e à pluralidade e a reconstrução da democracia no Brasil, que foi tão enfraquecida nos últimos quatro anos.” 

Durante a campanha, em carta escrita à população brasileira, Guajajara mirou o agronegócio como uma das facetas da destruição de florestas, com a regularização das invasões de terras públicas e indígenas. “Não podemos aceitar o garimpo com derramamento de mercúrio e outros contaminantes nos rios, com a destruição da floresta, matando os peixes, matando os Yanomami, matando os Munduruku, com a exploração dos trabalhadores e trabalhadoras. O ouro, o diamante, o alumínio, e outros minérios não podem carregar o sangue indígena”, afirma.  

https://www.youtube.com/embed/IVjeQH_JrOg

Nascida em 1974 na Terra Indígena de Araribóia, no Maranhão, Sônia dedicou a vida para combater a invisibilidade dos povos indígenas. Em cerca de duas décadas de atuação na luta pelos direitos das populações originárias, atuou em diferentes organizações e movimentos, como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), da qual é coordenadora executiva. 

Além de atuar no país, Sônia Guajajara tem voz no Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). Ativista há mais de vinte anos, a indígena representa os povos tradicionais nas Conferências Mundiais do Clima (COP) desde 2009, onde já apresentou diversas denúncias de violações aos direitos desses grupos. 

Aos 15 anos, ela deixou a região pela primeira vez para estudar em Minas Gerais, convidada pela Funai. Hoje, é formada em letras e em enfermagem, pós-graduada em educação especial e mestra em Cultura e Sociedade.  

Em 2001, participou do primeiro evento nacional indígena, a pós-conferência da Marcha Indígena, para discutir o Estatuto dos Povos Indígenas em Luziânia, no estado de Goiás. Em 2012, coordenou a organização do Acampamento Terra Livre na Cúpula dos Povos. No ano seguinte estava à frente da Semana dos Povos Indígenas e de ocupações no plenário da Câmara e no Palácio do Planalto. 

Foi premiada diversas vezes, em 2019 recebeu da Organização Movimento Humanos Direitos o Prêmio João Canuto pelos Direitos Humanos da Amazônia e da Liberdade. No mesmo ano, foi agraciada com o prêmio Packard concedido pela Comissão Mundial de áreas protegidas da União Internacional para Conservação da Natureza (UICN). 

Guajajara entrou para a história da política brasileira em 2018, quando foi candidata a vice-presidente na chapa de Guilherme Boulos (PSOL). Foi a primeira indígena a concorrer ao cargo.  

Foi Boulos, aliás, quem escreveu o perfil de Guajajara na revista estadunidense Time, que a elegeu uma das 100 pessoas mais influentes do mundo. Convidado pela revista para apresentar a colega de partido, Boulos destacou o fato de ela ter saído de casa aos 10 anos para trabalhar e, contrariando as estatísticas, ter chegado ao ensino superior. Ela é professora e auxiliar de enfermagem. 

"Sônia é uma inspiração, não só para mim, mas para milhões de brasileiros que sonham com um país que quita suas dívidas com o passado e finalmente acolhe o futuro", destacou Boulos. 

*Texto publicado originalmente no Brasil de Fato


Homepage of Economist website on the display | Imagem: Sharaf Maksumov/shutterstock

Eleições 2022: 'Economist' fala em 'vitória com gosto de derrota'

BBC News Brasil*

A eleição presidencial brasileira ocupou posições de destaque em portais da imprensa internacional — com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em geral, sendo apresentado como vitorioso, mas sem força suficiente para garantir uma vitória no primeiro turno sobre o presidente Jair Bolsonaro (PL).

A seguir, confira como alguns dos principais veículos de imprensa do mundo noticiaram a eleição presidencial brasileira, cujo segundo turno será disputado em 30 de outubro.

'Vitória com gosto de derrota'

A revista britânica The Economist, que deu destaque em seu site para o resultado do primeiro turno da eleição presidencial brasileira, abre sua reportagem principal afirmando que para o ex-presidente Lula, foi uma "vitória com gosto de derrota".

Reprodução do site The Economist

O texto destaca que Bolsonaro se saiu melhor do que o esperado, e que o momentum agora está com ele, e não com Lula — lembrando que muitos aliados do presidente foram eleitos para o Congresso.

Diante deste cenário, a reportagem afirma que se Lula vencer, pode ter dificuldades para governar.

"Isso terá implicações a longo prazo. Mesmo que Bolsonaro perca a presidência, o bolsonarismo parece uma força que chegou no Brasil para ficar."

E diz ainda que o "segundo turno será um teste para as instituições brasileiras".

"Especialmente se Lula acabar vencendo por uma margem estreita, e Bolsonaro se recusar a aceitar o resultado."

'Grande golpe para brasileiros progressistas'

O jornal The Guardian, também do Reino Unido, destacou que Lula foi vitorioso no primeiro turno, mas com desempenho insuficiente. O título de uma das matérias principais do site, que transmitiu os resultados da eleição brasileira em tempo real, dizia: "Ex-presidente Lula ganha em votos, mas não com vitória definitiva".

"O resultado da eleição foi um grande golpe para os brasileiros progressistas que estavam torcendo por uma vitória enfática sobre Bolsonaro, um ex-capitão do Exército que atacou repetidamente as instituições democráticas do país e vandalizou a reputação internacional do Brasil", diz um trecho da reportagem.

Pesquisas julgaram mal força dos conservadores

O jornal americano The New York Times, que criou uma página de transmissão ao vivo de informações sobre a eleição brasileira em seu site no domingo, destacou na página principal que Bolsonaro e Lula vão para o segundo turno.

A reportagem do site do jornal começa afirmando que Bolsonaro teve um desempenho melhor do que o previsto por analistas e pesquisas de intenção de voto — que, nas últimas semanas, "sugeriram que ele poderia até perder no primeiro turno".

"Durante meses, pesquisadores e analistas disseram que o presidente Jair Bolsonaro estava fadado ao fracasso."

"Em vez disso, Bolsonaro estava comemorando. Embora seu adversário, Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente de esquerda, tenha terminado a noite na frente, Bolsonaro superou em muito as previsões e levou a disputa ao segundo turno", acrescenta o texto.

A reportagem cita ainda as eleições estaduais e legislativas, dizendo que "as pesquisas pareceram julgar mal a força dos candidatos conservadores em todo o país."

Ainda assim, o jornal afirma que, nas próximas quatro semanas, Bolsonaro terá que abrir vantagem sobre Lula, que saiu na frente no primeiro turno.

"O presidente de direita está tentando evitar se tornar o primeiro presidente no cargo a perder sua candidatura à reeleição desde o início da democracia moderna no Brasil em 1988."

A publicação destaca ainda que a eleição de 30 de outubro é considerada "a votação mais importante em décadas para o país" — "vista como um grande teste para uma das maiores democracias do mundo".

Para muitos brasileiros, o impensável aconteceu

O Washington Post também destacou no topo de sua página principal que o Brasil teria um segundo turno, afirmando que "o próximo turno colocará Bolsonaro, um incendiário contrário a regulações (pelo Estado) que é chamado de versão brasileira de Donald Trump, contra seu inimigo político, da Silva, líder do Partido dos Trabalhadores".

"A eleição chamou atenção global como o mais novo palco para a luta mundial entre a democracia e o autoritarismo", diz uma parte do texto.

O jornal também mencionou a disparidade entre as pequisas de intenção de voto, que "mostraram consistentemente que Bolsonaro perderia — e perderia feio", e o resultado nas urnas.

"Para muitos brasileiros, o impensável já aconteceu", afirma o texto.

E avalia que o Brasil entra agora em um período "potencialmente desestabilizador" até o segundo turno.

"O país mergulhará agora no que pode ser seu momento politicamente mais incerto desde que deixou o jugo da ditadura. O medo que muitas pessoas já sentiam ao entrar nesta eleição — medo da violência, medo do futuro do país — só aumentará nas próximas semanas."

Feridas continuam abertas

O jornal Público, de Portugal, destacou na manchete "Brasil vai ao 2º turno. Lula vence por 6 milhões de votos" — e trouxe ainda no topo do seu site várias matérias e artigos, além de um editorial com título "Brasil: as feridas continuam abertas".

O Diário de Notícias também publicou no site várias notícias sobre a eleição brasileira, incluindo a manchete "Lula e Bolsonaro vão ao segundo turno".

Já o francês Le Monde destacou o resultado no Brasil como manchete do site: "Eleição presidencial no Brasil: Lula à frente de Bolsonaro, com segundo turno a ocorrer em 30 de setembro".

O subtítulo acrescentava: "Com 48% dos votos, o representante do Partido dos Trabalhadores, antigo chefe de Estado de 2003 a 2010, tem quatro pontos e meio de vantagem em relação ao presidente de extrema direita".

Página principal do Le Monde
Resultado do primeiro turno no Brasil foi manchete no site do Le Monde

Na América Latina

No México, maior país da América Latina depois do Brasil, um dos principais jornais do país, o El Universal, também colocou como manchete o resultado da eleição brasileira: "Lula e Bolsonaro definirão a presidência do Brasil em segundo turno".

O colombiano El Tiempo manchetou que "Lula da Silva e Jair Bolsonaro irão ao segundo turno".

Eleição surpreendente e apertada

Colagem com imagens dos sites do Clarin e La Nación
Jornais argentinos destacaram resultado da eleição brasileira como surpreendente

Na Argentina, o jornal Clarín destacou na manchete o resultado da eleição brasileira como inesperado: "Eleição surpreendente e apertada: Lula ganhou mas irá a disputa com Bolsonaro". O jornal trouxe ainda no topo do site uma seção com informações em tempo real sobre a eleição brasileira.

Final com suspense

O La Nación também trouxe na manchete a surpresa do resultado:

"Final com suspense no Brasil. Lula ganhou, mas a surpresa foi Bolsonaro e haverá mais uma rodada de votação."

*Texto publicado originalmente no site BBC News Brasil


Nas entrelinhas: O imponderável nas eleições em dois turnos

Luiz Carlos Azedo | Correio Braziliense

Com 200 anos de Independência, o Brasil tem instituições historicamente constituídas. Já houve muitas controvérsias sobre isso, uma das maiores foi na década de 1920, quando Oliveira Viana lançou Populações Meridionais do Brasil (Senado Federal), obra na qual dizia que o nosso sistema político era uma cópia barata dos regimes republicanos norte-americano e europeus. Viana distinguia três tipos diferentes no país — o sertanejo, o matuto e o gaúcho. Os principais centros de formação do matuto são as regiões montanhosas do estado do Rio, o grande maciço continental de Minas e os platôs agrícolas de São Paulo, região de influência hegemônica na História do Brasil.

“O sentimento das nossas realidades, tão sólido e seguro nos velhos capitães gerais, desapareceu, com efeito, das nossas classes dirigentes: há um século vivemos praticamente em pleno sonho. Os métodos objetivos e práticos de administração e legislação desses estadistas coloniais foram inteiramente abandonados pelos que têm dirigido o país depois da independência. O grande movimento democrático da Revolução Francesa; as agitações parlamentares inglesas; o espírito liberal das instituições que regem a república americana, tudo isso exerceu e exerce sobre nossos dirigentes, políticos, estadistas, legisladores, publicistas, uma fascinação magnética que lhes daltoniza completamente a visão nacional dos nossos problemas. Sob esse fascínio inelutável, perdem a noção objetiva do Brasil real e criam para uso deles um Brasil artificial e peregrino, um Brasil de manifesto aduaneiro, made in Europa, sorte de Cosmorama extravagante. Sobre o fundo de florestas e campos, ainda por descobrir e civilizar, passam e repassam cenas e figuras tipicamente europeias.”

A partir dessa conclusão, Oliveira Viana concebeu o seu “autoritarismo instrumental”, na visão do falecido cientista político carioca Wanderley Guilherme dos Santos: militares e elite agrária deveriam promover radical intervenção do Estado na vida política e social do país e criar bases sociais culturalmente aptas a sustentar um regime liberal. Não por acaso, tornou-se o ideólogo do Estado Novo de Getúlio Vargas, após a Revolução de 1930, e do futuro regime militar, que vigorou no Brasil de 1964 até a eleição de Tancredo Neves, em 1985.

As ideias de Oliveira Viana foram muito aclamadas na época. Somente o jornalista Astrojildo Pereira, fundador do Partido Comunista, teve a ousadia de criticá-lo. Seu pensamento teve notável influência na “modernização conservadora” do país e merece ser estudado até hoje, pois é a matriz mais autêntica das ideias de direita que estão aí vivíssimas, nas escolas militares e no chamado bolsonarismo. Trata-se de uma vertente autoritária do pensamento positivista, que serviu como uma luva para a projeção nacional do “castilhismo” de Getúlio Vargas como alternativa de poder.

Nos meios acadêmicos, existe um amplo consenso sobre o caráter nefasto do Estado Novo, mas não em relação à Revolução de 1930, saudada como a ruptura que concluiu a nossa “revolução burguesa” e abre-alas da modernização do Estado e da economia. No livro História da Riqueza do Brasil, Cinco séculos de pessoas, costumes e governos (Estação Brasil), Jorge Caldeira nos mostra que a República Velha também teve o seu valor, principalmente a partir do Acordo de Taubaté, que mudou a política de exportação e teve notável papel na formação de capital para a nossa modernização, sem falar no fato de que havia uma economia de sertão, grande responsável pela existência de nosso mercado interno.

Maioria silenciosa

Chegamos ao ponto. Nosso progresso depende de um justo e democrático equilíbrio entre o Estado e a sociedade. Essa é a chave para entender a importância da Constituição de 1988 e do voto popular na construção desse equilíbrio. Nosso Estado democrático de direito, com toda as suas vicissitudes, garante a democracia brasileira e suas instituições políticas, algumas das quais seculares, como o Senado e o Supremo Tribunal Federal (STF). E busca superar fatores que serviram de instrumentos para crises e rupturas da ordem democrática, entre os quais, dois têm a ver com a eleição que se realiza hoje: a existência de uma só votação para presidente da República e vice e a realização de dois turnos, caso nenhum dos candidatos alcance mais de 50% dos votos no primeiro turno.

A eleição de João Goulart como vice de Jânio Quadros, graças a uma manobra de sindicalistas paulistas, que fizeram uma dobradinha pirata, a chapa Jan-Jan, foi um dos fatores que nos levaram ao golpe de 1964, porque havia uma situação na qual o presidente que renunciou havia sido eleito pela direita e seu sucessor, que assumiu legitimamente o poder, pela esquerda. Agora, ambos são eleitos pelos mesmos eleitores. Outro fator de instabilidade era o fato de o presidente eleito por ser o mais votadonnão representar maioria dos votantes. Mesmo Getúlio Vargas, em 1950, por exemplo, teve 48% dos votos. Agora, não; precisa da maioria dos votantes, no primeiro ou no segundo turno.

O imponderável é o voto secreto, direto e universal, em urna eletrônica, à prova de fraudes. Em momentos como os que estamos vivendo, de radicalização política, o voto que decide é o mais silencioso. A alternância de poder é um dos princípios da democracia; o outro, o respeito aos direitos da minoria, principalmente ao dissenso. Vale a vontade do eleitor. Quem ganhar, leva. Seja agora ou no segundo turno.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-imponderavel-nas-eleicoes-em-dois-turnos/

Militantes do PCdoB fazem campanha no Calçadão de Campo Grande e relatam medo de agressões | Imagem: Igor Mello/ UOL

Intimidação e esquerda acuada: o clima no maior reduto bolsonarista do Rio

Nem mesmo o frio e a chuva fizeram com que a campanha eleitoral cessasse no principal reduto bolsonarista no Rio de Janeiro. Na reta final, cabos eleitorais de candidatos bolsonaristas e de partidos do Centrão disputavam espaço embaixo das marquises no Calçadão de Campo Grande, principal centro comercial do maior bairro carioca, localizado na zona oeste da capital.

No local, militantes e candidatos de esquerda relatam rotina de medo e intimidação por bolsonaristas, além do temor da milícia.

As zonas eleitorais de Campo Grande entregaram a Jair Bolsonaro (PL) sua maior vitória na disputa presidencial de 2018 na capital. Nelas, Bolsonaro venceu Fernando Haddad (PT) com 75% dos votos válidos. O bairro é o mais populoso do Brasil, segundo dados do Censo de 2010, e tem uma grande população evangélica e um número significativo de militares e policiais entre seus habitantes.

Nesta campanha, as ruas foram disputadas por candidatos de partidos fisiológicos e por bolsonaristas.

Ali, a esquerda se vê pouco representada: no Calçadão, o único candidato com uma presença relevante encontrado pelo UOL na quarta-feira (28) foi o petista André Ceciliano, presidente da (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) que tenta se eleger senador.

Fora isso, havia apenas duas barraquinhas distribuindo material de candidatos progressistas: uma do PCdoB e outra do PDT.

Cabos eleitorais no Calçadão de Campo Grande | Imagem: Igor Mello/ UOL

"É duro fazer campanha em Campo Grande porque ainda tem muita gente que declara voto em Bolsonaro. E há apreensão o tempo todo porque é notório que é uma área dominada [pela milícia]. Mas estamos aqui firmes e fortes na tentativa de mudar esse quadro", argumenta.

"Fazer campanha aqui no Calçadão ainda é tranquilo, dentro dos bairros [de Campo Grande] é diferente, tem um clima de intimidação maior." Carlos Rangel, coordenador da campanha do PCdoB em Campo Grande.

Atentado durante campanha. Apesar de relatos de discussões e troca de ofensas entre bolsonaristas e militantes de esquerda, a campanha transcorria sem casos de violência física até esta semana.

Na terça-feira (27), o vereador Willian Siri (PSOL), candidato a deputado federal, denunciou ter sido vítima de um atentado enquanto fazia campanha no centro de Campo Grande.

Siri relata que conversava com eleitores na calçada de um famoso bar do bairro quando um homem jogou o carro em sua direção. O parlamentar estava de costas e só não se feriu gravemente porque foi puxado por uma pessoa que viu a tentativa de atropelamento, segundo contou ao UOL.

Quando você olha essas violências políticas que têm no Brasil, não imagina que vai acontecer com você. Campo Grande é um bairro que nunca teve esse histórico. Tem a questão da milícia, que é outra coisa, mas violência nesse nível ideológico, não.

"Willian Siri (PSOL), vereador e candidato a deputado federal Com a proximidade do primeiro turno, Siri demonstrou preocupação com o risco de uma escalada de violência, especialmente com a chance de vitória de Lula no primeiro turno. Apesar disso, ele diz que a receptividade no bairro com candidatos de esquerda tem sido muito maior do que em 2018.

"O Calçadão de Campo Grande é meu parâmetro de vida política. Em 2018, até o camelô era Bolsonaro. Hoje mudou muita coisa. A quantidade de panfletos e adesivos do Lula que saem é muito grande."

'Datacamisa' dá vantagem a Bolsonaro. Se as campanhas de esquerda sustentam uma percepção de que o apoio a Lula tem crescido na reta final da campanha, quem aproveita a eleição para faturar tem uma opinião oposta.

Vendedores de itens como camisas e toalhas dos candidatos na região dizem que a procura por produtos com alusões ao presidente é muito maior.

O comerciante Adailson da Silva, 46, tem uma gráfica na região. Na frente, exibia apenas camisas com motes bolsonaristas. Perguntado sobre o motivo, disse ser uma opção eminentemente comercial.

"Não boto do Lula porque não vende. Para cada uma saem 30 do Bolsonaro. Eu só faço do Lula quando tem encomenda, porque não compensa ter no estoque. Hoje mesmo vendi dez camisas do Bolsonaro e não saiu nenhuma do Lula ainda", explicou.

A percepção do ambulante Geovane de Souza, 47, é a mesma. Ele concilia uma barraca que vende roupas e acessórios e uma carrocinha de pipocas no Calçadão. Ao lado de camisas verde e amarelas com o rosto de Bolsonaro há uma toalha de Lula à mostra. Souza diz que a demanda dos bolsonaristas é maior e que os públicos dos dois candidatos têm perfis diferentes.

"No comecinho estava vendendo mais do Lula, mas de um mês pra cá inverteu. Vendo 15 itens do Bolsonaro e uns cinco do Lula. Hoje já vendi cinco do Bolsonaro e nenhuma do Lula", relata. "Quem compra do Bolsonaro é mais pai de família, que vem pegar pra presentear o pai ou o avô. Já do Lula é gente mais jovem mesmo", diz.

O ambulante Geovane de Souza diz que camisas de Bolsonaro são mais vendidas que produtos de Lula em Campo Grande | Imagem: Igor Mello/ UOL

Destino de presidenciáveis. O Calçadão de Campo Grande é um ponto de parada obrigatório de candidatos que almejam crescer entre o eleitorado de perfil popular no Rio. Por isso, é sempre visitado por candidatos à prefeitura da capital e ao governo do estado.

Até mesmo presidenciáveis já marcaram presença no local. O mais célebre deles foi José Serra (PSDB). Em 2010, foi durante uma caminhada no local que ocorreu o episódio da bolinha de papel, quando ele caminhava ao lado de seu vice, Índio da Costa, e de militantes.

O grupo se encontrou com petistas e uma confusão ocorreu. Serra foi atingido por um objeto na cabeça e, inicialmente, foi divulgada a versão de que seria uma pedra. O presidenciável chegou a ir a um hospital fazer exames, que nada constataram. Posteriormente, imagens da confusão revelaram que Serra foi atingido por uma bolinha de papel e um rolo de fita adesiva.

Em 2014, foi a vez de Aécio Neves (PSDB) ir ao local. Ele foi levado por Jorge Picciani (MDB), que naquela época capitaneava o movimento "Aezão", uma dissidência que pedia votos no governador Luiz Fernando Pezão —que formalmente apoiava Dilma Rousseff (PT)— e no tucano.

Já Lula esteve no local fazendo corpo a corpo em 1998, quando acabou derrotado por Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Em 2014, o PT chegou a organizar um grande comício para a campanha de Dilma Rousseff (PT) no Calçadão, tendo Lula como atração principal. Mas o ex-presidente desistiu de ir, frustrando os petistas que o aguardavam no local.

Na campanha deste ano, apenas Ciro Gomes (PDT) fez uma caminhada no Calçadão—ele esteve no bairro da zona oeste ao lado de Rodrigo Neves (PDT), seu candidato ao governo do Rio.

Texto publicado originalmente no portal UOL.


Em entrevista ao Jornal da Record, presidenciável falou sobre sua proposta para o empreendedorismo feminino e voto útil (Foto: Reprodução/TV Record)

Paulo Guedes é ‘engodo’ e não conhece a realidade do Brasil, diz Simone sobre atual ministro da Economia

Cidadnia23*

A candidata a presidente da coligação Brasil para Todos (MDB, Cidadania, PSDB e Podemos), Simone Tebet (MDB), criticou ao atual ministro da Economia, Paulo Guedes, e o chamou de ‘engodo’ durante entrevista ao Jornal da Record, da TV Record, nesta quarta-feira (28).

“Lamentavelmente, o atual ministro é um engodo. O ‘Posto Ipiranga’ que diz resolver tudo e não resolve nada. Ele simplesmente não conhece a realidade do Brasil a ponto de dizer que não tem gente pedindo comida ou dinheiro nos semáforos das grandes cidades brasileiras”, disse a candidata, a referir à fala de Guedes, ocorrida nesta segunda-feira (26), quando, em discurso para empresários na Bahia, ele afirmou que o Auxílio Brasil, programa de transferência de renda do governo Jair Bolsonaro (PL) em vigor desde novembro do ano passado, retirou as pessoas das ruas.

Simone respondeu também perguntas sobre o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), falou sobre sua proposta para o empreendedorismo feminino e disse ainda o que pretende fazer para diminuir a desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho.

Voto útil

Durante a entrevista, Simone evitou citar o nome de Lula, mas disse que o “voto útil” é o “voto consciente” e que quem decide a eleição são os cidadãos. A campanha petista investe no que é conhecido como “voto útil”, quando um eleitor opta por um candidato que não é necessariamente a sua primeira opção com o objetivo de determinar os resultados eleitorais.

“Voto útil é o voto consciente do eleitor. Quem decide, dia 2 de outubro, são os cidadãos. Participei de algumas eleições e sei que o dia decisivo é nas eleições”, afirmou a presidenciável.

Combate à fome

Ao visitar o Mercado Muncipal de São Paulo nesta quarta-feira (28), Simone defendeu o combate à fome no Brasil.

“Estar no Mercado Municipal, onde nós falamos de fartura, é mostrar a triste realidade de um Brasil tão desigual. De um lado, alimenta o mundo, mas há uma parcela significativa da população que passa fome”, disse.

Ela ressaltou ainda a importância do combate urgente ao desperdício de alimentos no Brasil.

“Os dados oficiais mostram que se nós acabarmos com o desperdício, nós temos capacidade de alimentar todo o Brasil que passa fome. Depois da porteira para fora, nós temos desperdício no manuseio, no transporte, na armazenagem e na comercialização dos produtos, sem contar o desperdício da comida que a gente joga na lata de lixo porque não come tudo”, avaliou Simone.

Matéria publicada originalmente no portal Cidadania23.


Foto reprodução DW Brasil: @Mauro Pimentel / AFP Getty Images

Tensão, ofensas e bate-boca marcam último debate

Jean-Philip Struck | DW Brasil

Em desvantagem nas pesquisas e com risco de perder já no primeiro turno, o presidente Jair Bolsonaro (PL) adotou nesta quinta-feira (29/09) uma postura de "vale tudo" no terceiro e último debate da campanha presidencial.

Já no primeiro bloco, o presidente se referiu a Luiz Inácio Lula da Silva como "presidiário" e "traidor da pátria", recorreu a teorias conspiratórias e chegou a gritar quando seu microfone estava desligado.

Lula, por sua vez, em contraste com seu desempenho discreto no primeiro debate, em 28 de agosto, reagiu e devolveu os ataques, mencionando as "rachadinhas" e as dezenas de compras suspeitas de imóveis pelo clã Bolsonaro, além dos escândalos na compra de vacinas e distribuição de verbas do Ministério da Educação.

Na saraivada inicial de ataques lançadas por Bolsonaro, até mesmo a TV Globo, organizadora do debate, foi alvo. "Eu acabei com a mamata da Rede Globo", disse o presidente, que chegou acompanhado ao debate com seu filho Carlos, que é apontado como o cérebro do "gabinete do ódio" bolsonarista.

Boa parte da troca de farpas entre o presidente de extrema direita e o social-democrata Lula ocorreu ainda no início do debate.

Curiosamente, Bolsonaro e Lula nunca se enfrentaram cara a cara. Todas os ataques e críticas ocorreram em direitos de resposta ou perguntas e respostas a outros candidatos. Pelo sorteio, apenas Bolsonaro teve a chance de dirigir uma pergunta a Lula, mas o presidente, em vez disso, escolheu questionar o nanico Felipe D’Avila (Novo). Já o petista não foi sorteado para dirigir perguntas a Bolsonaro.

O presidente também voltou a repetir mentiras de debates anteriores, como a afirmação de que não tem relação ou responsabilidade pelo "Orçamento Secreto" ou de que seu governo não atrasou a compra de vacinas.

O debate ocorreu poucas horas depois da divulgação de mais uma pesquisa Datafolha, que mostrou Lula com 14 pontos de vantagem sobre Bolsonaro e com o petista mantendo suas chances de vencer no primeiro turno.

Nas últimas semanas, Bolsonaro tem ameaçado não respeitar o resultado das urnas e reforçado ataques ao sistema eleitoral. No entanto, a postura golpista do presidente em relação ao processo democrático praticamente não foi abordada por seus rivais. Apenas a candidata Soraya Thronicke (União Brasil) questionou se o presidente pretende liderar um golpe caso seja derrotado, mas Bolsonaro se esquivou e a senadora não voltou a insistir no tema.

Ao longo do debate, os sete candidatos presentes também raramente seguiram os temas sorteados. Perguntas que deveriam ser, por exemplo, sobre segurança pública, viraram troca de acusações sobre distribuição de cargos no governo federal.

Interrupções e gritos também foram frequentes, com o mediador William Bonner não escondendo sua frustração com o comportamento de alguns presidenciáveis, especialmente o candidato nanico "Padre" Kelmon (PTB), que agiu como provocador e sistematicamente desrespeitou as regras no seu papel de "linha auxiliar" de Bolsonaro ao longo do debate.

Lula também chegou a perder a paciência com Kelmon e chamou o candidato do PTB de "fariseu" e "candidato laranja".

Ao longo do debate, foram pedidos 19 direitos de resposta – quase o dobro do embate anterior. Dez foram concedidos – quatro favoráveis a Lula, quatro a Bolsonaro, um a Soraya e um a Kelmon.

Houve tensão até mesmo entre os candidatos nanicos, que registram 1% ou nem pontuam nas pesquisas. Soraya e Kelmon protagonizaram outra briga da noite, com a senadora chamando o candidato do PTB de "padre de festa junina".

Simone Tebet (MDB), a exemplo do que havia ocorrido nos dois debates anteriores, direcionou críticas a Bolsonaro. Apagado ao longo do embate, Ciro Gomes (PDT) apostou mais uma vez em distribuir críticas tanto a Lula quanto a Bolsonaro. Felipe D'Avila (Novo), outro candidato nanico, preferiu direcionar ataques a Lula, mostrando convergência com Bolsonaro em diversas oportunidades.

Foram mais de três horas de debate. A tensão só começou a esfriar no quarto bloco, quando o debate já entrava na madrugada. Nessa etapa, Bolsonaro aproveitou para pedir votos a aliados e outros candidatos trocaram apenas perguntas burocráticas.

Bolsonaro ataca, Lula reage

"Nós não podemos continuar no país da roubalheira", disse Bolsonaro em uma pergunta dirigida ao aliado Kelmon, na primeira dobradinha da noite com o autoproclamado padre. O presidente também disse que o petista montou uma "quadrilha".

Lula reagiu. Ao ter um pedido de resposta atendido, Lula mencionou uma série de suspeitas que pairam sobre Bolsonaro, incluindo as acusações de roubo de salários de assessores que envolvem seu clã político e as dezenas de compras suspeitas de imóveis desde os anos 1990. "O presidente quando aparecer aqui, por favor, minta menos", disse Lula.

"Num debate entre pessoas que querem ser Presidente da República, o atual presidente tivesse um mínimo de honestidade. O mínimo de seriedade. Ele falar que eu montei quadrilha? Com a quadrilha da rachadinha dele que ele decretou sigilo de cem anos, com a rachadinha da família, sabe, do Ministério da Educação? Com barras de ouro? Ele falar de quadrilha comigo? Ele precisava se olhar no espelho e saber o que está acontecendo no governo dele", disse Lula.

"Mentiroso, ex-presidiário, traidor da pátria", rebateu Bolsonaro ao obter outro direito de resposta. "Que rachadinha? Rachadinha é os teus filhos roubando milhões. Tome vergonha na cara, Lula". Bolsonaro ainda afirmou que faz "um governo limpo, sem corrupção", embora sua administração tenha registrado diversos escândalos, como a "farra dos pastores" no MEC e acusações de propina da compra de vacinas.

Na sequência, foi a vez de Lula mencionar a série de sigilos de um século que o governo Bolsonaro decretou nos últimos quatro anos. "É uma insanidade um presidente da República vir aqui e dizer o que ele fala com a maior desfaçatez. É por isso que no dia 2 de outubro o povo vai te mandar para casa. E eu vou fazer um decreto acabando com o seu sigilo de 100 anos para saber o que tanto você quer esconder", disse Lula.

Fugindo de questionar Lula diretamente na escolha de adversários, Bolsonaro tentou usar outros candidatos para lançar ataques ao petista. Um deles foi Felipe D'Avila, do Novo. Bolsonaro questionou o liberal sobre se ele ficaria preocupado "se o governo cair na mão da esquerda". D'Avila prontamente aceitou fazer tabelinha com o presidente, criticando Lula e o PT.

O presidente tentou repetir a tática com Simone Tebet, trazendo o tema Celso Daniel para o debate. O assassinato do ex-prefeito de Santo André (SP) em 2002 é um tema que costuma ser explorado em círculos conspiracionistas de direita, que 20 anos depois ainda promovem acusações de que a cúpula do PT teve relação com o crime – algo descartado nas investigações.

Tebet, no entanto, não mordeu a isca lançada por Bolsonaro, e lançou uma provocação: "Falta ao senhor coragem para perguntar isso ao candidato do PT, que, segundo você, está envolvido no caso. Ele está aqui. Por que não pergunta a ele?".

A fala de Bolsonaro levou a um novo pedido de resposta de Lula. "Não é possível conviver com alguém com a cara de pau", disse o ex-presidente. "O Celso Daniel era meu amigo e foi o melhor gestor público que esse país já teve. A Polícia Civil e o MP já deram por encerrado [o caso], decidiram que é crime comum. Eu procurei o Fernando Henrique Cardoso e pedi para ele procurar a Polícia Federal, e você vem culpar o Lula pela morte de Celso Daniel? Seja responsável. Você tem uma filha de dez anos vendo o programa que você está fazendo, pare de mentir, o povo não suporta mais".

"Padre de festa junina" tumultua debate e irrita candidatos

Substituto do ex-deputado de extrema direita Roberto Jefferson, que teve sua candidatura barrada pela Lei da Ficha Limpa, "padre" Kelmon tumultuou o debate em diversas oportunidades, evitando sistematicamente seguir as regras e lançando provocações para outros presidenciáveis.

Descrevendo todos os adversários de Bolsonaro como membros da "esquerda" – inclusive o liberal D'Avila –, Kelmon explicitou sua dobradinha com o presidente ao repetir, a exemplo do debate anterior, que o encontro consistia um "cinco contra dois".

Kelmon protagonizou dois bate-bocas: com o ex-presidente Lula e com a senadora Soraya. A candidata do União Brasil chamou Kelmon – que se apresenta e se veste como sacerdote ortodoxo mesmo não pertencendo a nenhuma igreja de comunhão ortodoxa no Brasil – de "padre de festa junina" e de "cabo eleitoral de Bolsonaro". Ela ainda perguntou se ele "não tem medo de ir para o inferno".

"O senhor está parecendo mais o seu candidato, que é nem-nem: Nem estuda e nem trabalha. O senhor não estudou. E dizer mais, não deu extrema-unção (para vítimas da pandemia) porque o senhor é um padre de festa junina. Não sabe nem o que é direita ou esquerda. Não sabe!", afirmou Soraya. Sem esconder seu desprezo pelo candidato do PTB que insistia em provocações, Soraya errou diversas vezes o nome de Kelmon, chamando-o de "Kelvin" e "Kelson".

Em outro momento, Kelmon protagonizou um bate-boca com Lula, com o petista se irritando com o candidato do PTB.  "O senhor é um descondenado. Não deveria nem estar aqui como candidato", disse o candidato do PTB ao petista.

Os microfones chegaram a ser cortados e as câmeras evitaram mostrar a discussão, mas era possível ouvir Lula ao fundo dirigindo críticas ríspidas ao adversário.

"Não dá para debater com uma pessoa que tem um comportamento de um fariseu e se veste de padre. Não dá. Ou você aprende a respeitar e fecha a boca quando alguém estiver falando", disse Lula, ao recuperar o microfone. Ele também chamou Kelmon de "candidato laranja" e de "impostor". O mediador do debate, o jornalista William Bonner, demonstrou exasperação com o comportamento do "padre", pedindo que ele se calasse e apontando que ele deveria se ater às regras do debate. "Candidato Kelmon, não consigo entender. O senhor compreendeu que tem regras o debate?", disse o jornalista.

Nas redes sociais, usuários criticaram a participação de Kelmon, questionando por que a legislação eleitoral permite que um candidato substituto que registra traço nas pesquisas possa participar dos debates.

Embates secundários

Ciro, que ficou apagado ao longo dos diversos embates ao longo do encontro, chegou a ter um momento com ares de acerto de contas com Lula no início do debate. Em uma pergunta dirigida ao petista, Ciro perguntou sobre o endividamento das famílias durante o governo do ex-presidente. "Ciro, estou achando você nervoso", provocou Lula na resposta. "Você saiu do governo porque quis ser candidato federal contra minha vontade. Eu queria que você fosse para o BNDES. Você viveu no período do meu governo no momento de maior conquista social desse país", disse Lula na resposta.

"O mais grave é que parece que o presidente Lula não quis aprender nada com as amargas lições que tomou. Não dá para aceitar esse tipo de nonsense de que não aconteceu nada [fazendo referência à corrupção]. Não dá para fazer de conta que não aconteceu. Esse paraíso que ele descreve quando vem aqui resultou na tragédia do Bolsonaro", rebateu Ciro, que nas últimas semanas tem multiplicado ataques a Lula e ao PT e feito acenos para o eleitorado de direita.

Nos ataques de Ciro ao PT, sobrou até mesmo para o cantor Caetano Veloso, que recentemente declarou que havia desistido de votar no pedetista e que passaria a apoiar Lula. "Se nós pegarmos artistas, cientistas, e tal, todo mundo passando pano, e juntando Caetano com Geddel para ficar em dois baianos, esse país está mergulhado num conchavo absolutamente mortal", disse Ciro, colocando na mesma cesta o cantor com o ex-ministro Geddel Vieira Lima, que foi flagrado escondendo R$ 51 milhões em espécie no caso do "bunker da propina" durante o governo Michel Temer.

Outro embate ocorreu entre Bolsonaro e a senadora Soraya. A candidata do União Brasil foi a única que questionou o presidente se ele pretende respeitar o resultado eleitoral caso seja derrotado. Bolsonaro evitou responder. A senadora ainda questionou o presidente se ele se vacinou. "Se o senhor se vacinou, qual foi a vacina e quantas doses?", perguntou a senadora.

Bolsonaro se esquivou novamente da pergunta e aproveitou para lançar ataques contra a senadora, lançando a acusação de que ela estaria insatisfeita com o governo por não ter conseguido emplacar aliados em cargos. "A senhora seria muito dócil comigo se eu tivesse atendido a senhora em todos os cargos que a senhora pediu para mim por ofício: Iphan, Ibama. O negócio da senhora gosta de cargos, deitar e rolar. Como não conseguiu, basicamente virou uma inimiga nossa", disse Bolsonaro.

Soraya reagiu e afirmou que seus indicados não foram efetivados porque não aceitaram ceder parte de seus salários, numa referência ao escândalo das rachadinhas que assombra a família Bolsonaro. "Dentro de apenas três cargos que eu pedi ajudar o meu Estado, consegui dois, mas eles (os indicados) não aceitaram fazer rachadinha", disse. Bolsonaro também acusou Soraya de ser uma "candidata laranja".

"Não sou candidata laranja, o senhor me respeite. Nem respondeu se tomou a vacina ou não, seu governo não é transparente. Saímos do seu governo porque o senhor não cumpriu as bandeiras que te elegeram", rebateu a senadora.

Matéria publicada originalmente no portal DW Brasil


Primeiro turno das eleições acontece em primeiro de outubro | Charge: JCaesar

Revista online | Confira charge de JCaesar sobre eleições 2022

* JCaesar é o pseudônimo do jornalista, sociólogo e cartunista Júlio César Cardoso de Barros. Foi chargista e cronista carnavalesco do Notícias Populares, checador de informação, gerente de produção editorial, secretário de redação e editor sênior da VEJA. É autor da charge publicada pela Revista Política Democrática Online.

** Charge produzida para publicação na Revista Política Democrática Online de setembro/2022 (47ª Edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

Leia também

Revista online | Godard, o gênio exausto

Revista online | Sete meses de guerra e um sistema internacional em transição

Revista online | Militares e o governo Bolsonaro: política ou partidarização?

Revista online | Por que eu voto em Simone?

Revista online | O Chile do pós-plebiscito

Revista online | Um Natal com Darcy Ribeiro

Revista online | Os desafios fiscais para 2023

Revista online | Eleições atrás das grades

Revista online | Não! Não Olhe! Sim! Enxergue!

Revista online | 1789 e 1822: duas datas emblemáticas

Acesse a 46ª edição da Revista Política Democrática online

Acesse todas as edições (Flip) da Revista Política Democrática online

Acesse todas as edições (PDF) da Revista Política Democrática online


Simone Tebet no Plenário do Senado | Moreira Mariz/Agência Senado

Nas entrelinhas: A “sombra de futuro” de Simone Tebet

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

A pesquisa Ipec divulgada na noite de segunda-feira (26/9) mostra que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem chances reais de vencer no primeiro turno, com 48% das intenções de voto. O presidente Jair Bolsonaro (PL) aparece com 31%, uma diferença entre os dois é de 17 pontos percentuais. Ciro Gomes (PDT) tem 6% e Simone Tebet (MDB), 5%. A senadora Soraya Thronicke (União Brasil) e o candidato do Novo, Felipe D’Ávila, ficaram com 1%. Os demais candidatos foram citados, mas não alcançam 1% das intenções de voto. Até domingo, teremos chuvas de pesquisas, com diferentes metodologias e resultados contraditórios, porque o ambiente é muito volátil, com um contingente de 11% de eleitores dispostos a mudar de voto.

Para não chover no molhado, vamos tratar da disputa pelo terceiro lugar nas pesquisas, entre Ciro Gomes e Simone Tebet, que é muito importante, mesmo que a eleição não tenha segundo turno. É aí que entra a “sombra do futuro”, um conceito desenvolvido pelos militares britânicos para explicar o comportamento dos soldados ingleses e alemães nas trincheiras da I Guerra Mundial, que durou quatro anos. Começou em 28 de julho de 1914 e terminou em 11 de novembro de 1918, com a vitória da Tríplice Entente, formada por França, Inglaterra e Estados Unidos.

A Grande Guerra envolveu 17 países dos cinco continentes: Alemanha, Brasil, Áustria-Hungria, Estados Unidos, França, Império Britânico, Império Turco-Otomano, Itália, Japão, Luxemburgo, Países Baixos, Portugal, Reino da Romênia, Reino da Sérvia, Rússia, Austrália e China. Deixou 10 milhões de soldados mortos e outros 21 milhões de feridos, além dos 13 milhões de civis que perderam a vida. O conflito ganhou proporções catastróficas quando o Exército alemão, o mais moderno à época, rumou em direção à França, passando pela Bélgica, que era neutra. Isso fez com que a Inglaterra, aliada da Rússia, declarasse guerra à Alemanha.

O uso de novas armas, como o avião e os tanques, provocou uma carnificina. Milhares de homens morreram em bombardeios ou nuvens de gás tóxico. Em 1917, a Rússia se retirou do fronte de batalha, e os revolucionários bolcheviques, com apoio de soldados e marinheiros, tomaram o poder. No mesmo ano, os Estados Unidos entraram na guerra ao lado da Inglaterra e da França e contra a Alemanha. A “Grande Guerra” chegou ao fim em 1918, com vitória dos aliados. A Alemanha foi obrigada a ceder territórios e ressarcir os países vencedores, sobretudo a França.

Guerra de posições

As principais táticas empregadas eram a guerra de trincheiras, ou guerra de posição, que tinha por objetivo a proteção de territórios conquistados; e a guerra de movimento, ou de avanço de posições, que era mais ofensiva e contava com armamentos pesados e infantaria motorizada. O conceito de “sombra de futuro” surge principalmente em razão do Natal de 1914, quando soldados alemães e britânicos interromperam os combates para comemorar o Natal, trocaram presentes e jogaram futebol.

A trégua espontânea ocorreu em vários pontos das frentes de batalha. O estado-maior britânico estudou o fenômeno e chegou à conclusão de que os episódios ocorreram porque a “sombra de futuro” dos soldados, que sonhavam com o fim da guerra e a volta à vida civil, era maior do que a de seus governantes e comandantes militares. Mais importante do que ganhar a guerra era sobreviver nas trincheiras, até o armistício.

Podemos aplicar o conceito à disputa pela Presidência da República. A “sombra de futuro” do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, é menor do que a dos demais candidatos, embora sua expectativa de poder seja maior até do que a do presidente Jair Bolsonaro, que disputa a reeleição. Às vésperas de completar 78 anos, se perder a eleição, Lula deixará de ser uma alternativa de poder; se ganhar, pode até não concorrer à reeleição. Bolsonaro, que tem 67 anos, se perder poder, poderá liderar uma oposição radical e robusta, com sede de vingança.

Ciro Gomes, que fará 65 anos em novembro, embora mais novo, corre o risco de ser marginalizado da política, caso sua candidatura seja volatilizada pelo “voto útil” a favor de Lula, pois será a quarta vez que disputa a Presidência, sem sucesso. Já Simone Tebet, com 52 anos, terá a maior “sombra de futuro”, porque é mais jovem. A senadora emergirá das urnas como a nova cara do MDB no plano eleitoral, mesmo “cristianizada” pelos velhos caciques da legenda. Será uma liderança natural da oposição moderada, em condições de construir um projeto para 2026, caso Lula vença no primeiro turno; se houver segundo turno, pode ter um papel ainda mais importante, inclusive na definição do novo governo.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-a-sombra-de-futuro-de-simone-tebet/

Projeção feita por ativistas da US Network for Democracy in Brazil | Foto: divulgação/Manuela Lourenço

Projeção em prédio da ONU em Nova York chama Bolsonaro de 'vergonha brasileira'

Fernanda Mena*, Folha de São Paulo

Horas antes de o presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) chegar à sede da ONU em Nova York para o discurso de abertura da 77ª Assembleia-Geral, era possível ver imagens gigantescas suas projetadas na lateral do prédio ladeadas por expressões como "Brazilian shame" (vergonha brasileira).

A intervenção no edifício das Nações Unidas, de 39 andares e 155 metros de altura, foi iniciativa da US Network for Democracy in Brazil (Rede nos Estados Unidos pela Democracia no Brasil), que reúne acadêmicos de mais de 50 universidades americanas, ativistas e organizações da sociedade civil, como a Coalizão Negra por Direitos e a Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), entre outras.

As imagens projetadas nas primeiras horas desta terça (20) trazem palavras como "vergonha", "desgraça" e "mentira" em quatro das línguas oficiais da ONU —inglês, francês, espanhol e mandarim—, além do português.

"Somos opositores ferrenhos desse governo brasileiro por todas as atrocidades que ele representa", diz Mariana Adams, organizadora nacional do US Network for Democracy in Brazil. "Nossa ação comunica ao mundo que Bolsonaro está apoiado em um sistema de fake news para avançar seu projeto pessoal de poder e de enriquecimento, não um projeto nacional de desenvolvimento do Brasil."

Segundo ela, as aparições internacionais de Bolsonaro "desmantelaram, de maneira sistemática, a imagem do Brasil no exterior, seja pela desastrosa política externa brasileira, seja pelas aparições internacionais que visam benefícios políticos eleitorais".

Exemplo recente, afirma ela, foi a passagem do presidente pelo Reino Unido para participar do funeral da rainha Elizabeth 2ª. Em meio às cerimônias solenes, o brasileiro usou a viagem para fazer campanha eleitoral, discursando a apoiadores.

"A ideia é retomar e subverter o palanque de que ele tem feito as instituições internacionais. Para nós, isso é vergonhoso", diz Adams, que afirma que os integrantes da rede atuam de forma voluntária e não são ligados a partidos políticos ou a ONGs. O grupo coletou fundos para a ação a partir da doação coletiva de seus membros.

Relembre as passagens de Bolsonaro pela Assembleia-Geral da ONU

Os ativistas elaboraram as combinações de imagens com palavras e contrataram um projetor capaz de lançá-las na empena cega do edifício a cerca de 1 quilômetro de distância.

"No momento em que o Brasil está sendo discutido de maneira tão fervorosa no cenário internacional, queremos que a comunidade internacional e os brasileiros que vivem fora do país não sejam enganados pelas tentativas de legitimação que Bolsonaro faz de seu projeto, que não é de país."

A menos de duas semanas das eleições presidenciais, em um momento em que aparece em segundo lugar nas pesquisas, Bolsonaro passará menos de 24 horas em Nova York. Ele chegou à cidade pouco antes das 20h, no horário local (21h em Brasília), desta segunda (19).

Nesta terça, o presidente abre os discursos da Assembleia-Geral antes de almoçar, em uma churrascaria brasileira, com apoiadores que viajaram em esquema de caravana de outras cidades americanas.

Além da intervenção desta madrugada, os arredores do prédio da ONU —projetado pelo arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer e pelo franco-suíço Le Corbusier e inaugurado em 1952—, podem virar campo de batalha entre bolsonaristas e ativistas, que devem protestar contra a passagem e o discurso de Bolsonaro.

Passagens anteriores de Bolsonaro por Nova York para o evento das Nações Unidas também contaram com intervenções com críticas ao presidente. No ano passado, um caminhão com telões o chamou de criminoso climático.

*Texto publicado originalmente no portal da Folha de São Paulo.


Caso os militares façam uma estimativa paralela dos resultados eleitorais, é preciso exigir o controle civil sobre o processo, antes, durante e após as votações - Rovena Rosa/ Agência Brasil

O risco de as Forças Armadas fazerem uma estimativa paralela dos resultados eleitorais

Guilherme de Queiroz-Stein*, Brasil de Fato

Qualquer concessão a uma “apuração paralela” das eleições de 2022 pelas Forças Armadas representa um grande risco à democracia. Primeiro, é preciso deixar claro que não se trata se uma “apuração paralela”, mas de uma estimativa de resultados eleitorais, que, se feita por amostragem, provavelmente chegará a resultados distintos da apuração oficial, mesmo que dentro de um intervalo de confiança. No pior cenário, em que o cálculo da amostra é feito de forma inadequada, a estimativa paralela pode chegar a números complemente distorcidos. Em ambos os cenários, poderão afetar a credibilidade do sistema eleitoral. Além disso, é uma ação totalmente desnecessária, representando um gasto inócuo de recursos públicos pelas Forças Armadas, pois nunca se registrou casos de fraudes nas urnas eletrônicas brasileiras. Quando questionadas em 2014 pelo PSDB, a auditoria feita pelo próprio partido não encontrou qualquer indício de fraude. Neste ano, diversas entidades da sociedade brasileira, incluindo algumas das melhores universidades brasileiras, auditaram seu código-fonte e atestaram a segurança do sistema. Portanto, é uma medida extremamente duvidosa quanto a sua pertinência.  

Também, é uma ação questionável em sua legitimidade. Primeiro, porque as Forças Armadas não têm essa atribuição institucional e nem competência técnica para essa avaliação. Segundo, ao longo da história brasileira, as Forças Armadas foram responsáveis por violações institucionais com drásticas consequências, envolvendo assassinatos, torturas, prisões, exílios e crises econômicas. Ou seja, não são guardiãs de nossa democracia. Pelo contrário, devem ser civilmente monitoradas e controladas. Terceiro, não são neutras. Estão subordinadas ao Presidente da República, que é uma das partes interessadas nesse processo eleitoral. O caráter político dessa demanda se expressa no seu ineditismo. Ao longo de três décadas de democracia brasileira, as Forças Armadas nunca se envolveram na apuração eleitoral, pois, como já dito, não é uma atribuição institucional. Neste momento, em que estão subordinadas a um político que questiona o sistema eleitoral, decidem agir. Ou seja, é basicamente uma ação política. Dessa forma, não é adequado o TSE convidar as Forças Armadas para incidir no processo eleitoral, indo além de suas atribuições relacionadas à logística e à garantia da ordem pública. Por si só, essa interferência passa a ser um fator de desconfiança, instabilidade e imprevisibilidade nas eleições. 

De todo modo, é importante salientar que, caso os militares façam uma estimativa paralela dos resultados eleitorais, é preciso exigir o controle civil sobre o processo, antes, durante e após as votações. É preciso auditar a “auditoria”, designando representantes da sociedade civil para integrar a comissão responsável por essa avaliação, de preferência formando maioria nessa comissão, com ampla participação, também, de representantes de partidos de oposição. Além disso, é preciso ter ampla transparência em relação a quem serão os militares que integrarão essa comissão, os critérios de escolha e a definição de cada etapa da estimativa, com especial atenção para a definição da amostra de urnas. Vale reforçar que, a depender de como será feita a amostragem das urnas, é possível ter distorções significativas nos resultados das estimativas. Portanto, a construção dessa amostra e de todas as demais etapas deve ser supervisionada por órgãos com efetiva competência técnica, como o Conselho Federal de Estatística e a Associação Brasileira de Ciência Política e estar aberta a todas outras entidades da sociedade civil que desejarem fiscalizar o trabalho dos militares. Afinal de contas, como funcionários públicos, todas suas ações devem estar sujeitas ao escrutínio público. Sem isso, qualquer resultado dessa estimativa pode ser distorcido e destinado exclusivamente a colocar em xeque a democracia brasileira, favorecendo a perpetuação daqueles que atualmente ocupam o poder.

*Texto publicado originalmente no portal do Brasil de Fato.


Bolsonaro com a mão no rosto | Foto: Antonio Scorza/Shutterstock

Nas entrelinhas: Para não dizer que não falei do Imbrochável

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

Espirituoso, zombeteiro, gracejador, como o próprio apelido diz, o português Francisco Gomes da Silva desembarcou no Rio de Janeiro em 1808, como um dos 15 mil integrantes da Corte que acompanharam a fuga de D. João VI de Portugal. Era filho bastardo de Francisco José Rufino de Sousa Lobato, Visconde de Vila Nova da Rainha, e de sua empregada doméstica Maria da Conceição Alves, uma moça pobre, que foi mandada para a África, enquanto Antonio Gomes da Silva, protegido de Lobato, registrava o menino como filho legítimo.

O pai biológico não abandonou o filho, que estudou no seminário de Santarém, onde aprendeu francês, inglês, italiano e espanhol. Em 1807, acabou expulso pelo reitor e veio com a família real para o Brasil, onde acabou faxineiro do Palácio São Cristóvão.

Chalaça e uma dama da Corte foram flagrados nus num dos quartos do Palácio pelo próprio D. João VI. Expulso de São Cristóvão, onde era visto como espião pela rainha Carlota Joaquina, abriu uma barbearia na rua do Piolho (atual rua da Carioca), mas logo voltou ao serviço da Corte, após o retorno da família real para Portugal, porque era amigo de D. Pedro I.

Sua influência na Corte foi muito maior do que aparentava. Na qualidade de oficial maior da Secretaria de Estado, inseriu na Carta Constitucional do Império do Brasil de 1824 a sua assinatura com a rubrica: “Francisco Gomes da Silva, a fez”.

Por ter redigido a Carta, foi condecorado por Pedro I com a comenda da Torre e Espada. Para os brasileiros, era corrompido e corruptor: pagava jornais, disseminava calúnias e panfletos anônimos para insultarem os políticos liberais. Sem escrúpulos, era visto como recadeiro, insolente, trapaceiro e antipático ao Brasil e aos brasileiros.

Nas lutas de bastidor após a Independência, conseguiu ser mais influente do que José Bonifácio, mas acabou traído pelo Marques de Barbacena, que negociou o casamento de D. Pedro I com a princesa D. Amélia de Leuchtenberg. Nomeado embaixador plenipotenciário do Império para o Reino das Duas Sicílias, cuja capital era Nápoles, Chalaça recusou o cargo e foi para Londres, onde realizou um levantamento dos gastos de Barbacena, que acabou demitido do Ministério da Fazenda por D. Pedro I em razão dessa devassa.

Havia muita tensão política no Brasil por causa da inflação e da escassez de carne seca. A oposição acusava D. Pedro I de ser “absolutista”. Os “áulicos” portugueses que cercavam o monarca, principalmente Chalaça, eram responsabilizados pelas ações autocráticas do imperador e da falta de diálogo com a Câmara dos Deputados.

O amigo alcoviteiro, mulherengo, boêmio e divertido de D. Pedro I jamais voltou ao Brasil. Mas foi chamado a Portugal pelo imperador, em 1833, para ser secretário de Estado da Casa de Bragança. Em 1834, Pedro morreu e deixou viúva, Dona Amélia, sua segunda esposa, de quem Chalaça se tornaria amante. Na tarde de 30 de dezembro de 1852, morreria em Lisboa, no Hotel Bragança.

Isolamento

Chalaça foi a face mais picaresca e, ao mesmo tempo, obscura do reinado de Pedro I, com quem tinha uma relação de estreita confiança. Lembrei-me do Chalaça porque protagonizou um estilo de fazer política de baixíssima qualidade que marcou o Primeiro Império.

Talvez seja o ambiente mais parecido com o que estamos vivendo, com o presidente Jair Bolsonaro (PL) cercado de áulicos. Mas o que houve, ontem, nas comemorações do Bicentenário da Independência, em termos de qualidade da política, era inimaginável.

Não foram apenas a transformação de uma data magna num ato eleitoral, nem o constrangimento ao qual foram submetidas as Forças Armadas. Os ritos da Presidência foram todos desrespeitados. No lugar dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux — que evitaram o vexame —, no palanque oficial pontificava o empresário Luciano Hang, o Velho da Havan, ao lado de um constrangido presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, que parecia não acreditar no que estava vendo.

Com o discurso modulado por marqueteiros, Bolsonaro não fez ataques diretos ao Supremo Tribunal federal (STF) e se esforçou para seduzir o eleitorado feminino, que está inviabilizando a sua reeleição. Mas quando falou das mulheres, foi um desastre.

Depois de elogiar a primeira-dama, Michelle Bolsonaro (“uma mulher ativa na minha vida, não é ao meu lado, não; muitas vezes ela está é na minha frente”), Bolsonaro saiu-se com esta: “E eu tenho falado para os homens solteiros, para os solteiros que estão cansados de ser infelizes. Procure uma mulher, uma princesa, se casem com ela, para serem mais felizes ainda”.

Na sequência, beijou a primeira-dama e puxou o coro: “Imbrochável, imbrochável, imbrochável!”. Nem nos tempos do Chalaça se viu uma coisa dessas.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-para-nao-dizer-que-nao-falei-do-imbrochavel/