Eleições
William Waack: O abismo é outro
Diante do que vem aí, vencer as eleições foi só o mais fácil
Pergunta que começa com “se” não tem resposta. Por isso pode parecer inútil perguntar como teria sido a corrida eleitoral de 2018 se não tivesse ocorrido o atentado contra Jair Bolsonaro, se Lula não tivesse destruído a possibilidade de uma união inicial das esquerdas, se as forças ao “centro” do espectro político tivessem identificado lá atrás qual o eixo em torno do qual se alinhou a grande maioria do eleitorado (o repúdio ao sistema e o antipetismo).
Ocorre que o exercício do contrafactual (“o que teria sido se”) é útil, sim. Antes de mais nada, serve para demonstrar que não existe o “inevitável”. Que a política é, por definição, o terreno do imponderável e do acaso. E que escolhas feitas por agentes políticos – por Lula, Bolsonaro, Fernando Henrique, Ciro, ou quem você quiser – têm a condição de alterar o rumo das coisas dentro dos grandes limites impostos, por exemplo, pela herança do passado.
Sendo enorme a probabilidade de que o tsunami político que empurrou Bolsonaro o elegerá presidente, essa onda, “inevitavelmente”, nos conduzirá até onde? Parece evidente que esse fenômeno social e cultural (o embate político tem as características da “guerra cultural” de valores, não importa se a gente aplaude ou repudia o que Bolsonaro e o PT dizem) alterou fundamentalmente nossa paisagem política, dando cara e voz a um nutrido eleitorado antes disperso e desorganizado (estou evitando colocar rótulos).
É um eleitorado que desconfia da imprensa, da Justiça, da política e que tem medo, sente-se órfão das instituições, acha que seu esforço individual é torpedeado pelo Estado, pelos impostos, pela burocracia e por “eles” em Brasília, e encontrou uma resposta (se você gosta ou não, é outra conversa) na figura de Bolsonaro. O que eu algumas semanas atrás chamava de “choque de placas tectônicas” entre o desejo de mudança e a velha política parece ter produzido o rompimento de um dique político e abriu uma enorme avenida de oportunidade ao mesmo tempo em que levanta um ponto de interrogação igualmente enorme.
Pois sendo coerente com os princípios acima, nem está “garantido” que essa onda produza os resultados que Bolsonaro simboliza neste momento e nem sabemos que capacidade de articulação e liderança políticas ele será capaz de demonstrar – diante dos desafios e das encruzilhadas nos quais o País se encontra, vencer as eleições terá sido apenas a mais fácil de todas as tarefas.
Derrotar o petismo como agremiação política não significa derrotar as ideias que o partido defende e que, na minha opinião, estão na raiz do fato de o Brasil se encontrar perigosamente preso na armadilha dos países de renda média, ter sido complacente com corrupção, atraso e taxas horrendas de criminalidade. Essas características de mentalidade não foram inventadas pelo PT, que deve grande parte de seus sucessos eleitorais justamente por representá-las tão bem.
Essa mentalidade é o que chamei no fim do segundo parágrafo deste texto de limites impostos pela herança do passado. É neste ponto – na capacidade de rebelar-se contra os limites reconhecidos – que se destacam os verdadeiros agentes políticos da mudança e das transformações capazes de alterar o rumo de acontecimentos.
Do jeito que as coisas estão, o Brasil está à beira do perigosíssimo abismo da estagnação, paralisia e mediocridade.
Não é inevitável cair nesse abismo. Depende de escolhas humanas além daquelas que já parecem ter sido feitas pelos eleitores.
Bruno Boghossian: Choque entre Cid Gomes e Haddad expressa instintos de autodestruição
Petistas reclamam de omissão diante de Bolsonaro e aliados cobram autocrítica
Tudo indica que o PT fracassou em convencer parte do mundo político de que esta eleição seria mais do que uma disputa pelo poder. Hesitações do partido e a resistência de potenciais aliados estimulam a dispersão daqueles que veem Jair Bolsonaro como uma ameaça.
Irritado com a sigla, Cid Gomes explodiu em um ato de campanha na segunda-feira (15). Disse que os petistas deveriam “reconhecer que fizeram muita besteira” e sentenciou: “O PT, desse jeito, merece perder”.
O ex-governador cearense atribuiu à legenda sua justa dose de responsabilidade e expôs uma insatisfação generalizada com o tratamento dado pela sigla a seus aliados. Cid deixou em segundo plano, porém, algumas consequências coletivas da provável derrota do PT na disputa.
No início de setembro, seu irmão, Ciro Gomes, afirmou que a vitória de Bolsonaro representaria um “suicídio coletivo” para o país. As urnas e as pesquisas mostram que a maioria da população não pensa assim, mas os políticos e partidos que se opõem ao candidato do PSL podem estar seguindo instintos de autodestruição.
Além de Ciro, personagens como Fernando Henrique Cardoso e Joaquim Barbosa já se manifestaram sobre os riscos de um governo Bolsonaro. Identificaram ameaças de retrocesso na defesa dos direitos humanos e das liberdades individuais, além de um viés autoritário que pode fragilizar a democracia.
Os três foram procurados, mas se recusaram a aderir a uma campanha pública pró-Haddad, ao menos por enquanto. O candidato iniciou uma flexibilização de sua plataforma, mas o aceno foi considerado insuficiente. Ainda persiste a cobrança por uma autocrítica enfática em relação aos governos e, principalmente, aos escândalos de corrupção protagonizados pelo PT.
Para os petistas, esses líderes se omitem diante de um perigo que eles mesmos reconhecem. O partido tinha esperança de obter apoio automático, mas faltaram humildade e cálculo eleitoral. A gravidade só contou a favor de Bolsonaro.
Bernardo Mello Franco: Cid Gomes chutou o pau do circo petista
O irmão de Ciro detonou o PT no momento em que Haddad lutava para manter o ânimo. O discurso virou arma para a campanha de Bolsonaro
Quem tem os irmãos Gomes como aliados não precisa de adversários. Na semana passada, Ciro esnobou um convite para coordenar o comitê petista no segundo turno. Declarou “apoio crítico”, fez as malas e se mandou para a Europa. Na segunda-feira, Cid subiu num palanque da campanha de Fernando Haddad. Esculhambou a plateia, atacou o PT e afirmou que o partido vai “perder feio”.
Cid disse verdades que os petistas teimam em não admitir. A sigla deveria ter humildade, pedir desculpas e reconhecer que fez “muita besteira”. A cobrança está correta, o problema foi o resto. Ao proclamar que Haddad será derrotado, o senador eleito deu um presente inesperado a Jair Bolsonaro. Ontem à noite, o capitão exibiu o discurso em seu programa eleitoral na TV.
O irmão de Ciro chutou o pau do circo no momento em que os petistas lutavam para manter o ânimo. A campanha já estava abatida com a desvantagem nas pesquisas. Agora terá que explicar por que nem os aliados acreditam mais numa virada.
O chefe da oligarquia de Sobral terminou o primeiro turno com 13 milhões de votos. Poderia seguir o exemplo de Leonel Brizola e liderar uma transferência maciça para Haddad. Preferiu imitar Marina Silva e sair de férias até a próxima eleição.
Ciro passou meses chamando o candidato do PSL de “fascista”. Chegou a declarar que uma vitória de Bolsonaro representaria a “destruição da nação brasileira”. Se ele acredita nas próprias palavras, não poderia lavar as mãos e correr para o aeroporto.
A fuga dos Gomes implodiu o projeto de uma “frente democrática” a favor de Haddad. O PT pensou que conseguiria repetir a eleição da França em 2002, quando o ultranacionalista Jean-Marie Le Pen surpreendeu ao chegar ao segundo turno. Lá, os socialistas deixaram a rivalidade de lado e apoiaram o conservador Jacques Chirac para evitar uma vitória da extrema direita.
Por aqui, tucanos e pedetistas estão optando pelo muro. A omissão pode custar caro no futuro.
Elio Gaspari: Caveira!
Comparar Jair Bolsonaro a Donald Trump pode ser até chique, mas é o mesmo que viver na Barra da Tijuca pensando que se está em Miami. A alma da retórica do capitão está bem mais longe, nas Filipinas. Seu presidente chama-se Rodrigo Duterte, prometeu reformas econômicas e celebrizou-se pela política de combate à criminalidade, sobretudo ao tráfico de drogas.
Visitando o quartel do Batalhão de Operações Especiais da PM do Rio, Bolsonaro disse à tropa que “podem ter certeza, chegando (à Presidência), teremos um dos nossos lá em Brasília”. Em seguida, deu o grito de guerra da corporação: “Caveira!”
Comparado com Duterte, Bolsonaro é uma freira, pois o presidente filipino vai além: “Hitler matou três milhões de judeus. Temos três milhões de viciados, eu gostaria de matá-los.” Está cumprindo. Em dois anos de governo, morreram 4.500 pessoas, segundo as estatísticas oficiais, e 12 mil, segundo organizações da sociedade civil.
Como Bolsonaro e Donald Trump, Duterte manipula sua incontinência verbal. Põe na roda a mãe de quem lhe desagrada, do Papa ao presidente Barack Obama. Quando uma missionária australiana foi morta e estuprada, ele disse que lastimava o crime porque ela “era tão bonita, foi um desperdício”. Em alguns casos, desculpou-se.
Aos 75 anos, tem o cabelo curto e negro de tintura, gosta de andar de motocicleta, teve um divórcio agreste, propala sua virilidade e as virtudes da pílula azul. Ele diz que “meu único pecado são os assassinatos extrajudiciais”.
O nome desse jogo é “Esquadrão da Morte”, coisa conhecida nas Filipinas e no Brasil. O de cá brilhou durante o governo de Juscelino Kubitschek, glamourizado pela imprensa com o nome de “Homens de Ouro”. Chefiava a polícia do Rio de Janeiro o general Amaury Kruel. Anos depois, seus colegas de tropa disseminavam histórias comprometedoras sobre sua honorabilidade. Mais tarde, surgiu a Scuderie Le Cocq, cujo símbolo era uma caveira. Seu presidente era o detetive Euclides Nascimento. Em 1971, ele comandava também uma quadrilha de contrabandistas à qual anexou-se o capitão Ailton Guimarães Jorge, com subalternos que estiveram lotados no DOI do I Exército. Em São Paulo, a estrela do “Esquadrão” era o delegado Sérgio Fleury, o matador de Carlos Marighella. As patrulhas de Fleury, como as de Duterte, penduravam cartazes em traficantes mortos. Faltava dizer que eram bandidos de quadrilhas rivais.
Se “execuções extrajudiciais” fossem remédio, o Brasil seria uma Dinamarca. Em 1970, uma pesquisa realizada no Rio e em São Paulo mostrou que 46% dos entrevistados estavam a favor do “Esquadrão”.
Há uns 20 anos, quando surgiram as primeiras milícias nas cidades brasileiras, houve quem achasse que elas eram remédio contra o crime. Passou o tempo, e os problemas agora são dois: o crime e as milícias. A ideia do combate aos bandidos partindo da suposição de que “direitos humanos” não devem ser confundidos com “direitos dos manos” (palavras de Jair Bolsonaro) pode estatizar algumas “boas” milícias.
Em dezembro de 1993, quando a polícia colombiana botou para quebrar no combate aos bandidos e conseguiu matar o traficante Pablo Escobar, símbolo do narcotráfico latino-americano, os louros da vitória foram para o presidente César Gaviria. Conhecendo a questão da violência e do tráfico, no ano passado ele escreveu um artigo intitulado “O presidente Duterte está repetindo meus erros”.
O filipino respondeu: “Isso só seria possível se eu fosse um idiota, como você”.
A popularidade de Duterte está em 75%. Vive-se melhor na Colômbia.
Luiz Carlos Bresser-Pereira: A democracia ainda tem uma chance
Mal maior pode ser evitado com Fernando Haddad
Há anos venho lutando por uma política de centro-esquerda, que rejeite o liberalismo econômico com competência e tire o Brasil da armadilha dos juros altos e do câmbio apreciado que vem desindustrializando o país e reduzindo sua taxa de crescimento para um quarto do que era antes de 1980.
Venho explicando esse baixo crescimento pelo domínio de uma coalizão política de centro-direita, financeiro-rentista --que, ao insistir em querer crescer com poupança externa, pratica o populismo cambial--, e por um populismo fiscal de centro-esquerda que, a partir de 2012, levou o país à crise fiscal. E venho defendendo a rejeição dos dois populismos como condição do desenvolvimento brasileiro.
Na minha análise sociopolítica dos embates que definem hoje o capitalismo brasileiro, eu via um "povão" atraído pelo populismo e pela liderança carismática de Lula, os empresários industriais e os intelectuais apostando em um desenvolvimento social de centro-esquerda, e a classe média tradicional, os rentistas e financistas, comprometidos com o liberalismo econômico e a armadilha dos juros altos.
Meu voto em Ciro Gomes nas eleições presidenciais foi a maneira que encontrei de dar expressão a essas ideias, as quais partiam do pressuposto de que a democracia estava consolidada no Brasil. Estas eleições, porém, indicam que eu talvez estivesse enganado em relação a esse último ponto: a democracia saiu gravemente ameaçada.
No dia 7, a democracia, a centro-direita representada pelo PSDB e a centro-esquerda, pelo PT, perderam; venceram o voto contra e o populismo de extrema direita. A centro-direita e o liberalismo foram derrotados, mas seus seguidores podem dizer que, "em compensação, Bolsonaro está mais perto do nós". Estarão cometendo grande equívoco. A centro-esquerda foi igualmente derrotada, mas poderá ainda evitar o mal maior se os brasileiros elegerem Fernando Haddad no segundo turno.
Quem ganhou foi a extrema direita. Ela se beneficiou da corrupção denunciada pela Operação Lava Jato, que atingiu todos os partidos, mas principalmente o PT, e da desmoralização dos políticos em geral.
Venceu o primeiro turno porque aproveitou-se do clima apaixonado de ódio que tomou conta da política brasileira a partir de 2013, quando ficou claro que o governo Dilma fracassara. Venceu não porque tivesse propostas, a não ser a bala, mas porque apelou ao voto contra.
O problema, agora, é saber se esse quadro extremamente preocupante pode ser revertido com a vitória de Fernando Haddad. Ele tem todas as condições pessoais para isto. Durante a campanha, enquanto Bolsonaro só fazia críticas, ele fez propostas claras e bem fundamentadas. Porque sabe que o voto racional é o voto a favor de um programa viável; é a escolha de um candidato que o eleitor prevê será capaz de bem governar.
Mas terá condições políticas? Em relação aos eleitores que entendem que "nada é pior do que votar no PT", não há nada a fazer (não estão sendo racionais); mas em relação à grande maioria dos eleitores, inclusive as classes médias tradicionais, há certamente um caminho.
Celso Rocha de Barros escreveu sobre esse tema um artigo notável nesta Folha (8/10). Para ele, "é hora de esquecer o programa do primeiro turno e abraçar o programa da frente democrática que deve se formar no segundo". "Esse programa deve reconhecer a necessidade de ajuste fiscal, corrigindo os defeitos do ajuste de Temer, e deixar de lado toda palhaçadinha de nova Constituição, controle da mídia, e demais babaquices que intelectual petista burro enfiou no programa de governo porque estava com raiva do impeachment."
O compromisso com a responsabilidade fiscal já está no programa de Haddad, mas vale a pena torná-lo mais claro. Quanto às "babaquices", Celso tem razão, como também a tem quando afirma: "Agora é a hora de o partido voltar a ser a alternativa da esquerda democrática como foi nos anos Lula."
A democracia ainda tem chance. Haddad não precisará rejeitar seu programa desenvolvimentista e social, que é o programa de uma vida, mas precisa deixar claro para todos os verdadeiros democratas, inclusive os liberais de centro-direita, que ele governará o Brasil muito melhor do que seu adversário.
*Luiz Carlos Bresser-Pereira, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (1987, governo Sarney), da Administração e da Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia (1995-1998 e 1999, governo FHC)
Monica De Bolle: O caminho da prosperidade?
O plano de Bolsonaro foi feito em power point, não com texto articulado e dados para substanciar propostas
Em 2015, tivemos A Ponte para o Futuro, o plano de governo elaborado pelo então PMDB antes do impeachment de Dilma Rousseff. O documento até que era bom: falava na necessidade de conter gastos, na reforma da Previdência, nas reformas microeconômicas, pincelava algo sobre a reforma tributária, e até fazia acenos ao mundo com diretrizes para a abertura da economia brasileira. Como sabemos hoje, a ponte caiu no meio do caminho e o futuro resvalou para a desilusão e a raiva.
Há quase 20 anos, tivemos um voto indignado no Brasil que elegeu o PT – era a época do “temos de acabar com tudo isso o que está aí”. E por algum tempo, foi possível imaginar que o Brasil tivesse no “caminho para a prosperidade”. Mas, no meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho. A pedra não foi fruto do acaso, mas moldada pelo PT e pelos demais partidos responsáveis pela inaudita corrupção que destruiu o Brasil e a civilidade dos brasileiros.
Agora, novamente nos oferecem O Caminho da Prosperidade, o plano de governo do candidato que lidera com margem ampla as pesquisas de intenção de voto. Eu li o plano de Bolsonaro, plano elaborado em power point, não em forma de documento com texto articulado e dados para substanciar propostas. Eis que logo na primeira página dei de cara com uma citação bíblica: “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”, João 8: 32. Trata-se da primeira vez que vejo a Bíblia citada em um plano de governo, o que não deixa de ser desconcertante. Mas, o que esperar de um candidato cujo mote da campanha é “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”? Quem tem a primazia, o Brasil ou Deus? Pode parecer picuinha semântica, mas não é. Afinal, estamos escolhendo o governante do País, não o líder de uma seita ou igreja. Achei que tivéssemos nos libertado disso quando Lula foi afastado da política.
Na quarta página do programa, o cabeçalho exclama: Liberdade e Fraternidade! Contudo, de lado ficou a igualdade, que não parece ser bandeira de Bolsonaro. O plano diz que “qualquer forma de diferenciação entre os brasileiros não será admitida”, mas difícil é saber o que isso significa. O power point de Bolsonaro tem 81 páginas em que 11 são dedicadas a temas complexos como saúde e educação – nada há de conteúdo, de propostas.
Lá para a metade do monte de páginas chega-se aos temas relativos à Economia. Há uma página dedicada à retomada do crescimento, repleta de clichês. Há uma página dedicada à estabilidade macroeconômica, repleta de clichês. Há uma página dedicada à redução dos ministérios sem esmiuçar como será feita a unificação da Fazenda, do Planejamento, e da indústria e do comércio cujas pautas são bastante complexas. Lembra o esforço inútil de Collor em criar o Ministério da Economia. Há duas páginas, com três parágrafos de aproximadamente cinco linhas, dedicada aos temas eficiência do Estado e controle dos gastos. Duas páginas, quinze linhas.
Há uma página sobre juros da dívida e privatizações que contém a seguinte frase: “Algumas estatais serão extintas, outras privatizadas e, em sua minoria, pelo caráter estratégico serão preservadas”. Esse é todo o plano de privatizações de Bolsonaro, cuja frase é um tanto incompreensível.
Há uma página sobre a reforma da Previdência e outra sobre reforma tributária. A reforma tributária é um retalho de contradições. Fala-se em simplificar e unificar tributos, ao mesmo tempo em que se afirma a descentralização e a municipalização dos impostos. Fala-se em imposto de renda negativo “na direção de uma renda mínima universal”, sem explicar como isso será implantado ante as restrições fiscais que o País enfrenta. A parte sobre a Previdência é sofrível – em dois parágrafos menciona-se a migração para um sistema de capitalização, e ponto. Na mesma toada, o plano de Bolsonaro contém uma página sobre a legislação trabalhista, uma página sobre a abertura comercial, e uma página genérica sobre o aumento da produtividade. Esse é todo o “plano econômico” de Bolsonaro, resumido em parágrafos simplórios versando sobre temas extremamente complexos. Pitadas de “liberdade” ali, “liberalismo” acolá, e algumas menções do economista Milton Friedman são as migalhas que fizeram muitos acreditarem na miragem de que Bolsonaro tem, de fato, um caminho bem traçado para a prosperidade.
Se a sonhada ponte ruiu, corremos o imenso risco de que o caminho para substituí-la seja nada mais do que a estradinha de tijolos amarelos que leva ao Mágico de Oz, aquele que não é mágico, tampouco oráculo. Tudo acaba em tons de cinza, na melhor das hipóteses.
*Monica de Bolle é economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University
Luiz Carlos Azedo: Quando as coisas dão errado
“Haddad está em busca de nomes para compor seu governo, mas não vem obtendo muito sucesso nos convites devido à baixa expectativa de poder que desfruta no momento”
As declarações do ex-governador Cid Gomes (PDT), senador eleito pelo Ceará, no ato de apoio a Fernando Haddad (PT), nas quais criticou duramente o PT e exigiu uma autocrítica da legenda pelos erros cometidos nos governos Lula e Dilma, não foi uma ruptura entre seu irmão, Ciro Gomes (PDT), terceiro colocado no primeiro turno, e o candidato petista, mas expressou com muita fidelidade as razões do apoio crítico anunciado pelo PDT: os dois irmãos são potes cheios de mágoas. As manobras de bastidor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para deslocar o apoio do PSB a Ciro e enfraquecer sua candidatura, com objetivo de levar Haddad ao segundo turno, deixaram sequelas graves.
Políticos profissionais são mestres em engolir sapos. Caso Haddad estivesse liderando a disputa presidencial, pode ser que os irmãos Gomes fizessem isso, mas não é o que acontece. Ciro venceu as eleições no Ceará e teve uma boa votação no Nordeste. Por essa razão, Bolsonaro não ganhou a eleição no primeiro turno. Era para Ciro ter sido tratado a pão de ló por Haddad, mas não foi o que aconteceu. Prevaleceu a lógica da campanha petista no primeiro turno: contra Bolsonaro, Ciro teria que apoiar o candidato do PT por gravidade. Deu errado.
Agora, a conta ficou mais alta: Cid Gomes tem pretensões à Mesa do Senado. A reaproximação entre os Gomes e Haddad no segundo turno faz parte desse jogo. Ontem, Cid mandou recado pelas redes sociais de que não está rompido com o candidato do PT: “Comparei os dois nomes que estão no 2º turno. O Haddad é infinitamente melhor que o Bolsonaro. Eu não quero me vingar de ninguém. Para o Brasil o menos ruim é o Haddad. Por isso penso que seria melhor que ele ganhasse”, escreveu.
O barraco que armou na segunda-feira à noite em Fortaleza virou “meme” contra os petistas nas redes sociais, mas Cid havia dito que apoiaria o petista apesar das críticas ao PT: “Eu conheço o Haddad, é uma boa pessoa, tenho zero problemas de votar no Haddad, é uma boa pessoa, mas fica algum companheiro do PT que me suceda aqui na fala, se quiser dar um exemplo para o país, tem que fazer um mea-culpa, tem que pedir desculpas, tem que ter humildade de reconhecer que fizeram muita besteira”.
Entretanto, o estrago já está feito. Uma campanha de segundo turno é ganha no dia a dia. Sem que Haddad nada fizesse de errado, na segunda-feira, jogando parado, Bolsonaro ganhou uma batalha sem o menor esforço. Haddad tenta minimizar o prejuízo porque não pode romper com os Gomes. “Essa coisa é meio acalorada, mas eu não vou ficar comentando isso até porque eu tenho uma amizade pessoal com o Cid, ele fez elogios à minha pessoa, prefiro sempre olhar pelo lado positivo”, explicou.
O episódio também serviu para embaçar as tentativas de ampliar as alianças ao centro. Haddad contabiliza o apoio de apenas cinco partidos. À reunião que fez na sede do PSB, em Brasília, compareceram apenas os partidos de esquerda: PSOL, PCdoB, PROS, PCB e PCO. Para quem pretende articular uma frente democrática, é um atestado de impotência. Apesar das sondagens, o novo coordenador político da campanha de Haddad, o ex-governador da Bahia Jaques Wagner, negou que tivesse agendado uma reunião com ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para articular uma “frente democrática” com o PSDB e outros partidos que apoiaram o tucano Geraldo Alckmin no primeiro turno: “Nós já mandamos o recado para todo mundo. Fica na consciência de cada partido, de cada pessoa”, disse.
Fora Temer
Aparentemente, Haddad já se conformou com a deriva dos partidos de centro para Bolsonaro. Também sinalizou que não vai flexibilizar o discurso econômico para atrair setores liberais. Depois de anunciar que pretende manter a proposta de taxação das grandes fortunas, disse que não manterá nenhum integrante da equipe econômica do presidente Michel Temer se for eleito. “Ao contrário do Bolsonaro, nós decidimos não manter ninguém da equipe econômica do Temer no nosso governo. Então, a partir de 1º de janeiro, a equipe do Temer sai e entra uma nova equipe.”
Haddad está em busca de nomes para compor seu governo, mas não vem obtendo muito sucesso nos convites devido à baixa expectativa de poder que desfruta no momento. Por essa razão, também minimiza esse problema: “Estou fazendo sondagens. Estou conversando com pessoas de alta respeitabilidade, quero fazer um governo mais amplo possível, o Brasil precisa disso, mas eu não fiz nenhum convite. Mas, sondagens, sigo fazendo”, disse.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-quando-as-coisas-dao-errado/
El País: “Quando você só acredita no que quer, não há como ter democracia”, diz Aviv Ovadya
O pesquisador Aviv Ovadya explica quais serão as consequências do uso de tecnologias avançadas para a produção de mentiras espalhadas pelas redes sociais
Na tentativa de frear mais uma enxurrada de fake news – boatos fabricados para levar alguém a uma conclusão falsa sobre a realidade ou sobre um candidato – no segundo turno das eleições presidenciais, o TSE convidou representantes das campanhas de Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) para uma reunião sobre o tema.
Aviv, que é bolsista do Tow Center para Jornalismo Digital da renomada Universidade Columbia, se dedica a estudar processos de falseamento da realidade que podem levar as sociedades contemporâneas a um verdadeiro “Infocalipse”, termo cunhado por ele. São vídeos que manipulam a voz real de um político dizendo algo que ele jamais pronunciou; robôs que enviam milhares de emails para um político a fim de pressionar pela aprovação de uma lei, dando a impressão de que há apoio popular; algoritmos de aprendizado de inteligência artificial para criar vídeos em que a cabeça de qualquer pessoa é interposta sobre um corpo – pode ser a de um político inserida num filme pornô ou em uma manifestação de black blocs. Tudo isso com uma aparência realista que pode ser tomada como realidade por qualquer pessoa.
O resultado, diz Ovadya, é que não só a democracia está em jogo; a capacidade das pessoas de reagir a tantas mentiras bem-feitas também pode chegar a quase zero. Seria o efeito da “apatia” – os cidadãos deixariam apenas de tentar entender o que é real e o que é inventado.
Pergunta. Você acha que há diferença na percepção e no impacto das deep fakes em sociedades mais e menos digitalizadas?
Resposta. Sociedades menos alfabetizadas [digitalmente] e aquelas com culturas com instituições midiáticas mais fracas provavelmente sofrerão mais impacto, já que vídeo e áudio manipulados não poderão ser neutralizados por outras formas de mídia.
P. Qual é o tamanho real da ameaça das fake news?
R. Eu acho que, quando estamos falamos de fake news, precisamos distinguir entre várias coisas diferentes. Uma delas é a habilidade de acusar de fake newsqualquer um que diga algo de que você não gosta. Esse é um problema. Há, também, o problema de pessoas dizendo coisas falsas com a finalidade de impulsionar uma agenda específica ou de simplesmente ganhar muito dinheiro.
P. Você acha que elas foram decisivas nas eleições [de 2016] dos Estados Unidos?
R. É muito, muito difícil mensurar essas coisas. Você definitivamente pode dizer que houve uma redução na confiança em veículos de notícia que estavam verdadeiramente fazendo a cobertura [das eleições] como resultado de acusações de não estarem de fato cobrindo [os fatos]. Pesquisas mostraram que houve uma redução na confiança durante e especialmente após as eleições.
Se você estiver falando muito precisamente sobre fake news, como matérias explicitamente falsas, inteiramente falsas, que estejam circulando, isso é comparativamente menor. Mas, se você estiver falando da extensão de conteúdos extremamente enganosos, hiperpartidários, tanto da esquerda quanto da direita… Isso separou as pessoas mais ainda e polarizou todo o campo de uma maneira que desestabilizou todo o campo? Essas são as coisas das quais você pode falar. Havia histórias que talvez fossem baseadas em algumas coisas falsas, algumas coisas verdadeiras, ou algumas coisas fora de contexto, mas não houve nenhum estudo de grande escala sobre isso.
É a criação de realidades alternativas que são meio possíveis, mas não verdadeiramente reais, criando aquela impressão de realidade. Há provavelmente mais prevalência disso.
P. Há muitos pedidos para que se investiguem sites produtores de fake news, e muitos legisladores apresentaram projetos de lei que criam o crime para a produção de fake news. Qual sua opinião sobre isso?
R. Seria muito difícil criar até mesmo o aparato legal que faria isso sem encontrar alguns problemas. Provavelmente causaria mais dano do que bem. Acho que você pode, em vez disso, legislar sobre outras coisas. Por exemplo, se alguém estiver criando várias e várias contas falsas, talvez haja um jeito de dizer que isso é como criar identidades falsas.
P. Queria que você, por favor, explicasse qual seu conceito de Infocalipse.
R. A ideia geral é que você não consegue manter um governo funcional, uma sociedade ou uma civilização funcionais, se você não tiver informação boa o suficiente. Você pode pensar na ideia como se, à medida que a qualidade das informações num geral diminui, a inteligência de todos os membros da sociedade e de todas as diferentes organizações que a tornam funcional, no geral, diminui, e, se você vai muito fundo nisso, sua sociedade basicamente desmorona. Esse é o conceito geral, e a ideia é evitar isso.
P. Você acha que isso vai ser mais ameaçador quando houver tecnologias que possam, por exemplo, fazer um vídeo de pessoas, como presidentes, dizendo coisas que na realidade elas nunca disseram?
R. Acho que o ponto é realmente ficar de olho na fronteira, ou no ponto-limite, e há inúmeros modos por meio dos quais chegaríamos nele. Um deles é essa nova tecnologia de falsificação de áudio e de vídeo, que felizmente não é prevalente agora, mas é muito importante que estejamos preparados para ela.
P. Você acha que será prevalente?
R. Acho que a exata linha do tempo não é clara, mas, você sabe, para os próximos anos parece bem provável que vire um grande problema.
P. Você fala também sobre polity simulation (ou simulação de política). Pode explicar o que é isso?
R. Num nível mais alto, é criar a impressão de que muita gente se importa com algo com a finalidade de impulsionar uma agenda. A versão simplificada disso é a manipulação do que é tendência no Twitter e no Facebook. Você pode mudar as tendências criando vários bots ou simplesmente colocando várias pessoas para, de uma vez só, fazer uma coisa, e aí faz parecer que se trata de um tema muito importante, muito embora ninguém saiba ou se importe com aquilo. Se você tem vídeo ou áudio, você pode ter todas essas ligações falsas para políticos: “Ah, você precisa fazer essas mudanças nessa coisa para tal político”. Então há níveis diferentes de como você pode em termos de ser capaz de mudar o que as pessoas acreditam que todos se importam, formando meio que uma população.
P. Qual é a sua percepção da atual e da futura influência da polity simulation? Para você, isso tem o potencial de subverter a democracia em outro nível – não durante as eleições, mas no cotidiano, pressionando políticos durante seus mandatos ou forjando afrontas públicas sobre certas questões?
R. Exatamente. A simulação de política ou os “atores sintéticos” podem impactar continuamente a democracia – ambos pela influência nas prioridades e atenções políticas e pelo impacto no “tribunal da opinião pública”. Aconteceram significativas tentativas, tanto de atores domésticos quanto internacionais, de impactar os EUA através de contas não autenticadas, e a automatização delas é cada vez mais provável no decorrer do tempo.
P. Também há algumas pesquisas sobre tecnologias em desenvolvimento agora que, no futuro, poderão reproduzir a voz de um familiar para que possam ser usadas para aplicar golpes.
R. Até onde eu sei, isso ainda não foi criado, mas está bem próximo de ser. E é perigoso, é algo muito difícil de lidar agora.
P. Então, duas coisas: a primeira é, se isso virar uma tendência majoritária, você mencionou que pode haver algo chamado “apatia à realidade”. Você pode explicar melhor o que é isso?
Até certo ponto, nós já temos isso. Temos algo como essa apatia à realidade em ambientes em que há muito pouca confiança, e [em que], se você falar com alguém, eles ficam como que dizendo “eu nem sei o que é real, eu desisto, isso é muito complicado, vou assistir a algum programa na TV”. Acho que já vimos muito disso. E se você não pode acreditar no que você vê com seus olhos nem no que você lê, isso faz com que sua habilidade ou sua vontade de se importar simplesmente vá abaixo.
A minha aposta é que um dos problemas da confiança pública é que você já tem várias pessoas simplesmente desistindo. Eu vejo duas opções quando você vai muito longe: se você tem essa apatia à realidade, e há gráficos de realidade em que todo mundo está em seu próprio mundinho, meio que em uma bolha de filtragem, você vê qualquer coisa de outras “galeras” e as acha horríveis e não confia em nada que elas digam. É quase como se houvesse uma parede entre você e outros bullies, e acho que você acaba com um ou outro, porque é muito trabalhoso classificar todas as mentiras para encontrar alguma verdade.
P. Acho que, se você olhar para a história da humanidade, isso na verdade aconteceu em vários momentos, certo? Houve as guerras mundiais…
R. Exatamente, mas em zonas de conflito, especialmente em ambientes fracos e extremamente autoritários, isso não é um fenômeno novo. Mas é um fenômeno novo em uma democracia saudável. Então, ou você só acredita no que quer, ou você nem quer tentar descobrir em que acreditar, aí você não tem como ter democracia, porque você não pode votar, você não pode tomar uma decisão como governo.
P. Se de fato houver o que você chama de Infocalipse, em vez de uma completa apatia, não seria mais provável que as pessoas simplesmente desconfiassem de qualquer coisa proveniente das mídias sociais e se voltassem para outros meios de notícia, como TV ou rádio?
R. Primeiramente, me deixe esclarecer: a ideia do Infocalipse é de uma fronteira. A civilização e a democracia dependem de pessoas tomando decisões “boas o suficiente” – desde em quem votar e como se manter saudável até quando deve haver a necessidade de uma guerra. Essas decisões dependem do nosso conhecimento do mundo e da nossa habilidade de distinguir fato de ficção. À medida que nosso ecossistema de informação se deteriora, essas decisões também se deterioram, como se todo mundo estivesse embriagado. Dá para pensar no Infocalipse como estar tão bêbado que nem a democracia nem a civilização conseguem funcionar.
Em teoria, isso pode significar um retorno da população à TV e ao rádio tradicionais, mas na verdade esses meios estão competindo com as mídias sociais. Se o conteúdo das plataformas online for mais envolvente, mais surpreendente e mais emocional, as pessoas se voltarão para elas. Isso significa que as mídias tradicionais precisarão competir e, com isso, poderão piorar muito também. Além disso, muitas dessas fontes online falarão para você não confiar nos meios tradicionais, caso sejam de oposição. Por fim, nada disso ajuda se sua TV ou seu rádio também estejam sob controle dos atores da desinformação, como tem se tornado cada vez mais frequente em alguns países.
P. O que você acha que pode ser feito para prevenir esse mundo catastrófico em que as pessoas não acreditam que haja uma verdade e só acreditam no que seu próprio grupo diz?
R. Então, o mais importante é realmente encontrar formas de recompensar aqueles que o ajudam a decifrar o verdadeiro do falso, de recompensar basicamente – e aqui é onde acho que concordamos que as plataformas devem ajudar.
Elas não criaram, mas amplificaram esse mundo em que é mais provável que você receba atenção se o que você está dizendo é mais extremo, e nós precisamos nos direcionar a um mundo em que seja mais provável ser escutado se o que você está dizendo é bem pensado e coerente, e isso é algo muito difícil de fazer. Há inúmeros modos de impulsionar as coisas que recompensam em termos de interações nas plataformas, ou o que faz com que algumas coisas apareçam mais no feed em comparação a outras, mas também há coisas que podemos fazer fora delas, até mesmo para prevenir [que] a próxima onda de desinformação, essa de vídeo e áudio, fique muito ruim muito rápido.
P. Como o quê?
R. Algo válido é poder verificar se uma imagem realmente veio de um lugar em específico, se um vídeo realmente veio de tempo e lugar específicos. Há tecnologia que podemos usar para isso, mas se requer potencialmente criar muitas novas infraestruturas e basicamente modificar a maneira como telefones funcionam, adicionando potencialmente chips a telefones se você realmente quiser provar que [aquilo] é real. Há meios através dos quais podemos mudar o jeito ou melhorar a reflexão sobre a pesquisa em si, que é criando essa tecnologia para retardar os impactos negativos.
P. Você não acredita em regulação das empresas de tecnologia e redes sociais como Google, Facebook e Twitter? Se você olha para as outras indústrias, por exemplo, a automobilística, ela também está em todos os lugares do mundo e se tem regulações específicas em cada país, e há países em que carros podem poluir mais e outros em que podem poluir menos.
R. Acho que o desafio aqui é diferente. O desafio aqui é, se você faz muito, a democracia morre, e, se você faz pouco, a democracia morre. Se você quer regulamentar carros, a democracia continua bem. Com isso dito, acho que ainda precisamos de regulamentação. Eu só acho que é muito complicado acertar, e não houve propostas muito atraentes sobre desinformação e sua regulamentação que se equilibrem bem. Há coisas específicas que são muito válidas sobre transparência, é preciso haver regulamentação, mas elas não abordam diretamente a desinformação.
P. Você quer dizer transparência sobre algoritmos, número de usuários etc.?
R. Sim, ou até mesmo ter uma auditoria de terceiros ou algum mecanismo de auditoria, quando você tem uma organização de certo tamanho, para se certificar de que estão seguindo certas práticas.
P. Quais são as novas tecnologias de deep fake que poderão ser utilizadas nas eleições deste ano no Estados Unidos?
R. Essas tecnologias transpassam fronteiras e ainda não são fáceis de utilizar ou de serem transformadas em armas, por isso esperamos que não sejam implementadas a tempo para as eleições.
Bruno Boghossian: Campanha de Bolsonaro aplica seu próprio viés político à educação
A 12 dias do 2º turno, não se sabe quase nada sobre planos para o ensino público
As conspirações sobre a ideologia nas escolas atingiram o insuspeito Charles Darwin. Um general que elabora propostas na campanha de Jair Bolsonaro diz que a teoria da evolução deve ser ensinada ao lado do criacionismo (a ideia de que Deus criou diretamente o homem).
“Muito da escola está voltada para orientação ideológica [...]. Houve Darwin? Houve, temos de conhecê-lo. Não é para concordar, tem de saber que existiu”, afirmou Aléssio Souto ao jornal O Estado de S. Paulo.
As duas visões devem ser mantidas em esferas distintas, mas o militar segue uma linha em que a religião disputa espaço com a ciência. Ele diz que um pai “não está errado” se quiser que o professor ensine teoria da criação no lugar do darwinismo.
A sugestão causa arrepios em especialistas. “Esse debate deve ocorrer no campo da religião, nas aulas de filosofia ou sociologia”, afirma Priscila Cruz, do movimento Todos pela Educação. “Na ciência e na biologia, o criacionismo deveria ser banido.”
Ao tratar pontos do ensino científico como desvio ideológico, assessores de Bolsonaro aplicam, eles mesmos, um viés político à educação.
“Quando você iguala ciência e ideologia, você anda para trás, ignora séculos de aprendizado”, diz Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências. “A teoria da evolução não é ideológica. É resultado de percepções científicas e foi testada ao longo do tempo.”
A 12 dias da eleição, não se conhece muito sobre o programa de Bolsonaro além da criação de colégios militares. É possível deduzir que ele quer tirar das salas de aula valores como o combate ao preconceito sexual e a defesa dos direitos humanos.
Outro consultor da campanha disse ao jornal Valor Econômico que vai sonegar dos eleitores os projetos para o setor. Stavros Xanthopoylos afirmou seis vezes que só vai falar do assunto depois do segundo turno.
“É um cheque em branco”, diz Priscila Cruz. “O debate não está em cima de propostas, mas de crenças e visões de mundo. O que vamos fazer para as crianças aprenderem?”
Bernardo Mello Franco: Rejeição a Haddad sobe e vira novo obstáculo para o PT
Os petistas associam a maré contra Haddad ao bombardeio nas redes. O petista tem sido alvo de uma onda de fake news. Já foi acusado até de defender o incesto
O favoritismo de Jair Bolsonaro não é mais o único problema do PT. A pesquisa divulgada ontem pelo Ibope mostra que Fernando Haddad passou a enfrentar um novo obstáculo. Pela primeira vez na campanha, seu índice de rejeição ultrapassou o do adversário.
De acordo com o levantamento, 47% dos eleitores descartam votar no petista. Isso significa que a rejeição a Haddad disparou nos últimos dias. Na véspera do primeiro turno, o índice era de 36%.
No caso de Bolsonaro, deu-se o inverso. Pelos números do Ibope, 35% dos eleitores não admitem votar nele “de jeito nenhum”. Na pesquisa anterior, o capitão era rejeitado por 43%.
Os petistas associam a maré contra Haddad ao bombardeio de fake news nas redes. O petista tem sido alvo de uma onda de ataques abaixo da cintura. Já foi acusado até de defender o incesto, em postagem do bolsonarista Olavo de Carvalho.
A artilharia produziu efeito, e o petista teve que ir para a defensiva. Ontem ele levou a mulher e os filhos para a TV, num esforço para rebater a ideia de que seria um inimigo da família tradicional.
Com o TSE de braços cruzados, Bolsonaro colhe os frutos da ofensiva virtual. Segundo o Ibope, ele abriu uma vantagem de 42 pontos entre os evangélicos. No contingente, sua vitória sobre Haddad seria um massacre: 66% a 24%.
A esta altura, reconquistar estes eleitores parece uma missão quase impossível para o petista. Ainda mais com as máquinas das maiores igrejas neopentecostais, como a Universal de Edir Macedo, atuando abertamente para o capitão.
O candidato do PSC ao governo do Rio, Wilson Witzel, abriu seu programa eleitoral de ontem com um depoimento do vereador Otoni de Paula.
É o mesmo personagem que rebolou e fez um gesto obsceno na Câmara Municipal para festejar a rejeição do pedido de impeachment contra o prefeito Marcelo Crivella. Saltou do colo do bispo para o do ex-juiz.
Merval Pereira: Semana perdida
A grande maioria dos que votaram em Bolsonaro não mudará seu voto, assim como os adeptos do petista também não o farão
Foi uma semana perdida para o candidato petista Fernando Haddad. Agora, só restam duas até o segundo turno, e nada indica que tenha encontrado o caminho certo para tentar tirar votos de Bolsonaro, que continua com 18 pontos à frente desde que encerrou o primeiro turno na liderança da corrida presidencial, como mostra amais recente pesquisa de intenção de votos divulgada ontem pelo Ibope.
Combater Bolsonaro comum discurso genéricos obre valores e democracia, vindo de quem vem, e emitido aos eleitores anti petistas que votaram nele, épura perda de tempo. O PT não entendeu que a votação de Bolsonaro se deve ao antipetismo disseminado pelo país, mas sobretudo à insegurança da população, ao conservadorismo do brasileiro médio, considerado um defeito pela esquerda.
Não que veja na provável vitória de Bolsonaro uma resposta adequada a esses conflitos da modernidade, e, sobretudo, considero perigosa a postura de que a maioria tem que se impor às minorias, impedindo que tenham espaço na sociedade.
Bolsonaro aos poucos vem recuando de posições radicais que defendeu, assim como o PT tenta ir para o centro, ambos sem muita convicção. Sobretudo, o que Haddad diz não se escreve, porque o escrito que vale é o de Lula, não dele.
Não estou convencido de que os dois estejam sendo sinceros, pode ser apenas recuo de estratégia eleitoral. Mas as instituições nacionais saberão cobrar-lhes um comportamento dentro dos marcos da democracia. A grande maioria dos que votaram em Bolsonaro não mudará seu voto, assim como os adeptos do petista também não o farão. A margem de mudança é muito pequena, como mostra a pesquisa Ibope: Bolsonaro é o que tem mais simpatizantes convictos: 41% votariam nele com certeza, e 35% não votariam Haddad é o que tem a maior rejeição:47% não o escolheriam em nenhuma hipótese, e 28% manifestam certeza na escolha.
A ideia de formar uma aliança pluripartidária “a favor da democracia” não sensibilizou seus supostos componentes, não porque sejam favoráveis a Bolsonaro. Ao contrário, não são. Mas a alternativa de apoiar o PT, que representaria a “civilidade” contra a “barbárie”, não está conectada com a realidade da atuação política dos petistas, nem coma relação que mantêm com seus adversários, que sempre foram tratados como inimigos a serem destruídos.
Ciro Gomes, do PDT, foi o mais atingido por essa postura egocêntrica do PT, pois estava claro desde o início da campanha que era quem tinha mais condições de se contrapor a Bolsonaro, pelo estilo agressivo que essa disputa exigia, sem entrar no mérito enas razões que levaram a essa situação.
O ex-presidente Lula, por cálculo personalista, para não perdera liderança da esquerda, barrou de todas as maneiras a aliança com o PDT. Inclusive ameaçando o PSB de lançar candidato em Pernambuco se apoiasse Ciro. Agora, que Inês aparentemente é morta, surgem dentro do PT sugestões de anunciar que em 2022 o candidato será Ciro Gomes.
O PSDB, embora tenha perdido muito de sua importância na representação parlamentar, tema chance de se reinventar se souber se colocar na oposição de maneira clara, fazendo o mea culpa proposto pelo senador Tasso Jereissati e se desgarrando de suas lideranças apanhadas na Operação Lava-Jato. Além do fato de que o partido e seu principal líder, Fernando Henrique Cardoso, foram achincalhados pelo PT durante os 13 anos em que estiveram no poder.
Marina Silva não tem razão para acreditar que o PT aceitaria seu programa sobre meio ambiente, já que saiu do governo justamente por discordâncias fundamentais. Além do mais, esse tipo de acordo pode ser rompido a qualquer momento, e Ciro já disseque a natureza do PT é a do escorpião, que ferroa quem o ajudou a atravessar o rio, mesmo que morra junto.
Em política, nunca diga nunca. Mas a dificuldade de fazer um amplo acordoes tá demonstrada, por exemplo, no simulacro de autocrítica que Haddad fez. Na impossibilidade de admitir que seu partido se utilizou da máquina do Estado brasileiro amealhando dinheiro para financiar as campanhas eleitorais com o objetivo de se perpetuar no poder, saiu-se com uma explicação ridícula de que as estatais ficaram sem controle.
Ora, quem controlava as estatais era o Palácio do Planalto, que distribuiu para o PT e seus aliados nacos da riqueza do país. Não houve falta de controle, mas controle excessivo do governo, liderado pelo ex-presidente Lula, como se a Petrobras e outras estatais existissem para financiar a máquina petista. E encher o bolso de seus líderes e aliados.
José Casado: Uma agenda de confusões
Como a perspectiva do poder embriaga, Bolsonaro já aumenta os custos políticos do eventual governo
Jair Bolsonaro se consolida como favorito. Além de manter a vantagem obtida no primeiro turno, com 18 pontos à frente, conseguiu inverter o fluxo da rejeição eleitoral, agora liderada por Fernando Haddad.
Como a perspectiva do poder embriaga, Bolsonaro já aumenta os custos políticos do eventual governo.
Semana passada, no Rio, celebrou com aliados políticos e religiosos a vitória no primeiro turno, com 49 milhões de votos. “Depois de Israel, o próximo país que vou visitar é os Estados Unidos, ok?”, avisou.
Na plateia, muitos perceberam nesse aviso de viagem o eco de uma promessa de Bolsonaro a sionistas cristãos feita em outubro do ano passado, na Nova Inglaterra (EUA): se eleito, vai transferir a embaixada do Brasil em Israel, de Tel-Aviv para Jerusalém, cidade sagrada para judeus.
Significaria uma reversão em meio século de política externa do Brasil, com alinhamento às prioridades do governo Donald Trump e, também, ao governo conservador de Israel. Desde 1967, o Brasil vincula o status de Jerusalém ao reconhecimento das fronteiras de duas nações, Israel e o Estado palestino.
A reação à promessa de Bolsonaro já é perceptível entre diplomatas de nações islâmicas. Consideram provável uma revisão do comércio do Brasil com 57 países, entre eles 22 árabes — destino de 25% das exportações brasileiras de carne.
O candidato favorito à Presidência conseguiu, também, nublar o horizonte das relações com a China, ao anunciar mudanças no rumo da privatização do grupo Eletrobras: “Você vai deixar nossa energia na mão do chinês?”, argumentou em entrevista à Band.
A China comprou 21 empresas brasileiras, investindo US$ 21 bilhões nos últimos três anos. Mas o candidato acha que as relações com os chineses devem passar pelo prisma do alinhamento com Washington, em guerra comercial com Pequim. Em uma semana, Bolsonaro abriu focos de potencial conflito com países cujas populações, somadas, representam metade dos habitantes do planeta. E ainda nem foi eleito.