Eleições
El País: Linchamento virtual de jornalistas na eleição alerta para risco à liberdade de imprensa
‘Folha’ é ameaçada no Twitter por Bolsonaro horas depois de pedir investigação de "ação orquestrada com tentativa de constranger a liberdade de imprensa"
O candidato de extrema direita, Jair Bolsonaro, começa a emular a cruzada do presidente Donald Trump contra a imprensa tradicional. Ele lançou, nesta quarta-feira, uma ameaça direta ao principal jornal brasileiro em circulação no Twitter. “A mamata da Folha de S.Paulo vai acabar, mas não é com censura, não! O dinheiro público que recebem para fazer ativismo político vai secar e, mais, com sua credibilidade no ralo com suas informações tendenciosas são menos sérias [sic] que uma revista de piada!", tuitou, seis dias depois de o jornal publicar uma reportagem em que aponta que empresários que o apoiam bancaram o disparo em massa de mensagens via WhatsApp contra o PT. E horas depois de a Folha anunciar que pediu para que a Polícia Federal investigue ameaças a seus profissionais por "indícios de uma ação orquestrada com tentativa de constranger a liberdade de imprensa".
A mamata da folha de são paulo vai acabar, mas não é com censura não! O dinheiro público que recebem para fazer ativismo político vai secar, e mais, com sua credibilidade no ralo com suas informações tendenciosas são menos sérias que uma revista de piada!
O jornal denunciou nesta quarta-feira a campanha que foi praticada contra quatro de seus profissionais, entre eles a jornalista Patrícia Campos Mello, autora da reportagem que revelou o esquema no WhatsApp, que pode indicar a existência de uma fraude eleitoral. Um dos números mantidos pela Folha recebeu mais de 220.000 mensagens de 50.000 contatos no WhatsApp. Patricia teve seu aplicativo hackeado e usado para disparar mensagens favoráveis a Bolsonaro, além de ter uma imagem falsa sua atrelada ao presidenciável Fernando Haddad divulgada na internet. Apoiadores de Bolsonaro também convocaram eleitores do capitão reformado à confrontá-la pessoalmente em um evento em 29 de outubro, em que a jornalista seria a mediadora.
Além de Patrícia, outros três colaboradores da Folha foram vítimas de ataques virtuais. Na noite da última sexta (19) outro repórter, desta vez de O Estado de S. Paulo, Ricardo Galhardo, teve seu celular divulgado no Twitter pelo empresário Luciano Hang, um dos empresários que, segundo a Folha, teria ajudado a bancar o disparo das mensagens, após questioná-lo para uma reportagem. A plataforma removeu a postagem por considerá-la abusiva, contudo o jornalista passou a receber mensagens agressivas de apoiadores do candidato.
Diante dos episódios, o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) pediu para que as autoridades brasileiras garantam a segurança dos jornalistas brasileiros que estão cobrindo as eleições no país. "Numa democracia turbulenta como a do Brasil, a liberdade de expressão é um direito fundamental, antes e depois das eleições", disse a entidade pelo Twitter.
As autoridades brasileiras devem garantir a segurança dos jornalistas brasileiros que estão cobrindo as eleições no país. Numa democracia turbulenta como a do Brasil, a liberdade de expressão é um direito fundamental, antes e depois da eleição de 28 de outubro. #Eleicoes2018
Em 2018, 137 profissionais da comunicação foram vítimas de alguma forma de agressão no país. As ocorrências aconteceram em contexto político, partidário e eleitoral. Agressões físicas correspondem a 62 registros, com 60 profissionais atingidos. Os demais ataques, 75, foram praticados via internet e afetaram 64 profissionais diferentes. O Brasil ocupa o 102º lugar, em uma lista de 180 países, na classificação de liberdade de imprensa mundial. O ranking realizado pela Organização Repórteres Sem Fronteiras aponta que o ambiente de trabalho para jornalistas no país é cada vez mais instável por conta de ameaças e agressões durante manifestações políticas e assassinatos de profissionais da comunicação instalados em regiões mais afastadas das metrópoles.
Para Daniel Bramatti, presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), a onda de linchamentos virtuais de jornalistas é uma tendência nova de intimidação e pode apresentar um sério risco à democracia.“O problema é o estímulo à intimidação, a ações coletivas para expor os profissionais e até suas famílias. Isso tudo não é condizente com a liberdade de expressão e com a liberdade de imprensa”, pontua. A ABRAJI lançou uma cartilha com orientações práticas sobre como lidar com ataques nas redes, prezar pela segurança e pelo uso consciente das redes sociais. "Espero não ter que usar o verbo no passado, mas até recentemente nos sentíamos seguros trabalhando nas capitais. É preciso que isso se mantenha, porque um jornalista que não trabalha com segurança, não trabalha com liberdade", diz Bramatti.
Para além dos ataques à imprensa, o cenário nas redes sociais também aponta a equipe de Jair Bolsonaro como uma ameaça à liberdade de expressão. Segundo a apuração do The Intercept Brasil, o capitão reformado já moveu 17 processos contra o Facebook por compreender que existiam conteúdos contrários a suas propostas e difamação a ele. Uma característica interessante destas ações é que os advogados de Bolsonaro pedem além da remoção dos conteúdos, as informações cadastrais dos criadores e a exclusão de seus perfis.
Até o momento, a Polícia Federal e o TSE, onde a Folha protocolou o pedido de investigação, ainda não se posicionaram sobre o pedido do jornal. Daniel Bramatti alerta para importância de posicionamentos claros das autoridades brasileiras a fim de proteger o exercício do jornalismo no Brasil. "A impunidade de um crime contra jornalistas, quando esse crime visa calar alguém, é uma vitória das trevas e quem tem como obrigação constitucional a defesa da democracia precisa atuar com força nesse momento", clama.
Política Democrática: Prioridade do próximo presidente deve ser agenda fiscal, diz Monica de Bolle
Economista avalia que nem Bolsonaro nem Haddad têm “a menor noção do que fazer com as exigências econômicas do país”
Por Cleomar Almeida
Ajustes de curto prazo nas contas públicas, acompanhados da reforma da previdência, devem ser prioridade do novo presidente. A avaliação é da economista Monica de Bolle, 46 anos, em entrevista exclusiva à revista Política Democrática digital, lançada nesta quarta-feira (24), com conteúdo que pode ser acessado de graça pelos internautas. “Eu acho que a agenda prioritária é a agenda fiscal”, afirma ela. “Não tem outra”, enfatiza.
Monica é a única mulher latino-americana a integrar a equipe do Peterson Institute for International Economics, nos Estados Unidos, e diretora do Programa de Estudos Latino Americanos da Johns Hopkins University, em Washington. Segundo ela, é preocupante a forma como os mercados e os investidores estão reagindo diante da hipótese de vitória do candidato do PSL à Presidência da República, Jair Bolsonaro, no segundo turno, no próximo domingo (28).
Confira aqui a entrevista na versão digital de Política Democrática
De acordo com a economista, a perspectiva de vitória de Bolsonaro carrega, entre alguns setores da sociedade, de forma equivocada, a noção de que tudo no país estará resolvido, como a aprovação da reforma da previdência no congresso e o novo ajuste fiscal. No entanto, acrescenta, não é isso que o candidato vem dizendo.
Se não houver um ajuste fiscal logo no primeiro trimestre ou quadrimestre de governo, conforme avalia Mônica, “o Brasil vai de novo passar por um momento de extrema turbulência”. “E não acho improvável que a gente tenha alguma recessão pela frente em algum momento”, diz a economista, que, na entrevista, também ressalta a urgente necessidade de o país também ter reformas política e tributária.
Na avaliação de Monica, tanto Bolsonaro quanto o candidato do PT à Presidência da República, Fernando Haddad, não sabem o que fazer com as demandas econômicas do Brasil. “É um país que está começando a sair de uma crise extremamente severa, com uma taxa de desemprego nas alturas, que hoje corre o risco de não reduzir essa taxa de desemprego e de até conseguir aumentá-la, porque os dois candidatos que estão aí não têm a menor noção do que fazer com as exigências econômicas do país”, analisa.
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Ricardo Noblat: A intervenção desarmada
O risco de tutelar o governo
Celebrem os comandantes militares se suas fardas saírem apenas levemente manchadas das eleições prestes a terminar. E se acautelem para que o pior não esteja por vir.
Pode ter colado até um dia desses a história de que o entusiasmo pela candidatura do capitão Jair Bolsonaro era coisa da tropa rude e ignara, jamais de oficiais com patente elevada.
Não cola mais. Oficiais da reserva de alto coturno assessoram Bolsonaro e participarão do governo caso ele se eleja. E às sombras, oficiais da ativa colaboraram com o candidato e torcem pelo seu sucesso.
O bolsonarismo infiltrou-se nas Forças Armadas como se fosse um vírus poderoso, e é. O sonho de um governo tutelado discretamente pela farda deixou de ser um sonho e está à vista de quem sabe enxergar.
Relatórios de inteligência produzidos por órgãos do governo e das três armas ajudam Bolsonaro a planejar seus movimentos de campanha e a selecionar futuros auxiliares. Nada de parecido havia acontecido até hoje.
A intervenção desarmada só servirá para enfraquecer a democracia submetida por aqui a estresses tão duros desde que foi restaurada há somente 33 anos.
Mesmo que ela resista a mais um teste, o eventual fracasso de um governo como o que se anuncia poderá causar estragos à imagem dos seus patrocinadores ocultos, dissimulados ou assumidos.
As Forças Armadas são a instituição de maior prestígio no país ao lado de outras poucas. Não há por que correr o risco de jogar fora o que conquistou com tanto empenho e sacrifício.
Cala a boca, Bolsonaro!
Um pouco de emoção faz bem
Quem se limitava a contar sem disfarçar o tédio os dias que faltavam para que o deputado Jair Bolsonaro (PSL) se elegesse presidente da República agora não poderá mais se queixar. Pelo menos até sábado, quando o Ibope divulgará sua última pesquisa de intenção de votos, haverá espaço para alguma emoção. Menos mal.
A pesquisa Ibope conhecida ontem só trouxe más notícias para o candidato que tinha a faixa presidencial ao alcance da mão. Sua vantagem sobre Fernando Haddad (PT) caiu quatro pontos percentuais. Aumentou a rejeição de Bolsonaro. E diminuiu o percentual dos que com certeza diziam que votariam. Não é nada, não é nada, mas pode ser.
Eleição só acaba quando acaba, cansam de repetir os que já acompanharam de perto muitas delas. Livros contam histórias de eleições que foram tratadas como decididas de véspera e que tiveram um desfecho surpreendente. Mas isso não quer dizer que Bolsonaro possa estar perto de perder seu favoritismo. Longe disso.
Bolsonaro tem tudo para vencer no próximo domingo, e com folga. Que ninguém se surpreenda se ele bater o recorde de Lula que em 2002 se elegeu com 62% dos votos válidos. Todos os fatores que impulsionaram sua candidatura ladeira acima permanecem vivos e em bom estado. Só o acaso poderia aprontar uma surpresa.
O acaso – ou melhor: a imprevidência – pode explicar o eventual freio na trajetória ascendente de Bolsonaro. Teve a denúncia de que notícias falsas poderão tê-lo beneficiado no esforço de se eleger direto no primeiro turno. Teve o vídeo de um dos filhos sobre como fechar o Supremo Tribunal Federal. E teve a fuga de Bolsonaro aos debates.
É impossível medir o efeito de cada um desses episódios sobre o desempenho do candidato. Mas algo de negativo aconteceu para que ele parasse de crescer. Certamente não foi nada que se possa atribuir a Haddad, um candidato de pouco brilho e, ainda por cima, sabotado dentro do próprio partido por aqueles que preferiam outro nome.
O mais recomendável seria que Bolsonaro fechasse a sua e a boca dos que o cercam para que nada saia dali de impróprio até o início da noite de domingo. A essa altura, Bolsonaro só perderá para Bolsonaro, ou para os filhos intrépidos, ou para os Mourões da vida. Por falar nisso, quando será preso o coronel que no YouTube prega o golpe?
Bruno Boghossian: Haddad e PT dão munição ao adversário na reta final
Não bastasse o cenário adverso, petistas prejudicam a própria estratégia
Não bastasse o cenário já adverso, Fernando Haddad e sua campanha deram munição ao campo adversário na reta final do segundo turno. Atropelados por Jair Bolsonaro (PSL), os petistas entraram pela porta errada no embate decisivo da eleição e conseguiram sabotar suas próprias estratégias.
Em sabatina no jornal O Globo nesta terça (20), Haddad fez uma acusação infundada contra o vice de Bolsonaro. O candidato do PT disse que o general da reserva Hamilton Mourão havia sido “ele próprio torturador” na ditadura militar. E acrescentou: “Deveria estar em todas as primeiras páginas amanhã”.
Haddad reproduziu uma informação falsa —e de forma imprudente. O petista se baseou numa afirmação do cantor Geraldo Azevedo, que de fato foi barbaramente torturado, mas não por Mourão. O artista se retratou e pediu desculpas, embora tenha mantido suas críticas à candidatura de Bolsonaro.
A campanha petista aposta suas fichas no discurso de que o deputado do PSL se beneficiou de uma máquina de distribuição de mentiras —o que é verdade, em boa medida. O episódio prejudica essa tática.
A propaganda de rádio em que o partido tenta tirar proveito do assunto foi outro um tiro no pé. Na peça, a campanha diz que Bolsonaro tem um “voto de cabresto imposto pelo medo e pela mentira”. Ao insinuar que os eleitores do rival são manipulados, o PT consegue afastá-los ainda mais, a dias da eleição.
O sentimento de rejeição aos petistas fez com que Haddad ficasse parte do segundo turno na defensiva. Por vários dias, ele precisou explicar o fracasso da formação de uma frente ampla contra Bolsonaro. O apoio crítico de Marina Silva só chegou na semana final.
O petista ainda se viu obrigado a reagir ao rival em seus próprios redutos eleitorais. Para ganhar votos no Nordeste, Bolsonaro propôs um 13º para o Bolsa Família. O programa tem a marca do PT, mas Haddad teve que anunciar um aumento do benefício para não perder mais terreno.
Maria Herminia Tavares de Almeida: Na encruzilhada
Não se pode subestimar a erosão da democracia que um governo pode promover
Cientistas políticos chamam de "encruzilhadas críticas" as situações nas quais, em contexto de incerteza, a decisão de protagonistas relevantes define um caminho sem volta, em prejuízo de outros possíveis: uma vez tomado, o caminho limita, por um bom tempo, os passos possíveis dali em diante. Estamos em um desses momentos, e os protagonistas que farão essa escolha crucial são os milhões de eleitores brasileiros.
Por isso, é apropriado especular sobre o rumo que o país poderá tomar, caso se confirme o resultado que as pesquisas de opinião indicam. Ao fazê-lo, porém, toda cautela é pouca: analistas da sociedade e do comportamento humano são treinados para explicar o passado e não dispõem de instrumentos afiados para falar do futuro com segurança.
Colegas cuja integridade pessoal e competência profissional merecem respeito sustentam que a democracia não corre risco, mesmo que vença o candidato de extrema direita. Argumentam que não basta olhar para o discurso e o compromisso dos candidatos com os princípios democráticos; é preciso também levar em conta os antídotos institucionais contra possíveis tendências autoritárias.
Nessa ordem de ideias, supor que a eleição de políticos indiferentes ou avessos aos valores democráticos colocaria em xeque o regime de liberdades equivaleria a ignorar os freios que as instituições são capazes de impor à conduta dos políticos.
A tese aqui é forte: as regras que limitam a vontade dos governantes acabarão por forçá-los à moderação. O raciocínio que vale para os deputados seguidores de Bolsonaro —que estão longe de ser hegemônicos no Legislativo— é mais discutível para um Bolsonaro presidente.
O chefe de governo que for eleito no domingo (28) enfrentará enormes desafios, dois deles prementes para libertar o país da crise econômica e política: alguma reforma fiscal que tire a economia do sufoco e permita crescimento; e a pacificação política, a fim de reduzir a polarização que dilacera a sociedade, ao estimular a incivilidade e a violência.
As mudanças necessárias, no primeiro caso, demandam um presidente com capacidade e disposição de coordenar sua base parlamentar --condição indispensável para o bom funcionamento do presidencialismo de coalizão.
As urnas geraram um Congresso fragmentado como nunca, com pouquíssimas lideranças experientes. O partido do candidato favorito é excepcionalmente diminuto, e as pequenas agremiações de direita e de centro não haverão de engrossar a base governista por mera atração gravitacional. Fazê-los atuar a favor de uma agenda de reformas, qualquer que seja, exigirá do presidente muita capacidade de negociação, muita flexibilidade para ouvir, convencer, acomodar interesses e ceder. Isso pressupõe que o presidente tenha tino político e inclinação para o diálogo, qualidades que Fernando Henrique e Lula possuíam de sobra, faltavam a Collor e Dilma e não caracterizam o candidato da extrema direita.
Ele tampouco parece ter vocação ou vontade de pacificação política. Seu histórico de destempero, insultos e intimidação nem de longe o qualifica para a tarefa.
Suas declarações durante a campanha eleitoral --veja-se a mensagem em vídeo aos apoiadores que se manifestavam em São Paulo, no último domingo, na qual ameaça banir os opositores e mandar Fernando Haddad para a prisão-- vêm incentivando a virulência de seus apoiadores mais ferozes nas redes sociais, quando não na vida real. Ao declarar que não tem responsabilidade nem controle sobre o que fazem em seu nome, o candidato lhes dá carta-branca.
O Brasil tem o perverso privilégio de integrar a liga das sociedades mais violentas do mundo. Nas periferias urbanas, nos fundões do país profundo, nas fronteiras onde o agronegócio investe contra as populações indígenas, nos pontos de passagem do comércio controlado pelo crime organizado —enfim, quase por toda parte—, a violência corre solta, mesmo quando a lei a proíbe e seus agentes querem coibi-la. Imagine-se quando os que a praticam se sentirem autorizados por um presidente que durante a campanha eleitoral a enalteceu ao tempo em que encoraja implicitamente a brutalidade dos seus seguidores.
O Brasil da Constituição de 1988 construiu fortes instituições de controle dos governantes e de defesa da liberdade dos cidadãos. A maioria no país é também moderada e não apoia a agenda de extrema direita. Mas não se pode subestimar a erosão da democracia que um governo desdenhoso de seus valores e regras pode promover.
Basta olhar para a Venezuela, a Polônia, a Hungria, as Filipinas. Aqui, os presidentes têm a sua disposição muitos recursos de poder. Gostaria de estar errada, mas prefiro não pagar para ver. Na disputa que chegará ao fim no domingo quem quer que tema a degradação da democracia entre nós só tem uma escolha.
*Maria Herminia Tavares de Almeida, Professora titular aposentada de Ciência Política da USP e pesquisadora do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento)
Míriam Leitão: Haddad em busca da identidade
Haddad se distancia de Lula e chega até a elogiar o sistema americano em que ex-presidentes se afastam da política
O candidato do PT, Fernando Haddad, chega nos dias finais da campanha mais Haddad e menos Lula. Na sabatina, ele elogiou o sistema americano em que o presidente ao fim do mandato sai da política para contribuir de outra forma. Essa não foi a escolha feita por Lula. Haddad fez gestos em direção aos adversários que não chegaram ao segundo turno, demonstrou segurança na sua linha de raciocínio que desenha um PT mais aberto na política. Na economia, contudo, ainda falta um longo caminho.
Haddad cometeu o erro de repetir a informação que recebera, sem fazer uma conta simples: em 1969, o general Hamilton Mourão era um adolescente, não podia, portanto, ser torturador. Para criticar Mourão, bastaria a Haddad lembrar a fala do próprio general, vice de Bolsonaro, que defendeu em entrevista à Globonews o coronel Brilhante Ustra, definido como seu herói, mesmo diante do fato de que 47 pessoas foram mortas dentro do DOI-Codi no período em que o coronel o comandava. “Heróis matam”, disse. Com essas palavras de Mourão, Haddad poderia ter defendido seu ponto de vista de que a chapa do seu oponente representa “o rebotalho da ditadura”, “os porões”. Usou adjetivos fortes para definir Jair Bolsonaro: “bárbaro”, “um bicho", “um tolo”, “uma pessoa vazia”, “soldadinho de araque”, “fascista”.
Na entrevista ao GLOBO, o candidato do PT disse que preparou pessoalmente a proposta da segurança. Ele propõe dobrar o efetivo da Polícia Federal, ampliar seu poder no combate ao crime, dar mais foco às polícias, liberar os estados de algumas funções e combater a violência usando dados:
— É a inteligência que vai vencer o crime. Tentar reduzir a violência armando as pessoas só vai aumentar as mortes.
Haddad disse que a proposta de Jair Bolsonaro para a violência é vazia, é ele dizendo que “vai endurecer”, sem explicar o que seja isso. Lembrou que em 27 anos como deputado não fez nada pela segurança.
Na sua visão dos fatos, o fenômeno Bolsonaro é como uma queda de avião, acontece por várias causas. Na relação que faz estão as fakenews, a transformação de púlpitos em palanques e o “Bispo Macedo usando uma concessão pública para promover um candidato”.
Haddad se definiu como o petista mais bem relacionado com os tucanos. “Eu já fui a público para defender tucano”. E ali na entrevista defendeu Geraldo Alckmin. Em determinados momentos, ele soa professoral como certos tucanos, parecendo mais fazer análise dos fatos que política.
A explicação que ele dá para a trajetória do PT, ou os acontecimentos recentes, deixa muitos espaços em branco. Ele disse que as elites reagiram à criação do PT por ele ser um partido de massa de esquerda que nasceu contra o autoritarismo da direita e da esquerda. Isso não conversa, por exemplo, com o aumento do subsídio e das transferências para as grandes empresas que aconteceu nos governos do PT. Ele diz que está fazendo autocrítica, e passa superficialmente sobre alguns erros do governo Dilma. Diz que sua crítica à Lava-Jato é apenas a alguns erros cometidos contra Lula, mas o partido ainda ontem postou no site da campanha: “Lula, preso político há 200 dias”. Ora, se for isso, não temos democracia.
Haddad explorou bem, na entrevista, a contraposição entre ele, que se define como “pessoa do diálogo”, e a defesa do autoritarismo feita pelo seu adversário, estabelecendo a clivagem democracia contra ditadura. Explicou pouco a agenda social que tem apoio para além do petismo. Hoje, Haddad recebe voto de não petistas que rejeitam a defesa que Bolsonaro faz do regime militar ou que têm afinidade com a pauta de combate às injustiças sociais e de proteção ao meio ambiente. “Me causa repulsa a desigualdade desse país”, disse, mas não desenvolveu o tema, no qual ele tem argumentos de sobra.
O que falta a Haddad entender é que não se combate desigualdades sem equilíbrio fiscal. O erro maior do PT não foi Dilma ter tomado “medidas não consistentes”, como ele definiu, seja lá o que for isso. Mas ter aberto um rombo nas finanças do país, ter elevado a inflação a 10%, ter provocado a recessão. Isso desfez parte do trabalho de inclusão do próprio PT. O partido ainda não entendeu que só em solo firme se constrói um país mais justo.
Bernardo Mello Franco: A bancada da bala dá o primeiro tiro
Para se aproximar de Bolsonaro, o deputado Rodrigo Maia quer enfraquecer o Estatuto do Desarmamento. A medida pode elevar os homicídios no país
A bancada da bala não esperou o fim da campanha para dar o primeiro tiro. Ontem a tropa parlamentar selou um acordo com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Ele prometeu votar ainda neste ano um projeto que facilita a venda e a posse de armas no país.
Maia está em busca de apoio para continuar no cargo. Sua estratégia é agradar Jair Bolsonaro, favorito na corrida ao Planalto. O capitão tem uma ideia fixa: fuzilar o Estatuto do Desarmamento. Ele diz que a revogação da lei ajudaria a combater a violência.
“É um falso discurso”, contesta o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima. Para o sociólogo, a ofensiva contra o Estatuto vai aumentar as mortes provocadas por armas de fogo. “É como jogar gasolina numa fogueira que já está muito alta”, alerta.
De acordo com o Atlas da Violência, 71% dos homicídios registrados no Brasil em 2016 foram causados por armas de fogo. Felipe Angeli, coordenador do Instituto Sou da Paz, sustenta que o debate sobre o assunto não deveria ser ideológico.
“Não se trata de ser de esquerda ou de direita. Há um consenso científico de que o aumento da circulação de armas eleva a taxa de homicídios”, afirma.
Um estudo do economista Daniel Cerqueira, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), sustenta que a cada 1% de aumento no número de armas, o número de assassinatos salta 2%.
A ofensiva contra o Estatuto preocupa os pesquisadores, mas tem feito a alegria dos fabricantes de armas. Com o favoritismo de Bolsonaro, as ações da Taurus subiram mais de 500% desde janeiro. Em vídeos que circulam na internet, o candidato atua como dublê de garoto-propaganda da empresa.
Fernando Haddad errou feio ao repetir, sem checar, a acusação de que o vice de Bolsonaro teria torturado o músico Geraldo Azevedo na ditadura. Para quem reclama da enxurrada de fake news na campanha, foi um verdadeiro tiro no pé.
Elio Gaspari: ‘Não quero ter parte nisso’
Na noite de domingo o Brasil terá escolhido um novo presidente da República. O resultado virá da vontade dos eleitores e, seja qual for o voto que se tenha dado, cada um deles terá parte no que vier a acontecer. Milhões de pessoas que votaram em Dilma Rousseff ou em Aécio Neves tiveram motivos para se arrepender mas, como hoje, era um ou outro. O arrependimento acompanhou também os eleitores de Fernando Collor em 1989 e de Jânio Quadros em 1960. Nenhum deles elegeu-se sugerindo medidas que pudessem prenunciar uma ameaça às instituições democráticas.
O caso agora é outro. O deputado Eduardo Bolsonaro tratou de uma situação hipotética de conflito com o Supremo Tribunal Federal e disse que bastariam um cabo e um soldado para fechá-lo. Um general da reserva, eleito deputado federal pelo PSL depois de ocupar a Secretaria de Segurança de Natal, defendeu o impeachment e a prisão de ministros do Supremo: “Não tem negociação com quem se vendeu.” Antes dele, um general da reserva que disputaria sem sucesso um cargo eletivo disse que “Corte que muda de decisão para beneficiar criminoso não é Corte, é quadrilha”.
O general Hamilton Mourão, também da reserva e candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro, elaborou sobre o mecanismo do “autogolpe”. Noutra digressão, mencionou as virtudes de uma Constituição redigida por sábios e ratificada num plebiscito. Jair Bolsonaro prometeu o fim do “ativismo” e anunciou que “os marginais vermelhos serão banidos da nossa pátria”. Como?
Essas foram afirmações de candidatos, feitas em diferentes contextos, às vezes partindo de situações hipotéticas. Não se deve esquecer que o deputado petista Wadih Damous, numa argumentação que nada teve a ver com a retórica bolsonarista, já sugeriu “fechar o Supremo Tribunal Federal” para criar uma Corte Constitucional. O doutor foi um dos marqueses da OAB.
Bolsonaro já prometeu mais de uma dezena de providências que dependem de reformas constitucionais. Elas precisam do voto de três quintos da Câmara e do Senado. Serão necessários 308 dos 513 deputados e 49 dos 81 senadores. Mesmo tendo formado a segunda maior bancada da Câmara, o PSL não os tem. Como pretende consegui-los, é outra história. Admitindo que os consiga, será o jogo jogado, e a vida seguirá. Se não conseguir, vem aí uma crise anunciada.
O eleitor ficou entre a cruz e a caldeirinha. Até o dia da posse, tudo será encanto e sedução. Como ensinou Marco Maciel, “as consequências vêm depois”. A essência da questão está na parte que caberá a cada um quando elas chegarem.
Há casos em que o cidadão tem que traçar a linha que não atravessará. No dia 29 de maio de 1966, o marechal Cordeiro de Farias entrou no gabinete do presidente Castelo Branco. Ele acabara de capitular diante da candidatura do ministro da Guerra, Artur da Costa e Silva, e Cordeiro era o seu ministro do Interior. Aos 65 anos, estivera em todas as encrencas militares da primeira metade do século, da Coluna Prestes à deposição de João Goulart. Como general, comandou a Artilharia Divisionária da FEB na Itália.
No encontro, Cordeiro disse ao presidente: “Você é generoso com o Costa e Silva, eu sou justo. Você sabe que ele vai afundar o país, pois é incapaz, e eu não quero ter parte nisso.”
Cordeiro deixou o ministério e foi para casa. Costa e Silva assumiu em 1967 e afundou o país em 1968, baixando o Ato Institucional nº 5.
Numa manhã de agosto de 1976, em cena emocionante, o velho marechal entrou, de bengala, no saguão onde se velava o corpo de Juscelino Kubitschek. Doze anos antes, havia votado pela sua cassação, mas não teve parte na ascensão de Costa e Silva.
Merval Pereira: Susto benéfico
A percepção de parte da sociedade de que seu filho não tirou da cabeça a ameaça de fechar o Supremo, mas retratou um pensamento do próprio Bolsonaro, deu ares de verdade à ideia
A manutenção de distância confortável do candidato Jair Bolsonaro a quatro dias da eleição presidencial mostra como os votos cristalizados dos dois concorrentes praticamente impedem uma reviravolta na reta final, a não ser que algo inacreditável aconteça. Em vez de uma bala de prata, o PT gastou várias, e nenhuma acertou o alvo.
Mas balançaram a antes inabalável situação de Bolsonaro: o número de pessoas que não votariam nele aumentou, superando os que votarão com certeza. E diminuiu a rejeição ao candidato petista. Embora a diferença esteja na margem de erro, é uma boa nova para Haddad, oferecida pelo próprio adversário e os seus, que continuam sendo os principais adversários deles mesmos.
O suposto escândalo das mensagens inverídicas de WhatsApp, baseado em uma denúncia jornalística inepta, acabou sendo soterrado pelo próprio candidato petista Fernando Haddad, que se precipitou em divulgar uma fake news de primeira grandeza: avalizar a denúncia de que o general Mourão foi um torturador.
A denúncia fake deveu-se ao cantor Geraldo Azevedo, que disse em público, irresponsavelmente, que o general Mourão, vice de Bolsonaro, fora um de seus torturadores em 1969. O fato de o general ter apenas 16 anos na ocasião desmontou a alegação, que depois foi corrigida pelo próprio cantor.
O problema causado pela denúncia do jornal “Folha de S. Paulo” não justifica, porém, os arroubos retóricos de Bolsonaro em mensagem enviada aos manifestantes na Avenida Paulista, que revelam uma preocupante visão autoritária da relação da imprensa com o mandatário de um país.
O mesmo destempero que acomete o presidente Trump nos Estados Unidos — a quem Bolsonaro parece querer imitar —e o ex-presidente Lula. Os três líderes populistas aproveitam sua popularidade para incitar os militantes e apoiadores contra os órgãos de imprensa que os vigiam.
O papel da imprensa é justamente este, ser o vigia da sociedade. O presidente americano Thomas Jefferson entendeu que a imprensa, tal como o cão de guarda, deve ter liberdade para criticar e condenar, desmascarar e antagonizar.
Os petistas assumiram postura autoritária, exigindo em discursos inflamados não apenas a anulação da eleição como a censura ao WhatsApp pelo menos até o fim do segundo turno. É inacreditável que o PT exija atitudes drásticas apenas com base em uma denúncia de jornal, sem que as autoridades abram investigações.
Até agora, os petistas desacreditavam as denúncias de jornal contra os seus e, principalmente, o ex-presidente Lula, e criticavam o que chamavam de rito sumário das decisões da Justiça na Operação Lava-Jato. Anular uma eleição é decisão gravíssima que, como destacou a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Rosa Weber, não pode ser tomada fora do tempo da Justiça “que não é o tempo da política”.
A percepção de parte da sociedade de que seu filho não tirou da cabeça a ameaça de fechar o Supremo, mas retratou um pensamento do próprio Bolsonaro, deu ares de verdade à ideia, lastreada por pronunciamentos anteriores do candidato, igualmente destrambelhados.
O ainda candidato Bolsonaro, que acha que está com uma mão na faixa presidencial, terá que, além de fechar a boca e a de seus próximos, convencer-se de que o país não aceita um governo autoritário, nem bravatas retóricas que coloquem em risco a democracia.
Dificilmente, a diferença que separa Bolsonaro de Haddad será descontada a tempo, mas a redução da distância, que deve ser confirmada ainda nesta semana pelo Datafolha, é um aviso de que o presidente, por mais votos que tenha, não tem um cheque em branco da sociedade.
Fábio Alves: O 1º grande teste de Bolsonaro
O maior risco é Bolsonaro jogar o MDB e Centrão nos braços da oposição
Para o mercado financeiro, com impacto nos preços da Bolsa e do dólar, o primeiro grande teste de um eventual governo Jair Bolsonaro, caso as pesquisas de intenção de voto confirmem a vitória do candidato do PSL no segundo turno da eleição presidencial, será a escolha dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado. A eleição para a presidência das duas Casas ocorre em 1.º de fevereiro de 2019 e os investidores estão monitorando atentamente as movimentações e negociações em torno da escolha dos candidatos para as posições mais cobiçadas no Congresso.
Há muito tempo que a eleição dos presidentes da Câmara e do Senado não assumia uma importância tão grande como a do ano que vem, pois, ao longo do processo até o pleito, o otimismo do mercado sobre o sucesso em relação ao eventual governo Bolsonaro poderá se consolidar ou se erodir.
Na visão dos investidores, quem Bolsonaro escolher apoiar para presidentes da Câmara e do Senado será um termômetro importante para medir se a sua eventual gestão será pautada por uma habilidade política que ainda o mercado não lhe confere.
Mais ainda: se ele poderá repetir um padrão da ex-presidente Dilma Rousseff, cuja falta de flexibilidade e habilidade política não permitiu tornar fiel uma ampla base de apoio e transformar essa coalizão em votos necessários para aprovação de reformas ou de medidas econômicas urgentes.
Nesse sentido, os investidores vão encarar o desempenho de Bolsonaro ao longo do processo para a escolha dos presidentes da Câmara e do Senado também como um termômetro para avaliar as chances de seu eventual governo de conquistar os 308 votos necessários para aprovar uma reforma da Previdência. “Esses eventos [eleição dos presidentes da Câmara e do Senado] servirão como sinais claros quanto à disposição do Bolsonaro de construir sua base no Congresso e aprovar reformas”, diz o economista-chefe de uma grande instituição financeira. “Basicamente, estamos monitorando a disposição do Bolsonaro em trazer o Centrão para dentro de sua base de apoio.”
Já um experiente gestor de uma administradora de recursos se diz preocupado com a movimentação de vários parlamentares do PSL, que saiu da eleição com a segunda maior bancada da Câmara, com 52 deputados, mirando concorrer à presidência das duas Casas. “Se o PSL tentar disputar a presidência [da Câmara e do Senado], Bolsonaro corre o risco de refazer os erros de Dilma”, alerta o gestor. “Essa eleição para o comando no Congresso será uma amostra de como um governo Bolsonaro se comportaria em negociações políticas.”
E essa habilidade de negociação será testada já na decisão de Bolsonaro em escolher os candidatos certos para a eleição da presidência das duas Casas, os quais talvez tenham que surgir de um consenso com o Centrão. “Se essa eleição no Congresso em si não garantirá que reformas passarão, uma derrota pode acarretar consequências de longo prazo para passar qualquer coisa depois”, explica renomado economista de uma grande instituição estrangeira.
E quais os nomes para o comando das duas Casas que mais agradariam aos investidores, com impacto positivo nos preços dos ativos?
Por enquanto, o atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) é o favorito do mercado financeiro, que o vê como um parlamentar comprometido com a aprovação das reformas e com melhor trânsito do que outros nomes cotados para o cargo tanto com partidos de centro-direita, quanto os de esquerda.
Para o comando do Senado, o mercado ainda não escolheu um nome que lhe traria maior tranquilidade.
“Não está claro [quem seria melhor para o Senado]”, diz um experiente economista. “Eu diria um nome do MDB.” Já outro economista de uma instituição estrangeira acrescenta: “Mas Renan Calheiros (MDB-AL) na presidência do Senado não seria bom para Bolsonaro.”
Se no Senado, Bolsonaro não terá como ignorar o MDB, ainda a maior bancada, com 12 senadores, na Câmara o eventual presidente não pode deixar de lado o Centrão, que, embora com número menor de deputados eleitos, segue sendo uma força importante. O maior risco é, durante o processo de eleição para o comando das duas Casas, Bolsonaro alienar essas duas forças - MDB e Centrão - e jogá-las nos braços da oposição.
Vera Magalhães: Pobre paulista
Uma campanha eleitoral cujo nível já era o mais baixo da redemocratização chegou ao fundo do poço nesta terça-feira, 23, com um capítulo deplorável da disputa pelo governo de São Paulo
João Doria Jr. teve de gravar um depoimento ao lado da mulher, Bia Doria, em que nega ser o homem que aparece em um vídeo de sexo grupal que circulou freneticamente pelo WhatsApp, viralizou nas redes sociais e foi objeto de comentários até de um vereador cujo mandato já foi cassado pela Justiça Eleitoral, do PSB do governador Márcio França.
O tema foi parar no debate entre os candidatos no SBT e pode se transformar em ação judicial.
Até terça-feira, parecia que ser relegada a um apêndice e uma caricatura da disputa nacional entre petismo e antipetismo era o que de mais deprimente podia acontecer na eleição para o governo do Estado mais rico e populoso da Federação. Mas os políticos trataram de cavar um pouco mais o túnel que os leva para o inferno – como se o recado das urnas já não fosse suficientemente eloquente de que o eleitorado está enojado das velhas práticas.
A política paulista já foi marcada no passado por confrontos acirrados, como os realizados entre Mário Covas e Paulo Maluf, mas nunca de natureza tão vil. A possibilidade de que se tenha recorrido a uma montagem para comprometer Doria tornaria o que já é um expediente injustificável num crime ainda mais grave.
Os dois postulantes ao Palácio dos Bandeirantes não discutiram a sério até agora as principais demandas do Estado. Num momento em que o eixo de poder no Brasil é deslocado, São Paulo abdica de protagonismo político ao deixar que o debate eleitoral paulista transite entre o papo de boteco e o de bordel.
Nem Doria, que deixou a Prefeitura depois de 15 meses de mandato, nem França, que desde que assumiu o lugar de Geraldo Alckmin se empenha única e exclusivamente em se reeleger, demonstram ter um projeto de desenvolvimento para São Paulo.
Até aqui vinham se dedicando a uma briga entre quem é de esquerda e de direita. Com o vídeo, aliados de França resolveram apelar ao tudo ou nada contra o tucano. O uso de baixaria, em política, pode ter efeito contrário ao pretendido. Basta lembrar do slogan “é casado, tem filhos?” que a campanha do PT lançou contra Gilberto Kassab em 2008 e que ajudou a reeleger o então prefeito.
PT e PDT devem disputar o comando da oposição
Passada a eleição, o PT deve viver dias ainda mais turbulentos. A se confirmar a vitória de Jair Bolsonaro apontada pelas pesquisas, o partido tentará evocar sua condição de maior bancada na Câmara para capitanear a oposição, mas não terá uma adesão imediata de partidos como PDT – fortalecido com a votação considerável de Ciro Gomes e liderado por seu irmão, Cid, no Senado – e PSB.
As duas siglas pretendem sair na frente do PT no contraponto às pautas do bolsonarismo nas áreas econômica e social. Avaliam que os petistas estarão ocupados disputando o controle da própria legenda e discutindo ad eternum o futuro judicial de Lula e deixarão um vácuo programático a ser ocupado, o que pavimentará o caminho para as eleições municipais de 2020 e as gerais de 2022. A ideia é atrair desde o início o grupo integrado por PPS, Rede e PV para essa nova esquerda antibolsonarista – cuja distância do PT é considerada condição para ter aderência na sociedade.
Luiz Carlos Azedo: Supremo manda investigar ameaças
Bolsonaro e Haddad contribuíram para o clima de desestabilização do processo eleitoral, que agora o Supremo Tribunal Federal (STF) resolveu combater
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, aprovou requerimento para que a Procuradoria-Geral da República (PGR) investigue vídeo publicado na internet com ofensas à presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Rosa Weber, e a outros ministros do tribunal. O alvo da decisão é o coronel da reserva Carlos Alves, que gravou vídeo no qual reitera as mesmas ameaças que já haviam sido feitas pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), eleito com mais de 1,8 milhão de votos, que depois pediu desculpas pelas declarações.
Segundo o Exército, trata-se de um coronel engenheiro militar da reserva, que já está sob investigação do Ministério Público Militar pela mesma razão. O ministro Celso de Mello fez um duro discurso em defesa da presidente do TSE, ministra Rosa Weber, que foi ofendida pelo coronel com “palavras grosseiras e boçais”. Para o ministro, é um “ultraje inaceitável”. A decisão da Segunda Turma é uma espécie de freio de arrumação na campanha eleitoral, cuja radicalização descambou para ataques ao Tribunal Regional Eleitoral (TSE).
Ontem, com base em declarações do compositor e cantor Geraldo Azevedo, o candidato do PT, Fernando Haddad, acusou o general Hamilton Mourão, vice de Bolsonaro, de ter torturado o artista. O general repeliu a acusação com um argumento incontestável: tinha apenas 16 anos à época em que Geraldo Azevedo foi preso. O cantor pediu desculpas, e quem ficou com o mico na mão foi Haddad, que Mourão ameaça processar por fake news.
Tanto Bolsonaro como Haddad contribuíram para o clima de desestabilização do processo eleitoral, que agora o Supremo Tribunal Federal (STF) resolveu combater. O primeiro, ao afirmar que somente perderá as eleições se houver fraude nas urnas eletrônicas; o segundo, ao pedir a impugnação da candidatura do adversário, com argumento de que houve abuso de poder econômico e caixa dois no primeiro turno. A partir daí, a campanha esquentou ainda mais, com a ministra Rosa Weber no olho do furacão dos radicais das duas campanhas.
A solidariedade dos ministros do Supremo vai além desse gesto: é uma afirmação de poder do próprio Supremo. O ministro Luiz Barroso, em Salvador, reiterou: “quem ganha tem o direito de governar, mas tem também o dever de respeitar as regras do jogo e os direitos de todos”. O ministro do STF defendeu o pluralismo político e disse que só não há espaço na democracia para “projetos desonestos e autoritários”. Entretanto, fez críticas ao atual sistema político: “Precisamos de uma reforma política capaz de baratear os custos das eleições no país, aumentar a representatividade dos parlamentares e facilitar a governabilidade”.
Voto do não
As pesquisas estão mostrando que a eleição está sendo polarizada pela rejeição recíproca entre os candidatos: segundo o Datafolha, 20% dos eleitores de Haddad votam no petista por rejeitar Bolsonaro; 25% dos eleitores de Bolsonaro votam nele por rejeitarem o PT. Entre as intenções de votos destacam-se os eleitores que votam em Bolsonaro porque querem alternância de poder, assim como o contingente que apoia o petista por causa de seu programa de governo. Segurança pública é outro tema que alavanca Bolsonaro, enquanto o apoio de Lula aparece como a terceira principal razão de voto em Haddad, o que é uma surpresa.
Às vésperas das eleições, as contradições políticas de Bolsonaro e Haddad não estão tendo o peso que normalmente têm na reta final da campanha eleitoral. Os eleitores estão mais resilientes e impermeáveis às narrativas eleitorais. O acirramento da disputa é maior entre os militantes das duas campanhas e parece agastar mais a relação de ambos com o Judiciário do que alterar o quadro eleitoral. Na verdade, o voto do não está bastante consolidado e deve decidir a eleição.
Nos estados, a campanha também está mais radicalizada. Em São Paulo, um “vídeo pornô” contra o candidato do PSDB, João Doria, no qual o ex-prefeito supostamente participaria de uma orgia sexual, virou meme nas redes. Em vídeo no qual aparece ao lado da esposa, o tucano responsabilizou o governador Márcio França (PSB), candidato à reeleição, pela produção da fake new. Nos votos totais, João Doria tem 46%, e Márcio França, 41%.
No Rio de Janeiro, caiu a diferença entre Wilson Witzel (PSC), que tem 48%, e Eduardo Paes (DEM), com 38%. Em Minas, Romeu Zema (Novo) tem 57%, e Antonio Anastasia (PSDB), 28%. No Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB) tem 60% dos votos: José Ivo Sartori, 40%. Todas as pesquisas são do Ibope.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-supremo-manda-investigar-ameacas/