Eleições
O Globo: 'Tudo o que me importa é isso: Derrotar Donald Trump', diz Hillary Clinton
Quatro anos após perder a disputa pela Presidência dos EUA, a ex-primeira-dama deixa a ‘aposentadoria’ de lado para divulgar documentário e se mostra disposta a trabalhar para impedir a reeleição do republicano
Carlos Helí de Almeida, de O Globo
BERLIM - Por mais de três décadas, Hillary Clinton esteve no centro da política americana. Foi primeira-dama, senadora, secretária de Estado e a mulher que chegou mais perto de se tornar presidente dos Estados Unidos, quando concorreu como candidata do Partido Democrata à Presidência em 2016, disputa que perdeu para Donald Trump. “Há todo um jogo cultural, político e econômico para manter as mulheres longe do poder”, disse ela à epoca.
Aos 72 anos, ela reconhece que subestimou o machismo de parte do eleitorado. Ela tem dedicado seu tempo à família e à divulgação de “Hillary”, série documental dirigida por Nanette Burstein, que em breve chegará ao Brasil. Mas está atenta às primárias democratas de onde sairá o candidato que disputará a eleição com o republicano. Ela não nega as críticas feitas no passado ao senador Bernie Sanders, um dos favoritos na disputa, mas diz que apoiará seja quem for o candidato do partido. “Será difícil, não importa quem for o escolhido. Mas acredito que possamos vencer. Farei todo o possível para isso”, disse ao GLOBO durante o 70º Festival de Cinema de Berlim, onde a série fez sua estreia europeia.
O GLOBO - “Hillary” mostra os duros comentários que a senhora fez sobre Sanders, com que disputou a candidatura em 2016 [“Ninguém gosta dele, ninguém quer trabalhar com ele. Ele não fez nada, é um político de carreira”]. Arrepende-se disso?
HILLARY CLINTON - Fiz esses comentários há cerca de um ano e meio. Não estava pensando em eleição. Apoiarei quem quer que seja o candidato democrata. Mas, obviamente, tenho as minhas opiniões e visões sobre aqueles que estão concorrendo e sobre quem é o mais forte para derrotar Trump. No final do processo, tudo o que me importa é isso: derrotar Trump. Quem for o mais forte será a minha esperança.
A série mostra a senhora, na campanha de 2016, se referindo a Trump como “Manchurian candidate” (referência ao livro homônimo de Richard Condon, que virou jargão político para fantoche). Ainda acredita nisso?
Não iria tão longe hoje. Mas poderia até dizer que ele admira [o presidente russo Vladimir] Putin e que está disposto a cumprir as ordens dele. O que vemos, infelizmente, é um homem enamorado por lideranças autoritárias. Ele adoraria poder mandar opositores para a cadeia, demitir à vontade e exigir que façam o que diz. Porém, mais importante é o que ele tem feito: prejudicou a relação com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e com a União Europeia, pense no Acordo de Paris sobre as mudanças climáticas, no tratado nuclear com o Irã, no papel dos EUA no mundo... É muito a cartilha de Putin. Não posso afirmar que sabemos tudo sobre a relação entre os dois. Não sabemos porque nada é reportado. Vivemos um momento infeliz e perigoso da História, em que líderes autoritários têm sido encorajados pelo presidente americano, ao invés de serem contidos.
Temos que esperar para ver como o processo vai se desenrolar e quem, no final das contas, será o nosso indicado. Acho imperativo que o candidato democrata ganhe a eleição desta vez. Não há nada mais importante do que isso.
Que conselho daria para o candidato que enfrentará Trump em novembro?
Tive mais votos do que Trump. Três milhões a mais do que ele. Houve aspectos sem precedentes na eleição de 2016, que agora vemos se repetir, como a interferência russa. Tenho dito a cada candidato que temos que derrotar Trump, mas também que superar as interferências estrangeiras, a propaganda nas mídias sociais, o roubo de informações para ser usado como munição de campanha e a violação do direito de voto. Esta última é a estratégia preferida do Partido Republicano: querem impossibilitar o voto daqueles que possam não votar neles. Será difícil, não importa qual seja o escolhido. Mas creio que possamos e devamos vencer. Farei tudo o que for possível para que isso aconteça.
O mundo seria um lugar melhor se governado por mulheres?
Nos dê uma chance! [Risos.] Ouça, não digo que nós, mulheres, somos seres superiores. Não mesmo. Mas posso dizer que as experiências das mulheres e algumas de nossas lutas deveriam ser muito mais representadas em todos os aspectos da sociedade. Gostaria de ver o que aconteceria com as mulheres na liderança.
Estou na vida pública há muito tempo. Tenho visto tantos equívocos e distorções sobre mim, histórias ridículas a meu respeito, que, em algum momento, quis acertar as coisas. Está tudo ali, quem sou, no que acredito, o que eu defendo. Talvez seja a oportunidade de contar minha história de uma vez por todas.
Agora que o capítulo político da sua vida está encerrado, tem mais tempo para a vida pessoal?
Pessoalmente, estou me sentindo ótima. Tenho tempo para o meu marido, para a minha filha e, principalmente, para os meus três netos. É um prazer. Mas, como americana e cidadã do mundo, estou perturbada. É uma existência esquizofrênica. Porque, em família, vivemos um momento maravilhoso, de longas caminhadas, idas ao cinema. Mas acordo todo dia e vejo o que está acontecendo a nossa volta, que estamos cometendo erros sérios, e que isso trará consequências para os meus netos.
A democracia vive uma crise. As pessoas estão insatisfeitas, apáticas e não querem nem sequer votar. Mas não creio que sairemos dela com líderes que representam os extremos. É uma crise de descrença na democracia, uma rejeição de instituições e de lideranças. A política, como tudo no mundo hoje, é impulsionada pela tecnologia, mas o que os algoritmos priorizam? A nossa luta é para que as pessoas que querem voltar a tomar decisões consigam a atenção que precisam. Não sei a resposta. Mas, se não descobrirmos, os autoritários e os extremistas vão tomar as decisões.
O que o feminismo significa para a senhora?
Feminismo significa que as mulheres têm os mesmos direitos que os homens, que somos iguais na economia, na política e na sociedade. Não somos nem melhores nem piores e devemos nos esforçar por essa igualdade, na lei e na prática.
Consegue pesar o papel do preconceito de gênero na sua derrota em 2016?
O preconceito de gênero teve o seu papel, não há dúvidas. Pensei que pudesse ignorá-lo e superá-lo, mas não foi possível. Há uma parte do eleitorado — e isso se aplica aos EUA e a outros países — que não se sente confortável com uma mulher presidente ou primeira-ministra. No sistema presidencialista, essa parcela é maior porque o chefe de Estado e de governo é uma única pessoa. Acho que há muito viés inconsciente. Na campanha de 2016, as pessoas diziam coisas como “voto em mulher, mas não nela”, se referindo a mim. Temos que estar a par disso, mas não permitir que sejamos mutiladas por esse viés, e fazer o possível para superá-lo.
Luiz Carlos Azedo: O tesouro de Ali Babá
“Não existe transparência nas negociações nem ampla divulgação da destinação das emendas, num histórico de desvios de recursos públicos e formação de caixa dois eleitoral”
Na noite de quarta-feira, velhas raposas políticas se reuniram na casa do ex-senador Heráclito Fortes em Brasília, ponto de encontro de bombeiros e conspiradores, dependendo das circunstâncias. Um ex-deputado que hoje integra a assessoria do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), resumiu o paradoxo político do momento: “Não entendo tantos desentendimentos, nenhum governo liberou mais emendas parlamentares do que o atual e nunca um presidente teve tanto apoio do Congresso para aprovar suas reformas quanto Bolsonaro”.
Paradoxos desafiam a opinião concebida e compartilhada pela maioria. É esse o caso. Bolsonaro não somente liberou dinheiro a rodo para os deputados do chamado Centrão durante o ano passado, como endossou todos os acordos anteriormente feitos com a Comissão de Orçamento, que é dominada pelo bloco de partidos conhecido como Centrão da Câmara (PSL, PL, PP, PSD, MDB, PSDB, Republicanos, DEM, Solidariedade, PTB, Pros, PSC, Avante e Patriota). Sem esses partidos, Bolsonaro põe em risco a própria governabilidade e não tem a menor possibilidade de dar continuidade às reformas do ministro da Economia, Paulo Guedes. Tanto que fez um novo acordo para a manutenção dos seus vetos, cuja concretização dependerá da aprovação de três projetos de lei que mandou para o Congresso regulamentando a liberação das emendas parlamentares. Pelo acordo, haverá uma “rachadinha” dos R$ 30 bilhões.
Nas redes sociais, porém, Bolsonaro jogou pesado contra o Congresso, que acusou de usurpar suas atribuições e avançar além da conta no Orçamento, ao atribuir poderes ao relator-geral da Comissão, Domingos Neto (PSD-CE), para estabelecer prioridades de aplicação dos R$ 30 bilhões e fixar um prazo de 90 dias para a execução das emendas, ou seja, antes das eleições. Bolsonaro ganhou a batalha da comunicação contra o Congresso, que foi demonizado na figura do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), enquanto o relator fazia cara de paisagem em toda a crise. A Comissão de Orçamento foi tratada como uma espécie de caverna dos 40 ladrões. Quem não conhece a história de Ali Babá? Era um pobre lenhador árabe que descobriu o segredo de um grupo de 40 ladrões: um tesouro escondido numa caverna. Sem que soubessem, Ali Babá ouviu as palavras mágicas que abriam e fechavam a caverna. Quando os ladrões saíram, entrou na caverna e levou o que podia carregar do tesouro para casa.
O conto está descrito nas aventuras de Ali Babá e os Quarenta Ladrões, que faz parte do Livro das Mil e Uma Noites ou Noites na Arábia. Essa imagem cavernosa da Comissão de Orçamento vem desde o Escândalo dos Sete Anões, que resultou na CPI do Orçamento. O fato de elaborar as emendas ao Orçamento da União confere aos integrantes da comissão um poder extraordinário no Congresso, que sofre a influência de lobistas de toda espécie, desde as corporações do serviço público aos mais diversos interesses empresariais. As emendas geralmente buscam atender a base eleitoral de cada parlamentar e seus aliados políticos, principalmente governadores e prefeitos. Como nem sempre coincidem com as prioridades da equipe econômica, isso gera uma crise de relacionamento do Congresso com o Executivo. A prerrogativa de aprovar o Orçamento, porém, é do Legislativo. O problema é que não existe transparência nas negociações nem ampla divulgação da destinação das emendas parlamentares, além de um histórico de desvios de recursos públicos e formação de caixa dois eleitoral.
Geopolítica
No ano passado, além de trabalhar com Orçamento que herdou do governo Temer, Bolsonaro não tinha as mesmas prioridades de um ano eleitoral, a principal motivação de seu enfrentamento com o Congresso, pois a liberação das emendas fugiria ao seu controle. Vem daí a crise com o Centrão. O senador Renan Calheiros (MDB-AL), velha raposa política fez, ontem, uma denúncia que pode servir de paradigma do conflito de interesses: a distribuição do Bolsa Família passou a obedecer aos critérios geopolíticos, e não econômico-sociais.
Por exemplo, o número de novos benefícios concedidos em Santa Catarina, que tem população oito vezes menor que o Nordeste e é governada por Carlos Moisés (PSL), aliado de Bolsonaro, foi o dobro do repassado à região nordestina inteira, cujos governadores são da oposição. A série histórica mostra que houve um pico de novas concessões do Bolsa Família em janeiro, que se refletiu em todas as regiões, exceto o Nordeste. Nas eleições de 2018, a Região Nordeste foi a única que votou majoritariamente no candidato do PT, Fernando Haddad. No segundo turno, o petista teve 69,7% dos votos válidos, ante 30,3% de Bolsonaro. Nas demais regiões, o atual presidente foi o vencedor. No Sul, conseguiu a maior vantagem: 68,3% ante 31,7% de Haddad.
Os dados mostram que o Nordeste tem ficado para trás nas novas concessões do Bolsa Família, enquanto aumenta o número de famílias que aguardam para ingressar no programa. Entre junho e dezembro, a concessão de novos benefícios despencou a uma média de 5,6 mil por mês. Antes, passavam de 200 mil mensais. Entretanto, o governo encontrou espaço em janeiro para incluir no programa famílias que estavam à espera do benefício. Foram 100 mil contempladas: 45,7 mil delas no Sudeste, 29,3 mil no Sul, 15 mil no Centro-Oeste e 6,6 mil no Norte. O Nordeste recebeu 3.035 novos benefícios. “Os números mostram um favorecimento no pagamento do benefício aos eleitores de regiões fiéis ao presidente Bolsonaro. Cabe aos presidentes da Câmara e do Senado pedirem explicações para manter a eficácia do programa”, critica Calheiros.
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Arminio Fraga: Congresso vem se superando no front das reformas, mas agora cabe ao Executivo liderar
É preciso definir prioridades para aproveitar a janela que antecede as eleições
A pauta econômica do Congresso está repleta de projetos importantes, na maioria dos casos polêmicos e complexos. Será necessário definir prioridades para aproveitar a janela que antecede as eleições municipais e suas campanhas. Este artigo oferece um resumo seletivo e comentado das principais propostas em discussão, organizadas em quatro blocos.
O primeiro tem foco setorial. No topo da lista está a revisão do marco legal do saneamento. Trata-se de uma antiga urgência, posto que quase a metade dos brasileiros não tem acesso a uma rede de esgoto e, dos que têm, apenas 45% têm seu esgoto tratado. Essa lei já foi aprovada na Câmara, num formato considerado adequado por especialistas. Deve andar. Tem que andar.
Nessa mesma categoria está a lei de resoluções bancárias, que versa sobre regras para lidar com crises financeiras. O Banco Central está sem as ferramentas necessárias para administrar uma crise pois a lei que existe (nº 6.024/74) está ultrapassada e obsoleta. Um projeto que preenche essa importante lacuna foi apresentado na virada do ano. O momento é ideal para examinar a questão, pois não há sinal de crise à vista. No entanto, pela mesma razão, provavelmente vai ficar para a próxima (crise).
Incluo nesse bloco também o projeto de lei complementar para modernizar e formalizar a governança do Banco Central (por meio de mandatos independentes para seus dirigentes) e seus objetivos (sendo inflação baixa o principal). Sua aprovação final neste semestre parece provável e ofereceria uma defesa mais robusta da estabilidade, uma conquista valorizada pela população.
O segundo bloco engloba medidas voltadas para reforçar o regime fiscal, que ainda não se recuperou plenamente do colapso ocorrido a partir de 2014. Duas reformas sinalizaram uma primeira resposta à crise: a introdução em 2016 do teto para o gasto público e a reforma da Previdência, aprovada no ano passado. As taxas de juros caíram bastante desde então, sobretudo as de curto prazo (influenciadas também pela brutal recessão).
A despeito dessas medidas, o governo segue gerando déficits primários, uma situação não sustentável, e o teto está ameaçado. Vai ser preciso encarar os obstáculos a cortes do orçamento, muito concentrado em gastos com Previdência e folha de pagamentos.
Para tanto, está em pauta a PEC Emergencial, que propõe que gatilhos automáticos sejam automaticamente disparados caso a regra de ouro seja desrespeitada ou a despesa corrente atinja 95% da receita corrente (exemplo: permissão de redução em 25% e por dois anos da jornada e da remuneração de servidores). A aprovação dessa importante PEC parece difícil. Está também em pauta uma PEC suplementar, que estende aos estados os efeitos da reforma da Previdência. Medida com objetivo similar foi aprovada pelas Assembleias do Rio Grande do Sul e de Goiás. Trata-se de um sinal auspicioso, que quiçá será seguido por outros estados.
O terceiro bloco trata do sistema tributário. Aqui estão em discussão dois grandes temas. Em primeiro lugar, uma reforma da tributação indireta que consolidaria o ICMS, PIS- Cofins, IPI e ISS em um único imposto sobre bens e serviços, livre de cumulatividades e subsídios espúrios. Essa simplificação racionalizaria e baratearia a atividade produtiva no Brasil, permitindo que as demandas dos consumidores fossem melhor atendidas e ao menor custo. Seu impacto seria imenso.
Essa reforma já conta com propostas bem desenhadas, mas terá que enfrentar resistências relevantes por parte dos estados que temem perder receita e dos setores que serão prejudicados. Destaca-se aqui o setor de serviços, de longe o maior da economia, e de longe o menos tributado. Há também dúvidas de natureza tática e de desenho. Faz falta um posicionamento por parte do governo federal, que precisa decidir se encara a reforma completa ou começa pela parte federal.
Ainda nesse terceiro bloco, em segundo lugar, discute-se há algum tempo a necessidade de uma ampla reformulação das regras do Imposto de Renda. A renda no Brasil é relativamente pouco tributada, inclusive em função da existência de regimes especiais como o Simples e o Lucro Presumido, que deveriam ser revisitados sob ótica distributiva. Desnecessário salientar que haverá forte oposição a mudanças nessa área, que mal começa a entrar no radar.
Por fim, mas não menos importante, uma reforma administrativa. O governo vem preparando há tempo uma ampla reforma que, ao que consta, alteraria a Constituição no que tange à área de recursos humanos do setor público. A ideia seria sobretudo viabilizar uma gestão mais eficaz do funcionalismo, de forma a aumentar a produtividade do Estado. Ao longo do tampo, haveria também economia fiscal.
Espera-se para depois do Carnaval uma proposta do Executivo. O presidente da República vem repetindo que a reforma deveria valer apenas para futuras contratações. Ora, se o caminho for esse, ficará bem prejudicada a urgente revolução de gestão, que precisa acontecer o quanto antes.
Há bastante espaço para, sem mudar a Constituição, fazer mudanças administrativas fundamentais. Simples leis podem melhorar e ampliar os vínculos temporários com o poder público, diminuir o número de carreiras, implantar o planejamento unificado da força de trabalho e, especialmente, impor a avaliação unificada de desempenho de todos os servidores.
Quanto ao tema polêmico da estabilidade, o artigo 41 da Constituição já foi mudado em 1998 para permitir que servidores estáveis percam o cargo "mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa". Ou seja, uma mudança radical da área de RH do Estado é possível sem alteração na Constituição e com a pressa que exige o quadro precário da gestão pública em nosso país.
Digno de nota aqui mais uma vez o Rio Grande do Sul, que recentemente reformou as carreiras do seu funcionalismo, um notável feito político.
A essa altura, deve estar claro a quem aguentou ler até aqui que não vai dar para fazer tudo ao mesmo tempo. O Congresso vem se superando no front das reformas. Agora cabe ao Executivo liderar. Um caminho razoável seria aprovar as leis do saneamento e do Banco Central e definir um caminho factível para as reformas tributária e administrativa.
*Arminio Fraga, Sócio da Gávea Investimentos, é presidente do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS).
Vera Magalhães: Os sucessores
Trocas em postos-chave da República serão cruciais para traçar rota de 2022
Ainda faltam três anos para a eleição presidencial, mas a troca de titulares em alguns postos-chave da República neste ano e no início do próximo será crucial para definir o cenário em que se dará a disputa pela sucessão de Jair Bolsonaro.
O mais estratégico desses cargos é a presidência da Câmara. Bolsonaro e seu entorno já perceberam que Rodrigo Maia fez dela um bunker para frear os projetos prioritários do presidente, aqueles que ele prometeu na campanha e que pretende apresentar como realizações.
Mas Maia não pode mais se reeleger, e não está claro quem será o seu escolhido para manter a coalizão de partidos que conseguiu reunir em torno de si para frear na largada a pretensão de Bolsonaro de governar sem maioria no Legislativo, apenas impondo sua agenda de fora (a partir das redes sociais) para dentro.
Bolsonaro sabe que se deve a essa estratégia brilhante de Maia – elevar a importância do Parlamento justamente quando o presidente planejava escanteá-lo – a maior parte de seus fracassos. E por isso vai se empenhar para ter alguém seu no comando da Câmara.
O Planalto não considera a troca no Senado tão vital porque Davi Alcolumbre é considerado mais disposto ao diálogo e já ajudou o governo.
Atravessando a Praça dos Três Poderes, já estão a pleno vapor dois movimentos, aí, sim, cruciais, para o futuro de Bolsonaro e a eleição de 2022: a troca de Dias Toffoli por Luiz Fux no comando do Supremo Tribunal Federal, que ocorre em setembro, e a campanha aberta pela cadeira do decano Celso de Mello, em novembro.
Toffoli e Fux já encenaram a sucessão à luz do dia. Ao cassar uma liminar concedida pelo atual presidente no recesso, o vice e futuro ocupante do cargo quis, propositalmente, sinalizar que vem aí uma mudança de paradigma.
Em seus dois anos no comando do STF, Toffoli fortaleceu a ala “garantista” da Corte, agiu para conter o poder da Lava Jato e, no plano pessoal, trabalhou para se livrar da imagem de petista, aproximando-se de Bolsonaro com tamanha eficiência que, hoje, é um dos poucos nomes da República que o presidente consulta para questões jurídicas e institucionais envolvendo limites entre os três Poderes.
Sem o “parça” Toffoli e com o lavajatista Fux no comando, Bolsonaro se apavora com o que pode acontecer com casos como o do seu filho Flávio.
A nomeação do sucessor de Celso de Mello também ocupa Bolsonaro, que já não esconde a disputa declarada entre três de seus auxiliares pela vaga. Se o presidente quiser facilitar a rota que o leva a 2022, designará Sérgio Moro para a vaga: limpa, assim, a barra com o público lavajatista, que anda ressabiado com sua dubiedade no combate à corrupção, e tira o mais forte oponente do seu cangote. Mas não é esse seu desejo precípuo: preferiria indicar o “terrivelmente evangélico” AGU André Mendonça ou o absolutamente fiel Jorge Oliveira, o secretário-geral da Presidência recém-formado em Direito e com nenhuma biografia no meio jurídico.
Os bolsonaristas que desconfiam de Moro argumentam que ele poderia ir na segunda vaga, ainda no primeiro mandato de Bolsonaro, mas os moristas alertam: o ministro já foi mordido pela mosca azul da política e, a cada vez que se expõe, tem mais evidências da própria força junto ao eleitorado de Bolsonaro.
A campanha de 2022 já corre a todo vapor, não na desnorteada esquerda do esvaziado Lula ou no pulverizado centro, mas no quintal de Bolsonaro. E a ocupação dos espaços nos postos de mando institucional é a chave que, além do sucesso da economia, definirá se o “capitão” terá travessia mais tranquila ou mais pedregosa para tentar mais quatro anos no poder.
Luiz Carlos Azedo: De olho nas eleições
“A nomeação Marinho para o Desenvolvimento Regional surpreendeu os meios políticos, mas vai ao encontro dos desejos da base governista, que se queixava da atuação de Canuto à frente da pasta”
Craque da articulação política do governo na aprovação da reforma da Previdência, o ex-deputado Rogério Marinho foi nomeado, ontem, ministro de Desenvolvimento Regional, no lugar de Gustavo Canuto, que vai assumir a presidência da Dataprev, a empresa de processamento de dados do INSS. Marinho era secretário especial do Trabalho e Previdência no Ministério da Economia, estava cotado para o lugar de Onyx Lorenzoni, na Casa Civil, e agora vai ampliar o poder do ministro Paulo Guedes na gestão dos recursos federais, principalmente no Norte e no Nordeste. O adjunto Bruno Bianco assumirá o lugar de Marinho na secretaria especial.
A mudança no governo mostra a preocupação do presidente Jair Bolsonaro com as regiões Norte e Nordeste, onde tem sua menor aprovação nas pesquisas de opinião. Sinaliza também uma maior preocupação com sua articulação no Congresso, onde Marinho tem amplo trânsito e agora passará a gerenciar a distribuição de recursos federais nos estados que compõem a região. Canuto, seu antecessor, era um foco permanente de críticas dos parlamentares da base governista, que se queixavam das dificuldades para liberação de suas emendas. Num ano de eleições municipais, a mudança é estratégica para o desempenho eleitoral dos aliados de Bolsonaro.
Rogério Marinho integrava a equipe de Guedes desde a transição do governo, sendo nomeado secretário especial do Trabalho e Previdência por sua atuação na área durante o governo de Michel Temer, pois foi o relator da reforma trabalhista na Câmara. Filiado ao PSDB, entre 2007 e 2018, foi deputado federal pelo Rio Grande do Norte. O Ministério do Desenvolvimento Regional, no governo Bolsonaro, resultou da junção dos antigos ministérios da Integração Nacional e das Cidades. A mudança também tem a ver com a intenção do governo de lançar novos programas de grande impacto nos municípios, nas áreas de saneamento, mobilidade urbana e construção civil.
A nomeação de Marinho surpreendeu os meios políticos, mas vai ao encontro dos desejos da base governista, que se ressentia da atuação de Canuto. O general Luiz Eduardo Ramos, secretário-geral da Presidência, sai fortalecido com a mudança, pois foi o principal canal de reclamações dos políticos contra Canuto e participou da decisão de substituí-lo. A presença de Marinho esvazia ainda mais o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que já havia perdido o Programa de Parcerias e Investimentos (PPI) do governo para o ministro da Economia, Paulo Guedes, e agora terá mais um ministro na Esplanada que dispensa sua intermediação para se relacionar com o Congresso.
Delação premiada
Preso desde 2016, o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral conseguiu que sua delação premiada negociada com a Polícia Federal fosse homologada pelo ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF). Autoridades com foro privilegiado estão citadas na delação, que segue em sigilo de Justiça. A homologação pode representar uma reviravolta no caso do ex-governador, condenado 13 vezes na Lava-Jato, com penas que chegam, somadas, a 380 anos de cadeia.
O acordo de delação premiada de Cabral provocou uma onda de especulações nos bastidores do Judiciário, ainda mais porque o procurador-geral da República, Augusto Aras, chegou a se manifestar contra a homologação. Segundo rumores na PF, integrantes do Poder Judiciário também são citados, entre eles ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Para redução da pena, Cabral se comprometeu a devolver R$ 380 milhões recebidos por meio de propina quando ele ocupava o cargo de governador. A PF não decidiu quais benefícios seriam concedidos a Cabral, o que caberá ao Supremo, ao apreciar o relatório de Fachin.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-de-olho-nas-eleicoes/
Portal do Cidadania: Executiva Nacional do Cidadania intensifica preparativos para eleições municipais
O Cidadania realizou nesta terça-feira (4), em Brasília, reunião da Executiva Nacional com o objetivo de estabelecer estratégias para a disputa das eleições municipais que ocorrem esse ano. No encontro, foi aprovada a criação de uma Coordenação Nacional Eleitoral, sob o comando do secretário-geral do partido, Davi Zaia , que terá como responsabilidade adotar medidas para apoiar e orientar os Diretórios Estaduais na questão das candidaturas próprias, alianças e/ou coligações.
Além da coordenação, foi criada a Comissão do Fundo Eleitoral, com a função de determinar regras para o uso dos recursos que serão submetidas a aprovação futura da Executiva Nacional.
A Executiva Nacional também aprovou uma resolução que garante a candidatura de filiados que tenham participado dos cursos de capacitação política do RenovaBR e da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), vinculada ao Cidadania.
Organização para eleição
O presidente do partido, Roberto Freire, afirmou, ao abrir a reunião, que o Cidadania terá como única preocupação em 2020 a eleição de prefeitos, vice-prefeitos e vereadores em todo o País.
“A principal preocupação dessa convocação é a importância de começarmos a organizar o partido para às eleições. Temos necessidade de construir candidaturas e precisamos criar capilaridade nessa eleição. Temos isso como tarefa prioritária e não podemos dispersar esforços. Nosso único objetivo é a disputa das eleições municipais. Precisamos trabalhar e nos organizar para isso”, afirmou.
Preparação para a eleição
O secretário-geral, Davi Zaia, afirmou ao término do encontro que a reunião foi importante para intensificar o trabalho de preparação do partido para as eleições municipais.
“Foi uma reunião muito importante. Estamos começando o ano e com prazos exíguos para iniciar o processo eleitoral que é a preparação das chapas. Temos prazo até o dia 3 de abril para consolidar o processo de filiações ao partido e também a janela para a entrada de vereadores. O partido está se preparando e colocando como diretriz a intensificação desse trabalho de preparar o partido para as eleições de prefeito, vereadores e vice-prefeitos”, destacou.
Coordenação e Comissão
A Coordenação Nacional Eleitoral será composta, além de Davi Zaia, pelo deputado federal Rubens Bueno (PR), Wober Junior (RN), Juliet Matos (RJ), Adão Cândido (DF) e Raimundo Benoni (MG).
Já a Comissão do Fundo Eleitoral será composta por Régis Cavalcante (AL), Comte Bittencourt (RJ), Renato Galuppo (MG), Irina Storni (DF), José Frederico Netto (GO) e um representante das bancadas do partido no Congresso Nacional que ainda será escolhido.
Luiz Carlos Azedo: Tempos do coronavírus
“O grande problema para o Congresso entrar em velocidade máxima são as eleições municipais, cujas articulações já estão começando e deverão se acelerar a partir de abril, com abertura do prazo de filiações”
O governo já iniciou a operação para repatriar 29 brasileiros que estão na região de Wuhan, na China, e deverão chegar à Base Aérea de Anápolis (GO) no sábado. Os que tiverem sintomas da doença serão conduzidos diretamente para o Hospital das Forças Armadas, em Brasília. Essa operação é um prenúncio de tempos que poderão ser difíceis para o Brasil, não necessariamente por causa dessas pessoas, ou mesmo dos 14 casos suspeitos em observação no país, mas em razão do impacto que a epidemia em curso na China terá na economia mundial, caso não seja debelada rapidamente.
O acordo comercial dos Estados Unidos com a China, que estabelece relações especiais fora das regras do jogo da Organização Mundial de Comércio (OMC), deve impactar as exportações brasileiras para a China, numa escala que ainda não é mensurável. A redução da atividade econômica chinesa, em razão da epidemia, pode agravar o impacto do acordo no agronegócio e na mineração, que são atividades nas quais a parceria com a China é estratégica. A queda na produção industrial brasileira, no ano passado, por outro lado, refletiu a crise em países da América Latina que tradicionalmente importavam produtos industrializados do Brasil, sobretudo a Argentina.
Essas externalidades precisam ser compensadas para que a economia brasileira volte a crescer. São duas as variáveis necessárias. Uma é o aporte de investimentos estrangeiros, o que depende da aprovação do marco regulatório das concessões e parcerias público privadas. Sem esse marco, o programa de privatizações e concessões do governo não terá a segurança jurídica necessária para atrair esses recursos. A outra é a ampliação do poder de compra da população, que depende da oferta de crédito, uma vez que não haverá aumento da renda de imediato. Não é uma equação fácil.
O governo aposta todas as fichas na agenda econômica do ministro da Economia, Paulo Guedes, que depende da aprovação do Congresso. Em tese, não existe grande objeção dos parlamentares à agenda, mas o tempo é exíguo. O começo da legislatura na segunda-feira e ontem foi meio melancólico, com o Congresso esvaziado. O clima é de pré-carnaval. O governo também não tem capacidade de articulação política suficiente para impor um ritmo diferente aos trabalhos do Congresso, que funciona no seu próprio diapasão.
O grande problema para o Congresso entrar em velocidade máxima são as eleições municipais, cujas articulações já estão começando e deverão se acelerar a partir de abril, com abertura do prazo de filiações partidárias. O que está antecipando essas articulações é a mudança das regras eleitorais, pois todos os partidos estão sendo obrigados a montar chapas proporcionais e a lançar o maior número possível de candidatos a prefeito, com o fim das coligações.
Quarentena
Existe também um certo nível de imponderabilidade em razão do próprio governo Bolsonaro, que fabrica crises de combustão espontânea, a mais recente na Casa Civil, onde o ministro Onyx Lorenzoni passa por um processo de contínua fritura, sem falar na estratégia de confronto adotada em algumas áreas, na qual pontifica o ministro da Educação, Abraham Weintraub, que é foco permanente de fricção política com o Congresso. Para muitos analistas, as diatribes políticas da ala ideológica do governo e até do presidente Jair Bolsonaro são fatores perturbadores do ambiente econômico.
Esse comportamento contrasta com a atuação de outros ministros que têm amplo trânsito no Congresso, como Tereza Cristina, da Agricultura; Tarcísio de Freitas, da Infraestrutura; e Luiz Henrique Mandetta, da Saúde, que rapidamente mobilizou seus aliados no Congresso para aprovar a medida provisória com normas de emergência para enfrentar a ameaça de epidemia de coronavírus, relatada pela deputada Carmem Zanotto (Cidadania-SC) e aprovada ontem à noite pela Câmara, numa tramitação relâmpago. A MP autoriza a realização de quarentenas e outras medidas compulsórias para evitar que a epidemia se instale no Brasil.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-tempos-do-coronavirus/
Luiz Edson Fachin: Eleições municipais, voto informado e democracia
Pleito pode ser um dos meios de defesa do povo contra o autoritarismo e os poderes da Federação
Venho de presenciar eleições em país andino na condição de observador internacional. Essa experiência realça elementos da realidade brasileira.
Não se tenha dúvida: predadores da democracia estão mesmo à espreita. Palavras de simples ameaças que parecem apenas exercitar ideias espalhafatosas que não desbordariam, a rigor, de uma sociedade aberta à livre expressão, vistas de perto, compõem um dialeto de propósito nítido: semear a descrença na democracia e na legitimidade das instituições. Almejam ir às últimas consequências: corroer a credibilidade da Justiça Eleitoral. À força do argumento ressuscitam o argumento da força.
O Brasil do presente é desafiado nesse campo, castigado ainda mais por enxurradas de desinformação. É um caos que até parece bem organizado por meio de notícias falsas e meias-verdades.
Auspicioso é o fato de que, neste 2020, eleições periódicas dos mandatários municipais se avizinham no Brasil. Abrem-se as urnas para o exercício eleitoral da cidadania que se constrói permanentemente. Essa reflexão conclama aos titulares da soberania popular. Nunca é demais enfatizar o poder do voto informado.
Votar é vital para o fortalecimento da musculatura da democracia representativa. Não se trata, por certo, de poção mágica para responder de pronto a todas as legítimas aspirações sociais, econômicas e políticas. Nada obstante, é um eficaz antídoto contra a atrofia que cede às tentações autoritárias.
Mais que isso: o dia das eleições produz uma necessária inquietação para que se entenda que numa democracia verdadeira se elege uma proposta ou alguém todos os dias em todas as horas que, individual ou coletivamente, se perfazem ações ou se configuram omissões. Educação, saúde, segurança, transportes públicos, entre outros temas, batem às portas da administração municipal por intermédio da comunidade de pessoas, grupos, movimentos sociais, entidades e instituições, almejando pôr em prática um constitucionalismo democrático popular.
Guardiões finais da Constituição são todos os que delegam, por agir ou por deixar de atuar, a um Poder o seu próprio poder. Delegações não são abdicações. Eleger é uma escolha importante para apontar quais são, na administração dos locais onde domiciliamos nossas raízes, os mandatários que, dentro da Constituição e das leis da República, vão desempenhar os poderes conferidos por essa legítima manifestação eleitoral.
Para tanto, consciência das possibilidades e dos limites é essencial, uma vez que na democracia se pode muito, mas não se pode tudo.
Limites democráticos são condições indispensáveis à própria democracia. Assim o pluralismo político também se deve traduzir (embora a isso não se resuma, por evidente) em pluripartidarismo. Partidos políticos, ideários e cosmovisões partidárias e programáticas são imprescindíveis. Afastar os partidos do núcleo da democracia consiste em golpear por dentro a razão da representação na República.
Inafastáveis são o controle e a fiscalização, contudo tais ações não apresentam um fim em si mesmo. Combater e punir são instrumentos de um Estado de Direito democrático, cujos fins são vincados pelos fundamentos da República inscritos na Constituição.
Cumpre estar atento a esses novos intentos variados de pôr em modo “hibernar” a legalidade constitucional. Quando nas vizinhanças do Brasil se faz a defesa tout court de pena capital para ilícitos de corrupção, ou simplesmente a revogação da Carta Política, o passo seguinte é aniquilar o doente para supostamente sanar a doença. Impende não ser indiferente a isso. É possível (e necessário) ser implacável com a corrupção sem afrontar o organismo reitor vivo da democracia que é a Constituição. Guardá-la também é protegê-la.
Todas as democracias têm suas conjunturas claro-escuras, porém momentos de crise política não podem obnubilar a estrutura democrática. Transitoriedade e alternância no poder conjugam autoridade, respeito ao voto e democracia.
Às últimas consequências os limites constitucionais.
O escrutínio que se aproxima em outubro vindouro propicia oportunidade para desnudar a diluição institucional, pois um pleito dessa envergadura, dimensão e relevância pode ser um dos meios de defesa do povo contra o autoritarismo e a excessiva centralização de poderes na Federação. É o município o primeiro mundo político da cidadania, elevado em 1988 a ente federativo a merecer maior e melhor presença no federalismo de cooperação.
A diferença entre ponte e abismo vem se colocando no horizonte. Quiçá seja tempo de renovar a esperança de que somos plurais nas diferenças e capazes de ligar margens, e não apenas produzir clivagens. As eleições vêm logo aí. O tripé democracia, igualdade e República se reaviva no município.
Aos predadores antidemocráticos, o que lhes corresponde de acordo com a bula democrática: doses maciças de tolerância e de coexistência injetadas pelo soro dos limites constitucionais. O voto informado pode fazer de cada município a síntese que contém o País.
MINISTRO DO STF E DO TSE
Luiz Carlos Azedo: Supremas contradições
“A ‘sombra de futuro’ do ministro Fux no STF já é maior do que a de Toffoli, que preside a Corte. Além de mudança de comando, haverá uma alteração na composição do tribunal”
O vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, suspendeu, ontem, por tempo indeterminado, a implementação do chamado juiz das garantias, previsto no pacote anticrime aprovado pelo Congresso Nacional em dezembro do ano passado. A decisão revoga ato também monocrático do presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, que adiou a implementação do novo sistema nos tribunais por 180 dias. Quatro ações questionam o tema no Supremo e são relatadas por Fux, que está encarregado do plantão do STF no recesso do Judiciário. Caberá a ele liberar o processo para a pauta do plenário. Ou seja, com o adiamento sine dia e a relatoria das ações, a implementação da decisão pode ficar para as calendas.
Fux abriu uma discussão sobre a constitucionalidade da decisão do Congresso. Segundo ele, como a figura do juiz das garantias altera o funcionamento da Justiça, a iniciativa de lei caberia ao Supremo. Fux também alegou a falta de previsão orçamentária para implementação da medida. Em 15 de janeiro, Toffoli havia estabelecido uma série de regras para a adoção do juiz das garantias. Tudo foi revogado por Fux, o que revela, mais uma vez, a profunda divisão existente no tribunal e um ambiente de imprevisibilidade em relação ao futuro de suas decisões mais polêmicas. Fux sinalizou a intenção de mudar os rumos da Corte quando assumir sua presidência efetiva, em setembro deste ano.
A “sombra de futuro” de Fux no tribunal já é maior do que a de Toffoli. Além da expectativa de mudança de comando da Corte, haverá uma alteração na composição do tribunal, com a aposentadoria compulsória do ministro Celso de Mello, em novembro. Fux pode simplesmente esperar a mudança de composição do tribunal para pôr em discussão o juiz das garantias, uma figura polêmica, criada por sugestão do ministro Alexandre de Moraes à comissão mista do Congresso que apreciou o pacote anticrime apresentado pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro. O presidente Jair Bolsonaro, contrariando a posição de Moro, não vetou a decisão, que foi criticada pelos integrantes da força-tarefa da Operação Lava-Jato.
Segundo a lei aprovada pelo Congresso, o juiz das garantias deve atuar na fase de investigação de crimes, quando forem necessárias decisões judiciais em relação a pedidos de quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico; mandados de busca e apreensão; prisões temporária e preventiva ou medida cautelar. Há grande expectativa quanto ao futuro da Corte, na medida em que Bolsonaro pretende indicar para a vaga do Supremo um jurista de sua confiança política. Há muita especulação sobre isso, mas Bolsonaro já disse que pretende escolher um nome “terrivelmente evangélico”. A indicação do ministro Sérgio Moro é cada vez mais improvável.
Pato manco
Visto inicialmente como forte candidato à primeira vaga no Supremo, Moro se tornou um “presidenciável” ao longo de seu primeiro ano no governo, em razão do grande prestígio popular. É citado como candidato a presidente da República toda vez que se revelam suas divergências com Bolsonaro, como no caso do juiz das garantias, ou como vice de Bolsonaro, sempre que os dois se reaproximam. O pivô da discórdia entre ambos, porém, é o senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente, envolvido no caso Fabrício Queiroz, seu assessor parlamentar na Assembleia do Rio de Janeiro (Alerj), acusado de operar um caixa dois no gabinete do então deputado estadual, com recursos proveniente de parcelas dos salários de seus assessores parlamentares, a chamada “rachadinha”.
O caso Queiroz acabou aproximando o presidente da República ao presidente do Supremo, Dias Toffoli, que sustou as investigações com base em dados fiscais obtidos sem autorização judicial, acolhendo habeas corpus impetrado por Flávio Bolsonaro. A liminar desgastou Toffoli e acabou revogada em plenário por ampla maioria da Corte, o que marcou um ponto de inflexão na trajetória do presidente do tribunal. A decisão tomada por Fux, ontem, praticamente transforma o presidente da Corte numa espécie de “pato manco” (lame duke), uma expressão cunhada no século XVIII pelos anglos saxões para tachar os políticos em fim de mandato, em que até o garçom, sem a presteza de antes, já serve de má vontade o café frio. Nos Estados Unidos, ela é usada até hoje em relação aos presidentes da República em fim do segundo mandato ou que correm risco de não se reelegerem, por falta de prestígio.
No caso do Supremo, porém, devido às regras de funcionamento da Corte, em qualquer circunstância, todo ministro tem muito poder. O maior deles é engavetar um processo quando é o relator. É o que Fux pode fazer para impedir a implantação do juiz das garantias e transformar Toffoli, de quem diverge em relação ao tema, num pato manco de verdade. Essa mudança na estrutura do Judiciário seria o maior legado de sua gestão.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-supremas-contradicoes/
El País: 'A lógica bolsonarista nas eleições municipais deve ser a mesma, com campanhas aquecidas e radicais', diz Corbellini
Juliano Corbellini, responsável por coordenar as campanhas vitoriosas de Flávio Dino no Maranhão, afirma que a esquerda negligencia pautas de segurança e corrupção
As eleições municipais de 2020 prometem. Teremos a reestreia (nas ruas) do ex-presidente Lula como cabo eleitoral, uma vez que o petista passou boa parte de 2019 atrás das grades, e o primeiro teste da capacidade do presidente Jair Bolsonaro de transferir votos para outros candidatos que não seus filhos. “É preciso ver qual será a situação do Governo e como estará popularidade do presidente, e por outro lado como se dará a mobilização de Lula e os efeitos que isso irá produzir”, afirma Juliano Corbellini, doutor em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e consultor de marketing eleitoral. Ele foi responsável por coordenar as duas campanhas vitoriosas de Flávio Dino (PC do B) ao Governo do Maranhão que destronaram o clã Sarney.
Ao lado do economista Maurício Moura, escreveu A eleição disruptiva: por que Bolsonaro venceu (Editora Record, 2019), que mostra como o atual presidente surfou na onda do “Partido da Lava Jato” e utilizou com maestria o sentimento antipetista (e o submundo do WhatsApp) para chegar ao Planalto. Sobre o pleito do ano que vem, Corbellini acredita que estamos em um processo de “transição” política, mas ainda há uma “força residual muito forte do antipetismo”. Em entrevista ao EL PAÍS, ele destaca ainda as lições que o campo progressista tem para tirar das campanhas de Dino: “É um Governo de esquerda com forte atuação no campo social mas que se apropriou da pauta de segurança, econômica e anticorrupção. E segurança e a corrupção são justamente as pautas onde a esquerda perdeu em 2018 de maneira geral”.
Pergunta. As eleições municipais de 2020 também serão “disruptivas” como as de 2018?
Resposta. Eu acho que vamos viver uma eleição que já se dá em meio a um processo de transição no quadro político e partidário, embora ainda não saibamos para onde esta transição ira levar. Vai haver um pouco de ressaca, ainda teremos uma força residual, mas muito importante, do antipetismo. Por outro lado o PT vive outro momento, com Lula solto e podendo fazer campanha para seus candidatos.
P. Bolsonaro deve ser um bom cabo eleitoral?
R. Isso depende de como ele irá se comportar nesta posição. Mas uma coisa está clara: apesar dele ter uma situação partidária indefinida [o presidente deixou o PSL e se empenha para fundar uma nova legenda], o fato é que o bolsonarismo, que nós chamamos de “partido da Lava Jato” no livro [A eleição disruptiva], demonstrou em 2018 que a questão partidária é secundária para eles. Eles são uma força que transcende partidos. Então evidentemente muitos candidatos de diferentes legendas irão tentar se associar ao bolsonarismo, como ocorreu no ano passado.
É preciso ter em conta que este “partido da Lava Jato” continua sendo uma força social muito forte. Mas alguns dos acontecimentos deste ano, como os episódios revelados pelo The Intercept Brasil , e mesmo o Sergio Moro se alinhando politicamente ao Governo —inclusive assumindo sua defesa—, e as acusações envolvendo Flávio Bolsonaro, expuseram muito o clã. O próprio Moro, que continua sendo popular, é bem menos do que era quando juiz.
P. Quem deve desempenhar melhor esse papel de cabo eleitoral, Lula ou Bolsonaro?
R. Isso só vamos saber em agosto de 2020, quando começar a campanha. Porque é preciso ver qual será a situação do Governo, como estará a popularidade do presidente e, por outro lado, ver como se dará a mobilização de Lula e os efeitos que isso irá produzir. É preciso ter em vista a possível equação das alianças políticas: o PT dialoga com outros partidos e forças grandes. O fato é que ambos serão players importantes nas eleições, mobilizando amor e rejeição.
P. A popularidade do presidente está baixa. Isso pode impactar sua capacidade de alavancar aliados?
R. Não podemos analisar a popularidade do Bolsonaro como analisamos a dos outros Governos, pela própria atipicidade desta gestão. A preocupação dele não é ter mais de 50% de ótimo/bom nas pesquisas. Ele não busca ampliar a base de apoio, como Lula. O objetivo do presidente é manter os seus seguidores coesos, manter um terço do país mobilizado. Ele precisa manter essa base de apoiadores aquecida. E para isso um dos pré-requisitos é apostar na lógica de polarização política permanente, manter seus inimigos sempre vivos. O que ele quer é ser a maior minoria, essa é a estratégia dele para 2022. Demonizando a esquerda, fomentando a pauta do armamento... A lógica dele nas municipais deve ser a mesma: campanhas aquecidas, radicais.
P. O desempenho da economia tem um peso forte nas municipais assim como tem na nacional?
R. Sim. Se o Governo conseguir criar um ambiente de recuperação econômica, o voto em candidatos apoiados por ele tende a ser maior, mesmo nas municipais.
P. Qual lição o Maranhão de Flávio Dino pode dar para o campo progressista nestas eleições?
R. O Maranhão tem lições muito importantes para dar. O Governo do Flávio tem uma pauta social muito profunda, com foco em mudanças na educação. O Estado saltou no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), isso em um Estado muito pobre, onde é difícil fazer políticas públicas efetivas. O Maranhão é um dos que paga o maior salário para professores da rede estadual... Enfim, existe um compromisso com a pauta social, mas sem abrir mão do diálogo com o centro.
Mas para além da pauta social, o Maranhão tem grande obra na área da segurança, e o Governo dele não abre mão da austeridade fiscal. É um Governo de esquerda que se apropriou da pauta de segurança e da pauta econômica e anticorrupção. E a segurança e a corrupção são justamente as pautas onde a esquerda perdeu em 2018 de maneira geral.
P. O PSDB não conseguiu aproveitar a crise do PT e naufragou em 2018. Você acha que há espaço para que o partido se recupere? Com esse novo PSDB do João Doria?
R. Em 2018 o PSDB flertou pelo partido da Lava Jato e foi engolido por ele com uma série de denúncias contra alguns de seus integrantes. Do ponto de vista da polarização da política brasileira, o PSDB foi removido. Com essa derrota do Geraldo Alckmin, que representava o PSDB mais clássico, vemos que hoje o partido tem uma cara indefinida. Há um esforço do Doria em assumir esta nova cara do PSDB, mas mesmo ele não consegue se definir direito: ora é gestor, ora antipetista, hora pacificador. O Doria obteve algumas vitórias na Executiva Nacional do partido, conseguiu indicar um novo líder, mas foi derrotado na questão da expulsão do Aécio Neves.
P. Qual o foco do Doria nestas eleições?
R. São Paulo. Se o candidato apoiado por ele perder aqui em 2020 ele não poderá jogar em 2022 a cartada de que ele é o PSDB “que dá certo”. Uma derrota na capital do Estado não seria o suficiente para tirá-lo do páreo na corrida para o Planalto, mas enfraquece.
P. O governador defendeu uma chapa com o prefeito Bruno Covas disputando a reeleição e a deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP) de vice. Seria competitiva?
R. Essa tentativa tem fundamento. Covas é o PSDB clássico, enquanto que a Joice representa o “Partido da Lava Jato”. Pode ser competitivo.
P. Mas o Covas está com índices baixos de popularidade...
R. É preciso ter em mente que o primeiro semestre do ultimo ano de gestão tem um peso enorme na disputa para as prefeituras em geral. Costuma ocorrer, até por uma questão de execução orçamentária, uma recuperação de popularidade. Então este sprint final das prefeituras no ano eleitoral reserva surpresas.
P. Alguns dos políticos que se autointitulavam “outsiders” agora estão dentro. Isso não afeta suas possibilidades?
R. Uma safra de prefeitos eleitos com base na chamada nova política ou na antipolítica, serão julgados nas urnas. Pega Rio e Belo Horizonte, por exemplo, onde prefeitos se elegeram com discurso de critica à política tradicional. Agora serão avaliados com base na sua capacidade administrativa.
P. As pautas nacionais devem influenciar as eleições municipais?
R. Sempre há uma proeminência da pauta municipal, mas estas eleições sinalizam o ambiente da opinião pública com vistas à eleição nacional. Nas municipais de 2000 era possível antever a vitória do PT em 2002. Nas municipais de 2016 se vislumbrou a onda antipolítica que culmina com a vitória do Bolsonaro em 2018. Então estas eleições serão um termômetro para 2022.
P. As campanhas via Whatsapp e Facebook, manchadas pela disseminação de fake news, serão preponderantes em 2020?
R. Acho que o Whatsapp chegou para ficar. Foram feitas mudanças importantes [no funcionamento do aplicativo, como redução no número de destinatários para disparo], mas é preciso ver qual serão seus efeitos. Teremos que acompanhar o debate a respeito das fake news, bem como sobre uma legislação capaz de punir os responsáveis por sua disseminação. As candidaturas municipais, principalmente para vereadores, terão o Whatsapp como instrumento importante, até pela ausência de financiamento.
P. De agora em diante toda eleição será pautada por notícias falsas?
R. Não dá para dizer que isso é um modelo definitivo. A eleição do Bolsonaro foi um evento, não é possível prever que irá se repetir. Qual o modelo de campanha dele? Foi feita por baixo, via contágio, redes que ele construiu por quatro anos. Agora, achar que esse modelo será um novo modelo universal para todas as campanhas é precipitado. Aquele foi um modelo que funcionou para aquela conjuntura. O voto em 2018 foi um antivoto movido por valores específicos, como o nacionalismo, a defesa da família e a pauta anticorrupção.
Luiz Carlos Azedo: A coerência de Bolsonaro
“O bolsonarismo tem certos antecedentes históricos, mas é um fenômeno único, que não seria possível sem a quebra de paradigmas da política, a crise ética e a emergência das redes sociais”
Ninguém tem o direito de dizer que se enganou com o presidente Jair Bolsonaro. A característica mais marcante de seu primeiro ano de mandato é a coerência com o discurso de campanha. Esse entendimento vale para seus apoiadores e para a oposição. Pela primeira vez, temos um governo assumidamente de direita, que tirou do armário uma parcela do eleitorado que andava enrustida e desorganizada, mas que agora se articula nacionalmente, em torno do clã Bolsonaro, e está constituindo um novo partido, a Aliança pelo Brasil, que já conta com 100 mil filiados.
Uma direita orgânica, de caráter nacional, sem vergonha de mostrar a própria cara, é um fenômeno raro no Brasil. Temos a Ação Integralista Brasileira, de Plínio Salgado, na década de 1930, liquidada por Getúlio Vargas, no Estado Novo, após uma tentativa frustrada de tomada do poder, em 1938. A antiga UDN era mais heterogênea, surgiu como uma frente democrática, em São Paulo, inclusive com a participação dos comunistas, antes de se transformar no partido conservador e golpista que marcou a Segunda República. A vertente da UDN mais próxima do bolsonarismo foi o lacerdismo, no Rio de Janeiro, um movimento da classe média carioca liderado pelo então governador da antiga Guanabara, Carlos Lacerda. Na transição à democracia, o que mais poderia se aproximar do bolsonarismo é o malufismo, um fenômeno paulista, em decorrência da penetração popular do ex-governador Paulo Maluf, que nunca teve um caráter orgânico nem nacional.
Podemos concluir que o bolsonarismo tem certos antecedentes históricos, mas é um fenômeno único, que não seria possível sem a quebra de paradigmas da política, a crise ética e a emergência das redes sociais. Sem isso, não seria possível a Jair Bolsonaro ter feito com êxito um movimento contrário ao de seus antecessores, que buscaram apoio político entre as forças do centro, como Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, pela via dos governos de coalizão. Bolsonaro desprezou as alianças partidárias, prestigiou apenas os setores do Congresso que o apoiaram nas eleições, como evangélicos, ruralistas e a “bancada da bala”. Desprezou até mesmo o partido pelo qual se elegeu, o PSL, que contava com a segunda maior bancada na Câmara, com 41 deputados, muitos dos quais policiais e militares.
A criação da Aliança pelo Brasil é uma jogada que não deve ser subestimada, pois visa à criação de um partido de massas, de caráter nacional, com uma doutrina reacionária e ligações internacionais. De certa forma, essa foi a decisão mais audaciosa que Bolsonaro tomou no plano estritamente político, nesse primeiro ano de mandato. É uma aposta estratégica para a sua própria reeleição. Sua base social é formada pelos segmentos que o apoiam incondicionalmente, como militares, policiais, caminhoneiros, garimpeiros, evangélicos pentecostais, ruralistas e milicianos. Não formam a maioria do eleitorado, mas têm grande capacidade de mobilização e identidade programática com a nova legenda.
Lava-Jato
É para esses segmentos que a ala ideológica do governo trabalha, mas é um erro supor que somente esses setores estão sendo atendidos pelo governo. O meio empresarial aposta no sucesso de Bolsonaro, por causa da política ultraliberal do ministro da Economia, Paulo Guedes; e também setores de classe média, insatisfeita com a violência urbana e a crise ética na política. São setores que não têm a mesma afinidade ideológica com Bolsonaro, mas foram decisivos para sua eleição por causa do seu antipetismo. É com essas forças que Bolsonaro conta para neutralizar a oposição no Congresso e na opinião pública. Graças a isso, vem mantendo a avaliação de seu governo na faixa dos 30% de bom e ótimo, 32% de regular e 36% de ruim e péssimo. Se o governo não descarrilar, isso significa presença garantida no segundo turno das eleições.
Quanto a isso, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, passou a ser uma peça-chave no jogo político, pois encarna a bandeira da ética no governo, mas goza de mais prestígio popular do que Bolsonaro e com ele vem tendo uma relação cada vez mais conflituosa. A questão que mais tensiona a relação entre ambos é o caso Fabrício Queiroz, uma investigação que envolve o senador Flávio Bolsonaro (RJ), filho do presidente da República, de quem era assessor parlamentar. No momento, o maior estresse entre ambos ocorre porque Bolsonaro não vetou a criação pelo Congresso do chamado “juiz de garantia”, que Moro critica, porque, no seu entendimento, favoreceria a impunidade para os crimes de colarinho branco. Defendida por advogados e a maioria dos políticos, a medida é polêmica e enfrenta forte oposição de procuradores e juízes de primeira instância, com o agravante de que teria havido um acordo com o governo no Senado para que a proposta fosse vetada, em troca da aprovação ainda neste ano do pacote anticrime negociado na Câmara.
O assunto esquentou no final do ano porque dois partidos, Podemos e Cidadania, questionam a constitucionalidade da nova lei no Supremo Tribunal Federal (STF), que também está sendo muito pressionado pela opinião pública. A mesma pesquisa Datafolha divulgada ontem mostra que 39% dos consultados avaliam a atuação do Supremo como ruim ou péssima, enquanto somente 19% dos brasileiros a consideram ótima ou boa. Para 38%, o trabalho da Corte é regular; outros 4% disseram não saber avaliar.Também há insatisfação com o Congresso, que tem 14% de bom/ótimo, 38% de regular e 45% de ruim/péssimo.
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Luiz Carlos Azedo: Que partido é esse?
“O xis da questão do novo partido que será criado hoje pelo presidente Jair Bolsonaro é o seu ideário programático, ou seja, seu real compromisso com a ordem democrática”
Com 30 deputados, liderados por Eduardo Bolsonaro (SP), e um senador, Flávio Bolsonaro (RJ), o presidente Jair Bolsonaro deve fundar hoje, em convenção nacional, a Aliança pelo Brasil, seu novo partido, consolidando o rompimento com o PSL, de Luciano Bivar (PE). A criação da nova legenda está na contramão da legislação partidária vigente, que força a redução do número de partidos, por meio da cláusula de barreira, e do fim das coligações nas eleições proporcionais. O desafio da criação do novo partido não é a arregimentar quase 500 mil filiados em todo país, mas a transferência dos parlamentares do PSL para a nova legenda, anunciada ontem pelo líder do governo na Câmara, deputado Vitor Hugo (GO), sem perda de mandato, e também a obtenção de recursos do fundo partidário.
Bolsonaro não terá dificuldade para estruturar o partido nos estados e municípios, porque conta com apoio de grupos organizados nas redes sociais com grande poder de mobilização: evangélicos, caminhoneiros, garimpeiros, milicianos, agentes de segurança, militares reformados, etc. Tem a seu favor uma base eleitoral ainda muito robusta, apesar da relativa perda de popularidade, por causa do natural desgaste nos primeiros 10 meses de governo. Ou seja, conta com militantes e lastro eleitoral para viabilizar seu projeto. Ideologicamente, o perfil do partido também está resolvido: será uma organização política de direita, com viés reacionário, que mistura religião com política, ideias conservadoras e nacionalistas, de combate aberto à esquerda e aos movimentos identitários.
Sem dúvida, trata-se de uma nova direita. A narrativa política do novo partido, porém, lembra a radicalização política que antecedeu a II Guerra Mundial aqui no Brasil. Naquela época, na Europa, a carnificina havida na I Guerra Mundial (1914-1918) e a Grande Depressão de 1929 serviram de caldo de cultura para o surgimento de partidos de massas de direita, principalmente o fascista, na Itália, e o nazista, na Alemanha, que se opuseram aos social-democratas, socialistas e comunistas. No Brasil, essa polarização foi representada pela Aliança Nacional Libertadora (ANL), encabeçada pelo líder comunista Luiz Carlos Prestes, e pela Ação Integralista Brasileira (AIB), de Plínio Salgado. Essa radicalização resultou na chamada Intentona Comunista, de 1935, após a dissolução da ANL por Getúlio Vargas, e no Levante Integralista de 1938, após a instauração do Estado Novo, contra o qual os integralistas se insurgiram, atacando o Palácio Guanabara, por causa da dissolução da AIB. Em ambos os casos, houve mortos, feridos e milhares de ativistas presos.
Compromissos
O xis da questão do novo partido, encabeçado pelo presidente, é o seu ideário programático. Qual será o seu real compromisso com a ordem democrática e suas instituições, com os direitos e garantias individuais, a alternância de poder e o direito ao dissenso, principalmente das minorias? Diante de reiteradas declarações de Jair Bolsonaro e seus aliados mais próximos em defesa do regime militar, esse questionamento faz todo sentido. Outra questão importante diz respeito à forma de atuação do novo partido, notoriamente contrário aos movimentos sociais e organizações da sociedade civil que defendem os direitos humanos, o meio ambiente e as opções de gênero. Quais serão seus métodos de luta política? Serão o debate, o diálogo e a persuasão?
Do ponto de vista eleitoral, o grande desafio do novo partido será se viabilizar, nas eleições municipais do próximo ano, para as quais os seus concorrentes, inclusive o PSL, já armam suas candidaturas, com recursos dos fundos partidário e eleitoral. Mesmo contando com o enorme poder da máquina federal, cuja atração política dispensa comentários, e com o prestígio eleitoral do presidente da República, o novo partido precisará financiar sua campanha eleitoral, o que depende de interpretação da legislação vigente, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Os parlamentares que migrarem para a nova legenda carregarão consigo os recursos dos fundos partidário e eleitoral? De certa forma, o futuro da nova legenda dependerá dessa resposta. Além disso, ainda que a aba do chapéu de Bolsonaro seja larga como a dos caubóis, eleições municipais costumam ser “fulanizadas” e pautadas pelos interesses locais.
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