Eleições

Samuel Pessôa: A maré da direita

A política está funcionando; se a democracia estiver em risco, iremos para as ruas

No início, era o antipetismo. Essa coisa meio amorfa. Tomou a rua. Fiquei surpreso com o tamanho da onda.

No domingo passado (21), o capitão falou. À la Trump, disse um monte de impropérios. Condenou a diferença e prometeu destruir os opositores. Não falou nada muito diferente do que muito radical petista fala em convenção do partido.

Mas há conteúdo positivo, propositivo, no voto para o tenente que se aposentou como capitão.

Há uma genuína agenda conservadora em gestação. Reforço do direito de propriedade com a criminalização das invasões —seja de imóveis urbanos ou propriedade rural—, empregadas como mecanismo de pressão contra nossas desigualdades históricas.

Redução do gasto público com as organizações não governamentais e, penso eu, corte em benefícios da Lei Rouanet. Provavelmente cobrança de mensalidade para universidades públicas de quem pode pagar.

Recrudescimento das penas para crimes, flexibilização da maioridade penal, maior liberalidade no porte de armas e elevação das garantias de proteção à atuação das polícias no engajamento com criminosos.

Total reforço à Lava Jato. Possivelmente serão retomadas as Dez Medidas Contra a Corrupção do Ministério Público.

Aparentemente, esse será o governo de direita por aqui. Dado que, para os petistas, FHC era neoliberal e centro-direita, faltarão graus no transferidor do espectro político para posicionar Bolsonaro.

Os intelectuais, artistas e tantos outros terão que aprender que há legitimidade nessas pautas da direita. Elas serão tratadas no Congresso Nacional, e o STF, como instância contramajoritária, vai se pronunciar e terá poder de veto sempre que novas legislações ferirem disposições constitucionais.

A fala do tenente aposentado como capitão, porém, nada disse sobre como ele pretende tapar o buraco fiscal de R$ 300 bilhões.

Se Bolsonaro tiver sabedoria, tocará a agenda econômica o mais rapidamente que puder.

Tapar o buraco fiscal é tarefa do Congresso. No entanto, a tão alardeada renovação foi qualitativamente muito ruim. Diversos parlamentares que conheciam a natureza do problema e as entranhas do sistema político não foram reeleitos.

Não poderemos contar com a experiência desses e teremos de lidar com uma leva de novos atores que deverão se adaptar ao seu novo ambiente e destrinchar seus mecanismos de funcionamento, em um momento em que não há tempo.

Sim, o presidente que for eleito terá que propor, coordenar e liderar as ações, mas o desenho final do ajuste fiscal será construído invariavelmente pelo Congresso.

O risco é Bolsonaro inverter as pautas. Em um afã de agradar a seu eleitor, tocar a pauta da segurança e dos direitos de propriedade antes da pauta econômica. A segurança não vivenciará uma melhora repentina, o crescimento não virá a tempo, o país não sairá do imobilismo e, inevitável, a popularidade cairá. Simultaneamente, terá que administrar inúmeros conflitos com o Supremo nessas pautas.

Há histeria no ar com a possibilidade de um golpe clássico ou com a deterioração da democracia com Bolsonaro.

Não sei se a histeria é sincera ou segue de certa dificuldade da esquerda em conviver com pautas democraticamente escolhidas que sejam frontalmente contrárias aos seus pontos de vista.

A política está funcionando. Quando e se a democracia estiver em risco, iremos para as ruas. Hoje é o momento da política.

*Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP.


Bruno Boghossian: País vai precisar de mais do que palavras para juntar cacos da eleição

O chamado à união é o acessório mais barato do manual dos vencedores. Palavras de conciliação e pedidos de diálogo são o mínimo que um presidente eleito pode oferecer a seu país. É preciso ir muito além quando as circunstâncias exigem.

Quem acredita que uma eleição dá aval à maioria para esmagar a minoria não procura uma urna eletrônica, mas um rolo compressor. O discurso que o Brasil ouvirá ao fim da apuração ainda não será suficiente para evitar que a intolerância seja reconhecida como ferramenta política.

O líder nas pesquisas foi muito longe nessa direção. No comício que fez pelo celular no domingo passado, Jair Bolsonaro ameaçou punir adversários e banir opositores. A fala de pacificação que promete fazer caso confirme sua vitória não apagará seus instintos autoritários. A conciliação dependerá de atos concretos.

Reeleita em 2014, Dilma Rousseff falou cinco vezes em diálogo, mas não estendeu a mão, nem mencionou o nome do rival Aécio Neves. “Não acredito, sinceramente, que essas eleições tenham dividido o país ao meio”, declarou, encantada com o próprio triunfo na corrida presidencial mais apertada da história.

O que dizer, então, de uma disputa em que um ex-presidente foi para a cadeia, juízes e policiais censuraram debates nas universidades, torturadores foram defendidos abertamente, eleitores agrediram rivaise um candidato foi esfaqueado?

Quem for eleito terá a legitimidade democrática do voto popular e, espera-se, fará o tradicional discurso da pacificação. Esse esforço pode soar bem, mas a ferida aberta nessa campanha tão violenta não será cicatrizada apenas por palavras.

Divergências continuarão a existir após a eleição. É fundamental evitar que essas diferenças contaminem as relações políticas e, principalmente, governos e instituições.

Começa agora um trabalho coletivo para juntar os cacos da disputa. A sociedade, a imprensa, a polícia e o Judiciário terão o papel de garantir o cumprimento da lei, preservar direitos e proteger liberdades.


Vera Magalhães: Que vença a democracia!

O eleito neste domingo deve entender que terá de se dobrar à Constituição, e não o contrário

Escrevi neste mesmo espaço na semana passada sobre os riscos que Jair Bolsonaro representa, e os que não representa, à democracia. Cotejei seu histórico de declarações autoritárias ou abertamente antidemocráticas com os limites impostos pela Constituição, pelas instituições e pela sociedade civil.

No mesmo dia, no entanto, Bolsonaro deu um show de desrespeito ao dissenso e fez ameaças concretas de retaliação a opositores no discurso que gravou para o ato em apoio à sua candidatura na avenida Paulista.

Hoje, a se confirmarem as pesquisas, o candidato do PSL será eleito presidente da República. Qualquer que seja o porcentual que atinja, os 60% pretendidos por sua campanha ou números menos eloquentes mostrados por algumas pesquisas, terá a missão de governar para todo o País, e não só para os que o reverenciam nas ruas e nas redes sociais. E é preciso que, imediatamente, desça desse palanque no qual tem vivido nas últimas décadas e pare com essa retórica inflamável que não condiz com a responsabilidade do cargo que vai ocupar.

Não partilho da opinião dos que acreditam que, eleito, Bolsonaro vai implantar uma ditadura aos poucos ou aos solavancos no País. Cubro política há 23 anos, morei dez deles em Brasília, converso diariamente com aliados do deputado, com opositores, com ministros do STF, com economistas, com parlamentares. Sei que o tecido institucional vigoroso do Brasil e sua saúde civil impedem aventuras desse tipo. Por isso, digo aos que estão entre temerosos e histéricos: calma.

Além disso, Bolsonaro vai se deparar, caso eleito, com uma quantidade de problemas reais para administrar que o forçará a baixar o tom. Porque precisará do Congresso, do Judiciário e de apoio para além do exército de minions ruidosos para aprovar medidas que não serão populares, caso queira recuperar uma economia deixada em frangalhos por Dilma Rousseff.

Provavelmente Bolsonaro tentará usar as redes sociais para continuar se comunicando diretamente com seus apoiadores, driblando a imprensa e a pintando como inimiga toda vez que problemas de seu governo forem apontados. É o que faz Donald Trump, o modelo que o brasileiro não faz questão de esconder.

Que seja. A imprensa terá de encontrar meios, e saberá fazê-lo, para investigar, revelar, trazer à luz, contrapor, desmistificar, problematizar, analisar, criticar ou elogiar as medidas de sua Presidência sem se deixar calar por essa estratégia. Certamente a experiência americana também serve de ponto de partida.

E a sociedade civil estará atenta. A quantidade de pessoas dispostas a votar em Fernando Haddad – a despeito do legado tenebroso do PT em termos econômicos, éticos e morais – ou é uma mostra de que uma grande parcela da população brasileira considera que o histórico de agressões a minorias, ameaças a opositores, flertes com a ditadura e defesa da tortura de Bolsonaro são limites rígidos, intransponíveis.

Esse público não será uma parcela acanhada da população, facilmente calável com ameaças de perseguição ou até de um impensável banimento, como já fizeram Bolsonaro ou seus circunstantes. Será uma massa de milhões de brasileiros dispostos a repetir todos os dias que não se aceitará um direito a menos, que não se admitirá o uso da violência como política de Estado nem o fantasma dos tanques como mordaça.

A Constituição é a bússola para que o futuro governo seja legitimado, porque qualquer discurso que tente questionar o resultado das urnas é igualmente autoritário e indefensável. E também será o guia para que os cidadãos lembrem diuturnamente ao eleito e aos seus apoiadores que há regras a seguir, um dissenso a respeitar e um limite a determinar até onde se pode ir.


Eliane Cantanhêde: Bolsonaro, o novo Lula

Se perder, o PT amanhece na oposição contra um ‘novo Lula’ com dogmas e multidões

Enfim, chegamos ao final dessa eleição que teve de tudo, até candidato presidiário e facada no líder das pesquisas. Se houve algo estável em toda a campanha, desde o primeiro turno, foi a dianteira firme e segura do candidato Jair Bolsonaro, do PSL, um capitão reformado que está há 28 anos na Câmara e meteu os filhos na política, mas surge como “o novo”, para fazer “tudo diferente”. Acaba a eleição, vem aí a prova dos 9.

O grande marco de 2018 foi o fim da disputa PT versus PSDB, que atravessou décadas desde 1994, e o início da polarização PT versus Bolsonaro, mas com fortes mudanças no velho petismo e o surgimento de um “novo Lula”, só que pela direita.

A estrela do PT já tinha sido jogada pela janela em outros carnavais, ou eleições, e nesta até o vermelho foi deixado de lado, mas o maior ausente não foram os símbolos, foram os atores. A famosa militância petista ficou em casa, a nova militância bolsonarista é que ocupou as ruas e a guerra eleitoral migrou para as redes sociais. Para o bem, principalmente para o mal.

Assim como tudo o que Lula diz é dogma para os petistas, tudo o que o capitão Bolsonaro diz passou a mover multidões pelo País afora, por mais barbaridades que tenha dito, sobre ditadura, tortura, mulheres, gays e por menos que tenha falado de pobres e do principal problema brasileiro: a desigualdade social.

Bolsonaro é um novo Lula, mas às avessas. Enquanto Lula garantia a fidelidade cega de artistas, intelectuais e da Igreja Católica cativando um eleitorado inabalável no Nordeste e entre os de baixa renda e escolaridade, Bolsonaro domina a classe média e se enraizou por todos os segmentos alavancado pelos ricos com diploma que emergiram como força política em junho de 2013. Mas a adoração a ambos tem muita semelhança, com uma realidade virtual em que tudo o que eles dizem vira verdade.

São esses dois polos que estarão se enfrentando nas urnas de hoje, de onde surgirá o futuro presidente do País e automaticamente a maior e mais aguerrida oposição que jamais se viu. Se Fernando Haddad (PT) vencer, terá contra ele um exército bolsonarista que bate o PT tanto nas ruas quanto nas redes, em número e em agressividade.

Se for Bolsonaro, como todas as pesquisas indicam, o que sobra de esquerda organizada para reagir e se contrapor é o PT. Esmagado nas eleições de 2016, com Lula preso, seus demais líderes também presos e até Dilma derrotada, mesmo assim o PT foi para o segundo turno. Ferido, não morto.

Logo, o que as pesquisas indicam que estará saindo das urnas hoje é um Bolsonaro eleito presidente e aprendendo o beabá da negociação política, da construção de maiorias parlamentares, da importância do equilíbrio fiscal, da dificílima tarefa de dizer “não”, muito especial para aliados, e tendo de conviver com algo inerente à democracia: a oposição. Confrontado, o general Ernesto Geisel fechou o Congresso. O capitão Bolsonaro não terá essa opção.

Ali na espreita estarão as instituições, a própria sociedade, os partidos e movimentos organizados e... o PT. Se perder a eleição hoje, o PT já amanhece amanhã como o grande vitorioso para liderar a oposição ao próximo governo. No início, devagar, auscultando, tateando. Pelo óbvio, quanto mais o governo errar, mais a oposição vai crescer.

E é assim que a terrível polarização da eleição vai ser transportada para o novo governo. Aí, é torcer e rezar pelo bom senso e o equilíbrio porque, para além das ideologias, dos partidos e das diferenças, há uma turminha que tem muita pressa: os 13 milhões de desempregados na rua da amargura. É por eles, pelo Brasil e pelo futuro que fica aqui o meu voto: sucesso, presidente, seja você quem for!


Bernardo Mello Franco: Um alerta do que vem por aí

As batidas policiais nas universidades foram um alerta do que pode vir por aí. Quem teme uma escalada autoritária ganhou novas razões para se preocupar

A democracia brasileira enfrentará uma prova de fogo se as urnas confirmarem o favoritismo de Jair Bolsonaro. O capitão reformado fez carreira exaltando a ditadura militar, um regime que amordaçou a imprensa e perseguiu opositores. Agora seus impulsos liberticidas vão testar a resistência das instituições e da Constituição de 1988.

Nos últimos dias, quem teme uma escalada autoritária ganhou novos motivos para se preocupar. Ao menos 20 universidades públicas foram alvo de operações da polícia e de fiscais eleitorais. A pretexto de coibir a propaganda irregular, as batidas suspenderam aulas, impediram a realização de debates e apreenderam faixas e cartazes.

O caso da Universidade Federal Fluminense resume os abusos da ofensiva. Uma juíza determinou a retirada de uma faixa laranja com a inscrição “Direito UFF Antifascista”, sem referência a partidos ou candidatos. Acrescentou que a polícia deveria prender o diretor da Faculdade de Direito em caso de descumprimento da ordem.

Em Minas Gerais, uma juíza ordenou a retirada de uma nota publicada no site da Universidade Federal de São João del Rei. O texto censurado também não citava o nome de nenhum candidato. Era um manifesto “a favor dos princípios democráticos e contra a violência nas eleições”. Em Mato Grosso do Sul, policiais federais entraram no campus da Universidade Federal da Grande Dourados para impedir uma aula pública com o tema “Esmagar o Fascismo”.

Os agentes fotografaram e coletaram nomes de estudantes que organizavam a atividade. A ação foi autorizada por um juiz eleitoral que milita contra o PT nas redes. As batidas nas universidades servem como um alerta do que pode vir por aí. Bolsonaro ainda não vestiu a faixa e já surgem autoridades ansiosas para restabelecer a censura. Desta vez, houve reação da Procuradoria-Geral da República e do Supremo Tribunal Federal.

Na noite de sexta, a procuradora Raquel Dodge pediu a suspensão das ações nas universidades. Apontou ofensa a princípios fundamentais como os “direitos de crítica, de protesto e de discordância decorrentes da livre manifestação do pensamento, assim como a liberdade de expressão”.

A ministra Cármen Lúcia aceitou o pedido e concedeu a liminar. “Sem liberdade de manifestação, a escolha é inexistente. O que é para ser opção, transforma-se em simulacro de alternativa. O processo eleitoral transforma-se em enquadramento eleitoral, próprio das ditaduras”, afirmou. Ela acrescentou que as batidas afrontaram o princípio da autonomia universitária. “Pensamento único é para ditadores.

Verdade absoluta é para tiranos. A democracia é plural em sua essência. E é esse princípio que assegura a igualdade de direitos individuais”, escreveu a ministra. O episódio pode ter sido um ensaio para futuros choques entre o Executivo e o Judiciário. No domingo passado, Bolsonaro sugeriu que os opositores teriam que escolher: “Ou vão para fora ou vão para cadeia”. Ontem ele voltou a abrandar o tom e prometeu “obediência à Constituição”.


Ascânio Seleme: Um país fraturado

Quem vencer a eleição presidencial de hoje terá que governar um país fraturado. Além da tarefa gigantesca de redirecionar o país para fora da crise econômica e em direção ao futuro, recuperando a confiança de investidores e parceiros comerciais, o novo presidente terá de provar que reúne não apenas os votos, mas também a esperança dos brasileiros.

O presidente, que sairá das urnas com pouco mais da metade dos brasileiros ao seu lado, dificilmente conseguirá convencer a outra metade com o discurso do “governarei para todos”. Não importa se Jair Bolsonaro ou Fernando Haddad, quem for eleito hoje terá enorme dificuldade para reconstruir todas as pontes dinamitadas ao longo da campanha e atrair o outro lado.

Bolsonaro passou a vida atacando a esquerda e a todos os que não se alinhavam com suas convicções de extrema direita. Como petistas conseguirão superar a bravata que o candidato fez no Acre, ao dizer que iria “metralhar a petralhada”? Tampouco será esquecido o discurso para a militância em que o capitão ameaçou prender e banir “os vermelhos”. Suas ofensas pessoais a membros de partidos de esquerda também serão sempre lembrados.

Nas ruas, uma minoria sentiu-se empoderada e passou a agredir até fisicamente militantes do outro lado. Pelo menos um petista foi assassinado em razão da sua preferência política. Amparados pelo discurso do líder, eleitores de Bolsonaro mais barulhentos passaram a dizer coisas absurdas nas redes sociais, algumas que já foram até mesmo tipificadas como crime. Ofensas a minorias, gays, índios, negros e também a mulheres fizeram parte de sua retórica de difícil cicatrização.

Do outro lado, Haddad e o PT atravessaram a campanha chamando Bolsonaro de fascista, nazista, homofóbico. Todos os candidatos que se aliaram ou foram eleitos ancorados no nome do candidato do PSL foram engolfados pelo discurso petista. A militância, menos compromissada e mais descuidada que o candidato, ultrapassou o limite e passou a se referir também aos eleitores do adversário como fascistas e nazistas.

Reaproximar estes dois polos será a mais árdua missão do presidente que conheceremos hoje. Não é fácil vislumbrar Bolsonaro convencendo eleitores de Haddad e tampouco Haddad cativando os anti-petistas que apoiaram o capitão. Quem sair vencedor das urnas esta noite terá sido democraticamente eleito e deveria merecer o respeito e as felicitações dos derrotados. Seria assim num país menos dividido que o nosso. Já foi assim no Brasil.

Desde a redemocratização, apenas um presidente eleito começou seu mandato sendo odiado pela porção do país que derrotou. Foi Fernando Collor, que atacou Lula abaixo da linha da cintura durante a campanha. Claro que Collor também colaborou e ampliou o ódio contra ele entre os seus próprios eleitores ao confiscar a poupança dos brasileiros.

Fernando Henrique, Lula e mesmo Dilma foram eleitos e iniciaram seus mandatos em paz. Lula teve forte oposição no episódio do mensalão e Dilma acabou cassada no caso das pedaladas fiscais. Apesar de os dois episódios estarem amparados pela lei e pela Constituição, Lula nega a existência do mensalão, e os petistas chamam de golpe o impeachment de Dilma. Foi aí que nasceu no petismo o estado de ódio, que em Bolsonaro cresce desde o seu primeiro mandato de deputado.

Embora sejam remotas as chances de sucesso de uma tentativa de reunião dos brasileiros, os dois candidatos juraram nestes últimos dias que querem pacificar o país. Bolsonaro disse na sexta-feira que fará um “governo de conciliação”. Haddad, também na sexta, pregou “um governo de união nacional”. Por sorte, o eleito vai ter obrigatoriamente de buscar esse objetivo. Caberá ao novo presidente reduzir o ódio que ele mesmo construiu entre os seus adversários. Qualquer movimento que faça nesse sentido amenizará o clima político que promete ser muito tenso nos próximos quatro anos.


Merval Pereira: No mesmo time

Para sair da crise, será preciso a união das forças políticas, pois nenhum dos dois candidatos terá capacidade de governar sozinho

A importância desta eleição presidencial é dada pelo clima de radicalização política que a dominou. Cruzamos a linha civilizatória com o atentado à vida de Jair Bolsonaro e prosseguimos em uma campanha radicalizada e de acusações de fake news de ambos os lados, com a utilização ao extremo dos novos meios de comunicação, amplificando-as.

Ao radicalismo dos oponentes neste segundo turno contrapõe-se a mensagem apaziguadora do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, publicada ontem pelo GLOBO.

Em bom momento o STF coloca-se, por seu presidente, como instituição mediadora dos conflitos, dando ênfase a esse papel que cabe na definição do Supremo como Corte Constitucional, mas não pela limitação de seus poderes, como querem os dois oponentes, nem uma Corte política, como também acusam os dois candidatos que disputam hoje o segundo turno.

Coincidentemente, na sexta-feira dois assuntos chamaram a atenção sobre o STF, de maneira positiva. O coronel da reserva que bravateou nas redes sociais contra o Supremo, atingindo a honra de vários ministros e até mesmo ofendendo pessoalmente a ministra Rosa Weber, que preside também o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), acabou com tornozeleira eletrônica e circulação restrita pelo país.

No mesmo dia, o Supremo teve papel fundamental na reação do Judiciário contra a ação coordenada de tribunais eleitorais de 12 estados que, a pretexto de impedir propaganda eleitoral em prédios públicos, censuraram as manifestações dentro de universidades daqueles estados.

A coordenação entre os estudantes ficou evidenciada pela decisão conjunta de debater o fascismo, numa evidente referência ao candidato da extrema direita Jair Bolsonaro. A autonomia universitária não pode, porém, ser contestada por agentes repressores, e o trabalho do próximo governo será garantir a liberdade de expressão também para os grupos opostos, como os que, assim como Bolsonaro, acusam o PT de querer levar o país para o comunismo, como acontece em vários países da região.

O confronto de ideias deve ser a essência dos debates acadêmicos, mas não é com repressão que será garantido. É aí que entra o papel fundamental do vencedor de hoje. Com o país conflagrado desde 2013, o novo incumbente terá como missão principal e prioritária unir novamente os brasileiros, através de palavras e atos.

No discurso da vitória, além de assumir esse compromisso, o vencedor tem obrigatoriamente que se referir ao derrotado, assim como o derrotado deve telefonar desejando-lhe sorte.

Essa regra comezinha de civilidade não esteve presente em 2014, pois, mesmo tendo recebido um telefonema do tucano Aécio Neves, a presidente reeleita Dilma Rousseff não o mencionou em seu discurso.

Depois das trocas de ofensas e das posições radicalizadas dos dois candidatos, é difícil antever que tenham esse gesto de grandeza. Sem um gesto de conciliação, como prega o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, estaremos caminhando outra vez para o terceiro turno da eleição presidencial, e para um embate entre extremos que não ajudará o país a sair dessa crise imensa em que nos metemos.

Para sair dela, será preciso a união das forças políticas, pois nenhum dos dois candidatos terá capacidade de governar sozinho, muito menos de aprovar as reformas constitucionais de que o país necessita. Para além do pragmatismo necessário para tocar o governo, o novo presidente terá que favorecer um ambiente distensionado no país, sem o que estaremos no pior dos mundos, encalacrados financeiramente e encurralados no radicalismo político.

Não se trata mais de denunciar os culpados, mas de união de esforços para superar esse impasse com uma visão de país que tem faltado aos nossos líderes recentes, e faltou também, dos dois lados, na campanha eleitoral que se encerra.

Um exemplo formidável de espírito democrático está contido no discurso do então presidente Barack Obama, depois da vitória de Donald Trump para o governo dos Estados Unidos. “(...) esta é a natureza da democracia. Às vezes é duvidosa e barulhenta, muitas vezes não é inspiradora.

Quando o povo vota e perdemos a eleição, aprendemos com nossos erros, fazemos reflexões. E voltamos ao jogo. O importante é que sigamos em frente, com a presunção de boa-fé dos nossos cidadãos. (...) Vou fazer tudo para que o próximo presidente tenha sucesso, porque, no final, estamos no mesmo time”.


Míriam Leitão: Democracia nunca foi uma planície

Foi muito longa e penosa a estrada que nos deu o voto direto. Quem for eleito hoje governará nos limites da ordem democrática que construímos

Hoje, 147 milhões e 300 mil brasileiros farão História. São os que estão aptos a votar. Quem não for, ou votar nulo, também está dentro desse universo de decisão. Jamais deixarei de me emocionar em momentos assim. Foi muito longa e penosa a estrada que nos deu o voto direto. A democracia brasileira nunca foi uma planície. É como se tivesse que ser conquistada de novo a cada momento. Ela se expande, toma susto, é desafiada, volta a crescer, encontra obstáculo, supera. Sempre será essa incompleta obra coletiva. Como um tecido que fiamos juntos e os pontos às vezes se rompem.

Temia-se, desta vez, o desinteresse. Não foi o que tivemos. Houve momentos desta campanha em que parecia não haver outro assunto possível. O envolvimento é parte fundamental da renovação dos laços com o regime democrático. Saímos desta jornada exaustos, mas o país se engajou nesta escolha e o tema central passou a ser a própria democracia. Pelos cenários feitos, havia uma lista dos temas que certamente seriam os mais relevantes — e continuam sendo — segurança, educação, crise fiscal, desemprego. Mas o país se dividiu, discutiu, brigou pela democracia em si. Ela foi boa até aqui? Fez um bom trabalho? Tem defeitos? É frágil? É robusta?

A resposta é sim para todas as perguntas acima, apesar de parecer contraditório. É boa, fez um bom trabalho, tem defeitos. É frágil e robusta ao mesmo tempo. Fatos assustadores pareciam ser o prenúncio de volta do que o Brasil viveu. Sexta-feira foi o dia de ver de perto algo impensável. A repressão aos protestos em universidades. É da natureza dos jovens o debate acalorado que os mais velhos podem até achar radical, mas a ausência de liberdade de pensamento e manifestação nega a própria essência da universidade. O tempo cuidará de moderar o jovem, mas nada resgatará o que, alienado, não tiver olhos para nenhuma causa coletiva.

Tivemos, ao longo da República, períodos de democracia interrompidos por surtos autoritários. Foi assim no Estado Novo. Foi assim no regime de 1964-1985. Alguns preferem chamar de ditadura civil-militar. Respeito os argumentos, mas só os generais foram presidentes. O máximo a que um civil chegou foi à Vice-Presidência e o destino de Pedro Aleixo não nos deixa ter ilusões de que o poder fosse compartilhado.

Não falarei da dor dos que viram a face mais dura daquele governo, mas evidentemente a tenho em mente neste momento. O que parece mais relevante, contudo, foi o caminho que nos levou de volta à democracia. Houve fatos memoráveis. Falarei de um. O “Não” de Ulysses Guimarães e de Barbosa Lima Sobrinho, na anticandidatura de 1973-74, parecia um ato quixotesco, até exótico. Para que fazer campanha por todo o país para uma escolha que já fora tomada? Era uma luta tão perdida. O próximo presidente seria Ernesto Geisel. Estava decidido. Por que o deputado discursava pelo Brasil? Só quem, em momento pessoal de grande aflição, ouviu Ulysses prever a volta da democracia — “Alvíssaras, meu capitão, terra à vista” — pode entender o valor daquele ato político. As urnas se encheram de voto no antigo MDB na eleição seguinte. Além de acalmar os aflitos, o cálculo eleitoral do velho funcionou perfeitamente. Mas, depois, veio novo susto: o fechamento do Congresso, em 1977. E outros. E bombas no Riocentro.

Nunca houve planície. Foi de altos, baixos, solavancos e quedas a caminhada até a votação dentro daquele mesmo colégio eleitoral, usando a arma do regime contra o regime, que Tancredo Neves foi eleito. E, de novo, veio o susto. O que impediu as Forças Armadas e os porões ainda abertos a voltarem após a morte de Tancredo? A democracia já era forte ao nascer.

O Brasil fez então sua Constituinte. E, de novo, a palavra de Ulysses: “Conhecemos o caminho maldito. Rasgar a Constituição. Trancar as portas do Parlamento. Garrotear a liberdade. Mandar patriotas para a cadeia, o exílio, o cemitério.”

A democracia renegociou a dívida externa deixada pelos militares, venceu a hiperinflação, aumentou a inclusão de brasileiros, ampliou o espaço de decisão, tem combatido a corrupção. Há ainda uma lista interminável de tarefas. Nunca será um caminho plano. Será sempre trabalhoso e desafiador viver a democracia. Mas a alternativa é o “caminho maldito”. O que for eleito hoje governará nos limites da ordem democrática que construímos.


Elio Gaspari: Os recuos de Bolsonaro foram um aviso

O candidato acreditava que óleo de pirarucu curava reumatismo ou queria que os outros acreditassem?

Jair Bolsonaro disse que fundiria os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente. Agora diz que pode mudar de ideia. Juntar a Fazenda com o da Indústria? Pensou melhor e vai desistir. Abandonar o acordo climático de Paris? Ameaçou, mas vai ficar. Encrencar com a China? Nem pensar. Formar uma base parlamentar baseada em princípios programáticos? Tudo bem, mas está catando ministros na cesta onde o eleitorado jogou candidatos do DEM.

Bolsonaro encantou o mercado ao reconhecer que não entende de economia e por isso faria do doutor Paulo Guedes o seu "Posto Ipiranga". Como ele nunca produziu um prego, os papeleiros passaram a cultivar a ideia de que Guedes também precisaria de seus "Postos Ipiranga". De posto em posto, quem quiser comprar um prego acabará procurando uma velha e boa loja de ferragens, onde os pregos nacionais custam mais caro que os chineses.

A sabedoria convencional ensina que promessa de candidato é uma coisa, realidade de governante é outra. Mesmo assim, Bolsonaro ficou fora da curva. Quando ele falou numa reconstrução da base parlamentar a partir de princípios, sabia que estava vendendo óleo de pirarucu como cura de reumatismo.

No caso das fusões de ministérios, do vale-tudo ambiental e das relações com a China, exercitava o próprio primarismo. Ele pode querer agradar ruralistas interessados na expansão da área de cultivo da soja no Cerrado, mas precisa combinar com as grandes empresas internacionais que comercializam o grão e precisam defender suas marcas.

Matar gente na periferia das grandes cidades causa constrangimentos pelo mundo afora, mas esse sentimento é difuso. Agredir o meio ambiente compromete a reputação dessas grandes empresas.

Não se pode dizer que Bolsonaro recuou. Fernando Haddad recuou na sua ideia de forçar uma Assembleia Constituinte. Já sua autocrítica em relação às roubalheiras petistas é apenas um truque. Só se recua de uma posição onde se esteve, e Bolsonaro nunca esteve de fato nas posições que defendia há meses, ou há anos, quando defendia o fuzilamento de Fernando Henrique Cardoso. Eram truques, como o de Donald Trump garantindo que Barack Obama tinha nascido no Quênia.


Política Democrática: Eleição escancarou intolerância na sociedade, dizem especialistas

Em artigos publicados na revista Política Democrática online, sociólogo e economista avaliam campanhas eleitorais e democracia

O período eleitoral escancarou a intolerância na sociedade, revelando o clima de tensão e ódio entre adversários que vai exigir, do presidente eleito neste domingo (28), um grande esforço para desarmar os espíritos. No entanto, o contexto brasileiro serve para mostrar que a democracia entra em crise porque não tem resposta às novas demandas da sociedade, provindas de uma profunda mudança social.

A avaliação é de analistas políticos autores de artigos publicados na edição de lançamento da revista Política Democrática online, produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP). Com acesso totalmente gratuito, a publicação foi lançada no dia 23 de outubro.

Em seu artigo, que recebeu o título “Ameaças à democracia”, o sociólogo Elimar Pinheiro do Nascimento explica que uma das dificuldades na construção de respostas por parte dos governos democráticos reside no que ele chama de “morte das ideologias”. Segundo o autor, a ideologia sobrevivente é o liberalismo.

No entanto, conforme acrescenta Elimar, o próprio liberalismo “torna-se cada vez mais incapaz de dar respostas aos novos problemas que emergem das mudanças estruturais da sociedade, particularmente oriundas da disseminação das novas tecnologias e da crise ambiental”.

Além de não ter considerado a importância de temas ambientais, o período eleitoral não explorou outros campos necessários para o desenvolvimento da sociedade, de acordo com o economista Sérgio Buarque. Ele é autor do artigo “Atropelado pelas emergências”, que também está publicado na revista.

De acordo com Sérgio, a campanha também escondeu os temas econômicos e fiscais incômodos que devem ser enfrentados pelo próximo presidente. Com isso, segundo ele, desmobilizou a sociedade para a necessidade de medidas que são inevitáveis ao reequilíbrio das finanças públicas. “Propostas enganosas e simplistas foram vendidas como mágicas para todos os males do Brasil”.

Leia mais:

Ameaças à democracia

Atropelado pelas emergências


Luiz Carlos Azedo: Vamos às urnas!

“Os eleitores querem segurança, saúde, educação, emprego e moradia. Não se resolve esses problemas com uma retórica vazia”

Antes de mais nada, o eleitor brasileiro está cada vez mais consciente da importância de seu voto e do poder que isso lhe atribui para mudar a realidade política do país. Foi um longo aprendizado, que passou de geração em geração. Em 1974, por exemplo, o tsunami acabou com a maioria absoluta que o governo militar tinha no Senado. Em 1978, impôs a necessidade de abertura política, que resultou na anistia. Em 1982, se não foi suficiente para restabelecer as eleições diretas para presidente da República, em 1985, viabilizou a eleição de Tancredo Neves. O caminho para a conquista da democracia foi o voto popular, sem embargo dos protestos, greves e articulações políticas. Não foi a luta armada, uma trágica tolice política, por mais glamorizada que seja por alguns.

Há uma astúcia popular no voto sufragado que precisa ser levada em conta. Desde 1989, o povo vem fazendo escolhas nas eleições que fazem algum sentido. Foi assim, com Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Quando viu o desejo manifesto nas urnas frustrado, foi às ruas apoiar o impeachment do presidente da República. Foi o que aconteceu com Collor de Mello e Dilma Rousseff. Golpe? Golpe coisa nenhuma. Ambos foram apeados do poder com base na Constituição de 1988, que estabelece as regras do jogo, e por erros graves na condução do país.

Ninguém leva o eleitor para votar puxando-o pelo nariz. O povo tem seus motivos para fazer escolhas. Nessas eleições, consideradas atípicas, há um claro sentido de ruptura, por causa do desgaste do sistema político, da violência no cotidiano, da corrupção desnudada dada pela Operação Lava-Jato, do desemprego em massa e da falta de perspectivas. Isso está mais do que evidente. Apesar de ter feito uma contrarreforma política para blindá-la, a elite política caiu do galho. Uma geração está sendo aposentada pelas urnas, outra foi expurgada pela Lei da Ficha Limpa.

Isso não significa que a renovação política está concretizada, mas essa foi a sinalização do eleitor. Uma das dificuldades para entender o sentido dessa disruptiva no processo político é narrativa dos candidatos, que tem um caráter regressivo. A discussão eleitoral parece uma “vendeta”, que remonta à crise política de 1964. Lá se vão 54 anos! A maioria dos eleitores nem havia nascido. A radicalização direita versus esquerda protagonizada por Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) é um grande “dejà vu”, não passa disso.

Por que isso acontece? Talvez porque as forças conservadoras que apoiaram o regime militar durante 20 anos, nos últimos 30 anos ficaram sem representação política à altura de um novo projeto de poder. Seu último grande representante foi o senador Jarbas Passarinho (PDS-PA), que foi ministro da Justiça de Collor de Mello e presidiu a CPI do Orçamento, perdendo a seguir a reeleição ao Senado, em 1994. Talvez porque as forças que governaram o país durante os governos Lula e Dilma, após o impeachment da presidente Dilma Rousseff, fizeram de tudo para se perpetuar no poder e não querem ficar muito tempo fora dele, o que será provável se perderem.

Contingências

A nossa realidade parece um copo d’água pela metade. O Brasil tem a maior democracia de massas do mundo, com eleições livres, diretas e secretas, à prova de fraude e apuradas no mesmo dia. Mas ambos os candidatos já constroem teorias conspiratórias para não aceitar seu resultado. Entretanto, o que surgir das urnas é o veredicto popular, “duela a quien le duela”.

As forças moderadas e centristas do país, que sempre se movimentaram pendularmente, viraram marisco nas eleições, mas não foram riscadas do mapa. Continuam influentes nas estruturas de poder, nas instituições republicanas, na grande mídia e na chamada sociedade civil. Podem até influenciar o resultado da eleição e surpreender! A disputa eleitoral parece uma guerra de movimentos; devido à radicalização, uma guerra de posições se iniciará após as eleições. Entretanto, a dicotomia fascismo ou comunismo que deu o tom nesta reta final não faz o menor sentido. Se fosse verdadeira, nos levaria a uma guerra civil.

Os vitoriosos também logo descobrirão que tropas de assalto não são eficientes para ocupação.É preciso ir devagar com o andor. Na verdade, as contingências são outras. A primeira é o equilíbrio entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. A segunda, a relação entre os entes federados: União, estados e municípios. A terceira, a relação entre Estado e sociedade, que passa também pela economia. Quem vencer as eleições assumirá um governo que gasta mais do que arrecada, não tem capacidade de investimento e presta péssimos serviços à população. Os eleitores querem segurança, saúde, educação, emprego e moradia. Não se resolve esses problemas sem reforma fiscal e com uma retórica vazia. Trocando em miúdos, como em toda democracia, quem ganhar deve levar. Mas terá que trabalhar muito para não frustrar seus eleitores. Não fará o que quer, quando e como quiser; será escravo das suas próprias circunstâncias.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-vamos-as-urnas/

 


Roberto Abdenur: Riscos na política externa

As plataformas de política externa do PT/Haddad e de Bolsonaro acarretam riscos consideráveis aos interesses do Brasil. Ado PT começa com referência à crise financeira de 2008 — “crise do capitalismo” —e contém inverdades como a afirmação de que nos “países centrais” os governos “aprofundam os ataques contra os direitos políticos e sociais das classes trabalhadoras” e “aprofundam as agressões imperialistas contra a soberania nacional dos países economicamente mais frágeis ”.

O texto, erradamente, acusa o governo “golpista” de desconstruir a integração regional, desinvestir na vertente estratégica Sul-Sul, abandonara aposta num mundo multipolar e submetera política de defesa “aos interesses norteamericanos”. O atual governo tomou posição correta ao suspender o regime venezuelano ditatorial do Mercosul. Só fez trabalhar pela integração regional ao estimular aproximação do Mercosul coma Aliançado Pacífico. E prestigiou os mecanismos Sul-Sul, como o Brics.

Surpreendentemente, o texto define como “risco” a celebração de acordos de nova geração com países desenvolvidos. Isso justamente quando o Mercosul busca, após atraso de quase 20 anos, concluir acordo delivre comércio coma União Europeia—passo importantíssimo. O problema é que o PT incorpora uma visão negativa das relações com o mundo desenvolvido. Aparecem repetidas referências à “hegemonia norte-americana”. Expressa um tolo antiamericanismo.

No caso de Bolsonaro, praticamente não há plataforma de política externa como tal. O que há são esparsas referências, aqui e acolá, a temas internacionais. Bolsonaro repudia o que chama de escolhas “ideológicas” do PT — mas também ele parece guiar-se por um pensamento ideológico, só que oposto ao do PT. O candidato parece disposto a alinhar o Brasil com os EUA. Expressa admiração por Trump, de quem deseja aproximar-se. Mas ele precisa ter em mente que Trump já identificou o Brasil como alvo para futuras pressões em comércio e investimentos. E deve evitar o risco de colocar-se em posição subalterna perante Trump, o que seria vergonhoso.

*Roberto Abdenur é embaixador aposentado e foi secretário-geral do Itamaraty