Eleições
Pablo Ortellado: Encantamento de Lula
O discurso de Lula no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo embaralhou os cenários para as eleições de 2022 que indicavam uma recondução mais ou menos segura de Bolsonaro.
No discurso, o que mais se destacou foram as omissões. Lula, como era esperado, criticou a política econômica de Paulo Guedes e a política sanitária para combater a pandemia, mas em nenhum momento mencionou os ataques de Bolsonaro às instituições, tão comuns na retórica da esquerda. Essa omissão parece indicar que Lula e o PT descartam construir as condições para um impeachment antes de outubro de 2022 e que o objetivo, desde já, é construir a candidatura de Lula.
A segunda omissão no discurso de Lula foi Dilma Rousseff. O silêncio sobre a ex-presidente — que é considerada inepta, do centro à direita — e diversos acenos ao Centrão e ao mercado indicam para 2022 uma estratégia “paz e amor”, como a que adotou em 2002. Lula quis sinalizar ao mercado que sabe ser fiscalmente responsável e lembrar ao Centrão que é um negociador hábil e confiável.
A suspeição que está sendo lançada sobre a Lava-Jato parece estar escusando o ex-presidente. A troca de mensagens entre Moro e os procuradores mostrou um viés persecutório da operação contra o PT, além de articulações espúrias entre o juiz e o Ministério Público. Isso não apenas vem sendo utilizado juridicamente para anular as condenações, como politicamente para colocar sob suspeita as denúncias, liberando Lula da responsabilidade pela Petrobras ter sido desavergonhadamente assaltada durante sua administração.
Em 2018, liberais traumatizados com a política econômica de Dilma e punitivistas anticorrupção encantados pela Lava-Jato podiam considerar um segundo turno entre Lula e Bolsonaro uma “escolha difícil”. Agora, depois da péssima condução da crise sanitária por Bolsonaro e de seus ataques às instituições democráticas, a opção por Lula parece razoável.
Isso talvez explique as reações surpreendentes que o discurso despertou. Críticos antigos como Rodrigo Maia e Reinaldo Azevedo fizeram elogios rasgados ao ex-presidente, e influenciadores liberais no Twitter preferiram criticar as reações de Bolsonaro a condenar Lula.
Nada disso deve ser duradouro, mas, por um breve momento, abriu-se a possibilidade de Lula atrair o centro e até mesmo a centro-direita, encabeçando a tão propalada, mas tão pouco efetivada frente ampla.
Contra Lula, porém, pesa o antipetismo. Bolsonaro e outros setores da direita tentarão reativar o descontentamento com os escândalos de corrupção e reavivar a memória do fracasso da política econômica de Dilma Rousseff.
Com Lula na corrida, Ciro deve fracassar em se colocar como candidato da centro-esquerda, sendo empurrado para a sobrecarregada raia do centro e da centro-direita, onde já correm João Doria, Luciano Huck e Luiz Henrique Mandetta.
Se nenhum fato novo sobrevier, devemos ter novamente um segundo turno entre Lula e Bolsonaro. Três anos depois, estamos cada vez mais próximos de 2018.
Cristina Serra: A volta de Lula
Com ele em cena, o debate político é requalificado
Seis meses atrás escrevi neste espaço que Lula não poderia ser "cancelado" da vida política. O texto provocou discussão entre os leitores e alguns xingamentos a esta colunista. Como considero o debate necessário e estimulante, volto ao tema a partir da manifestação do ex-presidente, depois que decisão do ministro Fachin, do STF, restituiu-lhe a possibilidade de ser candidato.
O discurso soou como lenitivo cicatrizante num país ferido e a caminho dos 280 mil mortos pela pandemia. Lula retomou o perfil conciliador (sublinhou a chapa de 2002 que uniu "capital e trabalho") e abriu portas em torno de quatro pontos: democracia, vacina já, auxílio emergencial e emprego. "E se quiser dar um passo a mais e conversar [sobre] como tirar o Bolsonaro, eu tô mais feliz ainda", arrematou.
Convenhamos, é um programa lógico e coerente o bastante para um começo de conversa. Em condições normais de temperatura e pressão, nas quais vicejam as democracias, isso seria uma obviedade. Mas, como não vivemos tempos normais, o discurso de Lula e sua repercussão foram suficientes para estimular mais arreganhos de Bolsonaro e a tentativa de reeditar a farsa dos dois "extremos".
Sustentado pela Lava Jato, o engodo funcionou em 2018. Delações premiadas de baciada ? Tubulações jorrando dinheiro na TV toda noite? Essa engrenagem enguiçou. Só há um extremista no jogo, e é o genocida que usa um vírus como arma biológica de destruição em massa. O retorno do petista à arena também provoca um reposicionamento geral de forças. À direita, é grande o alvoroço entre alquimistas que sonham fabricar um candidato de "centro", tal como os magos da Antiguidade buscavam a pedra filosofal.
É cedo para saber se Lula estará na disputa em 2022. Os embates nos tribunais não acabaram. Mas com ele em cena o debate político é requalificado. Por isso, considero válido reafirmar o que escrevi seis meses atrás: Lula está de volta. E isso é uma boa notícia para a democracia.
Demétrio Magnoli: Dantons de araque
Procuradores da força-tarefa nunca ligaram para ideais, e sim para busca pelo poder
Danton fez a Convenção fundar o Tribunal Criminal Extraordinário em março de 1793. Um ano depois, sob o Terror jacobino que ajudou a implantar, acusado de enriquecimento ilícito, foi submetido a uma encenação judicial e executado na guilhotina. Moro e sua camarilha de procuradores não terão o destino do revolucionário francês, mas merecem sentar no banco dos réus.
Moro, um juiz que sonhou ser presidente, é o elemento passageiro. Mais perene é o caldo de cultura no qual surgiu a força-tarefa. No seu voto, Gilmar Mendes acertou ao indicar que o timão da Lava Jato foi comandado por uma panelinha de procuradores dispostos a usar a lei como subterfúgio para alavancar um projeto político. Aí é que entra a figura de Danton.
Paralelos têm limites. Danton viveu e morreu por seus ideais. No meio do caminho, descobriu que parira um monstro e tentou domá-lo, mas já era tarde. Os procuradores da força-tarefa nunca ligaram para ideais, preferindo cavalgá-los em benefício de suas carreiras e, sobretudo, da busca pelo poder. São Dantons de araque, personagens de uma pantomima, não de uma tragédia. Mesmo assim, o paralelo ilumina algo relevante.
Nosso Ministério Público foi criado como uma espécie de Comitê de Salvação Pública. Na moldura desse poder estatal sem clara delimitação de função e sem controle externo, jovens procuradores nutriram-se da crença na reforma do mundo pela interpretação voluntarista dos códigos legais. O Brasil seria salvo por fora da política, essa lagoa de dejetos imundos, graças à ação obstinada de funcionários de Estado armados com a prerrogativa de investigar e acusar. A força-tarefa foi o fruto maduro da árvore do jacobinismo judicial.
A Lava Jato começou iluminando as vastas teias corruptas que ligam a elite política ao meio empresarial, mas degenerou no projeto de implodir o sistema político para conduzir um juiz ao posto mais alto da República. No trajeto, borrou a fronteira que separa os atos de processar e julgar, pisoteou as garantias dos réus, transformou-se em ator político e arrastou o STF para a lama.
Xi Jinping cimentou seu poder absoluto por meio de uma campanha anticorrupção no interior do Estado-Partido. Putin manipula tribunais amestrados para perseguir supostos corruptos. Só estúpidos acreditam que os fins justificam os meios. O sequestro político do sistema de Justiça seleciona e pune corruptos convenientes, junto com inocentes cuja culpa é fazer oposição, enquanto autoriza a corrupção dos cortesãos. No Estado de Direito, o produto final do jacobinismo judicial é a anulação de investigações e o triunfo da impunidade. Os procuradores que pintaram o sete não têm o direito de atribuir a outros a responsabilidade pelo melancólico desfecho.
Falta-lhes direito, sobra-lhes cara de pau. Aqui, em meados de 2017, critiquei as inclinações jacobinas do Partido dos Procuradores. Carlos Fernando Lima, decano da força-tarefa, retrucou identificando no meu texto a maléfica intenção oculta de proteger "a indecorosa festa desses vampiros". Pouco depois, à provecta idade de 55, aposentou-se com proventos integrais, atravessou a porta giratória e foi advogar na área de compliance para clientes que temem cair nas garras de seus camaradas procuradores.
A postagem do heroico combatente incluía uma citação de Danton e, à sorrelfa, a tese de que o Terror assegurou a vitória final dos altos ideais da Revolução Francesa. Não conseguiremos circunscrever a corrupção às franjas do sistema político sem extirpar a cultura salvacionista que impregna o Ministério Público, separando as esferas da Justiça e da política. A cabeça de Danton rolou na guilhotina no 17 do Germinal do Ano II. Um futuro processo de Moro e dos procuradores deve ser justo e imparcial, porque isso é o certo e para ensinar-lhes a lição jurídica que não aprenderam.
Paulo Fábio Dantas Neto: Lula na área - Desjejum, almoço e jantar
O Lula que irrompeu no topo do noticiário dessa última semana é o “sapo barbudo” ou o político “paz e amor? A julgar por seu pronunciamento de retorno ao primeiro plano da cena política, está sendo as duas coisas. No ato político em São Bernardo, na quarta-feira, 10 de março, o eterno metalúrgico saiu de longo jejum guiando-se pelo seu ABC político, que quem tem mais de trinta anos de idade conhece bem. Ele foi o nacionalista e anti-imperialista grisalho, que manifestou reconhecimento a Maduro e ao Foro de São Paulo, o lulo-petista autocentrado, sem qualquer sombra de autocritica, que repetiu várias vezes o "nunca antes nesse país", pelo qual contrasta o PT e ele próprio com tudo o que existiu antes dele e com tudo o que veio depois dele no Brasil; a fera ferida que, entre vírgulas, repetiu o mantra de que houve “golpe” em 2016, que bateu no PSDB, em Temer, na mídia em geral e na Globo em particular.
E foi também, ao mesmo tempo, o político de pés no chão, conhecedor do terreno onde pisa e com o qual se identifica, o pai da pátria que afirmou o Brasil como lugar de paz e de solidariedade, que fala com todo mundo e com o mundo todo, que se declarou sem ressentimentos, mesmo enfatizando a injustiça que sente ter sofrido da Lava Jato, que se reafirmou um defensor da liberdade de imprensa, aberto a conversar com a sociedade e até com a direita sobre pandemia e auxílio emergencial, insistindo que essa é a pauta unitária do momento; e que não fugiu à regra de todo político sensato, que sabe não ser hora de falar em eleição ao grande público, pois compreende as aflições que lhe importam agora.
Lula deve continuar sendo assim por um bom tempo, talvez até a urna, sua íntima. Ocupa tanto o lugar do homem de luta como o da pacificação. É o candidato da esquerda e é também aquele que pode saltar por cima do centro e atrair o centrão. Perda de tempo querer colar na sua testa a etiqueta de extremista.
O chamado centro não tem a menor chance de ser ouvido agora. Não conseguirá, por mais que tente, ser mais oposição a Bolsonaro do que Lula é, nem conseguirá convencer o imenso eleitorado da direita de que o centro é opção mais segura do que Bolsonaro para evitar a possível volta do PT. Fala e falará para as paredes quem prega, em tese, contra a polarização, um dado do mundo real que só passará a ser visto como algo a ser superado se e quando ficar claro que a reeleição de Bolsonaro é o desfecho provável dela. No atual momento, é inútil. A fênix Lula comunica aos quatro ventos precisamente o contrário, isto é, que essa polarização é o caminho visível a olho nu para livrar o país do extremismo que o desgoverna. Só depois de meses se poderá medir e saber (por pesquisas e outros termômetros) se a luz no fim do túnel que o ex-presidente promete é comunicação veraz, portanto, promissora, ou esperança vã e perigosa, pelo risco que a reeleição de um extremista de direita representa para a democracia. Nessa segunda hipótese sim, poderá surgir espaço a um discurso real, não só evangelizador, contra a polarização Bolsonaro/ Lula. A fotografia atual da situação dá razão a quem considera essa disputa entre ambos como o que temos para o almoço. Quem recusar essa realidade, arrisca-se a ficar com fome.
Agora, o jantar vai ter esse cardápio também? Ou em um ano e meio o cenário pode mudar? Não me arrisco a passar da fotografia à profecia. É preciso ter em conta que o imenso impacto que a volta de Lula ao protagonismo provoca em tudo ao seu redor vira de ponta cabeça a conjuntura, porque ele, sem dúvida, é um dos eixos que a estrutura e a torna mais clara e compreensível. Mas esse impacto não faz do ex-presidente e seus movimentos chaves interpretativas do que passará a ser esse “tudo ao redor”. O futuro continua a ser propriedade do imprevisto. A razão humana é teimosa e deseja fazer previsões, mas para que elas não sejam só projeções de desejos, precisam recorrer a hipóteses alternativas, que só podem ser pensadas se usarmos instrumentos de prospecção adequados. Eles existem, para esse caso?
Pesquisas podem sempre ser instrumentalizadas para inflar bolas e criar marolas. Nem se trata de o instituto ser ou não confiável. Mas o que não é, a meu ver, nem informativo, nem educativo, é pesquisa de intenção de voto ser valorizada como bússola, um ano e meio antes da eleição e no meio de uma pandemia, quando os eleitores estão - com toda a razão, aliás - muito distantes de pensar em eleição. É persuasivo o argumento da especialista Márcia Cavallari Nunes (ex-Ibope) que relativiza o sentido, neste instante, de pesquisas convencionais de intenção de voto, que expõem entrevistados a simulações de hipotéticos cardápios eleitorais, quando se está muito longe de definir qual valerá. Assim, o que o Ipec (novo instituto de pesquisa que ela dirige) nos oferece é a detecção de um "potencial de voto" de personalidades “presidenciáveis” sobre cujos nomes, apresentados em separado, sem alusão a qualquer cenário hipotético de disputa, os entrevistados são inquiridos, cabendo quatro alternativas de resposta: votaria com certeza, poderia votar, não tenho informação para saber se votaria e não votaria de modo nenhum. Os resultados não permitem supor o desfecho da eleição, caso ela ocorresse hoje, e sim saber quem tem potencial para concorrer com êxito a uma eleição prevista para daqui a um ano e meio.
A pesquisa foi feita há três semanas, logo, não registra nem o impacto da reativação do fator Lula, nem a recente escalada assustadora de Bolsonaro na hostilidade a governadores e na negação da tragédia brasileira na pandemia. Mas vale debruçar a atenção sobre um gráfico dessa pesquisa, publicada pelo “Estadão” no domingo passado (07/03), porque ele mostra, para além de oscilações de conjuntura, o que a matéria chama de “capital político” dessas personalidades, assim entendido: POTENCIAL DE VOTO (que soma, numa faixa azul, quantos votariam hoje com certeza e os que poderiam votar), DESCONHECIMENTO (mostrado numa faixa amarela) e REJEIÇÃO, mostrando, em faixa vermelha, quantos hoje não votariam nesse nome de jeito nenhum.
Consideradas as faixas azuis, conhece-se quem tem potencial de voto e a manchete do jornal, corretamente, já apontava Lula à frente de Bolsonaro mesmo antes da decisão de Fachin e ambos em vantagem face aos demais. Mas sendo a eleição brasileira em dois turnos, é preciso ajustar a lupa e seguir em frente na análise. Somadas as faixas, azul e amarela, de cada uma das dez personalidades e abatido, dessa soma, o número da sua faixa vermelha, ficamos sabendo quem tinha, em fevereiro, um capital político capaz de chegar lá e, chegando, ter êxito. Como esperado, Lula e Bolsonaro têm faixas amarelas muito exíguas, ambos com 6%. Na comparação, Lula parecia estar bem melhor nesse ponto também, porque a faixa vermelha de Bolsonaro é maior.
Para uma análise menos estática, é pena que o gráfico não discrimine (não sei o porquê) quem votaria com certeza e quem poderia votar. Para mensurar o capital político de momento faz sentido juntar essas duas situações numa só faixa. Mas para uma prospecção mais precisa e ousada, essa faixa azul mistura alhos e bugalhos, pois uma das situações expressa resiliência e a outra é o elemento volátil, suscetível a discursos, à conduta política diante de problemas relevantes e às estratégias de campanha.
Afinal, as coisas se movem. Depois da decisão de Fachin, do discurso amplo de Lula em São Bernardo e da realidade brutal de agravamento da pandemia com radical insensibilidade do presidente não se pode saber quantas pessoas da faixa vermelha de Lula passaram agora para a amarela ou para a porção mais volátil da azul. Ao mesmo tempo não se sabe quantos podem ter migrado da faixa vermelha de Bolsonaro para a amarela ou a azul depois que souberam que Lula e o PT podem mesmo voltar. Dessas coisas só se saberá nas próximas rodadas. É de esperar que nas próximas divulguem os números em quatro faixas, dividindo a azul em duas, pois é o movimento entre as faixas "poderia votar" e "de jeito nenhum", o que mais interessa acompanhar, no que diz respeito ao confronto Bolsonaro-Lula.
Mas convém olhar também, no mesmo gráfico, o capital político das outras oito personalidades e fazer a mesma conta. Até onde se pode ver hoje, a regra geral é a soma das faixas azul e amarela (potencial + desconhecimento) sequer alcançar a vermelha, ou seja, a rejeição atual desses presidenciáveis tornaria improváveis suas vitórias em segundo turno. A única exceção é Luiz Mandetta. No seu caso, as faixas azul e amarela somadas ultrapassam a vermelha em dez pontos. Isso é um indicador de amplíssimo campo para uma construção do seu nome, caso essa seja uma decisão de forças políticas e não apenas uma pretensão pessoal dele. Sua faixa amarela era tão larga que com ele pode ocorrer tudo, inclusive nada. Compreende-se que esteja quase invisível em pesquisas convencionais de intenção de voto. Mas numa pesquisa de “capital político” só ele e Lula (e ele ainda mais do que Lula) sinalizavam, em fevereiro, rejeição minoritária, isto é, boas chances de vencer, se candidato, um segundo turno. Por isso acho inadequado enquadrar Mandetta na mesma situação onde efetivamente estão Huck, Doria, Ciro ou Marina. Mesmo hoje ainda longe da raia principal, o ex-ministro da Saúde é o único nome da centro-direita, ou do centro, capaz de entrar na arena plebiscitária, onde hoje estão apenas Bolsonaro e Lula.
O caso de Bolsonaro merece comentário adicional. Rejeição, alta e crescente, retira-lhe competitividade no segundo turno. Ele dependeria de um jogo de soma zero com um adversário de rejeição equivalente, jogo em que ataques recíprocos pudessem levar alguém a vencer pela aversão ou pelo medo que possa incutir no eleitor, em relação ao adversário. Seja quem for esse adversário, não terá dificuldade em ampliar tal sentimento contra Bolsonaro, pois o extremismo e a irresponsabilidade do próprio já o faz. A questão é quantos eleitores Bolsonaro, a essa altura da sua escalada, convencerá de que o adversário, seja quem for, é perigo maior do que ele mesmo. Talvez ele pense que um petista (não necessariamente Lula) seja o melhor adversário para si, mas só o tom que Lula adotar confirmará ou desmentirá isso. Sendo ele um craque profissional, e não um Haddad, o capitão não tem motivos para estar esperançoso.
O assunto pesquisas pode render ainda mais reflexão se tomarmos como referência uma modalidade alternativa que, em comparação com a do Ipec, está ainda mais distante de pesquisas convencionais de intenção de voto. E com a vantagem de ser novíssima, posterior à reestreia de Lula. Foi publicada ontem, no jornal El Pais, a segunda pesquisa do Atlas Político que usa um conceito distinto do de capital político, mas bastante convergente com ele. Avalia imagem de personalidades públicas, também apresentadas aos eleitores isoladamente, não como pré-candidaturas submetidas a comparação com hipotéticos concorrentes. Simpatia, antipatia ou conhecimento insuficiente para simpatizar ou não, é uma tradução possível do significado de imagem positiva (faixa verde), negativa (faixa vermelha) ou indefinida (faixa cinza). Essas percepções estão ainda mais distantes de uma intenção de voto e por isso não podem também fazer prospecções sobre resultados eleitorais. Mas apontam quais podem ser as candidaturas competitivas, com base em saldo ou déficit entre imagem positiva e negativa.
Um gráfico da primeira pesquisa (janeiro de 2021), segue apenas para ilustrar e permitir, a quem quiser, estudar a evolução, que aqui não comentarei.
*Cientista político e professor da UFBA
George Gurgel: Brasil Insustentável - No auge da pandemia as eleições pautam a agenda nacional
Nesta semana, no auge da pandemia, fomos surpreendidos com a pauta da Lava Jato tomando conta dos meios de comunicação e da opinião pública brasileira. O Supremo Tribunal Federal - STF, através de uma decisão monocrática do ministro Edson Fachin, decidiu que as ações contra o ex-presidente Lula deveriam ter transcorrido em Brasília, anulando as decisões da Lava Jato em relação às condenações sentenciadas pelo ex-juiz Sérgio Moro, nos últimos cinco anos, e confirmadas pelo Superior Tribunal de Justiça. Nesse julgamento, os atos processuais sem carga decisória poderão ser aproveitados pelo novo juiz que assumir o caso.
Ato continuo, no julgamento da Segunda Turma do STF, em andamento, os votos dos ministros Gilmar Mendes, relator, e Ricardo Lewandowski foram pela suspeição de Sergio Moro. Se vencedor esse entendimento, obrigará que os processos contra o ex-presidente Lula recomecem da estaca zero.
Diante dessas posições conflitantes estabeleceu-se o impasse nos julgamentos em andamento no STF que tratam das condenações do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva. O julgamento foi suspenso por pedido de vistas do ministro Kássio Nunes Marques e o colegiado do Supremo discute estratégias para superação desta inusitada situação.
O episódio em questão reflete uma disputa interna no próprio Supremo envolvendo os ministros Gilmar Mendes e Edson Fachin. As medidas e as consequências deste e de outros julgamentos e desta disputa entre visões jurídicas distintas e seus reflexos na sociedade brasileira, deveriam ser melhor avaliados pelos contendores e todos os membros da mais Alta Corte brasileira: a beligerância visível existente no próprio Supremo, entre os poderes da República e a polarização política vivida na sociedade brasileira nos últimos anos e atualmente, em plena pandemia, são situações que deveriam preocupar a cidadania e toda a sociedade brasileira.
Como entender esta realidade?
Como a cidadania pode fazer a leitura destes episódios?
Nesta conjuntura de tragédias sem fim, a disputa presidencial de 2022 é antecipada nos meios de comunicação e na opinião pública em geral, tirando o foco dos reais problemas econômicos, sociais e de saúde pública que a sociedade brasileira enfrenta no seu dia a dia.
As narrativas construídas na conveniência de cada discurso político traz embates cotidianos sem nenhum foco na questão principal: o combate efetivo à pandemia que deveria unir toda a sociedade. As pautas dos meios de comunicação e a maneira de funcionamento dos entes federativos não ajudam a entender e superar esta difícil realidade.
O que mais poderia acontecer?
O que se pode esperar dos governantes e da sociedade em geral frente a esta realidade?
Quais são as nossas urgências?
Na vida real, longe dos palácios, uma boa parte da população continua abandonada à própria sorte no seu trágico cotidiano de falta de leitos e de assistência médica, na maioria dos municípios brasileiros, com cenas dantescas que acompanhamos como normalidade no nosso dia a dia, no auge da pandemia.
Apesar desta trágica realidade, ainda não temos um Programa Nacional de Vacinação com metas e cronogramas estabelecidos que tranquilize e passe confiança à sociedade brasileira, demonstrando a incapacidade governamental de planejar ações básicas de combate à pandemia.
O ritmo de vacinação no Brasil continua lento por falta de vacinas, as metas anunciadas pelo Governo Federal estão sendo adiadas, diferente da situação de muitos países, cuja população já avança no processo de vacinação. As evidências apontam que até o final do ano não teremos a população brasileira vacinada, pela simples razão de que não há vacinas na quantidade devida para o Brasil, no mercado internacional.
A ideologização da pandemia e a falta de planejamento para enfrentá-la caminharam e continuam a caminhar juntas, com consequências graves para a sociedade brasileira. Embora a maior responsabilidade seja do Governo Federal, que minimizou e minimiza a gravidade da situação vivida pela população, a sociedade deve exigir posicionamentos adequados dos outros entes da Federação, caso concreto do Supremo Tribunal Federal, do Congresso Nacional, dos governadores e prefeitos: como eles estão contribuindo para o enfrentamento da pandemia? O que se pode e o que está sendo feito? Exige-se dos entes federados foco e uma resposta urgente frente à tragédia vivida pela cidadania brasileira.
Em plena pandemia, a crise econômica e de saúde pública que vive o Brasil traz para o cotidiano da sociedade cenas de horror, de mortes por falta de leitos hospitalares e de oxigênio, da falta de assistência médica em geral, inclusive na área privada, colocando, após um ano de pandemia, a dimensão real da nossa realidade: a incapacidade da área federal, dos estados e dos municípios de construir um programa mínimo, em diálogo com a sociedade e o mercado, para o enfrentamento dos problemas urgentes provocados pela pandemia no Brasil.
A insegurança continua. Os dados em relação à contaminação e às mortes são assustadores. São milhões de contaminados e milhares de mortos – colocando o Brasil na liderança em relação a contaminados e mortos pela Covid 19 no cenário internacional. Já não existem leitos disponíveis na área pública, nem privada, na maioria das capitais brasileiras.
No pior momento da pandemia, os milhões de brasileiros continuam abandonados à própria sorte frente ao desemprego, à falta de uma renda emergencial que lhes assegurem o mínimo de dignidade para atravessar a crise. O Governo Federal, como principal responsável pela Política Nacional de Combate à Pandemia, com sua política negacionista e plena de contradições, só faz agravar a situação com falas que agridem ao bom senso.
O esforço dos governos e de toda a sociedade, das lideranças políticas em particular, é criar as condições de focar no que é principal: o combate e a superação da pandemia, vacinando com a urgência devida toda a população. Pautar e antecipar a disputa política-eleitoral de 2022, nesse momento trágico, no auge da pandemia, desqualifica qualquer proposta política, mesmo a melhor intencionada. Vive-se um sentimento de impotência na sociedade, angustiando uma parte considerável da população que não encontra caminhos e respostas à difícil realidade brasileira.
Urge medidas governamentais para o enfrentamento real dos problemas do cotidiano já existentes, ampliados com a pandemia. A sociedade está desafiada a se unir a favor de um Programa Nacional de Vacinação: vacinar com a urgência devida toda a população é a única maneira de retornar a vida social com segurança.
As polarizações das narrativas hoje existentes na sociedade, o proselitismo político e os salvadores da pátria, assim como a antecipação da campanha presidencial não resolvem, neste novo ano de pandemia, as dificuldades reais da sociedade brasileira.
Desde o mensalão até à Lava Jato, a sociedade brasileira ficou com a sensação que mudanças positivas estavam acontecendo no Brasil: políticos no seu amplo espectro ideológico e empresários corruptos foram indiciados, julgados e presos. Muitos com confissões que abalaram a cena política e empresarial, causando perplexidade à sociedade brasileira – o PT foi o partido que teve o maior número de lideranças indiciadas, julgadas e presas: de José Dirceu a Lula, incluindo presidentes, tesoureiros, ministros de Estado, diretores da PETROBRAS e parlamentares. O PSDB, o principal partido de oposição ao PT, também teve governadores, senadores, deputados, prefeitos denunciados, processados e presos, atingindo uma das suas principais lideranças - na época da denuncia, presidente nacional da agremiação e senador da república e ex- candidato a presidência da República, Aécio Neves. Nos processos transitados e julgados foram devolvidos centenas de milhões de reais aos cofres públicos. Os processos e as investigações continuam.
Por outro lado, deve-se combater a instrumentalização das instituições de direito a favor de um determinado partido, empresa ou lideranças políticas e empresariais, devendo ser fruto de preocupação e vigilância permanente da cidadania e de toda a sociedade brasileira.
Então, a expectativa da cidadania e da sociedade brasileira é que este seja um caminho sem volta – uma conquista efetiva de toda a sociedade no combate à corrupção. Naturalmente, aperfeiçoando e combatendo comportamentos judiciais que afrontam o Estado de Direito e a Constituição brasileira.
Assim, a construção e a afirmação da democracia não comportam ou não deveriam comportar mais visões simplistas, binárias, do “nós contra eles”, como maneira de realizar a política e enfrentar os complexos desafios da sociedade brasileira.
Portanto, podemos e devemos enfrentar a pandemia abrindo o diálogo necessário entre as forças democráticas, no caminho de uma agenda que leve a um efetivo enfrentamento dos reais e urgentes problemas econômicos, sociais e de saúde, trazendo para o exercício da política a voz dos excluídos da sociedade, pressionando os que governam a República para pautar os problemas reais da população, buscando a melhoria da qualidade de vida de milhões de brasileiros que vivem em condições precárias de moradia, sem segurança, educação, saúde, saneamento e mobilidade urbana no Brasil.
São estas as questões e os desafios a serem enfrentados por cada um e por todos nós se quisermos efetivamente superar a trágica realidade vivida atualmente, em plena pandemia, por toda a sociedade brasileira.
*George Gurgel de Oliveira, professor da Universidade Federal da Bahia, da Oficina da Cátedra da UNESCO-Sustentabilidade e do Conselho do Instituto Politécnico da Bahia
Nelson de Sá: Economist e NYT começam a dar as costas para Moro
Juiz não foi imparcial, diz revista; 'nas últimas semanas, o lado sombrio foi exposto', diz artigo no jornal
No New York Times, Gaspard Estrada, da Sciences Po, de Paris, escreveu há três semanas sobre aquela que "foi vendida como a maior operação anticorrupção do mundo, mas se tornou o maior escândalo judicial da história".
Neste final de semana, voltou à carga com uma nova versão, contra "a corrupção do sistema judicial" no Brasil, publicando que "Sergio Moro e procuradores perverteram" instituições para agir acima da lei. "Moro usou métodos em flagrante violação do estado de direito. Como recompensa, recebeu o cargo de ministro da Justiça."
Em suma, "nas últimas semanas, o lado sombrio da Lava Jato foi exposto, desnudado, e se espalhou um profundo desencanto com a chamada justiça de Curitiba".
Na Economist desta semana, "o impulso anticorrupção se desfez pela politização da Justiça, de duas maneiras".
Primeiro, "Moro acabou não sendo imparcial. Ele condenou Lula por receber um apartamento na praia. Só que Lula não era o dono nem o usava". Segundo, "com Lula fora da corrida presidencial em 2018, Moro se tornou ministro da Justiça no governo de Jair Bolsonaro, o vencedor de extrema direita".
Aí "vazaram mensagens mostrando que Moro treinou Deltan Dallagnol, o promotor principal em Curitiba".[ x ]
BOLSONARO SEM TRUMP
O South China Morning Post publicou artigo de Karin Costa Vazquez, especialista em Brics das universidades de Jindal, na Índia, e Fudan, na China, destacando que "a derrota de Trump deixa Bolsonaro reequilibrando as relações com EUA e China".
Ele não deve "mudar substancialmente com Pequim enquanto negocia" com o novo governo em Washington, mas "a longo prazo pode adotar abordagem mais matizada" com a China.
TRUMP COM FOX NEWS
CNN e MSNBC não transmitiram o primeiro discurso de Donald Trump na oposição, mas a Fox News o fez (acima), assim como seus concorrentes na direita, Newsmax e OAN.
Por outro lado, a Fox News destacou que só 55% dos entrevistados na conferência conservadora disseram que Trump é seu preferido para 2024. "Ele está perdendo força", sublinhou Karl Rove, comentarista da emissora e estrategista da ala republicana contrária ao ex-presidente.Nelson de Sá
*Jornalista, publica a coluna Toda Mídia e cobre imprensa e tecnologia
Valdir Oliveira: A traição na política é uma roupa que não nos serve mais
Traição e fisiologismo sempre foram parte do jogo político. A ilusão dessa mudança não pode prosperar se a sociedade não mudar
Ninguém cantou a liberdade e a vontade de mudar como Belchior. Seu trabalho é permeado de questionamentos sobre o hoje e inspirado na construção do novo amanhã. Sua premonição o fez dizer que “você não sente e nem vê, mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo, que uma nova mudança em breve vai acontecer”. O poeta insiste ainda, em outra canção, “mas é você que ama o passado e que não vê que o novo sempre vem”. Ele acredita no novo, mesmo sabendo que todos nos prendemos ao passado.
O mundo político brasileiro tem vivido em ebulição nos últimos dias. A eleição para as presidências da Câmara e do Senado Federal e as movimentações para a eleição de 2022 mostraram que, apesar da anunciada nova política, tudo continua como dantes no quartel de Abrantes, como diz o ditado popular.
A traição foi o prato principal dos eventos recentes e norteou as alianças e os resultados obtidos no cenário político nacional.
A frustração provocada pela traição, geralmente vem da decepção pelo abandono de uma pessoa especial, aquela que é parte da realização do sonho. Belchior, na música Divina Comédia Urbana, fala da expectativa gerada por essa pessoa, alguém que chega “como um sol no quintal” no momento angustiante da decisão, como “um goleiro na hora do gol”. E quando essa pessoa não corresponde às expectativas, a decepção transforma a derrota em abatimento e acaba por personalizar a mágoa pela promessa e expectativa não cumprida.
A traição, infelizmente, faz parte da disputa política, seja no campo do débito ou do crédito, e é sempre comemorada pelos que ganham e lamentada pelos que perdem, como se o julgamento fosse pelo resultado, e não pelo princípio.
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O ano de 2018 foi marcado por uma mudança no cenário político brasileiro que resultou no triunfo da chamada nova política. O anúncio era o fim do fisiologismo em acordos de governabilidade entre o Executivo e o Legislativo. Doce ilusão. Nosso modelo de governo não permite que o Executivo governe sem o Legislativo. A Constituição de 1988 obrigou esses dois poderes a uma relação simbiótica, na qual um não vive sem o outro. E essa simbiose coloca na pauta de negociações políticas o poder e as seduções que envolvem as imperfeições humanas.
O fisiologismo na política não é exclusividade de políticos no exercício de seus mandatos. O eleitor, na maioria dos casos, vê no processo eleitoral a chance de conseguir a solução para sua necessidade pontual. É nessa hora que o convencimento se transforma em negociata e o produto a ser negociado é a solução para o desejo individual do eleitor, seja ele um emprego, um remédio ou qualquer outra coisa que atenda ao seu anseio.
Se o político conquista o voto nessa negociação, como esperar que ele faça diferente quando tiver no exercício do seu mandato? Mas a sociedade continua a condenar o fisiologismo de seus representantes, apesar de utilizar dessa mesma arma quando tem oportunidade.
Em 1976, Belchior lançava a música Velha Roupa Colorida, imortalizada na voz de Elis Regina. A vontade de mudar era o grito de Belchior. Afinal, como dizia na canção, “o passado nunca mais”! A palavra de ordem desse hino da mudança era rejuvenescer, afinal “o passado era uma roupa que não nos serve mais!”. A mudança era tão imperativa na canção quanto no anseio popular que resultou na eleição de 2018. Se a canção trazia a necessidade de uma nova roupa para um novo momento, o povo pedia uma nova política para um novo Brasil, porque a dita velha política, do fisiologismo, da traição, da falta de transparência era uma roupa velha que não nos servia mais.
Em Como Nossos Pais, Belchior diz que “minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo diferente, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”. Apesar de toda a mobilização popular, da resistência explícita à chamada velha forma de fazer política, descobrimos que ainda somos os mesmos e vivemos como o passado que tanto rejeitamos. Não adianta esperar por uma nova forma de fazer política, se não mudarmos a nossa própria forma de votar, de escolher nossos representantes.
Como diz Belchior em Coração Selvagem, “não quero o que a cabeça pensa, eu quero o que a alma deseja”. E é por aí que vamos evoluir, pelo desejo da alma, que será a mais pura vontade de mudar para um mundo melhor. Precisamos votar com a alma, sem permitir que a cabeça racionalize para o fisiologismo e as fragilidades humanas. Nem sempre “viver é melhor que sonhar”, como diz o poeta. Se acreditamos, precisamos deixar o sonho comandar para sermos felizes.
Se aquele rapaz latino-americano estivesse vivo hoje, certamente olharia para o eleitor e diria: “Se você vier me perguntar por onde eu andei, no tempo que você sonhava, de olhos abertos lhe direi, amigo eu me desesperava”. Traição e fisiologismo sempre foram parte do jogo político, muito usado tanto pelo eleitor quanto pelo político com mandato. A ilusão dessa mudança, propagada em 2018, não pode prosperar se a sociedade não mudar.
Assim como dito em Alucinação, mais uma pérola de Belchior, “eu não estou interessado em nenhuma teoria, em nenhuma fantasia, nem no algo mais…, amar e mudar as coisas me interessam mais”. Esse precisa ser o lema dos insatisfeitos, mudar as coisas me interessam mais, porque o passado é uma roupa que não nos serve mais!
* Valdir Oliveira é diretor-superintendente do Sebrae-DF
Eliane Cantanhêde: DEM, PSDB e MDB desarticularam a oposição e a resistência institucional
DEM, PSDB e MDB desarticularam a oposição e a resistência institucional
Em baixa nas pesquisas e na sociedade, mas em alta na política e no Congresso, o presidente Jair Bolsonaro promove alianças tácitas com praticamente todo o leque partidário, desde o PT e o centro até a extrema direita e os aproveitadores de sempre. Resultado: é incrível como tudo parece andar para trás, de marcha à ré.
A Lava Jato e o ex-juiz Sérgio Moro se transformam nos grandes vilões do Brasil. Em simbiose com o Centrão, o bolsonarismo raiz se infiltra em vistosos cargos do Congresso. A pauta conservadora, de armas e excludente de ilicitude, domina o debate nacional. Até as discussões sobre auxílio emergencial deixaram de ser movidas pela tragédia social e a preocupação econômica para atender interesses políticos.
Esse processo rumo ao atraso não é novidade, mas teve grande impulso com as eleições para as presidências da Câmara e do Senado e vive seu melhor momento com a súbita perda de relevância de Rodrigo Maia, a implosão humilhante do DEM, a estridente decadência do MDB e a falta de rumo e de juízo do PSDB, um partido sem líderes.
Bolsonaro tem todos os defeitos que nós sabemos e só não vê quem não quer, mas ele não é fraco, não. O capitão, que subjugou os generais e cooptou os escalões inferiores das Forças Armadas, também desarticulou a oposição política e a resistência institucional. O caminho está livre para tocar o projeto de Jair, Eduardo, Carlos e Flávio Bolsonaro, sob inspiração do tal guru.
Governos, parlamentos e entidades estrangeiras, fundos de investimentos internacionais, ex-ministros, ex-chanceleres, ex-presidentes do Banco Central, centenas de padres católicos e pastores batistas, anglicanos, presbiterianos indignam-se com o que ocorre no Brasil, mas a realidade anda para um lado e a política vai na direção oposta.
Quem vai botar o pé na porta quando Bolsonaro atacar a democracia e as instituições? Arthur Lira, o presidente da Câmara que é líder do Centrão e cheio de problemas no Supremo? DEM, PSDB e MDB, que venderam a alma ao diabo e os votos por verbas, cargos e promessas de ministérios?
E quem vai garantir maioria pró-Lava Jato, já oscilante, no Supremo? O presidente Luiz Fux faz a parte dele, mas até quando um Alexandre de Moraes terá respaldo para segurar as investidas golpistas que vêm do outro lado da Praça dos Três Poderes?
O cenário é preocupante e DEM, PSDB e MDB têm grande responsabilidade nisso. Para além dos ataques estéreis entre Rodrigo Maia e ACM Neto, vamos aos fatos: DEM levou longos anos construindo uma imagem, renovando suas lideranças, equilibrando o liberalismo econômico com foco social e, assim, conquistou força e destaque na política nacional. Na hora decisiva para o País, porém, demoliu tudo num estalar de dedos.
DEM e PSD do ex-prefeito Gilberto Kassab surgiram do racha do PFL, que tantos serviços prestou à redemocratização. Agora, tantos anos depois, eles voltam a se encontrar na mesma raia, que não é pragmática, só oportunista. Se Bolsonaro está forte politicamente e leiloando cargos, estão com ele. Se mais adiante tropeçar e despencar nas pesquisas, pulam fora.
ACM Neto tem pedigree, não é amador e não erraria de forma tão primária. Logo, é um risco calculado que não faz jus, digam o que quiserem, à história do PFL nem ao legado de Jorge Bornhausen, Marco Maciel e Guilherme Palmeira. E o mais triste é que os novos dissidentes não têm saída. PSDB? MDB? É trocar seis por meia dúzia.
Tudo sempre pode mudar, mas, neste momento, o tal candidato de centro é quase uma piada e Bolsonaro dá risadas ao se preparar para enfrentar o PT em 2022. Ou melhor, para enfrentar o próprio Lula. O caminho já poderá ser aplainado, hoje, pela Segunda Turma do Supremo.
Luiz Carlos Azedo: Um candidato no telhado
Huck parece realmente disposto a largar o mundo do entretenimento e ingressar na política. Mas a aposentadoria do Faustão pode mudar suas perspectivas na TV Globo
Desculpem-me o trocadilho com a inspiradora história do leiteiro Tevje e sua família, na pequena aldeia russa de Anatecka, um conto de autoria de Scholem Aleichen, o grande escritor ídiche, a língua falada pelos judeus da Europa Central e Oriental. Com sua esposa Golde, ele tenta criar as filhas Tzeitel, Hedel, Chava, Shprintze e Bielke na melhor tradição judaica. Tevje e sua canção “Se algum dia eu ficasse rico” bombaram na estreia do musical “Um violinista no telhado” (Anatevka) na Broadway, em setembro de 1964.
Foi um verdadeiro espanto à época, porque o musical era em ídiche, uma mistura de alemão, hebraico e línguas eslavas, e lotou as sessões do Teatro Imperial da Broadway. O título original da adaptação é Fiddler on the roof (Um violinista no telhado). “Parece loucura, não é? Mas no nosso lugarejo Anatevka é assim. Cada um de nós é um violinista no telhado. Ficamos aqui, porque Anatevka é a nossa terra natal. E o que traz equilíbrio à nossa mente pode ser resumido numa palavra: tradição”, esclarece o protagonista da peça. Dirigido por Norman Jewison, com roteiro de Joseph Stein, a versão para o cinema, lançada em 1971, também fez grande sucesso e ganhou quatro Oscar: fotografia, som, direção de arte e trilha sonora.
O filme, uma comédia dramática, é boa pedida para o domingão. Religioso, Tevje imagina que suas cinco filhas deverão pouco a pouco seguir o caminho em direção ao “porto seguro” do casamento. Pobre, tenta, com a ajuda de sua mulher, Golde, casar a filha mais velha com o açougueiro Lazar Wolf, bem mais velho rico e endinheirado. O casamento de conveniência é frustrado pela personalidade teimosa da filha Zeitel, que se apaixona pelo pobre alfaiate Mottel. Para desespero do casal, a segunda filha se apaixona pelo estudante revolucionário Perchik, tomando a decisão de segui-lo até a Sibéria, para onde ele havia sido banido pelo regime czarista. Como se não bastasse, a terceira filha, Chava, ultrapassa os limites da tolerância de Tevje, ao casar-se com o cristão Fedja, o que o pai considera uma traição. Entretanto, um pogrom iminente no vilarejo no qual conviviam judeus e cristãos ortodoxos, força Tevje, Golda e suas duas filhas mais novas a emigrar para os Estados Unidos.
Caldeirão
Na política, quem subiu no telhado nas eleições de 2018, quando o cavalo passou arreado, e nunca mais desceu, foi o apresentador Luciano Huck. Jovem, rico, bem-informado, carismático, bem assessorado — o ex-governador Paulo Hartung e o economista Armínio Fraga são seus principais conselheiros —, o comunicador conhece o Brasil de ponta a ponta e tem perfil de filantropo, sinceramente empenhado em melhorar a vida das pessoas. No seu caldeirão, conseguiu a proeza de fundir o entretenimento despretensioso com o fomento do empreendorismo. Aos interlocutores, Huck tem revelado o desejo de se candidatar à Presidência da República. Tem seus motivos: acredita que pode atrair para a política jovens lideranças da sociedade, vê nela uma maneira de melhorar a vida das pessoas no atacado e não deseja passar toda a vida repetindo o que já faz, embora seu programa de tevê tenha acompanhado a metamorfose da vida pessoal de seu criador.
Nos últimos meses, Huck parecia realmente disposto a largar o mundo do entretenimento e ingressar na política. Seguia um roteiro mais ou menos previsível. Em junho, teria que deixar a TV Globo, por exigência da própria empresa. Como todo outside da política, com base na legislação eleitoral, teria até 4 de abril de 2022 para escolher um partido. Obviamente, escolheria o que lhe oferecesse mais garantias de legenda e melhores condições políticas para concorrer. Mesmo assim, ainda teria até 15 de agosto para registrar a candidatura. O problema é que, na política, o tempo não é igual para todos. Huck precisa descer do telhado.
O DEM se colocava como boa alternativa, saiu das eleições fortalecido das municipais, tinha um núcleo dirigente jovem e uma imagem de partido liberal consolidada. Entretanto, alinhou-se com o presidente Jair Bolsonaro e catapultou o principal interlocutor de Huck na legenda, o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (RJ), para fora do partido. O PSDB, cada vez mais liberal e menos social-democrata, também não é alternativa, embora o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso goste de Huck, porque o governador João Doria (SP) dá demonstrações efetivas de que vai disputar a Presidência da República.
Restam o Cidadania, com três senadores e sete deputados, cujo presidente, o ex-deputado Roberto Freire, é um entusiasta de sua candidatura, e o Podemos, liderado pela deputada Renata Abreu, com nove senadores e 10 deputados, que namorava o ex-juiz Sérgio Moro, que optou pela advocacia empresarial. Os dois partidos, como a família de Tejve, correm risco de diáspora; precisam de um candidato para chamar de seu e, com isso, ultrapassar a cláusula de barreira. Entretanto, podem ficar a ouvir o violinista no telhado, porque a aposentadoria do apresentador Faustão abriu a possibilidade de Huck se tornar o dono das tardes de domingo na TV Globo.
El País: Derrocada da Lava Jato expõe Moro como guia da força-tarefa, e escândalo cai no colo do STF
Mensagens do ex-juiz com procurador Deltan Dallagnol obtidas pela defesa do ex-presidente Lula têm potencial de anular processos em andamento, segundo juristas. Caso já é chamado de “maior escândalo da Justiça no Brasil”
Carla Jiménez, Felipe Betim e Regiane Oliveira, El País
Sete anos após provocar uma reviravolta sem precedentes na política e na economia do Brasil, a outrora poderosa Operação Lava Jato viveu nesta quarta-feira, 3 de fevereiro, um melancólico apagar de luzes com o anúncio de que já não existe mais —ao menos não da forma como ficou conhecida. A força-tarefa de Curitiba deixa de existir e torna-se um apêndice do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco). O desfecho acontece após a operação entrar numa espiral de descrédito no mundo jurídico, que culminou com a exposição de diálogos entre o ex-juiz Sergio Moro e o então chefe da força-tarefa, Deltan Dallagnol.
O conteúdo, tornado público nesta segunda-feira, 1, pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandovski a pedido da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, confirma parte das informações que já haviam sido reveladas pelo The Intercept Brasil, na sérieVaza Jato. Publicada desde 9 de junho de 2019, a série trazia alguns diálogos de Dallagnol e Moro, mas principalmente conversas entre os procuradores da força-tarefa do Ministério Público Federal do Paraná. Um total de 105 reportagens foram escritas por diversos veículos de imprensa, incluindo o EL PAÍS Brasil, a partir do material obtido pelo The Intercept.
No entanto, o material exposto nesta segunda-feira vai muito além do que o exposto pela Vaza Jato. E tem o potencial de reescrever a história da operação. Em 50 páginas de mensagens selecionadas pelo perito Cláudio Wagner, a pedido da defesa do ex-presidente Lula, lê-se de maneira cristalina como Moro, que deveria ser neutro para julgar os processos apresentados pelos procuradores do Ministério Público Federal (MPF) de Curitiba, tinha comunicação permanente com integrantes da força-tarefa, especialmente com o ex-chefe da operação, Deltan Dallagnol. Entre setembro de 2015 e junho de 2017, há registros de trocas sistemáticas de diálogos entre os dois pelo aplicativo Telegram —fora dos ritos processuais— para tratar de detalhes de decisões em andamento, em que o então juiz do caso cobra informações e sugere ao menos uma fonte para ser ouvida pelo Ministério Público no processo do ex-presidente Lula. “O material que o moro nos contou é ótimo. Se for verdade, é a pá de cal no 9 e o Márcio merece uma medalha”, diz Dallagnol numa comunicação feita pouco depois das 19h, em 29 de julho de 2016. As mensagens estão sendo apresentadas neste texto com a grafia em que aparecem nos arquivos apreendidos; o número “9” é como os procuradores tratavam, de forma pejorativa, o ex-presidente Lula, em função da ausência de um dos dedos da mão, perdido em um acidente de trabalho.
Não era a primeira vez que Moro sugeria caminhos para a investigação. Em trecho de 7 de dezembro de 2015, ele dá dicas ao procurador: “Entao. Seguinte. Fonte me informou que a pessoa do contato estaria incomodado por ter sido a ela solicitada a lavratura de minutas de escrituras para transferências de propriedade de um dos filhos do ex Presidente. Aparentemente a pessoa estaria disposta a prestar a informação. Estou entao repassando. A fonte é seria”, lembrou o juiz. No que Deltan agradeceu a corteisa. “Obrigado!! Faremos contato”. Para Moro valia a pena seguir a pista, afinal, “seriam dezenas de imóveis”. A fonte, em questão, não se mostrou crível como apontou a continuação do diálogo. A fala havia sido revelada em junho de 2019 pelo The Intercept. Na ocasião, Moro afirmou ao Estadão, que repercutiu a fala, que “tudo o que chegava que era relevante, ou a gente encaminhava para a polícia ou Ministério Público, seja lá se a informação eventualmente beneficiava defesa ou acusação”. Segundo ele, o objetivo era “descobrir a verdade”. Os métodos tornados públicos agora, porém, são considerados condenáveis por irem contra todo o princípio de imparcialidade que se espera, ainda mais num caso de extrema delicadeza com potencial de alterar os rumos políticos do país —a Lava Jato foi responsável por enquadrar o ex-presidente na Lei da Ficha Limpa e retirá-lo da corrida presidencial contra Bolsonaro em 2018.
Em outro trecho de 14 de dezembro de 2016 Deltan informa Moro sobre o andamento de duas denúncias. “Denúncia do Lula sendo protocolada em breve. Denúncia do Cabral será protocolada amanhã”, informa o procurador, citando ali o ex-governador do Rio, Sergio Cabral. O então juiz responde a comunicação extraoficial quase como um torcedor: “Um bom dia afinal”, seguido de um emoticon feliz.
As conversas fora dos autos foram captadas pela Operação Spoofing, a investigação da Polícia Federal que prendeu hackers que invadiram celulares dos procuradores da Lava Jato e tiveram acesso aos arquivos de mensagens dos procuradores no aplicativo Telegram —e foram base para a Vaza Jato. Depois, os diálogos foram obtidos na íntegra pela PF. A defesa de Lula solicitou os trechos que diziam respeito ao processo do ex-presidente. Nelas, os dois maiores protagonistas da Lava Jato mostram intimidade de parceiros de trabalhos, partilhando emojis, risos em linguagem de internet, pedindo reuniões reservadas com parte dos integrantes da força-tarefa e até orientando melhores caminhos para a comunicação com a imprensa. “Precisamos conversar com urgência. Hj as 1430 ou as 1500 vcs podem? Mas melhor virem em poucos pois melhor mais reservado. Quem sabe vc, o lima, Athayde e Orlando?”, propõe Moro a Dallagnol, mencionando, possivelmente, Carlos Fernando Lima, Athayde Ribeiro Costa e Orlando Martello Jr.
Se a Vaza Jato provocou um terremoto e representou uma perda de prestígio da operação e de Moro, as mensagens conhecidas nesta segunda podem jogar uma pá de cal na credibilidade de algumas decisões tomadas pela Lava Jato, segundo juristas ouvidos por este jornal. O escândalo bate à porta do Supremo Tribunal Federal que tem um encontro marcado com Moro no julgamento do pedido da defesa do ex-presidente Lula de suspeição do ex-juiz e consequente anulação da condenação do petista no caso do triplex do Guarujá. Lula foi preso em abril de 2018 por ter supostamente recebido o apartamento em seu nome em troca de favores para a empreiteira OAS. Saiu 580 dias depois, em novembro do ano seguinte, após uma mudança de interpretação do STF sobre prisão de condenados em segunda instância.
A comunicação fluída entre Moro e Dallagnol viola a relação juiz-procurador e rompe o princípio da imparcialidade aos olhos do Direito. “Este é o maior escândalo da história da Justiça no Brasil”, diz o jurista Rafael Valim. Marco Aurélio de Carvalho, líder do grupo Prerrogativas —que reúne cerca de 1000 juristas, incluindo advogados de réus da Lava Jato que militam contra as práticas açodadas da operação—, segue a mesma linha. “O Supremo tem uma chance única de reacreditar o sistema de Justiça. Nesse processo, perdeu-se muito de credibilidade com a politização do Judiciário”, diz Carvalho.
A Lava Jato participou de investigações que levaram a 278 condenações, algumas de réus confessos, como o empresário Marcelo Odebrecht, que sustentava um departamento de propina para políticos na empreiteira, ou Pedro Corrêa, ex-deputado do PP, que mencionou troca de apoio aos Governos petistas em troca de ministérios, além de cargos em diretorias de empresas públicas como a Petrobras. “O mesmo que se fazia nos Governos anteriores. Inclusive com o entendimento e favores a empresários, igualzinho a todos os Governos que participei desde 1976”, ressaltou ele, em entrevista ao Paraná Portal. Em sua delação aos procuradores, Correia apontava corrupção na Petrobras desde o Governo de Fernando Henrique Cardoso (1994-1998 e 1999-2002).
O problema são os juízos onde as investigações tiveram atropelos com consequências diretas para os rumos políticos do Brasil. A Vaza Jato já havia revelado conversas que mostravam as estratégias de divulgação para a imprensa e o contato direto dos procuradores com movimentos de rua que torciam pela queda da então presidente Dilma Rousseff em 2016, retroalimentando a pressão popular para favorecer os pleitos da Lava Jato. Mesmo quando passavam por ilegalidades, como a exposição de um telefonema entre o ex-presidente Lula e Rousseff, em que eles discutiam a futura noemação do ex-presidente para um cargo de ministro. A celeridade da condenação de Lula também causou uma clara sensação de parcialidade, incluindo a confirmação de pena em segunda instância.
Divisor de águas
O julgamento da suspeição de Moro pode, assim, ser um divisor no passado de glórias da Lava Jato e vaideterminar o futuro do combate à corrupção no Brasil. Os trechos de arquivos apreendidos pela Operação Spoofing mostram que o sucesso da operação teve um custo alto para a imagem da Justiça brasileira, com excessos que afetam a credibilidade do sistema Judiciário. Ignorar esses desvios seria um golpe que contaminaria o mesmo Supremo. O processo está nas mãos do ministro Gilmar Mendes, que pediu vistas e já avisou que ele poderá ser julgado pela Segunda Turma do Supremo ainda no primeiro semestre deste ano. Em tese, as informações divulgadas tornariam mais difícil aos ministros da Corte justificarem um comportamento que vai contra o princípio da imparcialidade do Direito brasileiro.
A dúvida, no entanto, é se eles vão admitir as mensagens como legítimas ou tomá-las como provas ilícitas, diz o advogado Alberto Toron, que defende réus da Lava Jato. “Reconhecidamente esse material foi interceptado de forma ilícita [pelos hackers que invadiram os celulares dos integrantes da Lava Jato e de Moro], o que abre uma grande discussão no processo penal, pois não valem para acusar alguém. Mas e para se defender ou mostrar parcialidade de um juiz?”, questiona Toron.
A montanha de mensagens confirma o que advogados de defesa dos réus reclamavam desde o início da operação, em 2014. “Um juiz precisa ser equidistante e assegurar à acusação e à defesa as mesmas condições. Isso é a negação radical desse princípio fundamental do exercício da magistratura”, afirma o advogado Maurício Dieter, professor de criminologia da USP. Os procuradores e o juiz encarnaram uma espécie de “tenentismo togado”, como escreve o jurista e cientista político Christian Edward Cyril Lynch —numa alusão aos tenentes que se revoltaram contra a República Velha na década de 1930— os novos heróis, no caso juízes e promotores da Lava Jato, assumiram para si a tarefa de limpar a política, “se não mais a golpes de metralha, pelo menos de vazamentos, delações premiadas e rigorosas condenações judiciais”. Foram bem sucedidos por um tempo em sua “Revolução Judiciarista”.
Moro nunca reconheceu o teor das conversas e sempre afirmou que podiam ter sido adulteradas. Após o movimento de Lewandowski, o ex-ministro da Justiça do Governo Jair Bolsonaro voltou a repetir sua justificativa: “Não reconheço a autenticidade das referidas mensagens, pois como já afirmei anteriormente não guardo mensagens de anos atrás”, disse em nota. “As referidas mensagens, se verdadeiras, teriam sido obtidas por meios criminosos, por hackers, de celulares de procuradores da República, sendo, portanto, de se lamentar a sua utilização para qualquer propósito, ignorando a origem ilícita”. O problema desse argumento é que a própria Polícia Federal, acionada pelo então ministro Moro quando a Vaza Jato publicava suas reportagens, fez a perícia das mensagens e constatou que são verdadeiras. O MPF de Curitiba informou por meio da assessoria de imprensa que não comenta o caso.
Hélio Schwartsman: O que fazer com as sandices que líderes populistas publicam nas redes sociais?
Mesmo longe de uma boa solução, banimento é preferível à censura estatal pura e simples
Uma das características da onda de extrema direita que varre o mundo é a instrumentalização da liberdade de expressão para propagar notícias falsas e discursos virulentos. A reação de muitos dos democratas tem sido a de defender uma relativização das proteções à liberdade de expressão. Será que é esse mesmo o caminho?
Vale lembrar que, durante ao menos dois séculos, versões razoavelmente fortes da liberdade de expressão desempenharam papel central na consolidação de algumas de nossas melhores instituições, como a democracia e a ciência. Não penso que devamos correr o risco de retrocesso nessas áreas só porque experimentamos um quinquênio de dissabores.
O que fazer, então, com as sandices que líderes populistas como Donald Trump e Jair Bolsonaro publicam em suas redes sociais? A pior solução seria atribuir a algum órgão de governo o poder de decidir o que vai ou não ser publicado. Felizmente, não há muitos defendendo esse caminho.
Uma saída mais popular tem sido pressionar as big techs para que exerçam seu poder de edição e banam ou ao menos reduzam a visibilidade dos discursos mais radicais/violentos. Isso é decerto preferível à censura estatal pura e simples, mas fica ainda longe de uma boa solução.
A reclamação de trumpistas e bolsonaristas de que a exclusão das redes também configura censura procede só em parte. Se o cidadão deve ter a liberdade de dizer o que quer, empresas devem ter a de escolher o que vão ou não publicar. Melhor ainda se elas forem muitas, ideologicamente diversas e se pautarem por regras racionais, claras e previamente anunciadas.
A principal dificuldade desse arranjo é que ele concentra poder demais nas mãos dos hoje poucos atores empresariais. Mas não deixa de ser um avanço trocar o quase impossível paradoxo da tolerância (precisamos tolerar os intolerantes?) pelo problema mais tratável de como lidar com monopólios.
O Estado de S. Paulo: Promessas para eleições no Congresso esbarram em orçamento
Na disputa pelo comando da Câmara e Senado, candidatos sugerem estender auxílio emergencial e governo oferece emendas ‘extras’; teto de gastos limita execução
Adriana Fernandes, Camila Turtelli e Daniel Weterman, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - As promessas feitas pelo Palácio do Planalto para atrair votos em benefício de seus aliados nas eleições que renovarão o comando da Câmara e do Senado esbarram no orçamento apertado deste ano. O cenário das contas públicas é crítico para a liberação de emendas parlamentares e aumento de gastos. Além disso, desde que o projeto de lei do Orçamento foi enviado pelo governo ao Congresso, no ano passado, houve um aumento de R$ 30,5 bilhões nas despesas, que precisam ser acomodadas no teto de gastos.
O Planalto já tem “pendurada” uma conta de R$ 19 bilhões de emendas não pagas no ano passado, como mostrou o Estadão. A cifra, indicada por deputados e senadores para transferir verbas a seus redutos eleitorais, vai “competir” com as despesas programadas para o Orçamento deste ano. Agora, emendas extras e cargos estão sendo negociados pelo governo, nos bastidores, para favorecer a candidatura do deputado Arthur Lira (Progressistas-AL), chefe do Centrão, à presidência da Câmara.
A votação do projeto de lei do Orçamento será depois das eleições para o comando da Câmara e do Senado, marcadas para fevereiro. As emendas parlamentares ao Orçamento são indicadas por deputados e senadores, que destinam recursos para obras em suas bases e funcionam como moeda de troca com o Executivo. Neste ano, o governo está prometendo liberar recursos adicionais para quem apoiar seus candidatos.
O presidente Jair Bolsonaro entrou nas negociações. Cobrou publicamente a adesão da bancada ruralista à campanha de Lira, já se reuniu com deputados de vários partidos para pedir votos e também disse ter “simpatia” pela candidatura de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) ao comando do Senado.
Além das emendas oferecidas pelo Planalto, que deu carta-branca a Lira e ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), para fazer as ofertas em nome do governo, os próprios candidatos defendem propostas que elevam despesas e não têm como ser cumpridas.
Principal adversário de Lira, o candidato do MDB, Baleia Rossi (SP), defendeu a prorrogação do auxílio emergencial enquanto a pandemia não acabar. Disse, porém, que todas as soluções precisam estar dentro do teto de gastos, a regra constitucional que limita o crescimento das despesas de um ano para outro à variação da inflação. “Ficar de braço cruzado é que não adianta. Vamos cobrar o governo que se reorganize e estabeleça prioridades”, afirmou Baleia, por meio de sua assessoria.
Lira, por sua vez, negou que esteja negociando emendas em troca de votos, com aval do Planalto. “Os deputados e senadores sabem melhor do que qualquer servidor do Executivo quais são as necessidades de suas localidades, de seu eleitorado, da população”, disse ele. “Tudo deve ser olhado com base no teto de gastos. Esse é um importante limite que precisamos respeitar.”
As emendas impositivas (individuais e de bancada) para este ano somam R$ 16, 3 bilhões. Na hipótese de contingenciamento do Orçamento, que deve ocorrer em março, mesmo essa rubrica, porém, pode ser bloqueada na mesma proporção do corte de verbas.
“Vai ser preciso tratar essas emendas a pão e água e tudo isso faz os dentes rangeram no mundo político”, disse o pesquisador do Insper Marcos Mendes. Para ele, a prioridade do País em 2021 não pode ser obras em redutos de parlamentares. “Eles deveriam direcionar esses recursos para o Bolsa Família, para que mais famílias vulneráveis, afetadas pela covid, pudessem ser assistidas”, destacou.
Pressão
No Senado, tanto Rodrigo Pacheco, do DEM, como a candidata do MDB, Simone Tebet (MS), são pressionados por bancadas a pautar uma nova rodada do auxílio emergencial, caso vençam a eleição. “O auxílio emergencial, observando os critérios da Lei de Responsabilidade Fiscal e o limite do teto de gastos, ainda que com menor valor, tem, sim, que estar na agenda de qualquer candidato”, disse Simone Tebet.
Pacheco evita tocar no assunto por estar em uma sinuca de bico. De um lado, tem apoio de Bolsonaro, que não se comprometeu com a continuidade do benefício. De outro, é cobrado por partidos como PT e PDT, que viraram aliados, mas pressionam pela prorrogação do auxílio.