Eleições
Míriam Leitão: As idas e vindas de Bolsonaro
Todo líder pode e deve mudar de ideia depois de ser convencido. Mas é desconcertante a lista de idas e vindas de Bolsonaro nesta campanha
Ao longo dos últimos meses, Jair Bolsonaro disse o maior volume de coisas estranhas já ouvidas numa campanha. Em agosto ele prometeu tirar o Brasil da ONU, porque a organização seria “uma reunião de comunistas”. Dias depois, alegou que foi um ato falho. Afirmou inúmeras vezes que se eleito o país sairia do Acordo de Paris argumentando que “o que está em jogo é a soberania nacional, porque são 136 milhões de hectares que perderemos ingerência”. Esta semana voltou atrás. Disse que vai levar a embaixada do Brasil para Jerusalém, e a diplomacia já foi avisada que haverá retaliações dos países árabes.
O que ele fará de fato caso seja eleito? Não se sabe. O Brasil está no pior dos mundos: o líder das pesquisas por impedimento físico, por esperteza política, por estratégia deliberada esconde o que pensa. Bolsonaro mandou seus assessores e seu candidato a vice ficarem no máximo de silêncio até depois das eleições. Ele está pedindo ao país que vote no desconhecido.
A lista do disse-desdisse é enorme, em qualquer assunto. Na área internacional, ele revela um desconhecimento constrangedor. O Brasil foi um dos países fundadores da ONU. Como deferência é sempre o primeiro país a falar a cada Assembleia Geral, desde o chanceler Oswaldo Aranha. Como ele pode ter achado em algum momento que a ONU é uma “reunião de comunistas”? O Acordo de Paris foi resultado de negociação exaustiva, longa, depois de 21 Conferências das Partes, COP, um esforço que nasceu na Rio-92. Deixar o acordo é escolher ficar fora do mundo, como lembrou o embaixador Rubens Ricupero. É preciso ignorar muita coisa, não ter visto o que aconteceu em duas décadas de negociações, para achar que o Acordo de Paris é uma conspiração internacional para tirar a soberania do Brasil sobre o seu território.
Um embaixador brasileiro já foi informado por um representante de países árabes que se a embaixada brasileira mudar para Jerusalém o Brasil sofrerá retaliações comerciais. O país tem um superavit de US$ 7 bilhões com os árabes e nenhuma razão para se meter nessa briga na qual os Estados Unidos estão. É estupidez. A política externa brasileira nem no regime militar se alinhou aos Estados Unidos. Até isso ele não sabe?
Esta semana Jair Bolsonaro ouviu pedido de um grupo de vários setores da indústria e avisou que desistiria de unir ministérios da área econômica sob o comando da Fazenda. Parece um detalhe burocrático e era a derrubada da espinha dorsal do que tem dito na economia. Depois ele teria avisado que recuaria do recuo. O Ministério do Desenvolvimento sempre foi um centro de defesa da indústria brasileira como a conhecemos: com proteção e subsídios.
Uma coisa é querer ter uma indústria forte, inovadora, competitiva, isso é desejável e ótimo para o Brasil. Outra bem diferente é defender os velhos esquemas de proteção que há muito caducaram. O economista Paulo Guedes avisou que reduziria os mais de R$ 300 bilhões de incentivos às empresas por ano. O governo Temer conseguiu diminuir o Repetro, o incentivo à exportação. Os empresários foram pedir a Bolsonaro que aumentasse o Repetro e que não reduzisse barreiras ao comércio de forma abrupta. Ele disse que depois de ouvi-los entendeu melhor o assunto e prometeu recuar. Ou seja, Bolsonaro não tem qualquer compromisso com o que o economista Paulo Guedes andou dizendo sobre abrir a economia, reduzir os subsídios e enfrentar os lobbies.
Todo líder pode e deve mudar de ideia depois de negociar ou ser convencido. Isso é democrático. O problema é que o programa do candidato Bolsonaro defende uma coisa e ele diz outra. Na área social, tem um discurso de exclusão. Na política externa, de isolamento. Na política ele promete não governar com as forças das quais já está se cercando.
O lamentável esfaqueamento que sofreu — o mais trágico episódio desta campanha, do qual felizmente ele se recuperou — reduziu o grau de informação sobre o seu programa e suas ideias. Com as suas constantes mudanças de opinião e, principalmente, com a sua decisão de não esclarecer o que pensa para não afugentar eleitores, sua campanha ficou entre brumas. É líder das pesquisas, com grande vantagem ainda, apesar da queda recente, mas a escolha está sendo feita no escuro.
Merval Pereira: Os mesmos eleitores
PT foi aos poucos sendo levado para o Nordeste, perdeu a classe média para o PSDB primeiro, e agora para Bolsonaro
O que poderia ser uma “onda vermelha” não se confirmou. Nenhum fato novo ocorreu ontem para reforçar essa possibilidade, e a média das pesquisas divulgadas mostra uma situação estável, indicando que o segundo turno está praticamente definido a favor de Bolsonaro.
É quase impossível que cerca de 15 milhões de pessoas mudem o voto de um dia para outro em favor de Haddad. Os resultados dos diversos institutos de pesquisa são diferentes, mas dentro das margens de erro. Apenas com a pesquisa de hoje, a terceirada série no segundo turno de Ibope e Datafolha, será possível dizer se a tendência de Bolsonaro é de queda e de Haddad é de alta, o que até agora não se confirmou tecnicamente. E qual a velocidade das mudanças.
O diretor do Datafolha, Mauro Paulino, explica que, para definir se houve uma variação fora da margem de erro, é preciso que os números se movam na proporção de 4 pontos percentuais, para mais ou para menos. Por isso, mesmo Haddad tendo crescido 3 pontos e Bolsonaro caído outros 3, teoricamente fora da margem de erro, que é de 2 pontos percentuais, ainda não há indicação de que houve uma alteração efetiva do quadro eleitoral.
Se analisarmos bem, o resultado é praticamente o mesmo em todas as pesquisas, algo em torno de 60% para Bolsonaro e 40% para o PT, pouco mais ou pouco menos. O interessante é que esses números são da mesma ordem de grandeza das vitórias que Lula teve em 2002 sobre Serra (61,27% a 38,72) e Alckmin em 2006 (60,83% contra 39,17%).
Essa média caiu um pouco em 2010 com Dilma sobre Serra (56,05% contra 43,95%), indicando que a onda petista estava se aproximando do fim, e veio 2014, com um virtual empate no final, uma vitória apertada de Dilma sobre Aécio, de 51,64% contra 48,36%.
Desde 2013 estava em curso uma mudança de humor da sociedade, que se cristalizou na eleição municipal de 2016 e nesta, presidencial. Se os tucanos tivessem mantido o eleitorado cativo e pudessem avançar sobre o do PT, que é o que Bolsonaro está fazendo, elegeriam o próximo presidente, e Bolsonaro provavelmente seria mais um candidato nanico. Mas o PSDB se perdeu no caminho, chegou às eleições depauperado pelos erros que cometeu e pelos acertos que se recusou a assumir. O PT foi aos poucos sendo levado para o Nordeste, perdeu a classe média para o PSDB primeiro, e agora para Bolsonaro.
O diretor do Datafolha, Mauro Paulino, entende que os números semelhantes indicam que Lula em 2002 roubou parte dos votos do PSDB, que havia elegido Fernando Henrique Cardoso no primeiro turno em 1994 e 1998, com 54,24% e 53,06% respectivamente, limitando os tucanos a uma parcela de 40% do eleitorado nas duas eleições seguintes, que agora foram assumidos por Bolsonaro.
O cientista político Sérgio Abranches acha que esses são os mesmos eleitores, uma parte que é volante, não tem preferência nenhuma pelos candidatos e vota de acordo com sentimentos diferenciados: uma parte porque quer votar no favorito, outra porque considera que ele vai resolver seus problemas.
Isso em geral acontece, diz Sérgio Abranches, no estamento médio das classes médias, que é muito vulnerável a incertezas, “aquele pessoal que está começando a ser bem-sucedido e tem muito medo de retroceder”. Preferem as coisas mais certas, evitar qualquer tipo de incerteza. “Sente a onda e vai na onda”. “Quando muda, muda na mesma onda porque é o mesmo comportamento social”.
O economista Sérgio Besserman, que foi presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), também vê uma mudança do que chamam de “nova classe média”, que melhorou de vida nos últimos 25 anos, agora já tem o que perder em crises econômicas ou políticas, e procura um porto seguro de acordo com o momento do país.
Lula está sendo vítima de sua própria atuação política. Pai dos pobres, mas percebido pela classe média e pelos investidores como capaz de trazer progresso ao país, foi de desgaste em desgaste até ser preso em Curitiba. Sua imagem, que parecia inabalável, acabou simbolizando a corrupção que tomou conta dos governos petistas.
A nova classe média, gestada desde o Plano Real e consolidada nos governos de Lula, com a crise econômica e a recessão dos governos Dilma, acabou correndo para outro populista, este de direita, em busca da segurança que o PT não oferece mais.
João Domingos: Lições de 2018
Direta ou indiretamente, o PT foi responsável pelo crescimento de Jair Bolsonaro
Cientistas políticos, sociólogos e outros estudiosos da situação brasileira indagam quais foram as razões que levaram o País a essa polarização extrema entre os apoiadores de dois candidatos antípodas. Situação que, mesmo com a eleição de amanhã, que escolherá um deles presidente da República, dificilmente acabará.
É possível que esses estudiosos venham a se concentrar sobre o tema por muito tempo. Pode ser que a resposta nunca seja encontrada. Ou que não exista apenas uma resposta, mas várias.
O que se pode dizer nesse momento é que o eleitor se cansou. De tudo. Do serviço público de pouca qualidade na saúde, educação, transporte, saneamento básico. Da insegurança que leva à mortandade dos mais pobres. Dos privilégios que integrantes de todos os poderes se dão, como verbas de gabinete para gastos quase ilimitados, auxílio moradia para juízes e parlamentares, mordomias.
O Brasil se cansou dessa vida de abusos quase que diários no que se refere ao ir e vir do cidadão. Ele sai de sua casa de madrugada, a duas horas do trabalho, quando tem trabalho, e corre o risco de encontrar a rua bloqueada por algumas pessoas que, também descontentes com alguma coisa, resolvem botar fogo em pneus e fazer o bloqueio da passagem por horas.
É quase que uma vida de castas. Mesmo que não hajam regras regulamentando isso, a prática mostra que existem os cidadãos de categorias A, B, C, D, e assim vai. Um detalhe: esses cidadãos votam.
Os partidos políticos não perceberam o descontentamento que tomou conta da população desde 2013. Em junho, protestos tiveram início nas ruas de todo o País. A princípio, contra o aumento das passagens de ônibus. Depois, contra o escândalo da construção dos estádios superfaturados da Copa da Fifa, ou contra coisa nenhuma.
Dilma Rousseff, a presidente mais sem noção do período recente, viu naquilo um desafio à sua própria pessoa, não ao sistema de privilégio de uns e maltrato de outros. Os manifestantes gritavam: “Não vai ter Copa”. Dilma respondia: “Vai ter Copa. Será a Copa das Copas”. (Nem é preciso lembrar que o Brasil tomou uma surra da Alemanha por 7 a 1 e a Copa das Copas foi esquecida). Quando a situação saiu do controle e a sede do Itamaraty quase foi incendiada, Dilma convocou uma reunião de emergência de governadores e prefeitos de grandes cidades.
Anunciou um plano com cinco eixos, um deles uma reforma política a ser feita por uma Constituinte exclusiva, que seria aprovada por meio de um plebiscito. Um delírio. Os outros pactos tratavam da saúde, educação, transportes e responsabilidade fiscal.
Nada se cumpriu. Da responsabilidade não se falou mais. Em 2016 o País entrou na maior recessão de sua História. Dilma acabou afastada, pois sem base parlamentar.
O PT e seus estrategistas disseram que as manifestações faziam parte de um movimento de direita, destinado a sabotar o governo. As prisões de dirigentes do partido por envolvimento em corrupção pesada foram todas jogadas nessa suposta orquestração, da qual participariam os meios de comunicação e o Judiciário.
Os petistas acharam que as coisas se acomodariam. Nem perceberam que um deputado do baixo clero, considerado quase que folclórico por seus pares, viu na rejeição ao PT sua oportunidade. Começou a trabalhar.
De repente, outdoors com fotografias gigantes de Jair Bolsonaro começaram a aparecer por diversos cantos do País. O PT avaliou a situação e concluiu que Bolsonaro era sua oportunidade de voltar ao poder. Era muito melhor enfrentá-lo do que a Geraldo Alckmin. Assim, orientou seus militantes a centrar fogo no tucano e a poupar Bolsonaro durante a pré-campanha. Direta ou indiretamente, o PT foi responsável pela candidatura de Jair Bolsonaro.
Demétrio Magnoli: Um crime chamado linguagem
Trump e Bolsonaro têm responsabilidade política pelas centelhas de violência
"Inimigos do povo". Na Casa Branca, ao longo de 20 meses, Trump dirigiu essa acusação aos democratas e à imprensa. Dias atrás, pacotes com explosivos foram endereçados a Obama, Hillary, Soros e à CNN.
"Sem mentiras, sem fake news, sem Folha de S. Paulo. Nós ganharemos esta guerra". Na Paulista, domingo (21), Bolsonaro declarou sua "guerra" à imprensa. Nas horas seguintes, a jornalista Patrícia Campos Mello tornou-se alvo de uma enxurrada coordenada de ofensas, calúnias e ameaças de morte. A linguagem tem consequências.
Os ensaios de atentados nos EUA originaram-se, tudo indica, de grupos ultranacionalistas de extrema direita. Obviamente, Trump não tem responsabilidade organizacional na operação terrorista. Raul Jungmann avisou que "não existe anonimato na internet": cabe à polícia descobrir se há relações orgânicas entre os autores das mensagens criminosas a Patrícia e o QG de campanha bolsonarista. Mas Trump e Bolsonaro têm responsabilidade política pelas centelhas de violência. Os dois, de modos similares, violam a sintaxe da democracia.
Os nazistas usavam a palavra "ratos" para se referir aos judeus. Na Ruanda genocida, o regime hutu utilizava "baratas" para os tutsis. "Gusanos" (vermes, larvas) é o termo de escolha do castrismo para insultar dissidentes políticos. Num degrau abaixo, encontram-se "inimigo do povo", expressão de longa história, cara tanto a Trump como ao PT, e "inimigo da pátria", preferida por regimes autoritários nacionalistas e pelo bolsonarismo.
A desumanização ("ratos", "baratas", "gusanos") sinaliza uma pulsão exterminista. As outras duas sugerem as alternativas da prisão ou do exílio, embora não excluam a eliminação física.
A sintaxe democrática sustenta-se sobre a crença na pluralidade de opiniões. Sua base implícita é que o "outro", adversário político, cultiva ideias diferentes das minhas, mas deseja, ultimamente, o mesmo que eu --isto é, o melhor para a sociedade em geral. O debate público admite (exige!) a crítica aguda, a divergência nítida. Mas as democracias começam a se envenenar quando os próprios governantes saltam o muro da linguagem, entrincheirando-se no fosso da "guerra". Aí, a pedagogia do ódio converte-se em doutrina estatal.
O ódio político não é um componente "natural" das sociedades, mas algo que se aprende. Os mestres mais eficazes do ódio político são as lideranças políticas e, sobretudo, os governantes.
"Nós tivemos de ensinar o povo a odiar os sulistas", confessou um líder haussá-fulani, da Nigéria setentrional, referindo-se aos iorubas e aos igbos. A virulência nas redes sociais é um fruto do cruzamento entre a antiga pedagogia lulopetista e a mais recente pedagogia bolsonarista. Mas Bolsonaro parece decidido a provar que, perto dele, os petistas não passam de imberbes vestibulandos.
Patrícia escreveu reportagens preciosas no Afeganistão, no Iraque, na Kobane sitiada, na Serra Leoa do ebola. O medo é seu companheiro de viagem. Mas leia apenas uma entre as incontáveis mensagens que ela recebeu das correntes bolsonaristas: "Deveria pensar no seu filho, o futuro do seu filho. Para sua segurança, eu sairia do Brasil".
Atrás da mais covarde das ameaças descortina-se uma estratégia. Destruir a liberdade de imprensa, sonho dos tiranos, solicita anos de "guerra". Um atalho eficiente é intimidar jornalistas, que têm uma vida privada, família e filhos.
A linguagem da Paulista não deveria ser interpretada como excesso de campanha, mas como a exposição de um programa.
A seleção de Patrícia como alvo é circunstancial, porém reveladora. O bolsonarismo habituou-se a responder à opinião crítica com uma barragem de ofensas. Não sabe, porém, como reagir à narrativa factual da reportagem, sumo do jornalismo. Bolsonaro mente: seu programa não é eliminar a Folha, mas exterminar os fatos.
*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.
El País: Teste para as instituições às vésperas do voto, batidas nas universidades alarmam o STF
Ministros e procuradora-geral demonstram alarme com medidas das autoridades eleitorais que retiraram faixas "contra o fascismo" e interromperam aulas considerando haver propaganda política irregular. Especialistas apontam violação de liberdades
As ações ordenadas por Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) para fiscalizar supostos casos de campanha irregular em ao menos 35 universidades no país desencadearam uma dura reação da cúpula do sistema de Justiça, num embate institucional que acirra os ânimos às vésperas da eleição presidencial mais polarizada da história recente. Integrantes do Supremo Tribunal Federal, incluindo o presidente Antonio Dias Toffoli, do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e a Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, condenaram, com mais ou menos ênfase, as batidas nos campi, dizendo que as ações, que chegaram a interromper aulas e retiraram frases "contra o fascismo" sem referência direta a candidatos, podem ter desrespeitado os princípios da liberdade acadêmica e de expressão.
Dodge entrou com um pedido de liminar no Supremo para garantir tanto a liberdade acadêmica como de reunião dos estudantes. Para a procuradora-geral, as ações dos TREs "abstraíram desenganadamente os limites de fiscalização de lisura do processo eleitoral e afrontaram os preceitos fundamentais" da Constituição. O (TSE), responsável por supervisionar o processo eleitoral, teve uma reação inusual e enérgica: em nota, disse que vai coibir "eventuais excessos" e que "a atuação do poder de polícia —que compete única e exclusivamente à Justiça Eleitoral— há de se fazer com respeito aos princípios regentes do Estado Democrático de Direito". A corregedoria da instituição abrirá procedimentos para analisar as decisões localizadas e deve esclarecer se houve coordenação entre elas ou não.
As batidas em série, que afetaram especialmente as manifestações contra o fascismo lidas como referência ao candidato ultradireitista Jair Bolsonaro (opositores e alguns acadêmicos veem em seu discurso traços fascistóides), provocaram uma onda de mal-estar. "Diversos atores do sistema de Justiça tiveram a compreensão de que não havia propaganda eleitoral e de que os atos estão ou estavam no campo da liberdade de expressão e de cátedra, como fica claro na ação da PGR", disse ao EL PAÍS a subprocuradora-geral da República, Luiza Cristina Fonseca Frischeisen.
O desconforto ficou evidente nas declarações de vários ministros do Supremo. As ações acabaram por simular uma espécie de primeiro "teste de estresse" democrático para a instituições num país que pode eleger um candidato de extrema direita no domingo. Poderia a polarização política ter contaminado também os integrantes das principais instituições? Se sim, até que ponto?
Nesta sexta, a Folha de S. Paulo destacava que o juiz eleitoral Rubens Witzel Filho, autor da proibição da aula pública sobre o fascismo na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), no Mato Grosso do Sul, critica frequentemente o PT em suas redes sociais, por exemplo. No entanto, dois policiais federais, dois procuradores e um juiz ouvidos pela reportagem –em condição de anonimato– disseram ao EL PAÍS não ver um componente político claro nas operações em massa contra atos em universidades públicas, ainda que avaliem que boa parte dos membros de suas instituições atualmente demonstrem simpatia pela candidatura de extrema direita.
Inconsistências
Foram registrados ações de policiais que impediram a realização de aulas ou que retiraram faixas ou cartazes em pelo menos 35 instituições públicas federais em todo o Brasil. No Rio de Janeiro, por exemplo, uma decisão judicial determinou que fosse retirada da fachada da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense uma faixa com os dizeres "Direito UFF Antifascista". O juiz que assinou a ordem afirma que a faixa traz conteúdo negativo a Bolsonaro. Na Paraíba, policiais federais foram à sede da Associação dos Docentes da Universidade Federal da Campina Grande para cumprir um mandado que determinava o recolhimento de exemplares de um "Manifesto em defesa da democracia e da universidade pública", bem como suposto material de campanha em favor de Fernando Haddad, candidato pelo PT ao Palácio do Planalto.
O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto, considera que as ações registradas nas faculdades violam o princípio de autonomia das universidades. "Elas [as universidades] são contempladas por um artigo constitucional no sentido do pleno gozo de sua autonomia didático-científica, administrativa e financeira", afirmou Ayres Britto à reportagem. "Num contexto normativo que as tornam um típico espaço de elaboração e manifestação do pensamento crítico. Por lógico desdobramento são detentoras da mais ampla liberdade de expressão".
Há outras inconsistências nos mandados expedidos pelos tribunais regionais, alertam especialistas. Para Roberta Maia Gresta, professora de Direito Eleitoral da PUC Minas, embora a lei eleitoral proíba que se realize campanha dentro das universidades públicas e privadas no país, a Justiça eleitoral não pode confundir manifestações políticas nesses espaços com propaganda de candidatos.
"A partir do momento em que não há menção específica a um partido ou candidato, torna-se delineado um risco, no sentido de que os atos que foram cerceados não correspondem a proibições da legislação", diz a professora. Ela cita como exemplo a retirada da faixa da Universidade Federal Fluminense: "A nossa Constituição é por si só antifascista. Manifestações que apenas endossem uma conduta antifascista nada mais fazem do que atuar nas diretrizes constitucionais", diz.
Alberto Rollo, professor de direito eleitoral do Mackenzie, tem opinião parecida. Se não há vinculação direta com um candidato ou partido, não pode-se falar em campanha irregular. "Se tem uma faixa lá contra o fascismo, não há conotação eleitoral. Se isso aconteceu só porque estava [escrito] 'não ao fascismo', me parece um abuso, um excesso de zelo. Se houver a vinculação a um candidato específico, como o Bolsonaro, aí não pode", afirma.
Tanto Roberta Gresta, da PUC Minas, quanto Cristiano Vilela, especialista em direito eleitoral, apontam ainda que o alcance dessas ações em diferentes universidades representa um caso "inédito" no país. “São decisões que ferem os princípios constitucionais mais valiosos”, ponderou Vilela.
José Augusto Guilhon Albuquerque: O povo é o eterno culpado
O eleitor não determina o resultado da eleição, só reage a um cenário que lhe é imposto
O previsível resultado do segundo turno da eleição presidencial de 2018 tem sido atribuído, no Brasil e no exterior, a um crescimento avassalador do conservadorismo do eleitor brasileiro. Esse diagnóstico implica acusar o povo brasileiro de ser incapaz de votar racionalmente, e só se explica como efeito do que chamarei de vitimologia eleitoral.
Criada para traçar um perfil das vítimas como instrumento para explicar a motivação de um crime e o comportamento de criminosos, a técnica da vitimologia tem sido empregada na análise do comportamento político, quando se trata de explicar um resultado eleitoral inesperado: prendam-se os suspeitos de sempre.
Ora, não é razoável acusar o eleitorado pelo resultado das eleições, porque o voto não é uma escolha de livre-arbítrio do eleitor, mas, sim, uma opção limitada por uma agenda que lhe é imposta pelo sistema eleitoral, pelo sistema partidário que dele decorre e pelas cúpulas partidárias, pressionadas mais pelos interesses da classe dirigente do que pelo clamor popular. A liberdade política do cidadão brasileiro pode ser considerada uma liberdade condicionada.
O voto popular limita-se a responder a uma agenda compulsória, construída de cima para baixo, não é uma livre escolha. A pesquisa sobre comportamento eleitoral tem foco na descrição estatística, ou na interpretação “qualitativa” de variáveis presentes nas respostas dos eleitores, mas nada ensina sobre o processo político que criou o leque de escolhas que lhe são impostas. É como um experimento em que se consideram as respostas, ignorando inteiramente os estímulos que lhes deram origem.
Parte-se sempre do perfil do eleitor, pressupondo que o povo é o único fator que determina o resultado das urnas. O processo eleitoral envolve, porém, uma interação complexa entre dimensões mais ou menos independentes entre si. Entre outras, elas incluem variáveis relativas à história política, à percepção desse contexto político pelos atores envolvidos e atitudes, expectativas e reações que daí resultam, diante das candidaturas em jogo.
Minha hipótese é que o comportamento dos eleitores é determinado pela maneira como o povo percebe a evolução do processo político, isto é, para onde caminham as ameaças ao bem-estar e à liberdade do povo, em face da ganância e da paixão de poder dos Grandes (tal como as define Maquiavel). O eleitor comum escolhe entre quais candidatos, partidos, novas políticas adotadas ou revogadas são percebidos como ameaça ao bem-estar e à liberdade do cidadão – isto é, mantêm e ampliam os privilégios e a corrupção dos poderosos – e quais, ao contrário, são percebidos como barreiras contra a opressão e a exploração do cidadão comum pela classe dirigente. No presente caso, desde as revelação dos escândalos do mensalão a classe política como um todo tem encarnado, na percepção popular, toda a malignidade dessa ameaça à vida, à honra e aos parcos bens que garantem a sobrevivência da imensa maioria.
Essa percepção não é cristalina. É mediada pelos partidos e movimentos de opinião, e raramente se expressa numa imagem única – como, por exemplo, a percepção da inflação, do desemprego, do empobrecimento, da corrupção da máquina pública, da insegurança, da degradação moral. Essas “preferências” populares são tudo menos nítidas e unívocas. São, ao contrário, difusas e equívocas.
Com isso, as análises do processo eleitoral não captam o caráter único do caso presente. Não lhes vem à mente que há cinco longos e sofridos anos o povo brasileiro tem manifestado, reiteradamente, sua indignação quanto à maneira como tem sido governado.
Diante do desprezo cego, surdo e mudo dos governantes, e do silêncio envergonhado das candidaturas, continuam prometendo creches, hospitais, metrôs, que todos sabem que não serão construídos, se o forem, não vão funcionar, se funcionarem, não vão atender decentemente ao povo. Uma garantia de mudança da política e dos políticos, desde que minimamente crível, seria o único caminho para disputar a maioria do eleitorado indignado com tudo e com todos.
Defender a continuidade, embora com mais eficiência, experiência, ou vinho novo em velhas barricas foi, contudo, o caminho do suicídio dos partidos tradicionais. Nesse caminho, o PT foi mais longe, porque encarnou, como os demais, a continuidade da velha política, mas defendeu também o retrocesso, ressuscitando o velho programa radical, de 30 anos atrás, com que Lula perdeu três eleições seguidas. Seu fraco desempenho no primeiro turno não foi pior porque se beneficiou da polarização contra Bolsonaro.
Como o PT, Bolsonaro também se beneficiou da polarização e, como os políticos tradicionais, tampouco deu qualquer resposta concreta, mas foi o único a vociferar contra tudo e contra todos. Com isso, sua falta de rumo e de propostas permitiu que encarnasse a mudança a todo custo. Tornou-se um candidato-ônibus: oferece lugar para todos e vai em todas as direções. Sua candidatura pode, assim, acolher uma multidão de eleitores motivados por ameaças diversas, ignoradas ou desprezadas pelas lideranças tradicionais. Note-se, entre as ameaças percebidas por eleitores de Bolsonaro, o temor do patrulhamento que acompanhou políticas discriminatórias adotadas por governos petistas. Assim, parcela não desprezível de seus eleitores não se identifica necessariamente com ideologias extremas nem com a retórica de ódio dominante em sua campanha.
Em suma, o resultado da eleição não é determinado pelo eleitor, que apenas reage a um cenário que lhe é imposto. Tampouco o voto em um ou outro candidato cancela a indignação generalizada contra a política e os políticos e, portanto, não oferece um cheque em branco. O presidente a ser empossado no dia 1.° de janeiro não gozará uma lua de mel, mas um sursis, com curtíssimo prazo para cumprir, de mãos atadas, uma agenda tão extensa e multifacetada como suas promessas.
*José Augusto Guilhon Albuquerque é professor titular de ciência política e relações internacionais da USP
Política Democrática: Com polarização partidária, voto torna-se muito volátil, diz Denicoli
Artigos destacam os desafios impostos pela velocidade do mundo digital nestas eleições, o papel do cinema na construção da democracia e o novo livro de Yuval Noah Harari, “21 lições sobre o século 21”, além dos trabalhos do cartunista JCaesar
Por Cleomar Almeida
Interpretar os reflexos das redes sociais no dia a dia e, especialmente, nas eleições é o grande desafio imposto pela velocidade do mundo digital sobre processo eleitoral e a intensa troca de informações entre as pessoas que estão conectadas. A avaliação é do pós-doutor em Comunicação Sérgio Denicoli, no artigo “A verdade do oráculo digital”, publicado na edição de lançamento da revista Política Democrática online.
Em sua análise, Sérgio Denicoli reforça que o período eleitoral está profundamente marcado por polarização entre esquerda e direita e, nesse contexto, de acordo com ele, “o voto torna-se muito volátil”. “E a mudança da opção do eleitor, dentro do mesmo espectro ideológico, ocorre na mesma velocidade da transmissão de dados nos ambientes online”, escreve ele.
Ainda segundo o analista, não pode ser encarada como “exata” a verdade do eleitor. No entanto, conforme ele ressalta, “deve ser vista a partir de tendências”. “É na ciência de dados que se consegue perceber que a onda informativa se está levantando, na direção de quem ela está indo e com que velocidade”, acrescenta na publicação, produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP).
Além das análises de Sérgio Denicoli e outros analistas políticos, a revista também se preocupa em colaborar com produções do meio cultural. Nesse sentido, o internauta pode conferir os trabalhos do cartunista JCaesar, que servem de ironia ao contexto da eleição presidencial de 2018.
Mais adiante na revista, no artigo “Um olhar crítico sobre a democracia”, o cineasta e escritor João Batista de Andrade discorre sobre o documentário “Construindo Pontes”, dirigido por Heloisa Passos, e que mostra os conflitos entre um pai, conservador e comprometido com os governos da ditadura militar, e a filha, de esquerda.
“O cinema tem quase sempre um olhar crítico sobre a sociedade, mesmo que as críticas se abrandem, às vezes de forma quase total, pela busca de ganhar o público ou exigências da Indústria Cinematográfica”, pondera João Batista, no artigo.
Na revista, o internauta também pode conferir a resenha da doutora em Mídias Digitais pela USP Dora Kaufman sobre “21 lições sobre o século 21”, o terceiro livro de Yuval Noah Harari. Ela destaca que o autor “enumera, descreve e tece comentários sobre alguns dos principais temas da atualidade”.
Leia mais:
A íntegra do artigo “A verdade do oráculo digital”
Quadrinhos do cartunista JCaesar
Análise “Um olhar crítico sobre a democracia”
Resenha do livro “21 lições sobre o século 21”
Marco Aurélio Nogueira: Os próximos dias do resto da nossa vida
O Brasil não terá como ser governado sem uma pacificação geral dos espíritos
Seja qual for o resultado das urnas de amanhã, uma constatação está dada: protagonizamos a mais tensa e desqualificada disputa presidencial da História nacional. Poderemos gastar um bom tempo de pesquisa para interpretar o uso que se fez das redes e das fake news, os erros e acertos das campanhas, mas nada será mais desafiador do que compreender o terremoto que abalou as estruturas políticas da sociedade e alterou de forma substantiva a cabeça dos brasileiros.
Como foi possível que, na segunda década do século 21, a disputa presidencial transcorresse como se o País ainda estivesse no século 20? Suas elites políticas e intelectuais ignoraram os sinais de que algo estava a fermentar nos subterrâneos da vida social. Nada se discutiu de substantivo, nenhum mapa cognitivo saiu dos debates, nenhuma luz iluminou o eleitorado, que chegou às urnas enfeitiçado por pregações mágicas e regressistas, alheias ao razoável, mudas diante dos desafios que se abrem para o futuro.
O resultado foi a ampliação dramática das divisões políticas e do desentendimento social.
Tornamos inviável o centro político, a inteligência e a moderação, em benefício da estridência reacionária, da agitação irresponsável, do apelo a um passado mitificado. O oportunismo, a demagogia e a prevalência de interesses mesquinhos tomaram o palco de assalto, marginalizando as demais candidaturas. Sobraram os antípodas, que se escolheram reciprocamente, impelidos por uma ordem social despedaçada e sequiosa de “segurança”, um o espelho invertido do outro.
Nenhuma vitória terá força suficiente para desprezar esse quadro social. O vencedor e sua oposição terão de negociar, dialogar, contemporizar. Um pacto terá de ser costurado.
Se Haddad vencer, será uma vitória da resiliência democrática e do poder das redes. Na semana derradeira, as mensagens pró-Haddad e uma militância determinada deram-lhe o gás que faltava. Não será uma vitória do PT. O partido, porém, cuidou de armar uma nova narrativa para si: sai o Lula perseguido pelo golpe, entra o “fascismo fraudulento” de Bolsonaro, impulsionado pelo pânico que impregnou a alma de muita gente.
Se o vitorioso for Bolsonaro, pode-se esperar qualquer coisa, um enigma. A nova narrativa petista encontrará ressonância numa sociedade machucada por tantas divisões políticas e partidárias. Será como acender um fósforo diante de um baú de dinamite. O governo Bolsonaro não terá sossego. Mas a esquerda que a ele se opuser desse modo também não conseguirá reorganizar-se para cumprir uma função democrática e reformadora. Permanecerá amarrada numa cultura negativa, de “resistência”, vocacionada para dividir e diferenciar mais do que agregar e unificar.
Não dá para cravar que o eventual governo Bolsonaro levará o Brasil para uma ditadura fascista. Os componentes fascistoides exibidos durante a campanha terão de passar pela prova dos fatos. Uma escolha terá de ser feita: ou jogar o País num regime de força e na histeria social desagregadora, ou buscar a reconciliação. Neste segundo caso, Bolsonaro terá de arquivar a retórica belicista e reacionária. Sem isso seu governo submergirá. Precisará dissolver sua própria folha de serviços hostil aos direitos e às liberdades civis. Terá de ser o estadista que não apareceu durante a campanha.
Uma Presidência mais democrática, como a que promete Haddad, deixará o País parecido com o que se conhece, mas não necessariamente trabalhará para qualificar a democracia. Primeiro, porque trará consigo outro “mito” igualmente nefasto – o do Lula perseguido e santificado –, que fará a balança pender mais para o Estado do que para a sociedade. Depois, porque o PT poderá voltar ao poder com sangue nos olhos e desejo de vingança, o que ensejará uma reação social ruim para a governança democrática. Também aqui o presidente terá de ser muito mais do que um homem de partido.
O Brasil do próximo ciclo não terá como ser governado sem uma pacificação geral dos espíritos, para a qual o papel do presidente será estratégico.
O novo chefe do Executivo começará a trabalhar com uma democracia de má qualidade, que funciona e tem suas instituições, mas produz poucos resultados naquilo que deveria ser seu alvo principal: educar a cidadania e satisfazer sua expectativa de que as escolhas governamentais sejam justas e eficazes.
O País está despedaçado, os nichos políticos estão “empoderados” de modo insano, cegos para o outro, sem disposição para o diálogo, as divisões ameaçam se prolongar no tempo. Nada disso ajuda a preservar e fortalecer a democracia. Os problemas econômicos, infraestruturais, educacionais, relacionados à saúde e à proteção social são desafiadores. A próxima legislatura parlamentar é uma incógnita: os partidos estão enfraquecidos e a composição do Congresso Nacional combina a manutenção de algumas famílias tradicionais com uma chusma de novas figuras de quem não se conhecem o perfil e a densidade democrática.
O País continuará surpreendendo, com sua força, sua população, suas conquistas. Foi assim durante todo o século 20. De algum modo, ainda que por vias tortas, haverá política. E nela os democratas haverão de depositar suas fichas. A “pequena política” – concentrada no jogo miúdo do poder, na destruição dos adversários, na chantagem – terá de se encontrar com a “grande política”, voltada para a recomposição da comunidade política.
O futuro será comprometido se perdermos essa perspectiva e continuarmos a alimentar as divisões perfunctórias, a competição pelas migalhas do poder, a lógica partidária que mal consegue permanecer de pé, a retórica de “guerra”.
O importante é que nossa emoção sobreviva, amanhã há de ser outro dia, dizem os poetas. Somente a perspectiva da política democrática resolverá o problema de saber quem somos, por que estamos juntos e o que queremos alcançar.
Política Democrática: O que aprender com o primeiro turno e os perfis de presidenciáveis
Analistas reforçam reflexos das manifestações de 2013 nas eleições de 2018 nos artigos publicados na primeira edição da revista
Por Cleomar Almeida
Eleitores devem ir às urnas no próximo domingo (28) com a consciência de que o próximo presidente da República terá enormes desafios pela frente, principalmente para resolver demandas de ajuste fiscal e de reformas política, tributária e da previdência. Tudo isso diante de uma onda conservadora que toma conta do país e que polariza ainda mais uma disputa eleitoral cujo resultado, ao menos por enquanto, tem mostrado bastante reflexo das manifestações de 2013.
Essas avaliações estão contempladas em três dos oito artigos de analistas políticos publicados na edição digital da Revista Democrática, lançada nesta quarta-feira (24). A publicação é produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), em Brasília.
Confira as análises na edição de lançamento da revista Política Democrática online:
»Clique aqui e leia o artigo Lições do Primeiro turno
No artigo “Lições do primeiro turno”, o sociólogo Caetano Araújo analisa que a rejeição ao atual modelo de sistema político derrotou grandes lideranças dos dois campos que polarizaram a política nacional nos últimos 25 anos. “Nessa linha, o voto de 2018 nasceu das manifestações de 2013, cresceu com as revelações da Lava Jato e atingiu seu ponto mais alto com a incapacidade demonstrada pelos maiores partidos de reagir a essa insatisfação”, escreve ele.
Na avaliação de Caetano, Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) tiveram diferenças cruciais durante o período eleitoral, cada um a seu modo. “Bolsonaro e seu campo tiraram proveito das três ondas: a rejeição ao sistema, a demanda por segurança e o conservadorismo nos costumes. O PT, por sua vez, foi identificado com o sistema, pagou parte do preço da falência da segurança pública e tornou-se o alvo do conservadorismo nos costumes. A seu favor, apenas o monopólio, na percepção do eleitor, sobre a agenda das políticas sociais”, acrescentou o sociólogo.
»Clique aqui para ler os artigos Perfis Bolsonaro e Haddad
Em outros dois artigos que mostram o perfil de Bolsonaro e de Haddad, separadamente, o professor de Relações Internacionais da Universidade Católica de Brasília Creomar Lima Carvalho de Souza avalia que os candidatos são frutos de diferentes fenômenos. O primeiro, líder nas pesquisas de intenção de voto, é, segundo o analista político, “fruto de uma conjuntura nova”.
Essa conjuntura, segundo Creomar, tem dois aspectos. “De um lado, o desgaste natural provocado pela dicotomia PT-PSDB e, de outro, o renascimento de um discurso de matriz conservadora em termos valorativos permitiram construir uma candidatura presidencial competitiva”, afirma o professor.
Já Haddad, de acordo com Creomar, “é visto pelos críticos dentro de seu próprio partido como o mais tucano dos petistas e considerado pelos seus adversários como mero títere do ex-presidente Lula da Silva”. No segundo turno, a tarefa do petista, acrescenta o professor, é “promover a maior virada eleitoral desde o renascimento da democracia brasileira e tornar-se presidente da república”.
Bruno Boghossian: Eleitores de centro e 'não petistas' escolhem lado na reta final
Haddad tira pontos de Bolsonaro em segmentos tradicionalmente avessos ao PT
O movimento de ponteiros na reta final do segundo turno indica um ajuste sutil na posição do eleitorado de centro. Os números do Datafolha mostram que Fernando Haddad ganhou terreno em redutos típicos do PT, mas também tirou pontos de Jair Bolsonaro (PSL) entre os eleitores mais ricos e escolarizados.
Essa troca de votos, registrada pela nova pesquisa, pode ser um sinal de decisão nos grupos que ainda não haviam se comprometido com nenhum dos dois candidatos.
Embora Bolsonaro mantenha a liderança no segmento com curso superior completo, sua vantagem sobre Haddad caiu sete pontos. O candidato do PSL também domina com folga todas as faixas de renda acima de dois salários mínimos, mas perdeu espaço no topo da pirâmide.
A vantagem de Bolsonaro ainda é significativa e ele continua sendo o favorito para vencer a eleição. Só a próxima pesquisa, no sábado (27), pode apontar se a variação se transformará numa curva ou numa reta que levará o candidato ao Planalto.
O fato de Haddad ter conseguido crescer em fatias tradicionalmente avessas ao PT (nas quais sua rejeição ainda é alta) sugere que a aversão ao candidato do PSL empurra alguns “não petistas” para o outro lado. A taxa de eleitores que dizem não votar em Bolsonaro subiu em quase todos os segmentos.
Além disso, Haddad capturou na última semana mais uma fatia de eleitores que votaram em Ciro Gomes (PDT) no primeiro turno. Na pesquisa anterior, 46% dos eleitores do pedetista diziam que votariam “com certeza” no candidato do PT. Agora, essa proporção é de 55%.
Bolsonaro manteve força em segmentos que provavelmente enxergam nele a única alternativa da disputa —em especial os evangélicos. Neste grupo, o deputado do PSL oscilou para baixo, mas manteve vantagem sobre o petista (59% a 26%).
À medida que o relógio corre, eleitores que não queriam nem um nem outro começam a balançar. O quadro só deve mudar se todos caírem para o mesmo lado.
Bernardo Mello Franco: O capitão fugiu do combate
Na campanha, Bolsonaro se recusou a debater com os adversários e tentou desmerecer o trabalho da imprensa. O que mais ele fará se chegar ao Planalto?
Hoje à noite, o eleitor teria a última chance de comparar os candidatos à Presidência. Jair Bolsonaro e Fernando Haddad deveriam se enfrentar ao vivo na TV Globo. O duelo começaria às 22h, mas foi cancelado por motivos de fuga. O capitão fugiu do combate. Desertou.
No primeiro turno, Bolsonaro alegou razões médicas para não comparecer a debates. Tudo certo, porque ele sofreu uma facada e passou 23 dias no hospital. Agora que o atestado perdeu a validade, o deputado admite que ficará em casa por “estratégia”. “Quem conversa com poste é bêbado”, debochou, no Twitter.
O capitão acredita que o arrego vai prejudicar seu adversário. Pode ser, mas quem mais perde é o eleitor. A três dias das urnas, e o favorito para assumir o governo continua a esconder suas ideias. Nem seus aliados sabem dizer ao certo o que ele vai fazer se chegar lá.
Bolsonaro costuma se esquivar de perguntas objetivas com chavões que já viraram piada, como “Tem que mudar isso aí” e “Não dá pra continuar desse jeito”. A fórmula funciona na propaganda e nos comícios de Facebook. Quando ele pode ser contestado, é outra história.
Nas duas vezes em que aceitou debater, ainda no primeiro turno, o capitão teve desempenho abaixo da média. Na Band, ele pareceu sonolento, como se estivesse dopado. Na RedeTV!, levou um sermão desconcertante de Marina Silva, que o acusou de discriminar as mulheres e deseducar as crianças ao fazer apologia das armas.
A atitude de Bolsonaro produziu uma situação inédita. Desde 1989, o Brasil nunca havia atravessado um segundo turno sem debate presidencial. Collor, Lula, Serra, Alckmin, Dilma e Aécio aceitaram o contraditório e enfrentaram seus oponentes. Ele, não.
A recusa é um desrespeito ao eleitor, que tem o direito de saber o que pensam os candidatos. Também serve como um sinal de que, se eleito presidente, ele continuará a se esconder do escrutínio da imprensa.
Na campanha, Bolsonaro já exibiu desprezo pelo jornalismo profissional. Fez vista grossa aos seguidores que ofendem repórteres e ameaçou usar verba pública para retaliar veículos que o criticam. O que mais ele fará se chegar ao Planalto?
Merval Pereira: Emoções inesperadas
Petista cresceu 8 pontos na faixa acima de dez salários mínimos, o que pode ter sido influenciado pela retórica de Bolsonaro
A redução da diferença entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad na reta final da campanha adiciona mais emoção a um resultado que parecia já estar dado. O PT tem a fama de mobilizar seus militantes no que chamavam de “onda vermelha”, mas não se sabe exatamente se essa capacidade continua ativa.
Jair Bolsonaro, que continua liderando a pesquisa Datafolha em todas as regiões do país, menos no Nordeste, onde Fernando Haddad vence por 56% a 30%, tem também uma capacidade de convocação de seus adeptos que já se mostrou eficiente nas manifestações organizadas pelos novos meios de comunicação, e não se sabe se essa força se mostrará na ida às urnas, e no proselitismo de última hora para impedir que a “boca do jacaré” se feche em favor do petista.
Os pesquisadores usam essa gíria para indicar que a diferença entre dois candidatos está diminuindo. Há uma tendência histórica de que a boca do jacaré não se feche totalmente nas disputas presidenciais, mas, como essa eleição é atípica e muito polarizada, nada é impossível.
A diferença, que era de 18 pontos, caiu para 12, mas, na prática, ela era de 9 pontos percentuais e caiu para 6, pois cada ponto que um candidato ganha, o outro perde em disputas polarizadas. Isso ainda significa cerca de cinco milhões de votos por dia para serem revertidos.
Da última pesquisa Datafolha para esta, a queda de Bolsonaro, que já havia sido detectada pelo Ibope, foi fora da margem de erro, e o pior para Bolsonaro é que o petista também cresceu fora da margem de erro, conseguindo reduzir a diferença. Haddad ganhou sete pontos na Região Norte e quatro na Sul, suas maiores subidas. No Sudeste, o presidenciável do PSL mantém vantagem considerável (53% a 31%); no Sul e no Centro-Oeste, Bolsonaro tem quase 60% dos votos totais.
Não se sabe se essa mudança de humor do eleitorado é uma tendência ou se pode ser uma questão circunstancial devido às últimas acusações contra Bolsonaro, e também aos próprios erros do candidato e seu entorno. Os últimos dias foram bastante conturbados, e a pesquisa pode ter apanhado as consequências de fake news que não se confirmaram contra Bolsonaro, como a acusação a seu vice, general Mourão, de que teria sido um torturador.
O petista cresceu oito pontos entre os que ganham acima de dez salários mínimos, o que pode ter sido influenciado pela retórica agressiva de Bolsonaro, que radicalizou nos últimos dias. Mas, nesse segmento, continua perdendo para Bolsonaro, que tem mais de 61%. Haddad continua vencendo entre os mais pobres (até dois salários mínimos), por 47% a 37%.
No eleitorado masculino, Bolsonaro bate Haddad por 20 pontos: 55% a 35%. Entre as mulheres, há empate técnico: 42% a 41%. Da mesma maneira que a pesquisa do Ibope, que mostrou um crescimento da rejeição de Bolsonaro e uma redução na do petista, também o DataFolha mostra a rejeição de Haddad caindo dentro da margem de erro, enquanto a de Bolsonaro subiu três pontos.
A redução de seis pontos aconteceu porque Bolsonaro perdeu três pontos percentuais, enquanto Haddad subiu três pontos. Como o número de indecisos permaneceu estável, há indicações de que o petista roubou votos de Bolsonaro, condição necessária para que vire o jogo nos últimos dois dias de campanha, que se encerrou ontem no rádio e na televisão.
A disputa agora será nas ruas até o próximo domingo, e tudo indica que a violência das posições do líder das pesquisas afetou sua preferência entre os jovens, por exemplo, em que liderava e agora já está empatado com Haddad. Tudo leva a crer que teremos emoções não previstas nos últimos dias de campanha. Como escrevi aqui, a pesquisa do Ibope do início da semana era um sinal de alerta para a campanha de Bolsonaro, embora a mudança tivesse sido dentro da margem de erro.